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Os Professores de Medicina e o Ensino de Graduação Extramuros

Medical Faculty and Extramural Undergraduate Education

Resumo:

Segundo as tendências mundiais da educação médica, a Universidade Estadual de Londrina está implementando, desde 1998, um currículo médico inovador, com módulos interdisciplinares que integram conhecimentos das ciências básicas e das áreas clínicas, módulo de habilidades e módulos de interação com os serviços de saúde e com a comunidade. Após 18 meses de início das atividades do novo currículo, foi pesquisada a opinião dos docentes da área clínica sobre as práticas de interação com os serviços e a comunidade. As opiniões levantadas foram bastante heterogêneas, sendo os docentes (n = 80) categorizados como defensores, apoiadores (43,8%), opositores (1,3%) e indiferentes (55%) a essas práticas nos serviços e na comunidade. Os autores propõem a adoção de estratégias de inclusão da maioria dos docentes, especialmente dos clínicos, relacionadas à humanização da atenção, à revisão das práticas, não só de ensino, mas também de assistência. Consideram que só assim a mudança curricular não se manterá apenas no plano fenômeno, mas também poderá chegar a planos mais profundos, alcançando inclusive as relações sociais e políticas dos atores institucionais e sujeitos envolvidos.

Palavras-chave:
Educação Médica; Docente de Medicina; Integração docente-assistencial; Currículo; Recursos humanos em saúde

Abstract:

Consistent with worldwide trends in medical education, in 1998 the Londrina State University in Paraná State, Brazil, began implementing an innovative medical curriculum with interdisciplinary modules, integrating basic and clinical knowledge, skills modules, and modules focusing on interaction with health services and the community. After 18 months of activities in the new curriculum, this study investigated the opinions of clinical faculty regarding the practical activities involving interaction with services and community. The results showed a wide range of opinions, allowing faculty (n = 80) to be categorized as defenders and supporters (43,8%), opponents (1,3), and neutral (55%) in relation to these practical activities. Based on these results, the investigators propose the adoption of strategies to involve the majority of faculty members, specially clinical faculty, in the humanization of medical care and to review both teaching and service practices. Such interventions are key for maintaining curricular changes not only on a phenomenological level but also reaching deeper levels, including social and political relations among institutional and social elements.

Key-words:
Education, Medical; Faculty, Medical; Teaching care integration; Curriculum; Health manpower

INTRODUÇÃO

Seguindo as tendências mundiais11. Menicuccl KG. (Trad.) Recomendações da 2a Conferência Mundial de Educação Médica - Edinburgh, 8 a 12 de agosto de 1993. In: Opas / OMS. Contribuições sobre a gestão de qualidade em Educação Médica. Brasília: Organização Panamericana de Saúde, 1994. p. 17-32. (Série Desenvolvimento de Recursos Humonos,7).),(22. Association of American Medical Colleges (AAMC). The Medical School Objectives Writing Group. Learning Objectives for Medical Student Education - Guidelines for Medical Schools: Report I of the Medical School Objectives Project. Acad Med 1999 jan; 74(1): 13-8),(33. Hunt CE, Kallenberg C, Whitcomb ME. Medical student´s Education in the ambulatory care setting: background paper 1 of the Medical School Objectives Project. Acad Med 1999 mar: 74(3): 290-6., recomendações nacionais44. Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM). Relatório geral - 1991-1997. Brasília (DF): [s.n], 1997. na educação médica e estimulada pelo Projeto UNI55. Kisil M, Chaves MM. Programa UNI: uma nova iniciativa na educação dos profissionais da saúde. Battle Creek: Fundação W. K. Kellogg. 1994., a Universidade Estadual de Londrina está implementando, desde 1998, um novo currículo de Medicina. Esse novo currículo valoriza, entre outros aspectos, as metodologias ativas de ensino-aprendizagem, como a problematização e a aprendizagem baseada em problemas, e é constituído por 32 módulos interdisciplinares. Estes módulos abordam, nos dois primeiros anos de curso, as estruturas e mecanismos de funcionamento do organismo humano normal e sua interação com o ambiente, segundo a lógica do ciclo vital, e são seguidos pelo estudo dos principais fenômenos patológicos (3o e 4o anos) e pelo internato médico66. Garanhani ML, Campos JJB, Takahashi OC, Almeida HGG. Superando desafios na construção de amplas reformas Curriculares. In: Almeida M, Feuerwekrer L, Llanos CM. (org.) A educação dos profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança - as vozes dos protagonistas. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 279-296..

A maioria dos módulos temáticos são desenvolvidos sequencialmente em blocos de três a oito semanas de duração, ao lado de dois módulos desenvolvidos de forma longitudinal, cada um demandando um período semanal de quatro horas, durante os quatro primeiros anos do curso, com carga prevista de 140 horas/ano: os módulos de habilidades clínicas e os de "Práticas interdisciplinares e multiprofissionais de interação com os serviços e a comunidade" (módulos PIN)77. Soares da. et al. Desenvolvimento da parceria e da mudança institucional no contexto do PROUNI-LD (1991-97): uma sistematização inicial. Londrina: [s.n.], 1997. 14p. (mimeo.)),(88. Turini B. As práticas de interação ensino-serviços-comunidade na Universidade Estadual de Londrina em prol de melhorias no ensino, na prestação de serviços e de uma vida mais saudável. UNlletter 1999 mar; 5(15): 11..

A inserção desses módulos no novo currículo baseou-se numa experiência que vinha sendo desenvolvida na UEL desde 1992 com alunos de primeiro ano dos cinco cursos do CCS, o Projeto Especial de Ensino de Interação Ensino, Serviços e Comunidade (Peepin), descrito por Ito e cols., em 199799. Ito AMY, Nunes EFPA, Menezes VL. Peepin: uma experiência inovadora na Educação Superior. Londrina: Ed. UEL, 1997. p.24-27.. Foi descrito como pressuposto desses módulos “que a oportunidade de trabalhar, desde os inícios dos cursos em todo tipo de cenário da ‘vida real’ onde se produz saúde (espaços comunitários, escolas, creches, equipes de saúde da família, unidades básicas de saúde, ambulatórios, hospitais gerais, hospitais de ensino)” é de fundamental importância para a formação dos profissionais de saúde, salientou-se a relevância da participação dos serviços de saúde não pertencentes à universidade como espaços para este aprendizado, pois “possibilitam aos estudantes integrar-se à lógica de prestação de serviços, de atenção à saúde das pessoas/comunidades, tomando por base problemas e situações reais”1010. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Ciências da Saúde. Módulo 16: práticas interdisciplinares de interação ensino, serviço e comunidade (3PIN202). Londrina: Ed. UEL, 199-, 10p..

As atividades propostas ao longo dos quatro anos de desenvolvimento dos módulos PIN são de caráter multiprofissional, com especificidade profissional crescente ao longo dos quatro anos: no primeiro ano do curso, são desenvolvidas em conjunto com os outros cursos da saúde, através do Peepin, levantando problemas de saúde existentes nas áreas de abrangência das Unidades Básicas de Saúde e atuando junto a grupos comunitários, como creches, escolas, igrejas, associações de moradores ou ONGs para o seu enfrentamento. Já no segundo ano, as propostas incluem atividades práticas junto aos programas de atenção à Saúde da Criança, da Mulher, do Adulto e do Idoso, desenvolvidos na rede básica de saúde, ou o estudo do atendimento de um agravo comum pelo Sistema de Saúde. No terceiro ano, os alunos acompanham trabalhos em equipes multiprofissionais de atenção à saúde, como as equipes de saúde da família, de internação domiciliar e/ou de atenção a grupos de risco, tais como grupos de adolescentes, de idosos, de portadores de doenças específicas, e finalmente, para os alunos do quarto ano propõe-se o exercício de atividades gerais nas UBSs, nos Programas de Saúde da Família e de Internação Familiar77. Soares da. et al. Desenvolvimento da parceria e da mudança institucional no contexto do PROUNI-LD (1991-97): uma sistematização inicial. Londrina: [s.n.], 1997. 14p. (mimeo.)),(88. Turini B. As práticas de interação ensino-serviços-comunidade na Universidade Estadual de Londrina em prol de melhorias no ensino, na prestação de serviços e de uma vida mais saudável. UNlletter 1999 mar; 5(15): 11..

Todo esse processo de mudança curricular foi bastante controvertido no seu início. Surgiram vários receios de aderir aos novos métodos e modelos propostos. Especialmente os docentes da área clínica mostraram-se bastante resistentes ao novo modelo acadêmico de formação médica.

Em 1994, Don Woods, citado por Venturelli1111. Venturelli, J. Educacion Medica: nuevos enfoques, metas y métodos. Washington (US): OPS/OMS, 1997. 295p. (Série Paltex Salud y Sociedad 2000, 5)., descreveu o “processo de duelo” que geralmente ocorre durante a fase de mudança curricular. Segundo o autor, partindo-se de um processo estabelecido, antes do início das mudanças, passa-se por uma “fase de choque e negação”, que é enfrentada por atitudes que visam controlar o pânico e a rejeição, seguida por uma “resistência” e uma “fase de luta”, para, apenas após a vivência de alguns bons resultados, chegar-se à “aceitação” do processo.

Essas fases também foram sentidas durante a implantação do novo currículo na UEL. No início do processo, durante a discussão do projeto, a grande maioria de professores não tinha opinião formada e não se envolvia muito nos debates e discussões sobre a mudança. O processo progrediu graças ao empenho dos poucos convictos sobre a importância das mudanças propostas para a construção de um novo perfil de profissionais de saúde, não apenas tecnicamente competentes do ponto de vista biomédico, mas também com uma visão mais integral do ser humano e melhor compreensão do reflexo de sua inserção no meio social, econômico e cultural em seu estado de saúde.

Nos primeiros anos de implantação do novo currículo, a adesão predominante foi dos docentes das áreas básicas, o que talvez pudesse ser relacionado ao fato de que as atividades didáticas de suas disciplinas foram as primeiras a serem afetadas com a implantação do novo currículo e, portanto, eles tinham que se inteirar das novidades propostas antes dos docentes da área clínica.

Por outro lado, muitos docentes das áreas clínicas demonstraram mais resistência durante essa fase e não assumiam as tarefas que surgiam, alegando falta de tempo para participar, pois ainda estavam muito envolvidos com as disciplinas tradicionais e as atividades assistenciais no hospital universitário. Um ano após o seu início, 80% dos docentes do curso de Medicina ainda não estavam envolvidos com atividades do novo currículo1212. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Ciências da Saúde. Plano de Ação do Colegiado de Medicina 1999. Londrina: UEL. [s.d.] . 12p. (Mimeo)..

Especificamente em relação aos módulos PIN, ocorreram dificuldades especiais, pois mesmo alguns dos defensores do novo método de ensino pareciam, muitas vezes não entender a importância da interação com outros serviços e com a comunidade como um ponto fundamental da mudança. Parecia haver uma nítida falta de envolvimento da maioria dos docentes, principalmente da área clínica, com o PIN e pouca disposição dos mesmos para participar em atividades de supervisão de alunos fora do ambiente acadêmico.

No entanto, alguns relatos mostram que o trabalho em comunidades pode, quando bem enfrentado, produzir resultados valiosos, não alcançáveis de outras maneiras. Entre as experiências desenvolvidas por escolas latino-americanas, com o apoio do Prouni, há alguns exemplos, como em León, na Nicarágua, e Colima, no México, entre outros.

Em Leon, foram organizadas equipes multiprofissionais estudantis para atuarem durante os três primeiros anos de curso. Desenvolvem, durante o primeiro ano, ações de promoção de saúde, aplicando técnicas de comunicação popular junto à comunidade. No segundo ano, executam ações de proteção específica a grupos de risco e de vigilância epidemiológica. No terceiro ano, prestam atendimento em casas-bases, desenvolvendo diagnósticos precoces, tratamentos oportunos e atividades de reabilitação, bem como referenciam a unidades de saúde os casos de maior risco. Para viabilizar essas atividades, essa Universidade desenvolve atividades de formação e capacitação de docentes e membros do movimento comunitário, bem como de outros líderes e brigadistas de saúde. Realiza, ainda, reuniões metodológicas semanais com os orientadores, para homogeneizar o processo ensino-aprendizagem1313. Cisneros EEC, Sequeira EV, Vallejos JV. Um modelo pedagógico das práticas comunitárias. In: Almeida M, Feuerwerker L, Llanos CM. (org.) A educação dos profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança - as vozes dos protagonistas. São Paulo: Hucitec , 1999. p. 233-238..

Em Colima, México, foram organizados os “Módulos Docente­Assistenciais - Moda”, em relação aos quais Fierros & Lucero1414. Fierros GA, Lucero JCV. Atuação social e mudanças educativas. In: Almeida M, Feuerwerker L, Llanos CM. (org.) A educação dos profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança - as vozes dos protagonistas. São Paulo: HUCITEC, 1999. p. 219-224. relatam que:

“as vivências na realidade sócio-comunitária possuem um insubstituível valor pragmático, que não é alcançável nos cenários tradicionais de ensino. [...] os estudantes e os professores, ao realizar sua atividade prática, enfrentam tensões próprias do trabalho em comunidade, motivo pelo qual ambos os atores sociais necessitaram do desenvolvimento das habilidades individuais no trabalho com pessoas, grupos e organizações”.

Marcondes1515. Marcondes, E. Educação médica. In: Fórum Nacional de Política de Saúde. Rio de Janeiro: Academia Nacional de Medicina, 1987. 223p. p. 185-198., numa exposição sobre educação médica no Fórum Nacional de Política de Saúde promovido pela Academia Nacional de Medicina no Rio de Janeiro, citou Siqueira & Salgado como autores de uma classificação das reformas do ensino superior, em reformas “inconsistentes e imobilizantes” e reformas “consistentes e dinâmicas”. Afirmou que:

“As reformas imobilizantes caracterizam-se pelo simples remanejamento de cargas horárias, pelo treinamento do professor em técnicas de ensino teórico, pela continuidade do enfoque assegurado pelo conformismo e por tutela política, cultural e ideológica, em linguagem hermética (pedagogês e mediquês), do que resulta uma Universidade elitista, centrada na transmissão e ampliação de certo saber, autoritária e centrada na relação professor/aluno. Por outro lado, as reformas dinâmicas caracterizavam-se pela inserção do ensino no processo de atenção à saúde, pela melhoria da resolução de problemas do paciente e da comunidade, com enfoque abrangentemente crítico e eventualmente gerador de ideologia original, em linguagem não técnica e eventualmente adaptada ao interlocutor, do que resulta uma Universidade democrática e centrada no responsável atendimento das necessidades sociais e centrada na relação aluno/comunidade”.

Usando esses critérios para analisar o atual processo de mudança no curso de Medicina da UEL, este pode ser interpretado como uma reforma consistente e dinâmica. Está evidente, de acordo com essa classificação, que a inter-relação da academia com os serviços de saúde e com as comunidades tem papel fundamental na definição dos rumos e da potencialidade da mudança. Os módulos PIN, portanto, constituem um ponto-chave para que a reforma curricular iniciada em 1998 na UEL possa realmente ser classificada como consistente e dinâmica.

Almeida1616. Almeida JM. Educação médica e saúde: possibilidades de mudança. Londrina: Ed. UEL , 1999. 196p. analisou, em 1999, a profundidade das mudanças da educação médica, tomando por base as alterações obtidas “nos processos, nas relações e nos conteúdos”, classificando-as em três planos, que considerou como “inovação, reforma e transformação”, respectivamente.

O primeiro plano - denominado “inovação” - é o fenomênico, em que ocorrem alterações quantitativas, baseadas em relações técnicas. Há mudanças de carga horária, recursos versus alunos e métodos para desenvolvimento educacional, com alterações isoladas de conteúdos, processos ou relações.

Já no segundo plano, que ocorre no nível dos atores sociais, com alterações qualitativas e que incluem relações sociais, as mudanças já levam à docência não só no hospital, mas também na rede de serviços, com interdisciplinaridade, participação social e a articulação ensino-serviço-comunidade. Essa alteração de conteúdos e/ou processos e/ou relações foi denominada “reforma”.

O plano mais profundo, segundo o autor, seria o estrutural, com mudanças de relevância, decorrentes de relações políticas. Neste plano, haveria a intersetorialidade, a articulação biopsicossocial, o controle social e a associação entre estudo e trabalho. Ele alteraria tanto os conteúdos como os processos e as relações, e foi denominado “transformação”.

Segundo estes critérios, o novo currículo proposto pelo Colegiado de Curso de Medicina da UEL pode ser classificado como uma reforma, com possibilidade de evoluir para uma transformação. Isto porque propõe atividades interdisciplinares intra- e extra-hospitalares na rede de serviços, com uma articulação ensino-serviços- comunidade, desenvolvida principalmente através dos módulos PIN e que tangencia a intersetorialidade e contribui para a formação de novos sujeitos sociais.

Assim, entendendo a interação com os serviços e a comunidade como ponto fundamental na mudança do ensino na área da saúde para viabilizar a formação de um profissional realmente comprometido com o enfrentamento dos problemas de saúde de nossa realidade, foi desenvolvido este estudo no segundo ano de implementação do novo currículo, para analisar a pouca valorização e disposição demonstradas até então por professores da área clínica para participar das atividades dos módulos PIN.

OBJETIVOS

Objetivo Geral

  • Analisar os graus de aceitação das práticas de interação com os serviços de saúde e com a comunidade por parte dos docentes da área clínica do curso de Medicina da UEL dos módulos PIN.

Objetivos Específicos

  • Identificar os posicionamentos de docentes da área clínica do curso de Medicina da UEL frente às propostas das novas práticas, conforme características pessoais e profissionais dos mesmos;

  • Identificar as justificativas apresentadas pelos docentes investigados para os seus posicionamentos assumidos durante a condução do processo da reforma curricular.

METODOLOGIA

Com posição da População Pesquisada

A partir da relação nominal dos docentes lotados nos departamentos de clínica médica (MED), cirurgia (CIR), materno-infantil e saúde comunitária (MISC) e de patologia aplicado, legislação e deontologia (Pald), foi elaborada a lista de 205 professores que poderiam ser investigados. Dessa população, selecionaram-se nove dirigentes do CCS ou do processo de implantação do novo currículo para entrevistas. As demais 196 pessoas receberam um questionário com perguntas fechadas para a coleta de dados objetivos e alguns espaços abertos destinados a comentários opinativos.

Coleta de Dados

Esse questionário, aperfeiçoado após teste piloto aplicado entre docentes da área básica e de outros cursos, foi encaminhado aos docentes. O instrumento procurou levantar, através de perguntas fechadas, dados que permitissem caracterizar o perfil do docente, sua inserção nas atividades do CCS e sua visão sobre os módulos PIN, e continha ainda espaços abertos para justificativas às respostas referentes ao PIN ou comentários gerais. Foi distribuído através dos escaninhos dos docentes nos diferentes departamentos em 23/08/1999, acompanhado por uma carta que explicava a proposta do estudo, e recolhido junto às secretários dos departamentos a partir de 03/09/1999. Em função da pequena proporção de respostas obtidas até 17/09/1999, foi enviada uma nova correspondência, que reforçava a solicitação de preenchimento do instrumento e estabelecia como novo prazo a data de 24/09/1999.

Análise dos Dados

Os dados dos questionários respondidos pelos docentes foram registrados em banco de dados no Programa Epi-Info 6.01717. Dean AG. et al. Epi Info 6.0: a word processing, database and statistics program for epidemiology on microcomputers. Atlanta (US): Centers for Disease Control and Prevention, 1994., a partir do qual foram analisados. Na interpretação das tabelas resultantes do cruzamento dos dados obtidos, foi utilizado o teste qui quadrado, para permitir a comparação das principais proporções encontradas.

RESULTADOS

Dos 196 questionários distribuídos, 80 foram respondidos, o que corresponde a aproximadamente 40% do total. Os docentes que responderam à pesquisa foram, em sua maioria, profissionais formados pela UEL, pela UFPR ou por outras escolas públicas, sendo apenas 9% formados em escolas privadas. Pouco mais da metade (55%) informou trabalhar em tempo parcial (20, 24 ou 34 horas semanais) na UEL; dos 36 docentes com regime de trabalho de 40 horas semanais, dez afirmaram atuar em regime de tempo integral e dedicação exclusiva, e 26 negaram ou não informaram sua adesão a esse regime de trabalho.

Aproximadamente metade (51,3%) dos docentes afirmou possuir algum tipo de capacitação em educação, como treinamentos ou disciplinas isoladas de métodos de ensino superior, especialização, mestrado ou doutorado na área de educação.

Quanto à inserção desses professores no curso de Medicina, observou-se que, no momento da pesquisa, 35,4% dos 79 docentes atuantes na graduação já haviam desenvolvido alguma atividade no novo currículo. Este currículo foi implantado em 1998 e se encontrava, portanto, na época de preenchimento dos questionários, cerca de 18 meses após o início de suas atividades, ou seja, no final de seu segundo ano letivo.

Como o novo currículo propõe a integração precoce das atividades clínicas com as ciências básicas, esta proporção - pouco mais de um terço dos docentes do CCS com envolvimento declarado no mesmo - pode parecer não muito significativa num primeiro momento. No entanto, até dois anos atrás praticamente não havia participação dos professores do ciclo clínico nos dois primeiros anos do curso. O departamento que apresentou a maior proporção de professores com participação nas atividades dos dois primeiros anos do novo currículo foi o Materno Infantil e Saúde Comunitária (Misc), com 13 dos 27 docentes pesquisados (48%) respondendo que já haviam atuado no novo currículo.

Isso talvez decorra do fato de que os dois primeiros anos do curso visam ao estudo do ciclo biológico do ser humano normal, incluindo os módulos de “fecundação e desenvolvimento do ser humano”, “nascimento, crescimento e desenvolvimento do ser humano”, “saúde da mulher”, que envolvem muito os setores de pediatria, e ginecologia e obstetrícia, além dos módulos de “abrangências das ações de saúde” e de “doenças de correntes das agressões ao meio ambiente”, que incluem temas relacionados à saúde coletiva.

Ao todo, a maior proporção de atuação dos docentes da área clínica ocorria, no momento da pesquisa, ainda no período clínico do curso tradicional (3o e 4o anos) e no internato (5°e 6o anos), com cerca 80% de respostas afirmativas para essas duas fases.

Atividades extramuros têm sido desenvolvidas por menos da metade dos docentes que responderam ao questionário. A mais freqüente foi a participação em projetos de extensão, a que 42,5% dos docentes responderam afirmativamente; a supervisão de estágios fora da universidade foi realizada por apenas 20%, e só 18,7% afirmaram já ter participado de alguma atividade no projeto Peepin. Em relação a este último, chama atenção o fato de nenhum dos 16 docentes do departamento de cirurgia informar já ter desenvolvido qualquer tipo de função nesse projeto durante os seus oito anos de funcionamento.

Em relação à experiência em atividades de planejamento de ensino médico, observou-se que, na década de 90, apenas poucos dos 80 docentes participaram de associações ou movimentos de discussão do ensino médico, tais como Abem (cinco professores) ou Cinaem (dois docentes). Outros 15 docentes afirmaram já ter participado desses movimentos nos anos 70 e/ou 80, ou não informaram a época de sua participação. Doze docentes afirmaram ter participado do colegiado de Medicina depois de sua reestruturação em 1992, e 22 professores relataram participação nas discussões de reforma curricular durante a década de 90.

Os 28 docentes que afirmaram já ter exercido alguma função no novo currículo inseriram-se em 123 funções diferentes. Quase a metade dessas funções (47,15%) refere-se ao planejamento ou à organização das atividades (comissões organizadoras e de planejamento de módulos) e 52,85% correspondem aos papéis de coordenador/vice-coordenador de módulo, tutor ou co-tutor e/ou instrutor de atividades práticas, de habilidades ou de módulos PIN, papéis estes em que se tem contato efetivo com os alunos (Tabela 1).

TABELA 1
Papéis já desenvolvidos no novo currículo de Medicina, referidos pelos docentes que responderam ao questionário

Em relação aos módulos PIN, observou-se que apenas 24% dos docentes que responderam à pesquisa afirmaram saber como funciona o Programa de Práticas de Interação Ensino, Serviços e Comunidade, embora a maioria (61%) tenha informado já ter ouvido falar do mesmo.

O Quadro 1 mostra o que esses docentes, com diferentes graus de conhecimento dos módulos PIN, sabiam sobre as características dos mesmos no momento da pesquisa. Pode-se notar que, quanto à época de oferta dos módulos PIN, 16 docentes informaram que os módulos estão programados para os quatro primeiros anos, l2 professores pensavam que são ofertados apenas no primeiro e no segundo anos, e 3 docentes pareciam estar confundindo-os com o antigo Peepin, achando que são ofertados apenas durante o primeiro ano do curso. Quanto à questão da opcionalidade dos módulos PIN, 27 sabiam que os mesmos são obrigatórios no novo currículo.

QUADRO 1
Distribuição dos docentes que responderam os questionários segundo o seu conhecimento sobre os módulos PIN e seus conceitos sobre: anos que são ofertados, obrigatoriedade da participação dos alunos, locais e tipos de atividades desenvolvidas (porcentagem aproximada a uma casa decimal)

Apenas 18 docentes souberam dizer que as atividades dos módulos PIN podem ser desenvolvidas não só em Unidades Básicas de Saúde, como também em outros serviços e em outras comunidades, e 25 docentes informaram que as atividades desenvolvidas pelos PINs englobam assistência e investigação.

O Quadro 2 apresenta os conceitos que os docentes tinham sobre a importância do programa PIN na formação do profissional médico de hoje e a viabilidade do programa. Observou-se que a maioria dos docentes que responderam à pesquisa informou que não possuía opinião formada a respeito dessas questões (50% e 64%, respectivamente). O quadro mostra ainda, que embora 35 dos 60 docentes investigados (43,6%) considerassem as atividades de integração com os serviços e a comunidade como fundamentais ou de grande valor para a formação médica, apenas 21 dos mesmos (26,3%) as consideravam viáveis e somente 20% dos docentes integrantes dessa pesquisa concordariam em atuar como instrutor ou consultor nestes módulos, contra 45% que afirmaram não se dispor a participar dos mesmos em qualquer função.

QUADRO 2
Distribuição dos docentes que responderam ao questionário segundo o seu conhecimento sobre os módulos PIN e os seus conceitos sobre: o valor das atividades propostas pelo programa, a viabilidade de sua operacionalização e a disposição em participar dos mesmos (porcentagem aproximada para uma casa decimal)

Somente um dos 80 professores que preencheram o questionário assinalou que considera os módulos PIN de pouco valor para a formação profissional do médico. Ao mesmo tempo, chama a atenção, neste quadro, que mais da metade dos docentes preferiu não emitir opiniões sobre os módulos PIN, alegando falta de conhecimento ou simplesmente não preenchendo os respectivos itens do questionário. É possível que as inovações em fase de implantação no CCS tenham deixado alguns professores inseguros, de forma que preferiam não opinar sobre as novas práticas.

A Tabela 2 compara as respostas dos 35 docentes que consideram os módulos PIN de fundamental importância ou de grande valor para a formação médica com as dos demais professores. Constata-se que, embora praticamente dois terços dos mesmos (22 docentes) afirmem que aceitariam uma atividade de supervisão nestas atividades, apenas 10 aceitariam atividade em campo e 8 afirmaram que gostariam de participar, mas alegaram não dispor de carga horária. Nota-se, ainda, que 6 dos docentes que não opinaram sobre a importância das atividades PIN informaram que gostariam de supervisionar o programa (dois como consultores; quatro afirmaram que gostariam, mas não dispõem de tempo).

TABELA 2
Disposição dos docentes que responderam ao questionário em participar dos módulos PIN

Para investigar as características pessoais dos docentes que consideraram os módulos PIN como de importância fundamental ou de grande valor na formação médica, foram formados dois grupos de respostas obtidas: o primeiro grupo, composto pelas respostas desses 35 docentes, foi denominado “opinião favorável”; o segundo grupo, denominado “pouco valor/sem opinião indicada”, foi constituído pelas respostas dos demais docentes. Um de seus integrantes assinalou que considera os módulos PIN de “pouco valor” na formação médica, 40 indicaram que não possuem opinião formada, e 4 não assinalaram nenhuma das opções deste item no questionário.

Já os dados referentes às características pessoais ou experiências profissionais dos docentes que responderam a pesquisa foram classificados como “sim”, quando a condição analisada foi assinalada afirmativamente no questionário, e como “outros”, quando a resposta indicou outra condição ou quando o item não foi respondido.

Dessa forma, as principais características pessoais e experiências profissionais referidas pelos docentes dos grupos de “opinião favorável e de pouco valor/sem opinião indicada” foram comparadas, e os resultados foram analisados com a aplicação do teste do qui quadrado. Os resultados obtidos (Quadro 3) indicam que as condições de capacitação em educação, a experiência de trabalho em outros serviços, a participação em projetos de extenso, atividades de supervisão de estágios em outros serviços, a participação em atividades da Abem ou no colegiado do curso de Medicina não são significativamente diferentes entre os dois grupos estudados.

QUADRO 3
Distribuição dos docentes segundo características pessoais e experiências profissionais, e seu entendimento da importância dos módulos PIN para a formação médica

Já a variação referente à participação no projeto Peepin e ao envolvimento com o novo currículo, antes ou após o início de suas atividades em fevereiro de 1998, foi significativamente maior entre os docentes que formam o grupo de “opinião favorável” que entre os integrantes do grupo “de pouco valor/sem opinião indicada”, como destacado no mesmo quadro.

Essas constatações levam a considerar que a capacitação para o ensino, a vida profissional fora da universidade, as atividades extramuros tradicionais da academia, como as de extensão universitária ou de supervisão de estágios em outros ambientes fora do hospital universitário, e as participações em atividades da Abem ou no Colegiado de Curso de Medicina não influenciaram a visão do docente sobre a importância das práticas de interação ensino - serviços - academia. Já a experiência de participação no Projeto Peepin - que foi um projeto estratégico do CCS para sensibilizar os docentes para novas práticas de ensino - e a própria participação no processo de implantação do novo currículo parecem ter facilitado a compreensão dos docentes sobre a importância das atividades propostas pelos módulos PIN no processo de formação do futuro médico.

Com relação ao porquê da importância dessas práticas dos módulos PIN, 12 docentes justificaram suas respostas nos espaços abertos do questionário. Os argumentos mais freqüentes foram: 1) a vivência, pelos estudantes, da realidade junto à comunidade, o que facilitaria sua compreensão da problemática social; 2) o trabalho multiprofissional e interdisciplinar do futuro profissional. Somente um docente citou também a importância da integração dos docentes com os serviços e a comunidade. Outro argumento que chamou a atenção foi o de que os módulos PIN seriam importantes “desde que seja reestruturado e [que haja] adequação dos serviços para receberem alunos adequadamente”, o que fez lembrar a discussão dos programas IDA e seus “laboratórios de ensino”.

Sete das pessoas que afirmaram estar dispostas a participar de qualquer atividade PIN também justificaram suas opiniões. A maior parte dessas justificativas foi a convicção da importância das atividades desses módulos, sendo que um dos docentes revelou também sua visão da importância específica para os professores.

Quanto à viabilidade, 21 dos 36 docentes que julgavam os módulos importantes para a formação médica os consideravam praticáveis, e apenas uma pessoa deste grupo entendia que as dificuldades para a manutenção dessas atividades as inviabilizariam. Sete dos primeiros 21 docentes justificaram suas opiniões, segundo as quais os problemas dos módulos estavam sendo interpretados como dificuldades iniciais, temporárias, características de propostas inovadoras e contornáveis. No entanto, dois comentários consideravam a viabilidade da proposta limitada nos dois primeiros anos do curso; um argumento chamou a atenção para a necessidade de discussões mais amplas do programa, a fim de que houvesse maior representatividade do pensamento dos professores, além de um melhor gerenciamento dos recursos humanos para garantir a viabilização do processo.

A pessoa que afirmou que as dificuldades impedem a viabilização dos PINs interrogou:

  • Qual o papel do docente da UEL junto aos Postos de Saúde? Como inserir alunos e professores num ambiente “pouco receptivo” à Academia? Qual o compromisso que os profissionais que atuam no serviço devem ter em relação aos alunos?

  • Os alunos não podem ser só críticos (observadores) do Sistema de Saúde?

e finalmente afirmou que se devia:

  • Definir o papel dos diferentes profissionais para melhor atender ao PIN e consequentemente à comunidade.

Esses comentários parecem revelar certo receio em relação às atividades em outras instituições, fora da academia, e talvez o temor de conflitos entre os profissionais das instituições envolvidos.

CONCLUSÕES

Concebido para analisar a pouca disposição de docentes da área clínica do curso de Medicina da UEL de participar das práticas de interação com os serviços de saúde e a comunidade propostas para os estudantes de Medicina durante o novo currículo, este estudo mostrou que, na época da coleta de dados (outubro de 1999):

  • Pouco mais da metade dos docentes participantes da pesquisa havia se envolvido, até outubro de 1999, com atividades de planejamento e/ou execução do novo currículo;

  • Havia docentes que questionavam a validade e a eficácia dos novos métodos pedagógicos implantados a partir de fevereiro de 1998;

  • O conhecimento dos módulos PIN no novo currículo do curso e a aceitação de seus propósito eram bastante heterogêneos entre os docentes da área clínica: uns defendiam os módulos PIN e se propunham contribuir para o seu desenvolvimento; outros, embora não se dispusessem a assumir o trabalho de campo como instrutores, afirmaram entender as atividades práticas nos serviços de saúde e nas comunidades como fundamentais à formação do profissional médico da nossa realidade. Por outro lado, uma parte dos professores considerava sua execução de pouco valor para a educação médica e questionou sua viabilidade, a maior parte dos docentes preferiu não emitir opinião sobre as práticas de interação com os serviços e a comunidade.

Considerando esses resultados, possível agrupar os professores em quatro categorias, de acordo com os diferentes graus de aceitação das práticas propostas pelos módulos PIN.

Os defensores convictos dessas práticas entendiam a vivência das realidades sociais e comunitária, fora da academia como fundamentais à adequada formação profissional. Consideravam o desenvolvimento dos módulos PIN viáveis e se colocavam à disposição para assumir qualquer tarefa relativa a eles.

Outros eram apoiadores do desenvolvimento desses módulos PIN, porém se dispunham a assumir a execução apenas de determinadas funções; alguns apresentavam dúvidas em relação ao como, quanto e quando deviam ser desenvolvidos, e temiam eventuais dificuldades operacionais.

Os opositores à proposta criticavam o modo de implantação e questionavam sua validade. Alegavam dificuldades operacionais sérias e sugeriam que estas poderiam vir a prejudicar todo o processo de aprendizado dos alunos.

Finalmente, havia um número grande de docentes indiferentes às mudanças curriculares. Não se preocupavam em participar das discussões sobre o novo currículo e as novas práticas de ensino implantadas no CCS. Afirmavam que não dispunham de tempo para participar das novas atividades propostas.

A grande proporção encontrada de professores considerados indiferentes demonstrou que não é muito fácil introduzir mudanças tão profundas como as propostas pelo novo currículo de Medicina da UEL.

Especialmente em relação aos módulos PIN, deve ser lembrado que o profissional, formado duas ou três décadas atrás em escolas tradicionais de Medicina, com todos os valores herdados pela visão de formação flexneriana, tem dificuldades de valorizar novas práticas de ensino em cenários alternativos e de aderir a seu desenvolvimento.

No interpretação dos resultados obtidos nesta pesquisa, devem-se considerar algumas características especiais do objeto de estudo, constituído pelas práticas inovadoras de ensino (e também de assistência) propostas pelo novo currículo do curso de Medicina da UEL.

O novo currículo é um foto recente e dinâmico, que ainda se encontrava em plena fase de implantação e estruturação na época da coleta dos dados. Em decorrência do desenvolvimento do processo de implantação, é possível que os professores que responderam a esta pesquisa modifiquem seu posicionamento com a evolução do novo currículo.

Especialmente em relação aos professores da área clínica, cabe salientar que, no momento da coleta dos dados, a modificação curricular ainda não havia afetado seu cotidiano, pois as disciplinas da área clínica do currículo tradicional, concentradas a partir do terceiro ano do curso, ainda se encontravam em pleno funcionamento. Assim. cerca de 40% dos docentes que responderam ao questionário ainda não haviam se envolvido com qualquer atividade do novo currículo.

Deve-se ressaltar, no entanto, que 35% dos docentes investigados afirmaram já ter participado de atividades dos dois primeiros anos do curso. Isso demonstra que a execução do novo currículo trouxe uma significativa interação básico-clínica, um fenômeno que praticamente não acontecia no currículo tradicional.

O Quadro 3 mostra que, entre os que responderam o questionário, a opinião positiva em relação à importância dos módulos PIN na formação médica está associada à experiência com o Peepin e com o envolvimento nas atividades do novo currículo, antes ou após fevereiro de 1998. Este fato sugere que o Peepin realmente deve ter contribuído no processo de sensibilização para as novas práticas. Como, no entanto, a adesão ao Peepin entre os docentes da área clínica sempre foi menor que entre os professores do ciclo básico, sua repercussão entre os clínicos (especialmente os cirurgiões) não foi muito grande.

Essa constatação permite considerar que se devam utilizar outras estratégias de sensibilização para motivar os docentes da área clínica para as novas práticas de ensino. O próprio desenvolvimento do currículo, que a partir do terceiro ano passa a incluir os conhecimentos de muitas das disciplinas até então ainda não envolvidas, já vem integrando um número crescente de docentes às suas atividades. Os momentos de planejamento dos módulos constituem importantes espaços de trabalho interdisciplinar e multiprofissional que não existem nos métodos tradicionais de ensino.

No entanto, para que esses professores que progressivamente estão sendo integrados às novas atividades curriculares possam ter uma visão mais completa sobre as propostas do novo curso, torna-se necessário que estas sejam mais bem debatidas. A pesquisa demonstrou que importante parcela dos docentes até então ainda não envolvidos com o novo currículo optou por não emitir opiniões sobre as novas práticas de ensino, especialmente sobre as atividades desenvolvidas nos módulos PIN (Quadro 2).

Durante os dois primeiros anos, a integração de novos docentes da área clínica às atividades do novo curso ocorreu basicamente de duas maneiras principais: por meio de sua inserção num dos grupos de planejamento dos módulos, ou através de sua participação nas tutorias, após um treinamento rápido que visava especificamente à preparação de tutores. Outras tentativas de integração dos docentes ao processo de implantação, como oficinas de sensibilização ou cursos de capacitação para as novas práticas de ensino, não tiveram uma adesão significativa dos professores médicos, embora tivessem funcionado bem junto aos docentes do ciclo básico.

Portanto, a integração dos docentes da área clínica às novas práticas curriculares ocorreu principalmente nas atividades relacionadas aos módulos temáticos do novo currículo, especificamente nos momentos de aplicação do metodologia da aprendizagem baseada em problemas. Essa situação, associada ao foto de que corriqueiramente o novo currículo foi apelidado apenas de PBL, parece ter gerado um conceito, entre grande parte dos docentes, de que as propostas do novo currículo se resumem apenas à aplicação dessa nova metodologia de ensino.

Essa concepção simplificada do novo curso de Medicina pode ter contribuído para a dificuldade dos docentes de assumirem posicionamentos claros em relação às propostas dos módulos PIN. Não foi fácil emitir opinião sobre as práticas de interação do ensino com os serviços e a comunidade durante a formação do profissional, pois a mesma envolvia questões mais profundas. Questões que explicitam as diferenças de concepção em relação à inclusão de aspectos do social ao estudo da Medicina, cuja área de conhecimento está concentrada no saber biológico. Que propõem novas práticas assistenciais intra- e extra-hospitalares e que preconizam o mudança do modelo assistencial e do papel reservado ao médico nestes contextos.

Assim, torna-se importante desenvolver o debate sobre o fato de que o novo currículo significa muito mais que a simples adoção dessa nova metodologia de ensino. Segundo seu projeto de implantação, o novo curso de Medicina da UEL propõe a formação de um profissional mais bem preparado para a sua inserção na realidade médico-sanitária brasileira.

Para alcançar este objetivo, a mudança não deve se restringir apenas aos métodos pedagógicos utilizados no processo ensino-aprendizagem. Outras dimensões do novo currículo, tais como a diversificação de cenários de ensino, o contato com a realidade social e a problemática da saúde (que ocorre nos módulos PIN) e a reflexão sobre aspectos da relação médico-paciente (que ocorre nos módulos dos habilidades) desempenham um papel igualmente relevante.

Seria importante, portanto, que, já desde os primeiros contatos dos docentes com a nova realidade do curso, ficasse claro e explicitado que PBL é uma sigla que indica apenas uma das metodologias de ensino-aprendizagem adotadas no novo curso de Medicina da UEL, a aprendizagem por problemas, e que no novo curso de Medicina da UEL também estão propostas outras técnicas de ensino.

É interessante dizer que as práticas de interação ensino-serviço-comunidade levam os alunos à conjugação de diferentes conhecimentos já adquiridos para viabilizar sua aplicação às realidades encontradas nos novos ambientes. A metodologia utilizada nestas práticas é basicamente a da problematização, que trabalha com problemas reais, encontrados na comunidade e nos serviços.

Finalmente, é importante tornar claro que o novo curso é composto por múltiplas faces. E que são principalmente as atividades realizadas em outros momentos que não as sessões de tutoria, conferências ou consultoria que o diferenciam da formação médica tradicional. Pois são justamente as atividades desenvolvidas nestes outros espaços alternativos que possibilitarão desenvolver muitas das características que compõem o perfil proposto para o médico que venha a ser formado pela UEL

Por outro lado, há que considerar que os atuais docentes, em geral, não foram capacitados para essas tarefas. Pode-se citar como exemplo o treinamento de habilidades em comunicação, que propõe o preparo dos alunos para um bom relacionamento com pacientes e seus familiares, apoio a portadores de doenças crônicas e transmissão de más notícias, entre outros pontos. Embora a maioria dos docentes da área clínica possam estar se sentindo insegura para trabalhar essas questões com os alunos, muitos talvez até se sintam motivados para um melhor preparo em comunicação, visando inclusive à aplicação em seu próprio cotidiano.

As equipes condutoras de mudanças nas escolas devem estar alentas para encontrar, definir e implantar estratégias de inclusão da grande maioria dos professores, principalmente dos clínicos. Somente assim será possível que a mudança não se mantenha apenas no plano fenomênico, mas também alcance planos mais profundos, envolvendo as relações sociais e políticas dos atores institucionais - universidade, serviços de saúde e comunidade - e dos sujeitos sociais, principalmente professores, alunos e pacientes, e assim caracterize uma efetiva reforma curricular.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2002

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2002
  • Aceito
    29 Abr 2002
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