Acessibilidade / Reportar erro

Disciplina de Medicina Comunitária: Relato de uma Experiência Inovadora

Teaching Community Medicine: A Report on Innovative Experiment

Resumo:

Descreve-se uma experiência inovadora na disciplina de Medicina Comunitária inserida no sétimo semestre do curso da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas. São identificados aspectos da infra-estrutura, do corpo docente e da metodologia adotada durante o ano de 1997. O crescimento cognitivo dos alunos nesse período é medido por um teste de qualificação cognitiva e, nos dois semestres, mostra valores em torno de 20%. A partir do primeiro semestre de 1998, desencadeia-se uma auto-intervenção, democrática, que reduz o número de docentes envolvidos, altera a metodologia de ensino e adota instrumentos de avaliação que orientam as correções de trajetória necessárias e cada um dos alunos. O teste de qualificação cognitiva é o instrumento objetivo de afeição do crescimento cognitivo dos alunos e revela, nos quatro semestre da experiência e até o presente momento, que os alunos apresentam um crescimento de aproximadamente 50%, ou seja, maior do que o dobro do revelado na situação inicial que precede a intervenção. São enfatizados aspectos metodológicos, principais resultados e limitações deste tipo de experiência inovadora. Sugere-se a realização de outras experiências semelhantes, para a necessária crítica e avanço no desenvolvimento do conhecimento desta área.

Descritores:
Medicina comunitária - educação; Educação médica - tendências

Abstract:

This paper describes an innovative experiment in the course on Community, Medicine during the seventh semester of medical school at the Federal University of Pelotas. The infrastructure, faculty, and methodology for the year 1997 are identified. Growth in students’ cognitive skills, as tested by a qualifying exam, was about 20%. Beginning in the first semester of 1998, a democratic self intervention was iniciated in which the number of teachers involved was rediced, the teaching methodology was changed, and new evaluation techniques were included to measure the students’ progress. The cognitive qualification test was used to assess students’cognitive grows and showed that in the four semesters of the experiment to date, students’abilities have inscreased by some 50%, i.e., more than twice as much as with the previous methodology. The methods, main results, and limitations of this type of innovative approach are reviewed. Similar experiments elsewhere are needed to monitor advance in knowledge in this area.

Despriptors:
Medical Education - trends; Community Medicine - education

INTRODUÇÃO

As atuais demandas sociais trazem consigo novos desafios e antigas dificuldades. Entre os novos desafios, encontram-se: a necessidade de incorporação racional de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas, as decisões sobre iniciativas na área da engenharia genética e transplantes, a incrível velocidade com que novos saberes são produzidos e se tornam obsoletos, bem como a imprescindível qualificação e reorganização do sistema de saúde de maneira que assegure acesso universal àqueles que dele necessitam11. Assad JE et al. Desafios éticos. Brasília: Conselho Federal de Medicina do Brasil, 1993.. Algumas das antigas dificuldades que persistem, por vezes com nova roupagem estética, revelam contradições internas da formação médica e do exercício profissional.

A educação médica, apesar das diversas iniciativas inovadoras ocorridas nas últimas décadas, mantém paradigmas que perpetuam um modelo de ensino centrado no saber, ou seja, o conhecimento como capital a ser acumulado. O exercício da profissão médica, por sua vez, permite que o contrato entre a consciência profissional e a confiança do paciente seja mediado por um sem-número de interesses, os quais, na imensa maioria das vezes, servem apenas às indústrias produtoras de recursos diagnósticos e terapêuticos e/ou ao complexo comércio dos seguros de saúde.

A procura de novos paradigmas que possam superar estes desafios e contradições encontra como eixo direcionador, tanto da formação médica, quanto do exercício da profissão, as necessidades dos individuas e das comunidades.

No Brasil, a iniciativa que maior número de frutos tem produzido e que mais se aproxima destas respostas é a conduzida pela Comissão interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico22. Piccini R et al. Avaliação do Ensino Médico no Brasil, relatório ela primeiro fase, estudo epidemiológico de desenho ecológico. Rev. Bras. Educ. Méd. 1992; 16 (1/3): 37-42.),(33. Piccini R et al. Projeto de Avaliação das Escolas Médicas do Brasil. Rev. Bras. Educ. Méd . 1992; 16 (1/3):43-47..

Na faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, o Departamento de Medicina Social vem promovendo, ao longo dos últimos vinte anos, diversas experiências inovadoras na área da educação médica44. Faleiros JJ, Piccini RX, Gigante AG, Neutzlin M. Praticando e ensinado medicina na comunidade: a assistência médica. Rev. Bras. Educ. Méd . 1986; 10 (2): 91-94.),(55. Piccini R, Faleiros JJ, Gigante A. Praticando e ensinando medicina na comunidade, o ensino. Rev. Bras. Educ. Méd . 1986; 10 (2): 95-97.. Os últimos três anos foram dedicados a mais uma pesquisa neste campo do conhecimento, tendo como alvo a disciplina de medicina comunitária do curso de graduação em medicina.

Este artigo apresenta a metodologia desenvolvida para conduzir esta experiência, seus principais resultados e possíveis desdobramentos.

METODOLOGIA

A população-alvo deste trabalho é o grupo de 45 alunos que semestralmente cursa a disciplina de medicina comunitária do sétimo semestre do curso de medicina, com carga semanal de 11 horas.

O delineamento adotado é um ensaio do tipo antese depois, que se caracteriza pela identificação de determinada realidade, seguida de uma intervenção sobre a mesma e finalmente uma nova leitura do comportamento das variáveis que caracterizam a realidade em estudo. Para estudar o efeito da intervenção sobre este desempenho, foi adotado o crescimento cognitivo dos alunos como desfecho.

O estudo envolveu, em sua elaboração e coordenação, três professores do Departamento de Medicina Social e um médico do quadro de funcionários técnico-administrativos.

A intervenção proposta foi elaborada e aprovada no final de 1996. A identificação das variáveis componentes da realidade inicial aconteceu durante o ano de 1997. As alterações realizadas se materializaram em quatro turmas semestrais, de 1998 a 1999, período em que o crescimento cognitivo dos quatro diferentes grupos de alunos foi acompanhado e passa a constituir o desfecho deste trabalho de pesquisa em educação.

Os princípios adotados na concepção do eixo que confere direcionalidade ao conjunto de ações da disciplina66. Piccini R. Fatores determinantes da formação médica e do exercício profissional. Divulg. Saúde Debate. 1991; (5): 26-28. instituíram modificações relevantes nesta e são citados a seguir:

  • Prática como base para a reflexão teórica;

  • Ciências básicas como complemento permanente ao desenvolvimento dos conteúdos profissionalizantes;

  • Conteúdos selecionados a partir de critérios baseados na prevalência e potencialidade de prevenção primária;

  • Aula teórica como instrumento pedagógico eventual;

  • Ensino centrado na comunidade;

  • Prática médica cuidadora com enfoque na pessoa.

Conforme se pode observar, uma vez caracterizada a situação inicial em relação às variáveis independentes e ao desfecho adotado, se realiza a intervenção, caracterizada pelo envolvimento de menor número de docentes, revisão e explicitação de objetivos, conteúdos e metodologia de ensino-aprendizado, bem como adoção de instrumentos de avaliação padronizados.

Figura 1
Modelo teórico. Experiência inovadora na disciplina de medicina comunitária. UFPEL, 2000

A nova leitura das variáveis independentes e desfecho acontece de maneira concomitante à realização da intervenção proposta, caracterizando a situação pós-intervenção.

É interessante ressaltar que o cenário pós-intervenção se configura, já ao ser captado, numa nova situação inicial, exigindo um processo de reavaliação e nova proposta de intervenção, caracterizando, com isto, a necessária correção de trajetória que acompanha de maneira permanente todo e qualquer projeto educacional.

A descrição dos instrumentos utilizados, que é objeto de atenção nos próximos parágrafos, revela a sua essência e missão33. Piccini R et al. Projeto de Avaliação das Escolas Médicas do Brasil. Rev. Bras. Educ. Méd . 1992; 16 (1/3):43-47.),(88. Piccini RX, Facchini LA, Santos RC. Transformando a educação médica. Pelotas: Núcleo de Epidemiologia da Cinaem, 1997..

  • Teste de qualificação cognitiva (TQCI, TQEM, TQCF) aplicado no primeiro dia da disciplina, na metade e ao final do semestre. É uma prova com testes de múltipla escolha, com conteúdos selecionados segundo critérios de prevalência, potencialidade de prevenção primária e capacidade potencial de estruturar o pensamento. Estes conteúdos são aqueles que se deseja que o aluno domine ao final da disciplina. Os testes inicial e final são compostos pelas mesmas questões. O teste intermediário apresenta um número igualde questões, sobre o mesmo conteúdo, com distribuição por segmento do conhecimento, obedecendo à mesma proporção e com grau de dificuldade semelhante.

  • Durante a fase de captação da realidade inicial, durante os dois primeiros semestres, foram aplicados dois testes intermediários. Como o resultado de ambos não revelou diferença significativa, os coordenadores desta investigação optaram por aplicar apenas um teste intermediário nos demais quatro semestres da experiência.

  • Prova com consulta, aplicada uma vez por semestre, ou seja, uma aplicação para cada grupo de alunos, uma vez que a disciplina é semestral. Este tipo de prova contém questões mais complexas, que podem revelar um caso clínico ou uma situação­problema na área da saúde pública. Este instrumento pretende avaliar a capacidade do aluno para interpretar o problema e identificar linhas de ação, selecionar bibliografia e outras fontes (meios eletrônicos, opinião de especialistas) de boa qualidade para construir o conhecimento necessário à tomada de decisões sobre o problema proposto, bem como a capacidade ele explicitar suas decisões com objetividade e clareza.

  • Estudo de demanda individual, que reflete o registro estruturado de dados sobre todos os pacientes que o aluno atende durante o semestre. Trata-se de uma planilha onde constam dados de todos os pacientes atendidos pelo aluno (número de registro do paciente, idade, sexo, problemas apresentados, exames complementares solicitados, a conduta e se o paciente foi referenciado para hospital/especialistas). Os alunos registram os dados logo após o atendimento. Durante o semestre, este banco de dados individuais dos alunos é objeto de avaliação, e ao final da disciplina solicita-se a cada um deles que foça uma apresentação escrita do seu estudo de demanda.

  • Ficha estruturada de avaliação prática, que procura captar a habilidade e atitude do aluno ao atender um paciente escolhido de forma aleatória durante o semestre. Essa ficha é a mesma proposta pela Cinaem. É constituída por um conjunto de itens a serem observados em cada um dos passos do processo médico (anamnese, exame físico, definição de problemas, solicitação e avaliação de exames complementares, estudo imediato, proposta terapêutica e educação do paciente).

Os dados captados pelos instrumentos acima geram uma matriz discriminativa e a curva de crescimento cognitivo.

A matriz discriminativa é constituída por uma tabela em cujo eixo horizontal estão as questões aplicadas numa prova teórica: o eixo vertical indica os alunos que cursam a disciplina no semestre em questão. Preenchida esta matriz, sua observação e análise permitem identificar questões mal formuladas ou conteúdos mal ministrados (quando a maioria dos alunos erra), o desempenho individual de alunos, áreas do conhecimento em que a maioria dos alunos da turma apresenta deficiência e aluno ou grupo de alunos com desempenho inferior ao longo do tempo.

A curva de crescimento cognitivo, construída a partir do desempenho médio da turma nos testes de qualificação cognitiva (inicial intermediário e final), permite identificar não só o ângulo de crescimento e o desempenho final, mas sua homogeneidade, ou não, ao longo da primeira e segunda metades do tempo de duração da disciplina. A comparação entre as curvas das sucessivas turmas de alunos ao longo do tempo de duração desta experiência permite inferir relações de associação qualitativas entre a intervenção que se institui e seus efeitos sobre a curva de crescimento cognitivo dos alunos.

A logística adotada neste projeto propõe que durante dois semestres se colham dados sobre a situação inicial e o desempenho dos alunos neste cenário. Num segundo momento, constituído por um período de quatro semestres, aplica-se a intervenção inovadora de forma sucessiva e repetida da maneira mais homogênea possível, e paralelamente se realizam novas leituras semestrais do cenário pedagógico e do desempenho dos alunos, obtendo-se, assim, os resultados que constituem o cenário pós-intervenção.

RESULTADOS

Primeiro momento - cenário inicial e desempenho dos alunos

A disciplina de medicina comunitária da Faculdade de Medicina da UFPEL existe desde o final dos anos 70 e é oferecida a alunos do sétimo semestre.

Ao longo destes vinte anos, ocorreram várias modificações, entretanto a estrutura básica da disciplina se manteve. Os alunos passam dois turnos de quatro horas a cada semana num posto de atenção primária à saúde em atividades práticas, envolvidos com atendimento de pacientes e outras ações em saúde. As atividades teóricas ocupam três horas semanais em sala de aula, durante um semestre letivo. Existem três postos de saúde envolvidos nesta disciplina.

Embora exista há décadas, a disciplina não apresenta, nesta situação inicial, os objetivos claramente explicitados. Doze docentes participam das atividades teóricas. As atividades práticas envolvem seis destes docentes. Além das três horas semanais destinadas às atividades teóricas, duas horas das oito destinadas a atividades práticas acabam sendo utilizadas para debates. Seminários, apresentação de casos clínicos, ou seja, atividades teóricas em sua essência, restando apenas seis horas semanais para as atividades de natureza de fato prática.

O sistema de avaliação dos alunos é o tradicional e consta de duas provas teóricas sob a forma de testes e conceitos atribuídos à atividade prática do aluno de acordo com critérios subjetivos.

O crescimento cognitivo dos alunos neste cenário é medido pelo teste de qualificação cognitiva, aplicado em quatro ocasiões em cada um dos semestres de 1997. Observa-se uma variação de cerca de 20% - de aproximadamente 30% para cerca de 50% -, como indicado na Figura 2.

Figura 2
Curva de crescimento cognitivo. Disciplina de Medicina Comunitária. UFPEL, 1997.

Momento dois - cenário final e desempenho dos alunos

A intervenção realizada se materializa ao longo dos quatro se mestres compreendidos nos anos de 1998 e 1999.

  • Os educadores envolvidos na disciplina se restringem a quatro, com envolvimento ao longo de todo o semestre, o que proporciona maior proximidade ao longo do tempo entre alunos e professores.

  • As decisões são tomadas no primeiro dia de aula, quando alunos e professores estabelecem um acordo democrático sobre o projeto, que é debatido de maneira explícita e objetiva, bem como o papel de cada um no processo.

  • A partir n passa a ser o substrato concreto para a reflexão teórica.

  • A atividade prática passa a ocupar 70% (oito horas semanais) do tempo dos alunos na disciplina, mantendo-se 10% (uma hora) deste tempo para a atividade teórica de exposição dialogada e 20% (duas horas) do mesmo para a atividade também teórica de estudo dirigido.

  • Um dos critérios para selecionar os conteúdos animadores da exposição dialogada e do estudo dirigido, que acontecem semanalmente, é a prevalência dos mesmos no nível de atenção primária à saúde, que é onde a prática da disciplina se insere77. Piccini R et al. Estudo de demanda do microssistema de Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas. Pelotas: Universitária, 1990. Mimeo.. Outro é o critério pelo qual o conteúdo constitui um programa reconhecido de prevenção primária ou é um conhecimento que contribui para estruturar o pensamento.

  • As avaliações passam a captar o crescimento cognitivo, as habilidades e atitudes, a capacidade de buscar o conhecimento apropriado para a solução de dúvidas imediatas, a capacidade de identificar problemas e tomar decisões baseadas em critérios de risco/benefício e custo/benefício, o grau quantitativo da exposição prática e as características da demanda de pacientes atendidos pelo aluno.

  • Os resultados das avaliações de trajeto são analisados para que o grupo de alunos com pior desempenho possa receber atenção especial.

  • Os instrumentos de avaliação são alvo de aprimoramento constante.

Aconteceu um choque inicial, entre os alunos, em relação aos novos princípios adotados, embora tenham partilhado a decisão de adotá-los.

A prova com consulta revelou aos alunos sua pequena familiaridade com livros-texto, bem como a enorme dificuldade em tomar decisões, mesmo estando de posse dos conhecimentos necessários para isso. Nessas ocasiões, os alunos exercitam a árdua tarefa de tomar decisões a partir de critérios baseados nas relações risco/benefício e custo/benefício.

O estudo de demanda cumpriu sua função e demonstra ser um dos mais potentes instrumentos transformadores, revelando não só o número de pacientes atendidos por cada aluno, como também o perfil epidemiológico dos pacientes atendidos, a qualidade do manejo e o grau de resolutividade. Estes dados proporcionam meios para a permanente e necessária correção de trajetória da exposição prática de cada um dos alunos em aspectos quantitativos e qualitativos

A ficha estruturada de avaliação prática, embora com elevadíssimo potencial transformador, ainda não se apresentou em sua versão ideal. Sua aplicação acusou dificuldades devido à falta de tradição neste tipo de avaliação e também ao tempo necessário para aplicação, considerando o reduzido número de docentes disponíveis para esta atividade.

A matriz discriminativas e revelou um potente instrumento, tendo sido útil em duas situações em que se detectaram questões mal elaboradas, em outro momento no qual um campo do conhecimento apresentou falha ao ser ministrado, além de identificar de maneira precoce e muito eficiente o grupo de alunos que necessita maior atenção pelos mais diversos motivos.

O teste de qualificação cognitiva revelou, por meio das curvas de crescimento cognitivo ao longo de 1998, um aumento na inclinação destas curvas e um desempenho final maior.

Figura 3
Curva de crescimento cognitivo. Disciplina de Medicina Comunitária. UFPEL, 1998.

A Figura 4 revela as curvas de crescimento cognitivo das duas turmas semestrais durante o ano de 1999, ratificando um crescimento cognitivo maior. A turma do segundo semestre deste ano apresenta um desempenho surpreendente no teste ele qualificação cognitivo intermediário. Entretanto, ao se observarem os pontos inicial e final desta linha de crescimento, verifica-se uma situação de paralelismo, embora num nível de desempenho superior, com relação à turma do primeiro semestre deste ano.

Figura 4
Curva de crescimento cognitivo. Disciplina de Medicina Comunitária. UFPEL, 1999.

DISCUSSÃO

O cenário em que esta experiência inovadora acontece é o da contradição entre os gigantescos avanços da ciência e a crise social instalada pelos elevadíssimos custos destes. Tal situação torna esses avanços inacessíveis à maioria dos indivíduos, independentemente de suas nacionalidades, e mobiliza ações no Brasil, à semelhança do que acontece no mundo99. Boelen C et al. Developing protocols for change in medical education. Geneva: WHO/HRH/92.7, 1992.),(1010. Boelen C et al. Towards the assessment of quality in medical education. Geneva: WHO/HRH/92.7 , 1992..

O Sistema de Saúde no Brasil é o espelho desta crise ética. As universidades públicas estatais, e as escolas médicos nelas inseridas sofrem um processo progressivo de desmonte, que tem como principal estratégia o sucateamento da infra-estrutura e a hostilidade com que o corpo docente é tratado, induzindo as mais diversas táticas de sobrevivência, que invariavelmente afastam o docente de sua plena profissionalização e, por inércia, tendem a conservar as estruturas hegemónicas, mesmo que estas não sejam adequadas às demandas sociais contemporâneas.

O movimento social desencadeado e conduzido pela Cinaem nos últimos dez anos aponta um cominho de construção coletiva, que fornece um alento no sentido da possibilidade de transformação desta realidade e provoca uma influência positiva externa, que estimula e respalda iniciativas inovadoras como esta.

O tímido intercâmbio com as demais escolas do estado do Rio Grande do Sul é um fator que não contribui para os avanços transformadores, embora seja plenamente compreensível num momento de intensa crise social, como o que atravessa a região da escola mencionada.

A Escola de Medicina da UFPEL tem um perfil conservador, tanto do corpo docente quanto do corpo discente. A relação destes com o corpo de funcionários técnico-administrativos ainda se restringe ao território afetivo e, em determinadas conjunturas, ao campo político. A infra-estrutura é aquém da desejável, como acontece na grande maioria das escolas médicas do Brasil. Os docentes são em número reduzido, tanto na escola quanto no departamento.

Neste cenário, as linhas de produção do conhecimento mais adequadas para se adotar são aquelas que prescindem de tecnologia pesada e cara, como esta que é objeto de atenção no momento.

A possibilidade de um viés positivo, introduzido tanto pelos condutores da experiência, quanto pelos instrumentos adotados, não só ê provável, como, se tal acontece, até desejável.

O fato de a experiência se reduzir a uma disciplina impossibilita a adoção plena de novos paradigmas, trazendo o risco de se acreditar que uma eficiência e eficácia maior da disciplina, mesmo considerando sua inserção numa estrutura curricular tradicional, substituiria a necessidade de uma transformação nos paradigmas e estrutura do processo de formação da escola como um todo.

A enorme semelhança do desempenho inicial em praticamente todas as seis turmas avaliadas autoriza a conclusão de que os grupos o semelhantes quando iniciam a disciplina.

A marcante diferença quantitativa entre o desempenho final do conjunto dos alunos antes e depois da intervenção bem como os aspectos qualitativos observados permitem afirmar o sucesso da experiência sem recorrer a argumentos estatísticos.

O processo descrito permite concluir que entre as possíveis variáveis que induzem o melhor desempenho dos alunos estão: alunos e docentes decidirem de forma democrática; dedicação e expectativa positiva dos docentes; orientação do fluxo de construção do conhecimento da prática para a teoria; busca dos conhecimentos básicos como complemento permanente ao raciocínio clínico; postura mais ativado aluno na construção do conhecimento; os instrumentos de avaliação estarem dirigidos a captar o conhecimento, habilidades e atitudes dos alunos com a finalidade prioritária de orientar as correções de trajetória necessárias.

O desempenho final antes da intervenção revela melhor desempenho da turma do primeiro semestre. Após a intervenção, o desempenho das turmas do segundo semestre foi sistematicamente melhor. Este resultado curioso pois as turmas do segundo semestre são constituídas por alunos com desempenho, no vestibular, inferior ao dos alunos do primeiro semestre, mesmo considerando a inexistência de testes de significância que confiram consistência estatística a esta afirmação.

Os princípios, metodologia e instrumentos adotados se revelam potentes para aumentar o crescimento cognitivo dos alunos e úteis para motivar alunos e professores, apesar de apresentarem problemas variados.

O desconhecimento por parte dos autores de experiências semelhantes a esta não permite a comparação dos resultados relatados.

O nível de desempenho final atingido pelos alunos estimula o aperfeiçoamento da experiência e a elevação do grau de exigência.

Este trabalho ratifica a necessidade de experiências inovadoras segmentaras, que possibilitem o teste de métodos, técnicas e instrumentos, evitando iniciativas que envolvam o conjunto da escola em processos que possam oferecer riscos de fracasso muito grandes e/ou chances de sucesso muito limitadas em termos de reais transformações.

Existe a evidente necessidade de profissionalização da docência médica e fixação do docente na instituição por um período de tempo mínimo, para que, possa participar da “construção dos saberes da instituição”.

Destaca-se a importância de que experiências semelhantes sejam desenvolvidas em outras escolas médicas, para que se estabeleça a necessária crítica e eventual validação das iniciativas relatadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Assad JE et al. Desafios éticos. Brasília: Conselho Federal de Medicina do Brasil, 1993.
  • 2
    Piccini R et al. Avaliação do Ensino Médico no Brasil, relatório ela primeiro fase, estudo epidemiológico de desenho ecológico. Rev. Bras. Educ. Méd. 1992; 16 (1/3): 37-42.
  • 3
    Piccini R et al. Projeto de Avaliação das Escolas Médicas do Brasil. Rev. Bras. Educ. Méd . 1992; 16 (1/3):43-47.
  • 4
    Faleiros JJ, Piccini RX, Gigante AG, Neutzlin M. Praticando e ensinado medicina na comunidade: a assistência médica. Rev. Bras. Educ. Méd . 1986; 10 (2): 91-94.
  • 5
    Piccini R, Faleiros JJ, Gigante A. Praticando e ensinando medicina na comunidade, o ensino. Rev. Bras. Educ. Méd . 1986; 10 (2): 95-97.
  • 6
    Piccini R. Fatores determinantes da formação médica e do exercício profissional. Divulg. Saúde Debate. 1991; (5): 26-28.
  • 7
    Piccini R et al. Estudo de demanda do microssistema de Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas. Pelotas: Universitária, 1990. Mimeo.
  • 8
    Piccini RX, Facchini LA, Santos RC. Transformando a educação médica. Pelotas: Núcleo de Epidemiologia da Cinaem, 1997.
  • 9
    Boelen C et al. Developing protocols for change in medical education. Geneva: WHO/HRH/92.7, 1992.
  • 10
    Boelen C et al. Towards the assessment of quality in medical education. Geneva: WHO/HRH/92.7 , 1992.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2001

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2000
  • Aceito
    09 Abr 2001
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com