Acessibilidade / Reportar erro

MESTRADO EM MEDICINA: UM CURSO ENTRE A ESPECIALIZAÇÃO E O DOUTORADO

Na década de 60 iniciou-se urna discussão visando a regulamentação do Cursos de Pós-Graduação strictu sensu no Brasil.

O Parecer 977/65 do CFE, de lavra do professor Newton Sucupira, aprovado em 3/12/1965, analisou a origem histórica da Pós-Graduação, demonstrando a “influência germânica no ensino superior norte­americano” e deste sobre a Pós-Graduação brasileira.

Ao discorrer sobrea necessidade da Pós-Graduação, ponderou sobre a sua importância “seja para completar a formação do pesquisador, seja para o treinamento do especialista altamente qualificado”.

Ao analisar o modelo norte-americano, asseverou que o nosso não deveria ser objeto de pura cópia, mas que servisse de orientação.

Nas considerações relativas ao Mestrado e Doutorado, separou o sistema em duas partes, a primeira compreendendo frequência às aulas e seminários e, a segunda, investigação científica, preparando a dissertação ou tese.

Em 18/11/82 foi lançado o II Plano Nacional de Pós-Graduação3. II Plano Nacional de Pós-Graduação. Decreto 87.814 de 16/11/1982. Diário Oficial da União (DOU), seção I. pp.21469-71. 16/11/1982., que oferecia como “...objetivo central a formação de recursos humanos qualificados para atividades docentes, de pesquisa em todas as suas modalidades e técnicas, para atendimento às demandas dos setores público e privado...”

No item 6.4 do tópico “Estratégias” do III Plano Nacional de Pós-Graduação 1986-19894. III Plano Nacional de Pós-Graduação 1986-1989. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior, CAPES, Imprensa Universitária, UFSM, 1986. “verificou-se que uma das intenções seria"... “promovera interação efetiva entre atividades de pesquisa e pós-graduação com o ensino da graduação...”. No item 6.9 o objetivo seria” ... assegurar a diversidade de fontes de financiamento para a pesquisa e pós-graduação". Podemos ainda nos referir aos itens 6.13, 6.14 e 6.22, inciso a e b, onde ênfase é dada a atividades de pesquisa.

No artigo “Relações entre o ensino de graduação, pós-graduação e educação continuada”, CAMILLO COURA (1987)1. CAMILLO-COURA, L. Relações entre o ensino de graduação, pós-graduação e educação continuada. R. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro, 11 (3): 114 - 18. 1987. definiu, de forma didática e com conhecimento de causa, os objetivos da pós-graduação. Afirmou que os programas de Mestrado dever-se-iam alicerçar no “...treinamento docente para o exercício de magistério superior”, ressaltando que, neste nível, “...o aluno deva iniciar-se em metodologia da investigação científica...”.

Ainda nesse artigo, CAMILLO-COURA1. CAMILLO-COURA, L. Relações entre o ensino de graduação, pós-graduação e educação continuada. R. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro, 11 (3): 114 - 18. 1987. assinalou, dentre as deficiências da pós-graduação, “... a não participação dos alunos nas atividades relacionadas com o ensino da graduação...”. Refletiu sobre o que definiu como "... um estranho perfil de “Mestre”: professor, sem participação ativa no processo didático, e médico, muito bem formado, porém quase exclusivamente em atividades teóricas...”.

No item 4, forneceu sugestões para a relação entre o ensino da graduação, educação médica continuada e pós-graduação. Enfatizemos o disposto no item 4.2 e seus sub-itens.

Análise Crítica

O parecer 977/65 considerou a Pós-Graduação como necessária à complementação da formação do pesquisador. No III Plano Nacional de Pós-Graduação4. III Plano Nacional de Pós-Graduação 1986-1989. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior, CAPES, Imprensa Universitária, UFSM, 1986., o item 6.4 associou a pesquisa à pós-graduação, enfatizando o item 6.9 a importância de financiamento para a pesquisa, afora os outros itens citados no tópico anterior.

Portanto, parece-nos que sempre houve natural tendência a associar pesquisa com pós-graduação strictu sensu e ensino com graduação.

A realidade é que a idéia de Pós-Graduação foi importada dos EUA e, ao chegar ao Brasil, denotou toda uma dificuldade de adaptação. Em cada local, os Cursos eram desenvolvidos de uma determinada maneira. No caso do Mestrado, após a realização de uma conjunto de disciplinas, perfazendo um certo total de créditos, o aluno defendia uma dissertação, ou tese, e fazia jus ao título de Mestre.

O primeiro dilema referiu-se ao total de créditos e o número de horas de cada um. Uniformizou-se que cada crédito deveria corresponder a 45horas de trabalho acadêmico efetivo (aliás, eis um termo merecedor de definição).

A partir de então, cada Disciplina poderia ter um ou mais créditos, ser optativa ou obrigatória, com pré-requisitos ou não.

Com o tempo, o Mestrado passou a ter como definição aceita a de que seria um Curso como finalidade de aprimoramento/treinamento didático e iniciação à pesquisa, como podemos encontrar no supra-citado artigo de CAMILLO-COURA1. CAMILLO-COURA, L. Relações entre o ensino de graduação, pós-graduação e educação continuada. R. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro, 11 (3): 114 - 18. 1987., que teve o cuidado de assinalar a importância de ensinar pós-graduandos "a ensinar".

Porém, na realidade, verifica-se um desfilar de Disciplinas administradas através de imensa carga horária teórica. No caso da Medicina, mais se assemelha a uma espécie de continuação de um Curso de Especialização em nível de Residência Médica ou equivalente. A impressão que ficava era a de uma tentativa de aprimorar no Mestrado, os fundamentos não perfeitamente aprendidos na Especialização. A distorção chegou ao ponto do aluno considerar como elogiável o Mestrado que tivesse feito uma boa revisão teórica da especialidade, perpetuando-se, desta forma, o equívoco.

Isto acarretava a um alongamento do trajeto do aluno nos “bancos escolares”, com o Curso seguinte tentando sanar falhas do anterior, sem que o aluno tivesse a sensação da terminalidade de cada Curso.

A minha experiência pessoal, quando aluno do Mestrado e através de conversas com alunos de outros Cursos, foi a de que o Mestrado corresponderia a uma sequência de Disciplinas ministradas por Docentes, através de aulas teóricas complementadas, ou não, por pequenas monografias. Uma espécie de Curso de Especialização com créditos e Dissertação, sem grandes preocupações com atividades práticas.

Tudo isto acarretando um Curso tentando melhor graduar a quem já havia sido graduado ou melhor, aprimorar um já especialista na sua própria especialidade.

O Mestrado transformou-se, desta forma, em um Curso onde o aluno sofreria uma reciclagem de seus conhecimentos e, ao final, defenderia uma dissertação.

Acreditamos que já está na hora de interrogar se o Mestrado, da forma como vem sendo ministrado em grande número dos Cursos, está atingindo, no mínimo, os objetivos assinalados por CAMILLO-COURA1. CAMILLO-COURA, L. Relações entre o ensino de graduação, pós-graduação e educação continuada. R. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro, 11 (3): 114 - 18. 1987.. Afinal, o que menos se observa é o treinamento didático e, como não há obrigatoriedade de Tese, a iniciação à pesquisa transforma-se em um termo bastante indefinido e pleno de variáveis. Afinal, revisão de um assunto como tema de Dissertação é uma pesquisa de Curso de Pós-Graduação?

Sugestões

Em uma tentativa de chamar a atenção para este Curso, uma vez que chegou-se a interrogar se deveria existir ou não na área médica, dando-lhe uma abordagem mais dinâmica e um sentido mais bem definido na direção das suas maiores e autênticas finalidades, seguem as nossas opiniões.

Sugerimos que o aluno, ao ingressar no Curso, realize Disciplinas voltadas para o treinamento didático na área de concentração que escolheu.

Na Disciplina A, o aluno seria treinado para atuar como professor de Graduação e, na Disciplina B, como professor de atividades de Pós-Graduação, no sentido amplo.

Na Disciplina A, o aluno aprenderia como programar uma Disciplina a ser ministrada na Graduação, sequência de aulas, conteúdo e maneira de expor cada uma destas aulas, recursos a serem usados, formas de chamar a atenção dos alunos para os pontos primordiais, dicção, postura etc. Aqui seria obrigatório ao aluno assistir as aulas ministradas pelo Docente.

Em sequência, como preparar provas, corrigí-las, analisar critica mente o teste quanto a ter atingido o objetivo proposto pela avaliação. Verificar que questões foram adequadas e quais as que não foram. Julgar porque os alunos acertaram determinadas questões em determinados percentuais.

Avaliar criticamente a disciplina ministrada e concluir se os objetivos foram atingidos, sugerindo idéias para o aprimoramento do referido Curso.

Um outro tipo de ensinamento seria o de como se comportar em aulas práticas. No caso de Medicina, teríamos, a discussão de casos à beira do leito, a partir das visitas às enfermarias, metodologia para ensinar fundamentos de Semiologia, raciocínio clínico etc.

A Disciplina B objetivaria ao ensino do aluno quanto a participar de atividades de Pós-Graduação.

Aprenderia a preparar aulas para Cursos de Pós-Graduação (Residência Médica. Especialização, Aperfeiçoamento, Cursos de Extensão etc), coordenar reuniões do tipo sessões clínicas, apresentar Conferências nos diversos locais, do tipo Mesas-redondas. Simpósios, Jornadas etc. Preparar temas livres para a presentar em Conclaves Científicos, na forma de apresentação oral ou de “poster”.

Nesta Disciplina B, seria obrigatória a presença do aluno nas Sessões Clínicas e nos “rounds”, seja nas enfermarias, seja nos Ambulatórios. Isto é importante para que o aluno tenha um conhecimento das rotinas do serviço onde está cursando o Mestrado e aprender a se conduzir nestas atividades.

Como se pode observar, a finalidade é a de preparar o aluno para atividades de ensino, seja na Graduação, seja na Pós-Graduação.

Uma outra Disciplina que proporíamos se ria a C, com a finalidade de ensinar o aluno como elaborar uma pesquisa direcionada para a área de concentração que escolheu e como executá-la. Neste item, seria mostrado ao aluno:

  1. os diversos recursos de Biblioteca (como recuperar uma referência, tipos de recursos existentes, como utilizá-los, relação das principais revistas estrangeiras e brasileiras de sua especialidade, localização de Bibliotecas, especialmente aquelas como os melhores acervos de livros e revistas da área de concentração do aluno. etc):

  2. tipos de pesquisa (“duplo-cego”, “cross-over”, experimental de campo etc), quando usá-las e como interpretar adequadamente os seus resultados. Finalmente, o aluno seria treinado cm como preparar trabalhos para apresentação ou publicação.

Tais Disciplinas seriam complementa das pelo conjunto de Disciplinas da Área Conexa.

O aluno encerraria, assim, a primeira parte da sua atuação no Mestrado, relativa ao aprimoramento didático e com base suficiente para a sua pesquisa, com vistas a sua futura Tese.

Ainda durante esta primeira fase, o aluno travaria conhecimento com as diversas linhas de pesquisa da Instituição para ingressar cm uma delas e iniciara sua Tese, que poderá partir de um dos projetos vinculados às Linhas de Pesquisa da Instituição.

Uma vez definido o tema da Tese, o orientador do aluno será o responsável pela linha de pesquisa à qual a Tese se vinculará.

Em média, nesta segunda etapa, restará ao aluno realizar de 6 a 8 créditos, pois as Disciplinas anteriormente citadas totalizariam, em média, de 13 a 15 créditos e a exigência atual dos Cursos de Mestrado varia, em média, em tomo de 21 a 23 créditos.

Sugerimos que, para as Disciplinas restantes, o tipo de ensinamento a ser ministrado em cada uma seja determinado pelo orientador e este orientador informaria ao responsável pela Disciplina o conteúdo do aprendizado a ser ministrado.

O responsável pela disciplina somente liberaria o aluno, fornecendo-lhe o crédito, quando este aluno tivesse aprendido adequadamente o conteúdo originalmente determinado.

Tais ensinamentos direcionam-se para a aprendizagem de tópicos necessários para que o aluno vá desenvolvendo a sua Tese.

Exemplifiquemos esta etapa da seguinte forma: um aluno está desenvolvendo uma Tese em uma determinada miopatia e precisa de 6 créditos. O orientador analisa o conhecimento do aluno e conclui que o mesmo deverá fazer as seguintes Disciplinas com os seguintes conteúdos cm cada uma:

  1. Neuropatologia (2 créditos) identificar na microscopia um músculo normal e um com anormalidades: definir o tipo de atrofia muscular verificada à microscopia (miogênica ou neurogênica): avaliar o aspecto microscópico de um musculo em diversas miopatias: saber o tipo de técnica utilizada: noções de histoquímica, metodologia, fundamento, aplicações e importância: noções de microscopia eletrônica e identificação de alterações musculares à microscopia eletrônica.

  2. Eletromiografia (2 créditos) técnicos de EMG e suas indicações; diferenciar o padrão normal do miopático: interpretar laudos e valorizar adequadamente os seus aspectos.

  3. Miopatias (2 créditos) definição de miopatia: exame clínico do paciente miopata: classificação das miopatias: exames complementares em miopatias: como e quando solicitá-los; diagnóstico diferencial; terapêutica das miopatias; prognóstico.

Verificamos que uma Disciplinas poderá ser realizada em mais de uma Instituição, pois nem todas tem todos os recursos acima referidos. Neste caso, seria acionada a Coordenação do Curso no sentido de firmar protocolos de cooperação inter-institucional a fim de que o aluno pudesse complementar plenamente o seu aprendizado.

Concluímos que o aluno obteria os 6 créditos de que necessitaria em 3 Disciplinas com o conteúdo voltado para a sua Tese.

Existem, ainda, dois outros tópicos que mereciam discussão, quanto a obrigação do aluno:

  1. publicar, pelo menos, um trabalho antes de defender a Tese;

  2. ministrar uma aula ao final do Curso, como parte dos requisitos para a obtenção do graus de Mestre.

Voltamos a afirmar que a nossa opinião acima tem como objetivo principal chamar a atenção para o Curso de Mestrado e propor uma tecnologia dentro da sua definição, deixando de ser apenas um curso espremido entre dois outros, sem uma padronização adequada às suas finalidades.

Referências Bibliográficas

  • 1
    CAMILLO-COURA, L. Relações entre o ensino de graduação, pós-graduação e educação continuada. R. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro, 11 (3): 114 - 18. 1987.
  • 2
    Parecer CFE 576/70 - Relator Prof. Raymundo Moniz de Aragão, Diário Oficial da União (DOU). pp.1929. 19/10/1970.
  • 3
    II Plano Nacional de Pós-Graduação. Decreto 87.814 de 16/11/1982. Diário Oficial da União (DOU), seção I. pp.21469-71. 16/11/1982.
  • 4
    III Plano Nacional de Pós-Graduação 1986-1989. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior, CAPES, Imprensa Universitária, UFSM, 1986.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1994
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com