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A Função Docente em Medicina e a Formação/Educação Permanente do Professor

Resumo:

Ao considerar a docência no panorama atual da escola médica brasileira, enfoca-se o exercício da função docente em Medicina, caracterizando suas especificidades e singularidades. A partir destes parâmetros, aborda-se o desafio de formar o professor de Medina numa perspectiva de educação permanente. Este desafio figura como nuclear no processo de transformação da educação médica no Brasil.

Palavras-chave:
Educação médica; Professor de Medicina; Formação docente

Summary:

Considering leaching, within the Brazilian Medical School present context, the role of the professor of medicine is focused on its specificity and singularities. From these parameters, the challenge of the medical professor formation is approached under a permanent education perspective. This challenge is essential in the transformation process of the medical education in Brazil.

Keywords:
Medical education; Professor of Medicine; Professor formation

A INSERÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO DA ESCOLA MÉDICA BRASILEIRA

No bojo da história do ensino superior brasileiro insere-se a trajetória da escola médica: instituição historicamente construída no Brasil a partir do século XIX, guarda tradições, ritos, movimentos singulares que se intercruzaram com os dilemas e contradições que marcam a vida acadêmica nacional.

A escola médica traduz processos diferenciados do que se tem considerado como educação médica: os traços de multidisciplinaridade, abrangência e articulação entre os campos do conhecimento, das habilidades e das atitudes, os contornos assumidos em relação ao processo ensino-aprendizagem são todos elementos que tem sido conjugados de diversas maneiras.

Esta diversidade configura uma situação atual do ensino médico no País que representa o desafio de pensar a transformação da educação médica articulada ao enfrentamento do estado atual da Medicina e do cenário científico, projetando o futuro com os incertos e nublados dados do presente. No dizer de Schraiber (198914. SCHRAIBER, L. Educação médica e Capitalismo. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec e Abrasco, 1989.:127). "A proposição de nossas práticas que, como tentativa de resposta a contradições reais da prática e da educação médica, não tenha o sentido de reapresentar parte do processo de elaboração das representações ideológicas que apenas aparentam superar as contradições estruturais só pode ser buscada no reconhecimento das próprias contradições em que são realizadas aquelas práticas".

Este reconhecimento orientou uma pesquisa realizada pela Cinaem1 1 - Sobre o delineamento metodológico do Projeto, nem como seus objetivos e filosofia, ver “Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras - 2a fase”, 1994 e “Avaliação do Ensino Médico no Brasil - relatório Geral”, 1997. (Comissão lnterinstitucional de Avaliação do Ensino Médico), que, a partir de uma leitura da realidade das escolas médicas brasileiras (EMBs), delineou um processo de investigação dos modelos pedagógicos existentes que explicitou a escola que se tem e a escola que se deseja.

A análise situacional - a escola médica que se tem - mos­trou que: “a descrição do processo de formação revela a hegemonia absoluta dos conteúdos programáticos que permitem a compreensão do processo saúde-doença centrado no indivíduo biológico. Desvenda a semiologia como instrumental de trabalho que articula a utilização do conhecimento biológico na abordagem dos distúrbios fisiomorfológicos e assegura a reprodutividade da prática médica, funcionando como instituinte da clínica moderna fundamentada no método positivista” (Cinaem - Modelo Pedagógico4. CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Relatório do Modelo Pedagógico, 1997. (mimeografado), 1997:36).

Já a projeção feita - a situação desejada - traduziu a expectativa de que as EMBs privilegiem a inserção precoce dos alunos em atividades práticas, a introdução de técnicas capazes de instituir uma lógica inovadora nas relações entre conhecimentos básicos e profissionalizantes e a integração das atividades práticas, de ensino e pesquisa (Cinaem, 19974. CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Relatório do Modelo Pedagógico, 1997. (mimeografado)).

Entre o real vivido e o ideal projetado, quem é, hoje, o professor no ensino médico brasileiro?

A pesquisa da Cinaem nos traz dados importantes sobre o docente de Medicina, dentre os quais se destacam:

  • o corpo docente das escolas médicas brasileiras é constituído em sua maioria por homens na faixa de 30 a 49 anos;

  • a graduação de mais da metade dos professores foi realizada na própria escola em que atuam;

  • a formação dos docentes, em sua grande maioria, localiza­se na própria Medicina, tendo continuidade nos programas de residência médica. Em nível stricto sensu, 31 % da amostra (de um universo de 4.193 professores) possuem mestrado e 20% têm o título de doutor; apenas 7% eram especialistas em educação;

  • somente um quinto atua em regime de dedicação exclusiva, sendo o regime de trabalho mais frequente o de 20 a 39 horas semanais;

  • somente 30% auferem mais da metade da renda mensal a partir da atividade docente;

  • pouco mais de 20% dedica 20 horas para a pesquisa e/ ou 20 ou mais à assistência ou ao ensino;

  • nos últimos dois anos, 54% proferiram palestras na cidade onde trabalham; 41% realizaram publicação em periódico nacional e 25% referiram publicação em revistas internacionais; 21 % publicaram livro ou capítulo de livro e 14,1%estão ou estiveram envolvidos em projetos de pesquisa financiados.

Na discussão dos dados, os pesquisadores indicam aspectos relevantes para a contextualização dos dilemas que têm marcado a atuação do professor de Medicina e que se refletem na educação médica e na sua formação. Ressalta-se: "os achados anteriores e o pequeno vínculo da amostra estudada com a produção do conhecimento parecem indicar que o trabalho médico como docente não se configura como uma profissão. Em outras palavras, para a grande maioria dos entrevistados, a docência constituiu-se como atividade complementar à profissão médica. (...) Ainda que a docência não se configure como uma profissão plena para os médicos, induzindo uma educação médica reprodutiva, pós-graduação senso estrito e trabalho cm dedicação exclusiva foram variáveis chaves na explicação do desempenho docente" (Cinaem - Relatório Geral, 19975. CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Relatório Geral, 1997. (mimeografado):17-31).

Estes resultados, quando cruzados com os dados obtidos acerca do desempenho cognitivo e de habilidades práticas dos alunos e sobre os modelos pedagógicos concretizados nas EMBs, possibilitam uma visibilidade fecunda das interdeterminações que articulam os três eixos investigados no Projeto Cinaem (corpo docente, médico formando e modelo pedagógico), bem como o lugar que a formação docente ocupa nesse contexto.

Considerando os resultados dos alunos e o desempenho docente, concluem os pesquisadores:

"A semelhança estrutural no desempenho dos alunos das escolas avaliadas revela a necessidade de um esforço solidário e criativo para a reposição imediata de novos paradigmas para a educação médica, que impliquem na transformação das práticas de ensino e avaliação adotadas, o que envolve obrigatoriamente a discussão da especificidade da docência médica em seus aspectos de formação, regime de trabalho e inserção nas atividades do curso de graduação" (Cinaem - Relatório Geral5. CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Relatório Geral, 1997. (mimeografado), 1997).

Os dados referentes ao modelo pedagógico das escolas médicas e ao professor permitiram as seguintes reflexões:

“A política de incentivo à capacitação profissional e à carreira docente é deficiente. Assim, os professores apresentam qualificação técnica e pedagógica insatisfatória. Suas atividades são avaliadas de forma inadequada. São mal remunerados, dedicam pouco tempo à EM, e se mostram pouco motivados.

A formação dos docentes bem como sua inserção na docência de maneira secundária, em relação à atuação profissional da escola, tendem a, por inércia, estimular a manutenção do modelo hegemônico (...) a concepção biologicista de abordagem do processo saúde/doença se mantém estruturalmente e se reproduz através do modelo flexneriano de ensino médico” (Cinaem - Modelo Pedagógico, 19974. CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Relatório do Modelo Pedagógico, 1997. (mimeografado): 13-36).

O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DOCENTE EM MEDICINA

Não há como analisar a formação do professor de Medicina sem ter clareza das especificidades que envolvem docência na área médica:

"Ao professor de medicina é exigido um duplo esforço: de um lado pelos pacientes, que deles esperam apurados conhecimentos técnico-científicos e, de outro lado, requerido como professor, de quem se exige ampla bagagem de conceitos e conhecimentos, além de atitude criativa para tomar consequente a relação docente/aluno" (Silva, 198215. SILVA, P. C. T. Assessoria Pedagógica. Rev. bras. educ. méd . Rio de Janeiro, v.6, n.1, p.7-8, 1982.:7).

A contribuição do professor de Medicina é considerada fundamental para a reorientação da educação médica, ampliando as perspectivas de transformações dos cursos médicos, principalmente no que se refere ao cotidiano pedagógico de experiências curriculares e metodológicas que privilegiem construção do conhecimento, a interdisciplinaridade e a postura mediadora do professor na interação com o aluno (Sobral, 198717. SOBRAL, F. A. F. O Ensino Superior e a Pesquisa Científica e Tecnológica. In: Martins, C. B. Ensino Superior Brasileiro: transformações e perspectivas. São Paulo: Brasiliense, 1987.; Passarelli, 199612. PASSARELLI, B. Multimídia na Educação. A Experiência da "Escola do Futuro". In: SOARES, I.O. & Gotlieb, L. Comunicação e Plano Decenal de Educação: rumo ao ano 2003. Brasília: MEC, 1996.; Batista, 19971. BATISTA, N. A. Conhecimento, Experiência e Formação: do médico ao professor de medicina. Estudo sobre a Disciplina Formação Didático-Pedagógica em Saúde nos Cursos de Pós-Graduação da Unifesp/EPM. São Paulo, Tese de Livre Docência, Unifesp/EPM, 1997.).

Brito & Siqueira (1993)2. BRITTO, D. T. S. & SIQUEIRA, V. H. F. Resgatando a Saúde como Eixo de formação de Profissional de Saúde: Uma Proposta para a Formação Didático-Pedagógica dos Docentes. 1993. (mimeografado) afirmam, entretanto, que muitos professores de Medicina "Não possuem qualquer preparo didático-pedagógico, e que esse preparo, em muitos casos, se faz meramente instrumental, concebendo-se uma didática autônoma, com preceitos universais que se aplicariam aos diferentes 'conteúdos' e 'finalidades' de áreas específicas" (p.7).

A questão do preparo do professor de Medicina no que se refere aos aspectos propriamente pedagógicos da ação docente não tem, geralmente, merecido atenção.

Diferentemente de outras áreas, especialmente das ciências humanas, a graduação e a especialização do médico não têm como objetivo a formação de um professor.

Segundo Grigoli (19908. GRIGOLI, J. A Sala de aula na Universidade na Visão de seus Alunos - Um Estudo sobre a prática pedagógica na Universidade. São Paulo, Tese de Doutoramento, PUC-SP, 1990.:41), "o professor, via de regra, vai instintiva e empiricamente construindo a sua própria didática calcada nos modelos que conheceu como aluno e no bom senso que o ajuda a 'filtrar' os procedimentos que 'funcionam'. Desse processo resulta, com o passar do tempo, um 'jeito' de organizar e conduzir o ensino que, geralmente, não chega a ser tomado como reflexão nem pelo professor individualmente e, menos ainda, pelo conjunto de professores que lecionam um dado curso".

Na maioria das vezes, o professor de Medicina é contratado tendo-se como critério apenas a qualidade de seu desempenho como profissional e/ou pesquisador. Fica implícito que a competência profissional e/ou acadêmica assegura a competência didática. Ao contrário de algumas outras áreas, não se exige formação sistematizada que instrumentalize a sua maneira de conceber e desenvolver o processo ensino­aprendizagem.

Especialmente na Universidade Pública, tem sido conferido um status de menor importância à função do ensino, particularmente da graduação, quando comparada à pesquisa. Os critérios de progressão na carreira docente fundamentam-se muito mais na produção científica que no exercício da docência.

O professor não se sente particularmente motivado para envolver-se com projetos pedagógicos que visem à melhoria do processo ensino-aprendizagem e pode, até mesmo, apresentar resistência, por desacreditar ou por perceber que "desvios" de suas atividades de pesquisa para aumentar suas atividades de ensino possam representar prejuízo para a sua carreira acadêmica.

É preciso que o professor tenha clareza da relação entre o método, as finalidades da educação, os objetivos de sua disciplina, os conteúdos de ensino e as possibilidades de aprendizado de seus alunos,

É evidente a relevância da dimensão pedagógica do trabalho do professor de Medicina: repensá-la significa repensar a direção dos compromissos da própria Escola Médica. E, no interior desta escola médica, como podemos configurar a função docente em Medicina?

Uma resposta possível assume a referida função como caracterizada pela complexidade, diversidade, multideterminação, dinamicidade, exigindo a interdisciplinaridade.

A formação em Medicina implica a triangulação entre conhecimentos, habilidades e atitudes, concretizada nos espaços de ensino, pesquisa e extensão que envolvem os condicionantes relativos à missão institucional e ao processo de desenvolvimento curricular, ao planejamento de ensino, à interação professor-aluno, à produção de conhecimento sobre a própria função e à atividade assistencial.

Frequentemente, os docentes desconhecem a estrutura curricular formal do curso e a relação das disciplinas entre si. O conhecimento e a compreensão da proposta curricular são fundamentais para uma atuação profissional de forma consciente, reflexiva e integrada.

Segundo Hossne (19949. HOSNNE, W. S. Relação Professor-Aluno: Inquietações - Indagações - Ética. Rev. bras. educ. méd. Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 75-82, 1994.:77), "o professor, durante o percurso como estudante, concordou e discordou, elogiou ou criticou, se entusiasmou ou execrou atitudes de seus professores de então. Ao se tornar professor, nem sempre põe em prática as correções de rumo que desejava que seus professores tivessem feito e também nem sempre consegue adotar e seguir nm10s que considerava, então, os melhores. Não raras vezes, o professor adota com mais vigor as atitudes que lhe pareciam (e talvez no fundo lhe pareçam) negativas".

O documento preparatório da Conferência Mundial sobre Educação Médica de 1988 afirma que um corpo docente qualificado e dedicado é essencial para o sucesso do curso de Medicina.

Sobral (198717. SOBRAL, F. A. F. O Ensino Superior e a Pesquisa Científica e Tecnológica. In: Martins, C. B. Ensino Superior Brasileiro: transformações e perspectivas. São Paulo: Brasiliense, 1987.) comenta que a educação permanente do corpo docente possibilita a reorientação da educação médica em face dos desafios de ordem tecnológica e social. Nessa educação permanente, salienta a concepção pedagógica evolutiva, em termos de instrumentos e estratégias, meios e métodos educativos, centrados no estudante, baseados em problemas pertinentes ao contexto global, flexíveis e individualizados, para atender à necessidade de formação de médicos com maturidade profissional e social.

Analisando os avanços tecnológicos, Passarelli (199612. PASSARELLI, B. Multimídia na Educação. A Experiência da "Escola do Futuro". In: SOARES, I.O. & Gotlieb, L. Comunicação e Plano Decenal de Educação: rumo ao ano 2003. Brasília: MEC, 1996.) comenta que os novos paradigmas da educação consideram que os alunos devem ser preparados para conviver numa sociedade em constante mudança, serem construtores do seu conhecimento e sujeitos do processo, em que a "intuição" e a "descoberta" são elementos privilegiados.

Nesse modelo, os professores, de transmissores da informação, passam a facilitadores do processo de aprendizagem, no qual aprender a aprender é privilégio em detrimento da memorização de fatos.

Na escola médica, frequentemente, as ações ligadas à dimensão pedagógica da função docente não têm sido objeto de maiores preocupações. Parte-se, em geral, do princípio de que o professor que teve uma sólida formação na especialidade em que deve atuar como docente encontrai "naturalmente" os meios para ensiná-la, no que se refere tanto ao corpo de conhecimentos de sua área, quanto ao desenvolvimento de formas de pensamento e habilidades técnicas essenciais à atuação profissional do egresso de sua disciplina.

Constata-se, inclusive, uma tendência para encarar com ceticismo ou descaso os aspectos pedagógicos da docência de nível superior. Espera-se do professor de Medicina que seja, antes de tudo e sobretudo, um profundo conhecedor do assunto que deve ensinar, como se apenas esse aspecto assegurasse sua competência didática.

As ações de ensino tendem a permanecer em segundo plano, não sendo pensadas pelos professores.

O DESAFIO DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MEDICINA: UM PROCESSO DE EDUCAÇÃO PERMANENTE

Considerando-se a realidade acima descrita, o desafio de formar o professor de Medicina figura como nuclear no processo de transformação da escola médica brasileira.

Mas qual a concepção de formação que assumimos ao projetarmos uma experiência de formação permanente do docente do curso médico?

Trata-se de uma questão importante, uma vez que formar professores adquire, a cada momento histórico, níveis e formatos diferentes, e remete a opções feitas no interior das relações sociais de produção.

Nas últimas décadas, a formação de professores tem incorporado uma concepção linear e simplista dos processos de ensino, reduzidos a dois componentes: um componente científico-cultural, que pretende assegurar o conhecimento do conteúdo a ensinar; e outro psicopedagógico, que permite aprender como atuar eficazmente na sala de aula (Gomez, 19927. GOMEZ, A. P. O Pensamento Prático do Professor- a formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. (org.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.).

O componente psicopedagógico engloba o conhecimento de princípios, leis e teorias que explicam o processo ensino-aprendizagem e sua aplicação prática, de tal forma que o docente adquira as competências e capacidades para uma intervenção eficaz.

Tal racionalidade técnica na visão do processo de formação do professor apresenta Limites, às vezes, significativos. A tecnologia educacional, especialmente cm Medicina, não pode deixar de considerar o aspecto da prática diária, na qual a complexidade, a singularidade, o conflito de valores e a intersubjetividade estão presentes.

A realidade social implícita no processo não pode ser restrita a problemas meramente instrumentais, em que a tarefa docente se resuma a uma correta escolha e aplicação de meios e procedimentos, embora existam situações em que a forma mais adequada de intervenção consista na ado­ção destes princípios.

Diferentemente da racionalidade técnica, a racionalidade prática analisa como o docente utiliza o conhecimento cientifico, elabora rotinas, experimenta hipóteses de trabalho, utiliza técnicas e instrumentos conhecidos, e recria estratégias.

Segundo Schon (199213. SCHÔN, D. La Formación de Profissionales reflexivos - hacia un nuevo diseno de la enseñanza y el aprendizage en las profesores. Barcelona: Paidôs, 1992.), o processo ocorre pelo conhecimento na ação, reflexão na ação e sobre a ação. O conhecimento na ação manifesta-se no saber fazer. A reflexão na ação pressupõe um processo de diálogo e interação com a situação-problema e exige intervenção efetiva. A reflexão sobre a ação é a análise posterior das características e processos da ação.

É o processo de reflexão-ação o mecanismo que possibilita uma abordagem metodológica racional e dinâmica ao professor, não se pautando em modelos acabados ou regras previamente estabelecidas (Luckesi, 199610. LUCKESI, C. et al. Fazer Universidade: Uma proposta metodológica. São Paulo: Cortez, 4a ed., 1996.).

As reflexões e análises até aqui realizadas nos remelem a uma concepção sobre a formação em Medicina: entende-se formar como "proporcionar uma forma, mas não modelar uma forma. Ao formar, estamos oferecendo um continente e uma matriz a partir dos quais algo possa vir-a-ser"; e treinar como "trazer para si, puxar. Quem puxa coloca-se à frente, atraindo o treinando, mas mantendo-se sempre a uma certa distância. Deixa sempre a desejar porque já reconhece no treinando a existência de recursos próprios a serem mobilizados no treinamento. No exercício deste desejo e na mobilização e aperfeiçoamento destes recursos, o treinamento transcorre" (Figueiredo, 19966. FIGUEIREDO, L. C. M. A Preparação do Psicólogo: formação e treinamento. In: FIGUEIREDO. L.C.M. Revisitando as Psicologias. São Paulo: Vozes, 1996.: 117-119).

Comprometer-se com essas duas dimensões significa assumir que ser professor constitui um processo de educação permanente, caracterizado como um espaço de apropriação de conhecimentos relativos a saber ensinar, estimulando a busca de outros saberes e fecundando uma inquietação contínua com o já conhecido, motivando viver a docência universitária em toda a sua imponderabilidade, surpresa, criação e dialética na relação com o novo (Batista, 19971. BATISTA, N. A. Conhecimento, Experiência e Formação: do médico ao professor de medicina. Estudo sobre a Disciplina Formação Didático-Pedagógica em Saúde nos Cursos de Pós-Graduação da Unifesp/EPM. São Paulo, Tese de Livre Docência, Unifesp/EPM, 1997.; Sousa da Silva, 199716. SOUSA DA SILVA, S. H. Professor de Medicina: Diálogos sobre sua formação docente. São Paulo, Tese de Doutoramento, PUC-SP, 1997.).

Isto conduz ao entendimento de uma pática docente transformadora que identifique não apenas "o que" ou "quanto" da aprendizagem, mas, sobretudo, se o modo "como" ela se processou tornou o aluno mais competente, dando-lhe conhecimentos sólidos, atualizados e cientificamente comprovados, e domínio das habilidades e atitudes necessárias ao exercício da profissão médica.

Reafirma-se, portanto, que o processo formativo é complexo e múltiplo; longe, portanto, de traduzir-se apenas num modelo de prática de formação. Formar professores não é o ponto único do projeto de transformar a educação, nem pode ser buscado apenas nos limites das instituições formadoras.

A velocidade da transformação do conhecimento, as novas demandas para a formação de profissionais, o entendimento de que formar não se esgota num curso e/ou ao final de um período de estudos, os limites de qualquer proposta de formação inicial e a necessidade de tomar a prática como objeto de análise, investigação e intervenção definem um panorama propício para práticas de formação permanente.

Entende-se a formação permanente como um processo concretizado por sujeitos históricos, permeado pela intencionalidade e por íntima relação com a prática, que o docente materializa em seu trabalho pedagógico, constituindo um instrumento de transformação por meio da reelaboração dos saberes docentes.

Distanciamo-nos assim, da perspectiva de treinamento como mero adestramento para tarefas a serem reproduzidas ou de reciclagem como simples atualização pedagógica, episódica, acrítica e descontextualizada (Marin, 199511. MARIN, A. J. Educação Continuada: Introdução a uma Análise de Termos e Concepções. In: Cadernos Cedes. Campinas: Papirus, n. 36, p. 13-20, 1995.).

Articulada a esse entendimento de formação permanente do professor de Medicina, situa-se a compreensão de que as transformações do mundo do trabalho exigem novos meca­nismos de apropriação do conhecimento, valorizando a reflexão, a prática, os saberes da experiência, bem como ampliando as oportunidades de troca e interlocução.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BATISTA, N. A. Conhecimento, Experiência e Formação: do médico ao professor de medicina. Estudo sobre a Disciplina Formação Didático-Pedagógica em Saúde nos Cursos de Pós-Graduação da Unifesp/EPM. São Paulo, Tese de Livre Docência, Unifesp/EPM, 1997.
  • 2
    BRITTO, D. T. S. & SIQUEIRA, V. H. F. Resgatando a Saúde como Eixo de formação de Profissional de Saúde: Uma Proposta para a Formação Didático-Pedagógica dos Docentes. 1993. (mimeografado)
  • 3
    CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Projeto de Implantação e Resultados da 1a fase, 1994.
  • 4
    CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Relatório do Modelo Pedagógico, 1997. (mimeografado)
  • 5
    CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Relatório Geral, 1997. (mimeografado)
  • 6
    FIGUEIREDO, L. C. M. A Preparação do Psicólogo: formação e treinamento. In: FIGUEIREDO. L.C.M. Revisitando as Psicologias. São Paulo: Vozes, 1996.
  • 7
    GOMEZ, A. P. O Pensamento Prático do Professor- a formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. (org.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
  • 8
    GRIGOLI, J. A Sala de aula na Universidade na Visão de seus Alunos - Um Estudo sobre a prática pedagógica na Universidade. São Paulo, Tese de Doutoramento, PUC-SP, 1990.
  • 9
    HOSNNE, W. S. Relação Professor-Aluno: Inquietações - Indagações - Ética. Rev. bras. educ. méd. Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 75-82, 1994.
  • 10
    LUCKESI, C. et al. Fazer Universidade: Uma proposta metodológica. São Paulo: Cortez, 4a ed., 1996.
  • 11
    MARIN, A. J. Educação Continuada: Introdução a uma Análise de Termos e Concepções. In: Cadernos Cedes. Campinas: Papirus, n. 36, p. 13-20, 1995.
  • 12
    PASSARELLI, B. Multimídia na Educação. A Experiência da "Escola do Futuro". In: SOARES, I.O. & Gotlieb, L. Comunicação e Plano Decenal de Educação: rumo ao ano 2003. Brasília: MEC, 1996.
  • 13
    SCHÔN, D. La Formación de Profissionales reflexivos - hacia un nuevo diseno de la enseñanza y el aprendizage en las profesores. Barcelona: Paidôs, 1992.
  • 14
    SCHRAIBER, L. Educação médica e Capitalismo. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec e Abrasco, 1989.
  • 15
    SILVA, P. C. T. Assessoria Pedagógica. Rev. bras. educ. méd . Rio de Janeiro, v.6, n.1, p.7-8, 1982.
  • 16
    SOUSA DA SILVA, S. H. Professor de Medicina: Diálogos sobre sua formação docente. São Paulo, Tese de Doutoramento, PUC-SP, 1997.
  • 17
    SOBRAL, F. A. F. O Ensino Superior e a Pesquisa Científica e Tecnológica. In: Martins, C. B. Ensino Superior Brasileiro: transformações e perspectivas. São Paulo: Brasiliense, 1987.
  • 1
    - Sobre o delineamento metodológico do Projeto, nem como seus objetivos e filosofia, ver “Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras - 2a fase”, 19943. CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Projeto de Implantação e Resultados da 1a fase, 1994. e “Avaliação do Ensino Médico no Brasil - relatório Geral”, 19975. CINAEM. Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras. Relatório Geral, 1997. (mimeografado).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1998
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