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TECNOLOGIA E AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL

O Brasil, vem testemunhando, nos últimos anos, que é mais fácil ouvir discursos sobre a importância da modernização científica e tecnológica, do que vê-la acontecer. As dificuldades parecem perenes e insuperáveis, quando olhamos e constatamos que os velhos problemas de nosso País, como a fome, ainda estão presentes.

O World Development Report de 1993, do Banco Mundial (BIRD), revelou, com toda a clareza, que o Brasil não apenas gasta muito pouco com a saúde de seus cidadãos, como o faz de modo distorcido. O relatório do BIRD apresenta três situações óbvias em todos os países não desenvolvidos e que, de modo sintético, traduzem o quadro verificado no sistema de saúde do Brasil: aumenta a proporção de gastos com tratamentos caros e continuam insuficientes as despesas com diagnóstico precoce e medidas preventivas; é absurda a incompetência gerencial existente na administração de serviços de saúde e chega a ser especialmente irritante no caso de certos hospitais; é má a qualidade do atendimento oferecido, especialmente para os mais necessitados.

Outro relatório, divulgado pela imprensa e encomendado pela Associação Médica Brasileira a equipes da UFMG e de outras entidades, revelou que o Brasil passou a ocupar o 63° lugar no “ranking” de investidores em saúde, ficando em penúltimo lugar na América Latina, porque destinou ao setor, no ano de I993, ridículos US$ 21 per capita!

O tempo avança e o país mergulha, cada dia mais fundo, na desesperança, diante das incertezas que cercam o seu futuro, ameaçando sufocar para sempre suas aspirações de potência econômica emergente. A assimetria e o desequilíbrio entre as regiões do País estão sendo reforçadas no atual contexto, de fim de século e de fim de sonhos para muitos brasileiros.

Esse, felizmente, ainda não é o caso do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que a cada dia extrai mais forças e esperanças, empunhando o mapa da fome no Brasil.

Compartilho com o otimismo de Betinho. Prefiro acreditar que este País ainda tem chance de participar efetivamente do acervo internacional de conhecimentos e tecnologias avançadas, utilizando-as para satisfazer as suas necessidades sociais mais prementes, como a fome e a mortalidade infantil. Conquanto saiba aproveitar, com inteligência e no tempo justo, as janelas de oportunidade que vão se fechando.

A história econômica mostra o estreito vínculo entre a posse de conhecimentos e inovações tecnológicas e o surgimento de impérios e mesmo de verdadeiras civilizações: desde a velha Mesopotâmia, até a propalada liderança atual do Japão, verificou-se, ao longo do tempo, uma migração geográfica do pólo internacional de inovações.

A difusão internacional de tecnologia e de conhecimentos em geral tomou-se crucial na atual conjuntura internacional. Dentre as várias mudanças em curso, destaca-se o processo de desmaterialização da produção, no qual o custo da mão-de-obra e das matérias-primas decresce relativamente aos custos derivados dos investimentos em informação, ciência, tecnologia e educação. Reduzem-se drasticamente as vantagens comparativas tradicionais do subdesenvolvimento e aumenta o fosso entre os países periféricos e as fontes mundiais de dinamismo econômico e tecnológico.

O novo paradigma ou padrão tecnológico é formado por duas vertentes: a primeira, desenvolvida inicialmente nos Estados Unidos, corresponde à difusão das tecnologias da informação, baseadas na microeletrônica (computação, telecomunicação digital, controle eletrônico de equipamentos e processos industriais, entre outras); a segunda, desenvolvida inicialmente no Japão, corresponde à difusão de um novo modelo gerencial e organizativo, baseado nos conceitos de máxima flexibilidade e agilidade de resposta, estoque-mínimo e zero-defeitos.

Estas duas linhas de mudança convergem e se complementam, chegando a constituir um novo modelo de eficiência produtiva, que vai sendo introduzido em todos os ramos da produção de bens e de serviços, estabelecendo novos patamares de produtividade, qualidade e capacidade de resposta, superiores aos anteriores e elevando a competitividade em diferentes mercados. Novos patamares de competitividade são alcançados pela combinação desses dois componentes e dessa junção nasce o novo senso comum a respeito do que é eficiente e do que deixa de ser. No novo paradigma tecnológico, a inovação organizacional indicada como sendo a mais fundamental, entre todas, considerada pré-requisito para que a introdução das demais seja bem sucedida, toma como tema básico a descentralização da “tomada de decisão”. Esta por sua vez, requer “tomadores de decisão” treinados para implantar uma nova cultura organizacional, da qual fazem parte novos valores éticos.

Tomou-se particularmente visível nos últimos anos que, no setor saúde do país, a corrupção e a falta de criatividade na formulação das políticas, andaram juntas, agravando, sobremaneira, os inúmeros constrangimentos estruturais existentes à incorporação de tecnologias e à introdução de uma nova “rationale”. Um dos muitos resultados negativos é a acumulação de equipamentos incompatíveis e que rapidamente ficam fora de uso. Gerou-se, assim, a situação de verdadeiro disparate nas possibilidades de acesso aos benefícios dessas modernas tecnologias médicas para os que mais delas necessitam.

As modernas tecnologias têm um grande potencial, oferecendo um enorme número de soluções para ajudar a resolver os problemas de saúde do Brasil. Este potencial fica prejudicado, entretanto, pela impossibilidade de conduzir até o fim programas e projetos estratégicos e pela falta de critérios para auxiliar na seleção de tecnologias e na decisão sobre onde e como adquirí-las e alocá-las.

Existem métodos já desenvolvidos internacionalmente no arcabouço da avaliação tecnológica em serviços de saúde e que permitem lidar com estas questões de modo sistemático.

Nos Estados Unidos houve uma estreita e direta relação entre a passagem e implantação, em 1966, dos programas Medicare e Medicaid e o crescimento explosivo da denominada Pesquisa em Serviços de Saúde; trata-se de um campo de esforços acadêmicos, em rápida expansão, cujas origens mais remotas podem, entretanto, ser localizadas no princípio do Século XX. Mais especificamente, na investigação conduzida por Flexner, no ano acadêmico de 1909-10, sobre 150 escolas médicas dos Estados Unidos e Canadá e que antecederam, em muitos anos, os esforços para elevar a qualidade e reduzir os custos da atenção médica naqueles países. Outros estudos precursores, no período pós II Guerra Mundial, deram origem ao enfoque moderno da avaliação da qualidade em saúde.

O fato é que a inovação tecnológica em Medicina, no Século XX, colocou para a sociedade enormes dificuldades econômicas e complicadas questões éticas que precisam ser enfrentadas para que as tecnologias médicas possam ser usadas efetivamente e eficazmente no futuro.

A prática da avaliação, em busca de um novo patamar de qualidade nos serviços de saúde do País, necessita ser introduzida o mais rápido possível, no estudo e no controle social e político dos diferentes aspectos e conseqüências do desenvolvimento científico e tecnológico em Medicina, para os vários grupos da população. Trata-se, portanto, de tomar como alvo político prioritário a aplicabilidade social da tecnologia médica e das disciplinas científicas a ela concernentes.

Desenvolvimento criativo de métodos de avaliação em serviços de saúde, que venham a ter efeitos controladores fulminantes sobre a situação caótica verificada nos serviços de saúde do Brasil e que, além do mais, possam orientar a formulação de políticas específicas para o setor, voltadas para o desafio de bem gastar os escassos recursos disponíveis. É o novo desafio à tão falada criatividade brasileira e a receita que o setor necessita para assegurar a viabilidade técnica e política da proposta da municipalização dos serviços de saúde: avaliação em serviços de saúde, em íntima conexão com estudos epidemiológicos orientados para o presente e para o futuro.

Phillip Musgrove - um dos responsáveis pelo relatório do BIRD - declarou, segundo noticiou a imprensa, que “o problema do Brasil é que se prometeu tudo a todos e isso simplesmente não pode ser feito”.

Saiba o senhor Musgrove que este país precisa de um sistema universalizado de saúde e o terá, sendo este um princípio constitucional inquestionável, apesar das manobras visando o retrocesso. O desafio agora é viabilizar o SUS de que o Brasil carece e não há mais tempo a perder.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1993
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