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ESTÁGIO URGÊNCIA E EMERGÊNCIA: PROJETO INTEGRADO DE AVALIAÇÃO DO ENSINO MÉDICO

Resumo:

Este trabalho descreve o nível referido de aquisição de habilidades psicomotoras na área de urgência e emergência, obtidas por estudantes de Medicina do 11º semestre, durante um mês de treinamento no Hospital Municipal de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS-PoA). Questionários contendo uma listagem de habilidades técnicas inquiriam, antes do treinamento e imediatamente após, se os alunos consideravam-se aptos ao desempenho dessas habilidades. Na análise, as habilidades foram agrupadas de acordo com áreas de treinamento: clínica médica, politraumatizados, sutura, traumatologia e hemoterapia. Houve incremento significativo de respondentes que se consideraram aptos em 23 das 32 habilidades listadas. Quanto ao desempenho não houve diferença significativa em 15 das habilidades estudadas. Estes resultados sugerem que o fato do aluno julgar-se apto à execução de uma habilidade não significa que ele a lenha desempenhado durante seu período de treinamento.

Unitermos:
Avaliação; Emergência; Urgência; Ensino Médico de Graduação

Abstract:

Urgency and Emergency Rotatory Program: Integrated Project for Undergraduate Medical Evaluation

This work describes the opportunities for undergraduate medical students in their 11th semester to acquire basic skills within one month of training at an emergency hospital in Porto Alegre. Questionnaries containing a list of technical skills asked the students both on arrival and immediately after termination of the training programme whether they considered themselves capable to perform those tasks. For the analysis the skills were grouped according to the training area: clinical, politrauma, stitching, traumatology and hemotherapy. Out of 32 skills, 23 showed a significant improvement in the percentage of respondents who considered themselves competent after the training period. As far as performance opportunities, there were no significant changes for 15 of the skills studied. These results suggest that while the trainees might have the "cognitive aptitude" this does not mean they had the opportunity to perform it.

Key-words:
Skills Evaluation; Emergency; Urgency; Undergraduate Medical Teaching

Introdução

Parcela importante dos estudos que procuram avaliar o período de graduação em Medicina centram sua atenção na análise das atividades práticas, pelo método repetitivo-comparativo101. ALENCA, A. Avaliação de atividades práticas de Medicina. Método repetitivo-comparativo. Revista Brasileira de Educação Médica , 1(1): 24-6, 1987; auto-avaliação dos académicos a partir de critérios determinados, contraposta à avaliação do professor, segundo os mesmos critérios202. QUADRA, AAF. Revendo uma experiência de auto-avaliação do estudante de Medicina. Revista Brasileira de Educação Médica , 8(3):197-9, 1984.: avaliação de conhecimentos teóricos e práticos a partir de questionários preparados por professores e alunos303. GODOY. S. et alli. Experiência de uma inovação no processo de avaliação da faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas. Educación Médica y Salud, 18(1): 12-3. 1987. ficha de avaliação do curso de Medicina de cada estágio do ciclo404. CONRADO, C. Avaliação sistemática do ensino­ aprendizado. Revista Brasileira de Educação Médica , 10(2):82-6. 1986.; e avaliação do aprendizado correlacionando prova de seleção para determinado estágio e currículo505. GONÇALVES, E. Definição de objetivos educacionais e de instrumentos de avaliação de ensino Médico. Revista Brasileira de Educação Médica . 11(1): 12-8, 1987..

O Projeto Integrado de Avaliação do Ensino Médico, desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), busca avaliar especificamente as habilidades psicomotoras consideradas básicas à formação do médico geral. Resultados parciais das avaliações realizadas até o presente momento têm demonstrado que a experiência, referida pelos alunos em estágios de diferentes semestres da graduação médica, não tem oportunizado treinamento mínimos, passíveis de serem desenvolvidos nos mesmos606. BORDIN, R ARENSON-PANDIKOV H.M., BARBOSA J.V., KRIEGER, C.A.M Pediatria: projeto integrado de avaliação do ensino Médico. Educación Médica y Salud , 28: no prelo. 1993.)-(909. BORDIN, R. ARENSON-PANDIKOW H.M. , STODUTO. F.R Introdução à Prática Médica: Projeto Integrado de Avaliação do Ensino Médico. Revista HCPA, no prelo, 1994..

O Internato, etapa final na formação do médico, representa a fase do curso mais aberta a reajustamentos e, portanto, considerada crítica na elevação do nível de eficiência do aprendizado dos alunos1010. SILVA, P.C.T. Internato. Revista Brasileira de Educação Médica , 5(2): 117-23, 1981.. Nesse sentido e visando dar seguimento longitudinal à avaliação do treinamento em habilidades técnicas básicas, o presente trabalho objetiva descrever a experiência referida por alunos do 11o semestre do curso de Medicina quanto ao estágio rotário de urgência/emergência, em regime Internato, realizado no Hospital de Pronto Socorro Municipal de Porto Alegre (HPS).

Material e métodos

O estágio em urgência/emergência do Hospital de Pronto Socorro Municipal de Porto Alegre (HPS), com duração média de um mês promove treinamento rotatório nas áreas de clínica médica, politraumatizados, queimados, sutura e traumatologia. Apresenta como capacidade média 28 alunos e destina-se às três faculdades de Medicina existentes em Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas(FFFCMPA) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

O instrumento de coleta de dados consistiu em dois questionários, estruturados à semelhança de semestres anteriores e de instrumentos aplicados em outras áreas de ensino pelo Projeto Integrado de Avaliação do Ensino Médico, sendo piloto para a área de urgência e emergência. Estes questionários foram aplicados no primeiro e último dia do estágio.

Foram listadas 32 habilidades psicomotoras, consideradas básicas à formação do médico geral e, por consequência, em urgência e emergência. Estas habilidades foram selecionadas por profissionais do próprio HPS e docentes da Faculdade de Medicina da UFRGS.

O questionário pré-estágio objetiva captar a existência de experiência prévia quanto a essas habilidades, incluindo quantificação do número de vezes de desempenho prévio e se o aluno sentia-se apto a desempenhá-la(s) sozinho. Após o estágio questionavam-se o número de oportunidades de assistência e realização das mesmas ao longo do estágio e o grau de aptidão adquirido quanto ao desempenho individual das mesmas. No pós-estágio buscava-se, também, através de questões abertas e fechadas, que os alunos avaliassem o conjunto do estágio, a participação dos tutores e apontassem sugestões e/ou críticas ao mesmo.

Estas habilidades foram categorizadas no questionário pré-estágio em experiência prévia (sim/não), aptidão prévia (sim/não) e desempenho prévio (nenhuma vez/ao menos uma vez). No questionário pós-estágio este critério foi repelido, em aptidão (sim/não) e desempenho pós-estágio (nenhuma vez/ao menos uma vez). As 32 habilidades foram agrupadas de acordo com as áreas de treinamento (clínica médica, politraumatizado, sutura e traumatologia) e um grupo específico relacionado à hemoterapia, delimitando os seguintes níveis de aprendizado:

  1. Clínica Médica (oito habilidades): diagnóstico de abdômen agudo, tratamento de crise asmática, cateterismo vesical, cateterismo nasogástrico, tratamento de crise hipertensiva, identificação de insuficiência respiratória, tratamento de intoxicação por drogas;

  2. Atendimento a Politraumatizados (oito habilidades): cuidados com paciente inconsciente, ressuscitação cárdio-pulmonar, intubação oro traqueal, identificação do nível de consciência, punção venosa central, tratamento de paciente em choque, controle contínuo de sinais vitais, primeiro atendimento a queimados:

  3. Sutura (sete habilidades): sutura de ferimento inciso, sutura de ferimento de couro cabeludo, sutura de ferimento de mão, sutura de mucosas, hemostasia de ferimento, identificação de ferimento infectado, anestesia de ferimentos;

  4. Atendimento em Traumatologia (quatro habilidades primeiro atendimento a uma fratura, tratamento de entorse de tornozelo, imobilização de fratura de membro superior, identificação de fratura exposta;

  5. Hemoterapia (cinco habilidades): tipagem sanguínea, punção venosa, transfusão sanguínea, estimativa de perda sanguínea, tratamento de complicações sanguínea.

O presente artigo restringe-se ao estudo piloto, quando questionários foram aplicados em 1990 (2° trimestre), 1991 (4o trimestre), 1992 (1oe 2otrimestres). Neste estudo foram incluídos todos os alunos respondentes das três Escolas Médicas, cujos questionários pré e pós-estágio puderam ser pareados (n=94).

Questionários preenchidos apenas no pré ou pós-estágio foram descartados desta análise.

Este estudo foi realizado no Núcleo de Avaliação em Anestesia (NAVA), com as análises sendo realizadas na Assessoria Científica da Faculdade de Medicina - UFRGS. Empregou-se para a análise o teste não-paramétrico de McNemar, qui-quadrado e Exato de Fischer, para um alfa de 5%.

Resultados e comentários

Na presente etapa do Projeto Integrado de Avaliação do Ensino Médico, a pré-avaliação visou quantificar, dentro de um conjunto de experiências de aprendizagem, o nível atingido até a fase de Internato. A seguir, buscou-se definir quais atividades, realizadas dentro do Hospital de Pronto Socorro Municipal de Porto Alegre (HPS), poderiam sanar eventuais deficiências apontadas nas etapas anteriores.

Na Tabela 1 observa-se o número e o percentual de alunos que se consideraram aptos a realizar as 32 habilidades questionadas, sistematizadas em cinco grupos, antes e após a realização do estágio em urgência/emergência.

Tabela 1
Número e percentual de alunos que consideram-se aptos, prévia e após realização de estágio em Urgência / Emergência, a realizar as habilidades questionadas (n=94)

Das 27 habilidades referentes às áreas de treinamento em clínica médica, politraumatizados, sutura e traumatologia, apenas 5 não apresentaram incremento significativo quanto ao nível de aptidão referida. Já quanto às habilidades em hemoterapia, das 5 enumeradas, apenas uma, estimativa de perda sanguínea, apresentou incremento significativo no pós-estágio (P < 0.001).

Das oito habilidades, integrantes tanto do grupo de clínica médica quanto da área de politraumatizados, apenas duas não apresentam aumento significativo no percentual de alunos no pós-estágio. O diagnóstico de abdômen agudo constitui-se na habilidade referida de melhor patamar prévio entre os alunos: enquanto que os casos de infarto agudo do miocárdio, usualmente não referenciados ao HPS, nem sempre foram oportunizados aos alunos durante o pouco tempo de estágio.

Na área de politraumatizados, controle contínuo de sinais vitais e punção venosa central, com alto nível de aptidão referida prévia, não apresentaram diferença significativa. Salienta-se que nessa sala a função do interno é suplementar a atuação dos profissionais lotados na área, razão pela qual os graus percentuais de aptidão referida são inferiores aos demais campos do estágio.

Quanto ao nível de aptidão referido dos procedimentos realizados na área de sutura e de traumatologia, das 11 habilidades enumeradas, 10 apresentaram acréscimo significativo, com nove beirando a totalidade da turma, à exceção de sutura de mucosas (77%) e imobilização de fratura de membros inferiores (73%).

A aptidão referida plena, entendida como a capacidade individual em todas as habilidades de cada um dos cinco grupos, encontra-se na tabela 2. Observa-se que os grupos de habilidades relativas à clínica médica e hemoterapia não apresentam diferença significativa, atingido apenas 10,5% e 4,4% do total dos respondentes.

Tabela 2
Número e percentual de alunos quanto à aptidão plena, prévia e após realização de estágio em Urgência/Emergência (n=94).

A variável desempenho configurou-se como problema específico ao preenchimento quando, dos 94 respondentes, ao menos 20% destes não quantificaram seu desempenho anterior e ao longo do estágio em nenhuma das habilidades questionadas, atingindo índice de abstenção em 2/3 do total de alunos em algumas destas.

Entre os respondentes, o desempenho das habilidades nas áreas de traumatologia, politraumatizados e de hemoterapia apresentaram comportamento semelhante ao grau de aptidão referido, Já o nível de desempenho nos procedimentos realizados na área de clínica médica apresentou aumento significativo no percentual de alunos em apenas 3 habilidades, embora as demais, com exceção do diagnóstico de abdômen agudo e tratamento do infarto agudo do miocárdio, tenham demonstrado alto nível de desempenho prévio referido.

Entre as habilidades listadas na sala de sutura, em número de sete, apenas 3 mostraram melhora significativa (p < 0,05) com relação ao desempenho no pré e pós-estágio. As habilidades restantes, com elevado nível percentual de desempenho referido prévio, não apresentaram diferença significativa.

Tabela 3
Número e percentual de alunos quanto ao desempenho, prévio e após realização de estágio em Urgência/Emergência, das habilidades questionadas

Semelhante à aptidão referida plena, o desempenho referido pleno não apresentou diferença significativa quanto às habilidades em clínica médica e hemoterapia.

Tabela 4
Número e percentual de alunos quanto ao desempenho pleno, prévio e após realização de estágio em Urgência/Emergência

Conclusão

Tanto anteriormente ao estágio, quanto após o mesmo, a maioria dos alunos referiram haver desempenhado determinadas atividades em patamares percentuais superiores aos de aptidão à execução das mesmas. Das 32 habilidades questionadas. 26 apresentaram diferença estatíscamente significativa na relação desempenho versus aptidão referida, reduzindo-se para 23 (p < 0.05), respectivamente no pré e pós-estágio.

Apesar disto, a maior discrepância observada encontra-se no incremento percentual do número de alunos que se julgaram mais aptos à realização de habilidades no pós-estágio, sem que para isso tenha ocorrido incremento semelhante no patamar de desempenho. Estes resultados sugerem que o aluno parece sentir-se apto quanto a sua competência cognitiva, o que não necessariamente envolve destreza em procedimentos técnicos, fato já apontado por outros autores1111. MAGALI, C., MONTELLI C.A. Habilidades necessárias para a formação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica , 9(3): 154-8, 1985.

Apesar das possíveis imprecisões das informações referidas pelos alunos, os resultados apontam para dimensões de treinamento favoráveis, no sentido de exposição às habilidades testadas. Demonstram ainda que o adestramento em habilidades básicas - de importância à prática clínica do médico geral - não pode ser alcançada no último semestre de treinamento. O período de treinamento propiciado pelo Hospital de Pronto Socorro configura-se como uma instância de curta duração à solução final frente ao treinamento insuficiente ministrado ao longo do curso de graduação.

Mesmo enquanto projeto piloto, o aperfeiçoamento do instrumento de colheita de dados, as discussões geradas pela aplicação do mesmo e seus resultados preliminares, nos diversos semestres, revelaram-se proveitosos ao aprimoramento do ensino médico na área e sua transcendência aos instrumentos empregados junto às demais áreas do ciclo clínico da graduação em Medicina na UFRGS.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Prof. Alceu Migliavacca, regente da disciplina de Cirurgia, ao Prof. Genrmano Kruel, do Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina (UFRGS), e ao Dr. José Ricardo Guimarães, médico cirurgião contratado do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), pela estruturação dos questionários e encaminhamento dos mesmo à assessoria Científica do Hospital Municipal de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS). Aos Médicos plantonistas do HPS pela aplicação dos questionários, e às acadêmicas Lilian Vargas de Paula e Adriana Klafke, bolsistas de iniciação cientifica da FAPERGS, pelo recolhimento e digitação dos dados.

Referências Bibliográficas

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    MAGALI, C., MONTELLI C.A. Habilidades necessárias para a formação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica , 9(3): 154-8, 1985

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1994
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