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Avaliação Quali-Quantitativa das Disciplinas Curriculares: a Experiência da Universidade Federal de Uberlândia

Qualitative and Quantitative Curricular Evaluation the Experience at Universidade Federal de Uberlândia

Resumo:

As mudanças no ensino superior, no espírito da Lei de Diretrizes e Bases, realçam a necessidade de maior flexibilização curricular a de um melhor conhecimento da realidade educacional de cada curso. Este estudo objetivou uma diagnose melhor da situação atual do Curso de Medicina da UFU, através de uma abordagem quali-quantitativa para avaliação das disciplinas curriculares. Foram usados análise documental, abordagem quantitativa com aplicação de questionário final de avaliação de disciplinas e abordagem qualitativa com observação participante de cada disciplina, realizada por dois observadores independentes. As respostas foram agrupadas em cinco áreas temáticas: processo ensino-aprendizagem, cenário de aprendizagem, relacionamento professor-aluno, ética no curso e avaliação do aluno. Há uma razoável satisfação dos alunos em relação ao modo como vêm sendo ministradas as disciplinas. Entretanto, as observações qualitativas e os registros quantitativos indicam que há um significativo espaço para a introdução de melhorias. A abordagem quali-quantitativa de avaliação permite a coleta de informações ricas e detalhadas, tendo como resultante uma visão mais integral da realidade.

Descritores:
Educação médica; Avaliação educacional

Abstract:

Recent changes in Brazilian higher education reinforce the need for flexible curricula and improved understanding of the educational reality in schools. This study aimed to diagnose the current situation of a Brazilian medical school using a qualitative/quantitative approach to evaluate core disciplines. We used documental analyzes, a quantitative approach with a questionnaire to evaluate courses, and a qualitative approach with participant observation of each couse evaluated by two independent observers. Answers were grouped into five categories: the teaching-learning process, the context of learning, the teacher-student relationship, ethics in the course, and students evaluation. There is a fair amount of satisfaction among students concerning the way courses have been taught, but qualitative observations and quantitative records suggest room for considerable improvement. A qualitative/quantitative approach can provide a detailed and integral view of reality.

Keywords:
Medical education; Educational measurement

INTRODUÇÃO

Em todo o mundo, especialistas em Educação Médica têm-se reunido na busca de estratégias globais de intervenção para a melhoria do ensino médico.Em1988, ocorreu, em Edimburgo, a Conferência Mundial de Educação Médica, que estabeleceu as diretrizes em favor do aprimoramento da saúde e bem-estar da população.11. World Conference On Medical Education. The Declaration of Edinburgh. Edinburgh. World Federation for Medical Education, 1998 (mimeog.).

O modelo de ensino médico em uso na maioria das escolas médicas brasileiras (EMB) reforça as diretrizes do Relatório Flexner, resultando numa visão biomédica que desvia a atenção dos aspectos psicológicos e sociais que permeiam a medicina e numa excessiva centralização do ensino em hospitais de alta complexidade e com alta tecnologia. Este modelo tem sido fortemente questionado em nível internacional e nacional. Internacionalmente, a II Conferência Mundial de Educação Médica recomendou, entre outras ações, a instituição de programas para melhorar a competência de ensino e a capacidade de comunicação do corpo docente, ênfase na ética e na abordagem cientifica, educação médica continuada e aprendizagem duradoura.11. World Conference On Medical Education. The Declaration of Edinburgh. Edinburgh. World Federation for Medical Education, 1998 (mimeog.).

No Brasil, foi criada em março de 1991 a Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem), como uma resposta da sociedade civil organizada à crise da Educação Médica, frequentemente apontada como grande responsável pelo grave quadro de saúde do País. A Cinaem desencadeou um processo de avaliação das escolas médicas a fim de obter um melhor e mais abrangente conhecimento da realidade.22. Cinaem: A realidade das escolas médicas. Medicina Conselho Federal, Brasília. ago. 1997; 10, 84: 20-21. Em recente relatório, a Cinaem concluiu que são necessárias melhorias no modelo pedagógico, no tipo de gestão e na qualidade da docência médica.33. Cinaem. Avaliação do Ensino Médico no Brasil Relatório da 1a Fase: Estudo Epidemiológico de Desenho Ecológico. Rev. Bras. Educ. Méd. 1992; 16, 1/3: 37-42.

O Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em documento discutido com toda a comunidade de aprendizagem médica em 1988, definiu como sua finalidade a “formação de um médico dotado de espírito crítico e compromisso social, capaz de diagnosticar e resolver, com eficiência e humanismo, os problemas de saúde mais prevalentes na região geoeducacional da Instituição e outros a nível nacional”.44. Universidade Federal de Uberlândia. Centro de Ciências Biomédicas. Colegiado do Curso de Medicina. Finalidades, concepções filosóficas e diretrizes do curso de medicina da UFU. Uberlândia, 1988. “paginação irregular”. Estudos de avaliação desenvolvidos no contexto do curso médico da UFU na última década evidenciaram uma forte concentração dos objetivos de aprendizagem das disciplinas no domínio cognitivo,55. Dantas F, Nasciutti AC, Israel APC. et al. Análise dos objetivos de ensino do curso de medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Grupo PET/Medicina UFU. Anais do 31o Congresso Brasileiro de Educação Médica; 1993; São Luís, [s.n.], 1993. p 265. com avaliações do aprendizado constituídas principalmente por provas teóricas66. Dantas F, Nasciutti AC, Israel APC et al. Estratégias de avaliação do aluno nas disciplinas do curso de medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Grupo PET/Medicina UFU. Anais do 31o Congresso Brasileiro de Educação Médica; 1993; São Luís, [s.n.], 1993. p 265-66. e com nítido predomínio de um conteúdo teórico sobre o prático.

O currículo médico em vigência na UFU permaneceu flexneriano ao longo das duas últimas décadas, apesar de pequenas alterações introduzidas de forma pontual na estrutura curricular. Dentro do novo espírito da Lei de Diretrizes e Bases (IDB) de flexibilização dos currículos de graduação e da necessidade de permanentemente revisar o que está sendo executado, torna-se imprescindível avaliar integralmente os cursos médicos. Para isto, apresentamos uma abordagem quali-quantitativa de avaliação de disciplinas curriculares no Curso de Medicina da UFU.

MÉTODOS

O estudo teve como objeto o Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Foram analisadas as 49 disciplinas curriculares obrigatórias que compõem os ciclos Básico e Clinico, minis tradas aos alunos do primeiro ao décimo períodos. Os dois últimos períodos do curso não foram abordados, por corresponderem no Estágio Supervisionado de Internato, que apresenta características especificas em relação aos outros períodos do curso médico. Para a coleta de informações foram aplicados dois instrumentos (previamente testados): o roteiro de observações (RO) e o questionário final de disciplinas (QFD).

O RO era composto por 12 questões discursivas respondidas em três momentos durante o segundo semestre letivo de 1996, por uma amostragem de alunos, com o objetivo de registrar qualitativamente as impressões dos discentes sobre situações ocorridas durante o período avaliado. Essas questões abordaram temas relacionados a compromisso com aprendizagem, metodologia, relacionamento interpessoal e cenário de aprendizagem.

Cada disciplina do primeiro ao décimo períodos do curso de Medicina da UFU foi avaliada por dois alunos dos respectivos períodos, de modo que cada aluno escolhido respondesse ao roteiro para cada duas disciplinas sorteadas aleatoriamente. Dessa forma, o número de alunos necessários a participação no preenchimento do roteiro variou de acordo com o número de disciplinas de cada período. A escolha dos alunos para responder ao roteiro foi realizada de modo que todos os membros do Programa Especial de Treinamento Medicina/UFU (grupo PET) participassem dessa observação. Apenas o quinto período preencheu todas as cinco vagas disponíveis com membros do grupo PET. Nos outros nove períodos, foram utilizados os seguintes critérios em ordem decrescente de importância para a escolha dos demais alunos que responderiam ao roteiro, interesse em Educação Médica (avaliada através de freqüência a congressos da Abem, envolvimento anterior no PET e Diretório Acadêmico) e responsabilidade (avaliada através de freqüência às aulas, pontualidade, compromisso em devolver o roteiro respondido no prazo determinado).Os alunos escolhidos receberam uma carta-convite do primeiro autor e participaram de uma entrevista individual com os membros do PET, que esclareceram possíveis dúvidas quanto ao preenchimento dos roteiros.

O QFD era integrado por 16 questões com o fim de identificar a percepção dos alunos em relação a aspectos relevantes no processo educacional durante o semestre, assim como avaliar a influência destes no aproveitamento geral da disciplina. As 15 primeiras questões desse questionário foram respondidas por meio da escala de Likert modificada com variação de 1 a 7 entre duas qualificações opostas. Na 16 a. questão foi utilizada uma escala visual para avaliar a satisfação global, com cinco opções de resposta. Os tópicos abordados foram: suficiência de carga horária; comparação da carga horária reservada com a utilizada pela disciplina; grau de exigência e eficiência das atividades; forma, didática e eficiência do método de transmissão do conteúdo; atualização do conteúdo ministrado; estímulo ao pensamento crítico; incentivo ao raciocínio clinico; método de avaliação; relacionamento interpessoal; motivação; comparação de qualidade com as demais disciplinas cursadas no período; grau de satisfação global. Durante a última semana de aula do segundo semestre letivo de 1998, o QFD foi aplicado a todos os alunos do primeiro ao décimo períodos do curso de Medicinada UFU.

A análise das respostas consistiu na codificação destas por idéias comuns, utilizando-se grifos de cores diferentes, e posteriormente no agrupamento em cinco áreas temáticas: processo ensino-aprendizagem, cenário de aprendizagem, avaliação do aluno, relacionamento professor-aluno e ética no curso.

Em todas as disciplinas foi adotada a mediana como medida de tendência central. Cada uma das cinco áreas foi analisada separadamente (Ciclo Básico, Cirurgia, Clínica Médica, GO e Pediatria). As medianas de cada questão das disciplinas de uma mesma área foram comparadas entre si e com a mediana obtida para a área como um todo. Ressaltaram-se, ainda, as disciplinas cujas medianas se diferenciaram muito dos valores obtidos para as demais da área. Os resultados das questões relativas a cada uma das cinco áreas citadas foram agrupados com os resultados do RO para discussão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estavam sendo aguardados 294 ROs. Destes, 208 (70,7%) foram respondidos completamente. Dos 120 roteiros esperados para a área do básico, 107 (89,2%) foram entregues. Dos 78 roteiros da Clínica Médica, 55 (70,5%) foram incluídos. Na Pediatria, dos 18 roteiros esperados, 12 (66,7%) foram respondidos. Na GO, de um total de 12 roteiros, 7 (58,3%) foram consideradas. Para a Cirurgia, de 66 roteiros esperados, 28 (42,4%) foram respondidos. Somente duas disciplinas da área de Cirurgia Neurologia e Urologia não fizeram parte da análise dos dados por não ter sido entregue pelos alunos responsáveis nenhum roteiro respondido referente a estas disciplinas.

O QFD foi aplicado a todos os 440 alunos matriculados do primeiro ao décimo períodos do Curso de Medicina da UFU. Foram obtidos 359 questionários respondidos (81.59%), distribuídos da seguinte forma, 38 do 1o P (95% dos alunos desta turma); 39 do 2o P (92,86%); 40 do3o P (97,56%); 42 do 4o P (100%); 42 do 5o P (97,67%); 35 do 6o P (81,39%); 44 do7o P (97,78%); 24 do 8o P (50%); 39 do 9o P (90,48%); e 17 do 10o P (33,33%). Todas as respostas foram utilizadas para análise.

O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

O ato de ensinar está diretamente subordinado ao processo de aprender.77. Penteado JA. Didática e prática de ensino: uma introdução crítica. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1979. p. 52. Um sistema de ensino não deve simples mente transmitir técnicas e conceitos para o estudante, mas também buscar meios de fazê-lo ser ativo, crítico, participativo, ciente da realidade da qual faz parte e da responsabilidade assumida perante a sociedade, de acordo com seu papel de médico. Nesta parte, buscou-se analisar o processo educacional e sua influência no desenvolvimento cognitivo e psicomotor. As respostas foram consideradas de forma genérica, sem divisões entre as cinco grandes áreas, por não haver diferenças relevantes entre elas. Variações nas respostas que chamaram atenção foram destacadas. Esta análise é referente às seguintes questões do RO:

“A disciplina incentiva a participação (questionamento e discussão) dos alunos em sala de aula? Justifique.”

“As aulas práticas são supervisionadas? Por quem? Comente a qualidade dessa supervisão.”

“Em relação aos recursos audiovisuais, comente: quais são eles, sua qualidade: tanto do aparelho (retroprojetor, por exemplo), como o próprio instrumento (transparência, por exemplo); como são utilizados: domínio no uso dos recursos; eficiência em promover a aprendizagem.”

“Como você avalia a didática (sequência lógica da aula, incentivo ao raciocínio, planejamento, clareza em transmitir o conteúdo, etc.) e a oratória do(s) professor(es) da disciplina? Justifique.”

“Os professores da disciplina utilizaram outros métodos de ensino (grupos de discussão, seminários, etc.) além da aula expositiva? Eles contribuíram significativamente para a melhora do aprendizado? Comente.”

Para a análise foram também utilizadas as questões do QFD aplicáveis ao tema (suficiência de carga horária; comparação da carga horária reservada com a utilizada pela disciplina; grau de exigência e eficiência das atividades; forma, didática e eficiência do método de transmissão do conteúdo; atualização do conteúdo ministrado; estímulo ao pensamento crítico; incentivo ao raciocínio clínico; motivação).

De acordo com os observadores, o ensino do Curso Médico da UFU consiste em aulas práticas e teóricas, havendo um equilíbrio entre as mesmas, segundo dados do QFD; as últimas são basicamente expositivas e centradas no professor, como é evidenciado no RO.

Se, por um lado, o método expositivo é o mais utilizado em todos os níveis de ensino, por outro é também o mais criticado,88. Ronca ACC. Técnicas pedagógicas: domesticação ou desafio à participação? Petrópolis: Vozes, 1980. p. 85. tanto em congressos sobre educação em revistas especializadas, como por pedagogos.

Entretanto, segundo o QFD, os observadores consideraram o método razoavelmente satisfatório. Essa opinião pode estar associada a pelo menos dois fatores. O primeiro é a postura passiva dos mesmos frente ao processo ensino-aprendizagem. O modo deficiente de organização do currículo acadêmico, em que as disciplinas têm carga horária extensa, por vezes excessiva possivelmente não está contribuindo para que o aluno tenha participação ativa no aprendizado, quesito fundamental em sua formação.

Em segundo lugar, um certo comodismo, tanto do professor quanto do aluno, uma vez que aquele repete a mesma exposição há vários anos, enquanto estes são menos exigidos em termos de participação ou preparação para as aulas. Desse modo, o professor assume papel de detentor do conhecimento, enquanto os alunos se tornam apenas receptores. Essa concepção é denominada por Paulo Freire “educação bancária, pois faz do processo educativo um alo permanente de depositar conteúdos. Ato no qual o depositante é o educador e o depositário é o educando...”.99. Freire P. Educação com prática da liberdade. 2.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969.

O ensino tradicional pode estar produzindo distorções no aprendizado, pois o aluno, muitas vezes, não assume uma postura crítica e aceita passivamente as informações, como se estas fossem truísmos irretocáveis. Esta inércia preocupa pelo fato de que muitos procedimentos podem ser passados aos alunos de forma parcial ou tendenciosa. Com isso, os problemas inerentes a deficiências técnicas, postura ética inadequada e limitações pessoais de cada professor seriam transmitidos, e os alunos os acatariam sem maiores críticas, o que influenciaria negativamente sua formação acadêmica.

Apesar desta satisfação, a falta de dinâmica, de organização e de sequência idática da matéria foi criticada por alguns alunos, que sugeriram outros métodos de ensino que estimulassem mais o aprendizado e o raciocínio, como seminários e casos clínicos. A qualidade de transmissão do conteúdo foi considerada boa, e as aulas despertaram um interesse razoável mas observou-se que, quando foram utilizados outros métodos didático-pedagógicos, houve uma melhora na qualidade do aprendizado, o que justifica as sugestões dadas por alguns alunos no RO. O uso de retroprojetores e de projetores de diapositivos como único recurso, muitas vezes, tornou as aulas “cansativas e monótonas”, pois houve maior preocupação do aluno em copiar as transparências do que em prestar a devida atenção à aula.

Em geral, a atualização do conteúdo ministrado pelas disciplinas foi considerada satisfatória, e as disciplinas estimularam o aluno apensar criticamente de forma razoável, porém não tão expressiva. Cabe uma reflexão sobre a capacidade dos alunos de julgamento crítico das informações e a atualização do conteúdo transmitido.

Em relação às aulas práticas. Quando questionados sobre a supervisão, os observadores a consideraram adequada e preferiram aquelas que abriam espaços para discussão e questionamentos, porém com um número reduzido de alunos por turma. Tal preferência é condizente com uma aprendizagem que permita ao aluno um melhor desenvolvimento de seu raciocínio crítico e clínico.

No Ciclo Básico, muitas vezes, houve insatisfação quanto à quantidade e à qualidade dos supervisores. No Ciclo Clínico, a supervisão das aulas práticas foi feita por professores, técnicos, residentes, internos e monitores, tendo sido considerado adequada, apesar da deficiência na padronização de condutas.

A redação de monografias foi considerada um método importante no aprendizado, mas criticada quanto ao momento em que foi solicitada, devido à excessiva carga horária curricular do étimo período (confecção de duas monografias num semestre com elevada carga horária).

De acordo com as observações, o ensino no curso médico da UFU está centrado na formação em atendimento terciário, valorizando as especialidades em detrimento ela formação generalista e humanística, aumentando ainda mais as discrepâncias entre o profissional formado e as necessidades da população. Houve vários elogios à iniciativa de algumas disciplinas de descentralizar o aprendizado do ambiente hospitalar (Centro de Saúde Escola), fugindo ao típico paradigma flexneriano de ensino.

Com relação à satisfação global dos alunos com cada disciplina, avaliada pelo QFD, foi observado que o curso, como um todo, tende a ser considerado bom, uma vez que há uma concentração de respostas por área na mediana 4 (numa escala de1 a 5).

CENÁRIO DE APRENDIZAGEM

O ambiente físico interfere no processo ensino-aprendizagem. Para avaliá-lo. foi feita a análise da seguinte questão do RO:

“O local de aprendizagem (sala de aula, laboratório, ambulatório, etc.) fornece condições (infra-estrutura, material) adequadas para o desenvolvimento das atividades? Justifique.”.

As salas de aula foram consideradas adequadas pela maioria dos alunos, apesar de muitos relatarem ruído excessivo nos corredores e calor exagerado em algumas salas. No Ciclo Básico, houve grande insatisfação quanto ao sucateamento de alguns laboratórios práticos, inadequação da infra-estrutura dos locais de aulas práticas e à falta de materiais adequados.

O Centro de Saúde Escola foi elogiado quanto ao espaço físico, porém criticado quanto a sua sobrecarga, prejudicando o andamento normal das atividades e o aprendizado dos alunos.

A AVALIAÇÃO DO ALUNO

Aqui foram abordados os aspectos referentes aos métodos utilizados para avaliação dos alunos. Nesta análise foram tomadas as respostas do QFD referentes ao método de avaliação, além das do RO para a seguinte questão:

“Quais foram os tipos de avaliação do aluno (prova escrita, prática, oral, seminários, etc.) usados pela disciplina no último mês? Comente sobre a forma, conteúdo e critérios da avaliação.”.

Nas disciplinas do Ciclo Básico, houve muitos elogios às avaliações que se restringiram ao conteúdo dado em sala de aula. Isto pode estar refletindo uma mentalidade competitiva, trazida pelos alunos dos períodos iniciais, que supervaloriza a nota e prefere a limitação de conteúdos. A postura dos docentes, nesta fase, pode estar perpetuando tal mentalidade, o que torna o aprendizado passivo, quando é sabido que o perfil do médico adequado ao mercado atual exige capacidade de buscar ativamente e selecionar criticamente informações que respaldem sua prática. Ao contrário dos alunos do Ciclo Básico, os observadores das disciplinas da área de Clínica Médica não se mostraram tão de acordo com esta restrição das avaliações, chegando a elogiar aquelas que foram mais amplas. Isto pode indicar uma mudança de mentalidade tanto de alunos quanto de professores, uma vez que estes parecem estar orientando melhor os alunos, no sentido de buscar ativamente informações relevantes, enquanto aqueles parecem estar adaptados a esta necessidade.

No ciclo Básico, poucas foram as menções de provas que não correlacionaram o Básico com o Clínico, o que pode refletir uma visão limitada dos alunos dos períodos iniciais em relação ao cotidiano da prática médica ou significar que a realização desta correlação é satisfatória. Já nas disciplinas da área de Clínica Médica, os observadores elogiaram com grande frequência a coerência das avaliações com os objetivos da disciplina e com os conteúdos realmente necessários à prática médica, o que pode ser fruto de seu momento no curso já permitir o contato com pacientes.

As proas práticas foram consideradas mais representativas na avaliação das disciplinas com este caráter. Apesar disso, algumas disciplinas da área de Cirurgia foram criticadas devido a avaliações puramente teóricas. Isso já foi constatado anteriormente nesta instituição, num estudo que revelou que as provas teóricas representavam 66,5% das estratégias de avaliação no Ciclo Clínico.4 Na questão quantitativa, que versava sobre a forma de avaliação ser eminentemente teórica ou prática observamos que 60% das disciplinas do Ciclo Básico possuem avaliação predominantemente teórica (medianas ≤ 3). Na Clínica Médica e na Cirurgia, embora as disciplinas apresentem equilíbrio entre avaliações teóricas e práticas (maior concentração de respostas na mediana 4), houve uma tendência de estas avaliarem mais teoricamente o aluno (medianas ≤ 3 em 33% e 18%, respectivamente). Nas áreas de GO e Pediatria, este equilíbrio se manteve, e todas as suas disciplinas apresentaram mediana 4.

As questões discursivas, de acordo com os observadores das disciplinas de Cirurgia, foram consideradas mais eficientes no processo avaliativo. Dentre os argumentos utilizados para esta afirmação, destaca-se o fato de que as questões de múltipla escolha, muitas vezes, exigem do aluno apenas memorização para sua resolução. Além disso, podem privilegiar os alunos que se restringiram ao estudo das anotações de aula, em detrimento daqueles que buscaram outras fontes e não têm espaço para demonstrar os conhecimentos adquiridos.

Outra crítica feita com muita freqüência pelos observadores do Ciclo Básico e da área de Cirurgia diz respeito às avaliações que privilegiam muita memorização, não estimulando o raciocínio. A crítica a este tipo de avaliação também surgiu na área de Clínica Médica, porém com menos frequência do que na área Básica. Este dado qualitativo condiz com o quantitativo, visto que, no Ciclo Básico, 65% das disciplinas (medianas ≤ 3) utilizam meios de avaliação que exigem mais memorização e apenas 5% (medianas ≤ 5) tendem a valorizar o raciocínio. Na Cirurgia, 64% das disciplinas exige predominantemente memorização. Já na Clínica Médica, essa tendência não foi observada, visto que 85% das disciplinas se concentraram no valor central da escala. Na GO, uma disciplina realiza provas que exigem mais memorização, e a outra mantém um equilíbrio entre as duas qualificações. Todas as disciplinas da área de Pediatria apresentaram mediana 4.

Alguns observadores das áreas de Clínica Médica e Cirurgia relataram que, em algumas disciplinas, não houve preocupação com os conteúdos realmente necessários a uma formação generalista.

Quanto à repetição de questões de semestres anteriores, houve críticas nos relatos dos observadores do Ciclo Básico, algumas delas severas. A grande maioria dos alunos atentou para o fato, mas se mostrou indiferente a ele. A omissão dos alunos pode ser fruto da posição cômoda que esta postura lhes traz ou da relação de poder que se estabelece entre professor e aluno, em que críticas raramente são bem aceitas.

Um observador foi particularmente severo em relação ã avaliação do aluno nos plantões da área de GO, que, segundo o mesmo, é feita sem critérios, principalmente porque os professores nem sempre estão presentes.

Quanto ao grau de satisfação com a avaliação do aluno feita pela disciplina, a Pediatria e a GO foram as áreas que apresentaram maior porcentagem de disciplinas com alto grau de satisfação (67% e 50%, respectivamente, apresentaram medianas ≤ 5). No Ciclo Básico e Clínica Médica, houve predomínio de respostas na mediana 4. A área que apresentou maior insatisfação com relação à avaliação do aluno foi a Cirurgia, em que 45% das avaliações foram consideradas de baixo grau de satisfação (medianas ≤ 3).

Vê-se, portanto, que algumas modificações são necessárias na forma de avaliar o aluno. Enquanto instrumentos de qualificação de desempenho, os métodos avaliativos podem não estar se prestando bem para tal função, seja por não retratarem fielmente a eficiência do processo ensino-aprendizagem ou por não enfatizarem os aspectos de real importância para a formação do aluno. Num conceito mais amplo, a avaliação é um recurso didático que pode e deve ser explorado como forma de estímulo ao raciocínio, incentivo à educação continuada e meio de moldar o aluno de acordo com o perfil esperado do profissional competente e adequado ao mercado de trabalho. Por este ângulo, a avaliação deve ser encarada como instrumento de influência indiscutível na formação do profissional e de importância decisiva na determinação do tipo de médico que se forma na instituição, e por isso urge sua adequação.

O RELACIONAMENTO PROFESSOR-ALUNO

O processo ensino-aprendizagem envolve dois personagens, cada um com seus direitos e deveres específicos, o aluno, de quem se espera o melhor desempenho e grande aprendizado com as atividades desenvolvidas: e o professor, a quem cabe ensinar e fazer com que o aluno atinja os objetivos do curso.44. Universidade Federal de Uberlândia. Centro de Ciências Biomédicas. Colegiado do Curso de Medicina. Finalidades, concepções filosóficas e diretrizes do curso de medicina da UFU. Uberlândia, 1988. “paginação irregular”.),(1010. Lima-Gonçalves E. Desempenho do aluno de graduação da FMUSP e avaliação das disciplinas curriculares: em busca de correlações. Rev. Hosp. Clín. Faculdade de Medicina de São Paulo. 1993; 48,4: 199-203. Com esta parte do trabalho pretendemos retratar como acontece a relação professor-aluno no cenário de aprendizagem, enfatizando o que ocorre mais comumente e a diferença entre as áreas, quando existem. Este tópico foi baseado numa questão do RO “Como se dá o relacionamento professor-aluno em sala de aula? Como isto se reflete no aprendizado?” e noutra do QFD com relação à contribuição do relacionamento do professor com a classe para o aprendizado.

No questionário quantitativo, os resultados tenderam a considerar o relacionamento do professor com o aluno como benéfico para o aprendizado. Em todas as áreas, a mediana geral foi 5, mostrando tendência positiva. No ciclo Básico, 60% das disciplinas tiveram mediana ≤ 5 na Cirurgia 57%, na Clínica Médica 84,61%, na GO 100% e na Pediatria 100%. Foi pequena a porcentagem de disciplinas em que o relacionamento com o professor tendeu a ser prejudicial (mediana = 3) no ciclo Básico5% e na Cirurgia 18%. Nas outras áreas, nenhuma disciplina obteve mediana ≤ 3.

Com relação à análise qualitativa, o relacionamento foi descrito como razoável e satisfatório, além de respeitoso e amigável, não tendo interferido prejudicialmente no aprendizado: “o relacionamento é puramente profissional, mas não por isto prejudicial ao nosso desempenho”.

As aulas teóricas em grandes grupos, segundo os observadores, são caracterizadas pelo distanciamento entre professores e alunos, às vezes inibindo os questionamentos destes últimos. “Na parte teórica nem existe esse relacionamento; é o professor num pedestal e os alunos como pequenas formigas imbecis diante deles”. Na medicina, na qual é essencial o raciocínio critico, deve-se ressaltar a relevância de um relacionamento interpessoal professor-aluno que estimule o questionamento ativo e a discussão conjunta, de forma a exercitar esta habilidade durante a graduação.

Esse relacionamento distante, criticado pelos alunos, deve-se basicamente ao modelo de ensino centrado no professor. O aluno sente-se prejudicado e geralmente prefere as aulas em grupos menores, que privilegiam o contato mestre-aprendiz.

As aulas práticas, realizadas com grupos menores, são citadas geralmente como espaços em que o professor e o aluno estão mais próximos e têm oportunidade de discussão, sendo de grande contribuição para o aprendizado: “o professor é bastante próximo e disponível, permitindo que o aluno fique mais à vontade para tirar suas dúvidas”; “Na parte prática, este relacionamento é de muita amizade e confiança, fazendo com que as duas partes (professor e aluno) trabalhem com gosto e desempenhem suas ações da melhor forma possível”.

“O aluno vai assinar a lista de presença e o professor vai à sala de aula para pagar a matéria”. Embora esta seja uma observação isolada, gera preocupação, uma vez que reflete um modelo de educação falido, em que não importa muito o conhecimento e sim o cumprimento da grade horária.

Muitas são as responsabilidades do professor e da escola médica. Uma das políticas do curso médico da UFU prescreve que “formar, técnica e eticamente, o estudante de medicina é prioritário à função estritamente informativa”.4 O professor deve ser capaz de oferecer conhecimentos básicos ao aluno, ensiná-lo a raciocinar clinicamente e fazer com que ele tenha uma visão das necessidades da comunidade.10 Para isto, é fundamental que professor e aluno tenham uma relação próxima e aberta a questionamentos, para que ambos aprendam com o processo.

A ÉTICA NO CURSO

Segundo Souza & Dantas,1111. Souza E, Dantas F. O Ensino de Deontologia nos cursos de graduação médica no Brasil. Rev. Bras. Educ. Méd . jan/abr. 1985;, 9, 11:, 7-9. as EMBs parecem não se empenhar de forma efetiva na formação ética do futuro médico, preocupadas principalmente com aspectos técnicos e informativos da ciência médica. Daí a necessidade de repensar o ensino da ética médica, saindo do modelo em que a Escola assume a cômoda função de transmitir um conjunto de informações que o estudante deve obter e que funcionarão como ferramentas, das quais deve dispor conforme as demandas da siluação,1212. Hafferty FW, Franks R. The hidden curriculum, ethics teaching, and the structure of medical education. Academic Medicine. nov.1994; 69, 11: 861-871. para outro mais dinâmico e formativo. O papel da Escola nesse contexto seria apenas o de contribuir para formar um médico que tenha noções éticas, mas não que seja um indivíduo ético, eximindo-se de seu papel social de formar profissionais com princípios humanísticos sólidos e valores altruísticos.

A investigação de como os alunos percebem a abordagem de questões éticas no Curso de Medicina da UFU, assim como a postura ética de seus professores, foi realizada apenas pelo RO, em duas questões:

“A disciplina abre espaço para reflexões éticas?”

“Os professores da disciplina são modelos de conduta ética a serem seguidos?”

O objetivo das questões não foi avaliar os professores individualmente, mas obter uma idéia global de como a ética tem permeado a formação do estudante de medicina.

REFLEXÕES ÉTICAS:

Em todas as áreas ficou aparente a dificuldade de promover reflexões éticas frente ao extenso conteúdo das disciplinas a ser transmitido em curto espaço de tempo. Principalmente em aulas teóricas, os professores parecem ficar restritos ao conteúdo da matéria, e o contato entre professor e aluno se dá de forma distanciada, não favorecendo a interação e a reflexão, mas tão-somente “cobrindo” o conteúdo programático: “A aula teórica quase não toca nas questões éticas. Já a prática frequentemente discute os pontos éticos relacionados à Semiologia, como, por exemplo, a relação aluno-paciente, o consentimento do paciente em receber o aluno, o tratamento do aluno dispensado ao paciente”. Chama atenção o apontamento de alguns observadores que evidenciam a posição da Escola de enfatizar os aspectos cognitivos da ética médica (em disciplina especifica no sétimo período), deixando que durante o restante do curso o aluno desenvolva seu senso ético apenas pela experiência pessoal: “Em nossa primeira aula somos chamados uma conversa um tanto séria sobre ética, mas no decorrer do curso isso fica a cargo de nós mesmos”. Isso pode indicar que os alunos possivelmente estão tendo experiências importantes para sua formação ética e que talvez gostassem de estar discutindo, mas não têm encontrado respaldo suficiente da Escola nesse sentido.

Especialmente nas áreas com envolvimento cirúrgico, as observações dos alunos foram desfavoráveis: “Pouco espaço. Esporadicamente passa-se uma situação de reflexão ética aos alunos, sem muita ênfase e sem discussão, só a título de exemplo”. Na área de Cirurgia, houve apontamentos quanto à “preocupação em enfatizar erros de procedimento” e com o que “seria melhor para o paciente, do ponto de vista tanto estético e funcional como emocional”. Na área de GO, os alunos foram unânimes em afirmar que discussões éticas não têm sido incentivadas no âmbito das disciplinas, apesar de ser uma área que lida com assuntos delicados, como a intimidade da paciente e a erotização da relação médico-paciente. No Ciclo Básico, a quantidade de respostas positivas e negativas foi muito próxima. Possíveis explicações para o fato são a heterogeneidade das disciplinas enquadradas nessa categoria ou ainda a heterogeneidade entre professores de uma mesma disciplina. A análise dessa questão foi prejudicada pelo fato de muitos observadores terem respondido de maneira monossilábica, o que poderia ser explicado pelo medo dos alunos de se expor na resposta do questionário ou pela falta de entendimento quanto ao significado de “reflexões éticas”. Alguns pontos positivos levantados são muito importantes e merecem ser citados, como a ética, que envolve experimentos com animais e a discussão a respeito de defeitos genéticos.

Nas áreas de Clínica Médica e Pediatria, a maioria dos alunos respondeu afirmativamente à questão. Na primeira área, provavelmente pelo fato de ser uma parte da medicina que envolve raciocínio clinico constante e contato próximo ao paciente, a ética parece permear mais constantemente as discussões em sala de aula, principalmente nas aulas práticas. A Pediatria, por ser uma área que lida com o paciente mais dependente de toda a prática médica, com o qual os médicos geralmente têm grande cuidado em manusear e não molestar, parece estar envolvendo mais os alunos em reflexões éticas.

OS PROFESSORES COMO MODELOS DE CONDUTA ÉTICA

Segundo Marcondes,1313. Marcondes E. A ética no ensino médico. Rev. Bras. Educ. Méd . jan. / abr.1985; 9, 11: 42-6. tanto o professor-pessoa como o professor-técnico podem assumir, perante o aluno, a imagem de modelo ou de líder, ambas ricas em conteúdo ético, ressaltando-se a transcendente importância da relação médico-paciente (professor-paciente) no decurso da atividade de aprendizado. Os modelos observados e internalizados pelo aluno no decorrer de atividades tanto práticas como teóricas podem, dessa forma, ter papel crucial em sua formação como ser ético.

Verificamos que em todas as áreas houve observações dos alunos quanto à dificuldade e/ou impossibilidade de responder à questão, devido ao contato com os docentes se dar somente em aulas teóricas: “Não tenho como responder, pois só tive contato com eles em sala de aula”. Novamente, isto poderia estar indicando que o papel da escola de formação ética e humanística global do aluno durante o período pré­internato está sendo relegado a segundo plano, em detrimento da vasta exploração de conteúdos cognitivos, uma vez que os alunos não são capazes de emitir uma avaliação dos professores com quem convivem diariamente e que têm influência notável em seu aprendizado.

Particularmente no Ciclo Básico, essa situação transpareceu. Apesar de a maioria dos observadores ter considerado os professores como modelo de conduta, grande parte destes respondeu laconicamente à questão, havendo muitas respostas como esta: “Sim, pelo menos até onde eu conheço sobre eles”. Vários alunos ficaram indecisos quanto à questão, sendo que o principal motivo apontado foi que os professores geralmente não abordam questões ética: “...o professor não se expressa em relação a esse assunto”. Nesse ponto, cabem questionamentos de fundamental importância: numa área do curso médico que abrange questões polêmicas e desafiadoras, como bioengenharia, pesquisas com animais, autorização para fazer necrópsias e manipular corpos de pacientes, o curso de medicina estaria cumprindo seu papel quando a opinião dos alunos parece expressar que em várias ocasiões o posicionamento dos profissionais em relação à ética não é sequer comentado? Nossos resultados parecem apontar uma abordagem ainda incipiente dessas questões nas disciplinas dessa área, o que pode estar contribuindo para gerar uma visão pouco crítica do estudante quanto ao significado e aplicabilidade da ética médica em sua prática futura. Além disso, a maior parte dos professores não são médicos, o que dificulta uma discussão mais aprofundada da ética médica.

Nas áreas de Pediatria, Cirurgia e Clínica Médica, a grande maioria dos alunos considerou que os docentes são modelos de conduta ética. Muitas vezes, os alunos foram ambíguos nas respostas aos questionários, afirmando que, embora a maioria dos professores de determinadas disciplinas fossem modelos a serem seguidos pelos alunos, havia exceções em muitos casos: “A maioria são modelos de conduta ética serem seguidos; alguns, entretanto, fazem brincadeiras indevidas e anti­éticas com as patologias”. Ou ainda: “A disciplina é composta por vários professores. A maioria parece agir de forma ética. Um determinado professor age (...) ilustrando histórias de pacientes que não contribuem para o aprendizado do aluno e deveriam ser sigilo de consultório”.

Dentre as respostas afirmativas, o estabelecimento de uma boa relação médico-paciente e o profissionalismo dos docentes apareceram como algumas das justificativas mais citadas: “...são muito corretos, prestativos e preocupados com o aprendizado do aluno e o melhor para o paciente”; “...são pessoas exemplares e que transmitem continuamente a necessidade de se ter conceitos e atitudes éticas sempre”.

Em síntese, pode-se observar que no curso de medicina, apesar de haver formação satisfatória no que tange aos aspectos cognitivos da ética médica e de o aluno perceber seus preceptores como exemplos a serem seguidos, não há, de forma global, um ambiente favorável ao processo de refletir e repensar a prática médica, o que compromete o desenvolvimento do aprendizado de “ser ético”. O ensino da ética médica deve, assim, ter um papel mais amplo, implicando debates abrangentes ao longo de todo o curso e se valendo de diferentes estratégias de aprendizagem que levem à reflexão não somente sobre os direitos e deveres do médico, como também sobre doutrinas filosóficas e o sentido ético da medicina em si.

COMENTÁRIOS FINAIS

Este primeiro estudo quali-quantitativo das disciplinas do curso médico da UFU na percepção dos discentes mostrou que, em geral, os alunos estão razoavelmente satisfeitos com o processo educacional que se desenvolve nas disciplinas. Entretanto, as observações qualitativas e os registros quantitativos indicam que há um significativo espaço de melhoria no Curso de Medicina da UFU, envolvendo melhores equipamentos para aulas práticas no ciclo básico, distribuição mais apropriada da carga horária e avaliação menos centrada em memorização.

Uma abordagem qualitativa de avaliação é aquela que enfatiza a coleta de informações ricas e detalhadas de um pequeno número de participantes de algum programa. A ênfase é dada na descrição detalhada e no conhecimento profundo, na medida em que ele emerge do contato direto e das experiências com o programa e com seus participantes.1414. Dey EL, Fenty JM, Vianna HM. Técnicas e instrumentos de avaliação. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. O estudo qualitativo trabalha com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos, que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.1515. Deslandes, S. F. A construção do projeto de pesquisa. In, Minayo MCS org. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 3.ed. Petrópolis: Vozes , 1994. Ele objetiva aprofundar a compreensão da complexidade de fenómenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos mais ou menos delimitados em extensão e capazes de serem abrangidos intensamente.1616. Minayo MCS, Sanches O. Quantitativo-Qualitativo: oposição ou complementariedade. Rio de Janeiro, Cad. Saúde Públic. jul./set.1993; 9, 3: 239-262. Em particular, a metodologia qualitativa não se baseia no critério numérico para garantir sua representatividade. A amostragem boa é aquela que possibilita abrangera totalidade do problema investigado em suas múltiplas dimensões.1515. Deslandes, S. F. A construção do projeto de pesquisa. In, Minayo MCS org. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 3.ed. Petrópolis: Vozes , 1994.

Utilizamos neste estudo, na parte qualitativa, a técnica de observação participante, que se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos.1515. Deslandes, S. F. A construção do projeto de pesquisa. In, Minayo MCS org. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 3.ed. Petrópolis: Vozes , 1994. A observação participante de alunos do curso médico na detecção de informações e fatos relevantes em temas centrais que se fazem presentes no dia-a-dia das disciplinas lecionadas foi a técnica escolhida para coletar os dados qualitativos necessários. A técnica exige participantes que tenham o melhor conhecimento possível do contexto estudado, o que levou à seleção de alunos interessados em educação médica e envolvidos no processo de melhoria do curso de medicina da UFU.

A observação natural dos fatos ocorridos pode e deve ter sido influenciada pela perspectiva subjetiva adotada por cada observador, apesar da solicitação de registrar aspectos positivos e negativos observados na disciplina. A exigência de ter pelo menos dois observadores independentes para uma dada disciplina diminui (mas não elimina) o risco de um registro tendencioso dos fatos. Idealmente, seria recomendável utilizar maior número de participantes, seguindo o esquema proposto de observação desde o primeiro dia de aula até o encerramento da disciplina no semestre.

A abordagem quantitativa, desenvolvida por meio do QFD, permitiu ter uma visão do conjunto das opiniões dos alunos a respeito das disciplinas do curso. O QFD é um instrumento a ser analisado individualmente por cada disciplina, uma vez que determinadas características abordadas serão desejáveis em maior ou menor grau, dependendo dos objetivos de cada área ou disciplina. A exploração da percepção dos docentes sobre o perfil desejado em cada disciplina em relação aos vários itens do questionário deveria acompanhara aplicação do QFD para servir como parâmetro básico de comparação com os resultados obtidos na percepção discente.

A integração de métodos quantitativos e qualitativos num mesmo estudo permite a obtenção e interpretação de dados que se complementam e melhor informam sobre a realidade estudada. No caso da avaliação de disciplinas, a abordagem quantitativa evidencia a tendência do conjunto de alunos em relação aos itens pesquisados, ao passo que a abordagem qualitativa confere um melhor detalhamento e sentido do ponto de vista da informação coletada.

Avaliações de disciplinas nas EMBs com enfoque quali-quantitativo, realizadas por professores e alunos, podem constituir importante ferramenta de transformação do ensino médico. Cabe aos administradores da educação médica no Brasil a responsabilidade de torná-las uma rotina, extraindo lições para o contínuo aprimoramento da formação médica no Brasil, expectativa comum a docentes, alunos e à sociedade, que legitima o exercício da profissão médica.

AGRADECIMENTOS

Aos professores Carlos Henrique Alves Rezende, Cícero José Alves Soares e João Marcos Alem, pela consultoria dada durante o trabalho.

Aos alunos Bethânia de Freitas Rodrigues, Carlos Leônidas Chaves de Oliveira, Carolina Sales Vieira, César Augusto Queiroz Ferreira, Cláudia Cristina Vilela Leles, Cristiane Borges Barra, Daniela Pagliari Oliveira, Deive Monteiro de Oliveira, Eliane Hwang, Emiliana dos Santos Valadares, Fábio da Mota Fernandes, Gláucia Guimarães de Souza. Haroldo Luís Oliva Gomes Rocha, Hermínio Asevedo Neto, Juliana Diniz Silva, Juliana Markus, Lawrence Aquiles Paixão, Lécio Figueira Pinto, Lilian Garcia Pontes, Lindomar Gonçalves Gomes, Marcel Resende Davi, Natália Rodrigues de Sá, Patrícia de Castro, Paula Paulino Borges, Raquel Cazabona, Renata Matsuura, Renata Scarabucci Janones, Renata Teodoro Nascimento, Tatiana Cunha Oliveira, Thúlio Marquez Cunha e Virgínia Auxiliadora Freitas de Castro, pela colaboração e empenho na aplicação dos instrumentos e coleta de dados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2001
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