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Avaliação Discente de um Curso de Oftalmologia

Student Assessment of Undergraduate Training in Ophthalmology

Resumo:

A Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas implantou em 1998 a reforma curricular. Como a opinião dos alunos também é muito importante para a reestruturação do currículo médico, foi feito o levantamento das avaliações discentes referentes à disciplina de Oftalmologia no ano de 2000. O questionário abordou as seguintes variáveis: avaliação da disciplina e do processo ensino-aprendizagem, controle quantitativo das atividades e auto-avaliação discente. Os resultados revelaram que 56% dos alunos consideraram bom o desempenho da disciplina como um todo. A análise dos resultados propõe novas posturas na elaboração do programa quanto ao melhor aproveitamento da carga horária, atividades práticas correlacionadas ao conteúdo teórico e criação de condições para que os alunos busquem ativamente o conhecimento.

Palavras -chave:
Educação Médica; Currículo; Oftalmologia-educação; Brasil

Abstract:

Since 1998, a curriculum reform has been implemented at the Medical School of the State University in Campinas, São Paulo, Brazil. Given that student views are central to curriculum renewal, a survey was conducted of their opinions concerning the Ophthalmology program in the second semester of 2000. Students were asked to complete a questionnaire which included assessment of the Ophthalmology Course and the teaching/learning method, quality control of the program, and self-assessment. The results indicated that 56% of students gave a positive overall assessment of the development of the Ophthalmology curriculum as a Whole. Overall analysis of the available data suggested the need for new attitudes in program elaboration relating to better utilization of teaching hours, clinical practice correlated to classroom theory, and promotion of conditions for students to actively seek knowledge themselves.

Key-words:
Education, Medical; Curriculum; Ophthalmology-education; Brazil

INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea enfrenta atualmente uma série de desafios. Um primeiro aspecto é a explosão demográfica, pois, num período de quatro décadas, a população mundial triplicou. Vivencia­ se também uma transição epidemiológica. Convive-se hoje com a reincidência de patologias em extinção (dengue), com o surgimento de novas (aids) e com doenças degenerativas e crônicas resultantes do envelhecimento populacional, o que traz novas exigências para o profissional de saúde e consequentemente para as escolas médicas, porque elas são responsáveis pela formação de profissionais para este modelo de transição11. Batista NA. Planejamento Curricular. Rev Fac Ciênc Méd Unicamp 2000; 8 (1 ed esp): 9-11..

A mudança de modelos assistenciais, o desenvolvimento tecnológico, a velocidade com que a informação e o conhecimento na área médica vão se transformando e o fenômeno da globalização exigem um profissional mais competente para lidar com estas mudanças22. Zeferino AMB. Editorial. Rev Fac Ciênc Méd Unicamp 2000: 8 (1ed esp):2..

Estes e outros aspectos repercutem no ensino, obrigando as escolas médicas a reformularem seus currículos33. Borges DR, Stella RCR. Avaliação do Ensino de Medicina na Universidade Federal de São Paulo. Rev Bras Educ Méd 1999; 24(1): 11-7. Em 1998, a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FEM Unicamp) iniciou um processo de reforma curricular, com a realização do Seminário sobre Graduação em Medicina44. Briani MC. Seminário sobre Graduação em Medicina. Rcv Fac Ciênc Méd Unicamp 2000; 8 (1 ed esp): 97-108. As conclusões dos grupos de trabalho apontaram para a necessidade de buscar uma integração das disciplinas mediante a adequação do currículo à real necessidade do aprendizado.

Esta preocupação com o ensino médico é um fenômeno mundial, como se pode deduzir pelo aumento crescente do número de artigos publicados sobre o assunto em diversos periódicos médicos55. Stimmel B, Serber M. The role of curriculum in influencing students to select generalist training: a 21 year longitudinal study. J Urban Health 1999; 76 (1): 117-26.),(66. Orrego-Vicuna F. Medical education at Universidad de los Andes. Rev Med Child. 1997; 125 (7): 823-26.),(77. Whiteside C, Pope A, Mathias R. Identifying the need for curriculum change. When a rural training program needs reform. Can Fam Physician 1997; 43: 1390-4..

Os oftalmologistas têm tido um papel relativamente marginal na Educação Médica. Uma revisão da evolução, fundamento e administração da Educação Médica nos Estados Unidos confirma a ocorrência deste fato. O clima atual de reformulação do ensino médico concede finalmente aos oftalmologistas a oportunidade de definir seu papel na saúde pela participação ativa na educação88. Jacobs DS. Teaching doctors about the eye: trends in the education of medical students and primary care residents. Surv Ophthalmol. 1998; 42 (4): 383-9..

No Brasil, Ginguerra abordou aspectos do ensino de graduação em Oftalmologia, a fim de subsidiar alterações curriculares com vistas ao aprimoramento da formação profissional, concluindo sobre a necessidade de reformulação do curso de Oftalmologia no currículo de Medicina99. Ginguerra MA, Ungaro ABS, Villela FF, Kara José AC, Kara-José N. Aspectos do ensino de graduação em Oftalmologia. Arq Bras Oftalmol. 1998; 61: 546-50..

Este trabalho teve como objetivo verificar o grau de satisfação do aluno em relação ao curso de Oftalmologia ministrado na FEM da Unicamp.

METODOLOGIA

Na FEM da Unicamp, a disciplina de Oftalmologia é ministrada no quarto ano do curso de graduação e compreende atividades teóricas e práticas realizadas no Ambulatório de Oftalmologia do Hospital de Clínicas. Os alunos são divididos em seis turmas em média de 17 alunos, e o curso tem duração de três semanas para cada turma.

Foi realizado um estudo retrospectivo, em amostra formada por 102 alunos do quarto ano médico da FEM da Unicamp no ano de 2000. Utilizou-se um questionário elaborado pela Coordenadoria de Ensino de Graduação, que também se aplica a outras disciplinas, visando a uma avaliação discente padrão. Assegurou-se aos respondentes o anonimato e sigilo das informações na aplicação do instrumento.

O questionário incluiu as seguintes variáveis: avaliação da disciplina e do processo de ensino-aprendizagem; controle quantitativo das atividades; auto-avaliação discente.

As questões propostas aos alunos tiveram as respostas quantificadas numa escala de 5 a 1, em ordem decrescente do aspecto positivo para o negativo, conforme as seguintes categorias: ótimo (5), bom (4), regular (3), mau (2) e péssimo (1).

Foram estudadas opiniões em relação a:

  • sobreposição de assuntos com outras disciplinas;

  • pré-requisitos para cursar a disciplina;

  • metodologia de ensino;

  • carga horária da disciplina;

  • importância da disciplina para a formação médica;

  • avaliação geral da disciplina:

  • auto-avaliação do aluno.

Como elemento adicional da análise, aplicou-se tratamento matemático aos dados, que consistiu na redução dos valores da distribuição a um único valor, denominado valor escalar médio (VEM). Atribuíram-se números às categorias das escalas, de acordo com a magnitude presumível do conteúdo implícito em cada categoria. Esses valores, de características ponderais, permitiram a obtenção de médias ponderadas, ou seja, o VEM de cada distribuição de frequências.

Dos 102 alunos, obteve-se uma amostra de 93 (n) estudantes de Medicina que devolveram o questionário, ou seja, 91,18% da amostra inicial. Entretanto, nem todos os alunos responderam a todas as questões, o que resultou num n diferente para cada quesito.

A Tabela 1 apresenta a relação das questões propostas e os respectivos valores absolutos e porcentagens das opiniões expressas pelos estudantes. Nesta tabela encontra-se também o VEM obtido para cada item.

TABELA 1
Avaliação discente da disciplina de Oftalmologia do curso de graduação da FEM Unicamp - Campinas - 2000

DISCUSSÃO

A sobreposição de assuntos com outras disciplinas não se aplicaria ao programa de Oftalmologia, pois os temas abordados são específicos. Mesmo em temas interligados com outras disciplinas, a abordagem é restrita ao enfoque oftalmológico da doença em questão. Apesar destas particularidades, 48,7% dos alunos consideraram haver algum grau de sobreposição de assuntos. Isto pode ser atribuído à interpretação dos respondentes, confundindo a sobreposição de assuntos com sobreposição de disciplinas, uma vez que, no segundo semestre do quarto ano médico, quatros o ministradas.

O pré-requisito para matricular-se na Oftalmologia é ter cursado a disciplina de Clínica Médica I, ministrada no terceiro ano do currículo médico da Unicamp, Os alunos, em sua maioria, consideraram válido este pré-requisito (VEM = 3,9 - Tabela 1). Estudo sobre o ensino de Oftalmologia na graduação, realizado no Canadá, revela que quase todas as escolas têm um currículo similar e que 69% das aulas anuais de graduação fazem referência à Oftalmologia. Concluiu que se pode alcançar maior integração no ensino de graduação em áreas específicas mediante a coordenação de conteúdos das diferentes disciplinas1010. Bellan L. Ophthalmology undergraduate education in Canada. Can. J. Ophtalmol. 1998; 33 (1): 3-7..

O enfoque da Oftalmologia integrada à Medicina Geral vem ao encontro das necessidades da sociedade atual, que parece estar reconhecendo novamente a importância do papel do médico de família. A inserção da Oftalmologia no contexto da Clínica Geral implica, pois, que o aluno tenha conhecimentos básicos de medicina interna para ser capaz de correlacionar achados oculares com doenças sistêmicas.

O questionário aborda também a metodologia de ensino empregada pela disciplina, e a maioria dos alunos optou por classificá-la em boa e ótima.

Farrel et ali1111. Farrell TA, Albanese MA, Pomrehn PR. Problem - based learning in ophthalmology, a pilot program for curricular renewal. Arch. Ophthalmol. 1999; 117 (9): 1223-6. realizaram uma experiência piloto, com pequenos grupos de estudantes em aulas de três horas, durante uma semana. Empregaram uma variação da metodologia do PBL (problem-based learning) e concluíram que houve ganho significativo de conhecimento e alto grau de satisfação por parte dos alunos. Os autores referem que esta experiência positiva foi um dos fatores que levou à adoção do PBL no currículo da Universidade de Wisconsin.

Para o curso de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, a turma de estudantes do quarto ano é dividida em pequenos grupos, em sessões diárias de quatro horas durante três semanas. Para as aulas práticas, as turmas são subdivididas em dois grupos, para facilitar o exame dos pacientes pelos alunos. Além disso, grupos pequenos, mesmo nas aulas teóricas, favorecem a interação professor-aluno. Apresentações audiovisuais ilustram os temas abordados e complementam a matéria vista na prática. Opção por turmas pequenas, aulas práticas no ambulatório e farto recurso audiovisual podem justificar a aprovação da maioria dos alunos, comprovada pela obtenção do valor escalar médio 3,8 no quesito referente à metodologia (Tabela l).

Apesar de 53% dos alunos terem classificado como regular a carga horária da disciplina, 30% a consideraram insuficiente (Tabela 1). Todavia, a carga horária letiva das escolas médicas do Brasil é extensa quando comparada à de importantes instituições de ensino estrangeiras, como a Faculdade de Medicina da Universidade de Cornell (EUA). Segundo Maack, as aulas naquela instituição americana são muito pouco usadas para transmitir conhecimento, porque o verdadeiro objetivo das mesmas é fazer generalizações sobre tópicos e, às vezes, em condições especiais, para explicar tópicos mais difíceis para os estudantes1212. Maack T. Reforma Curricular do Curso Médico da Universidade de Cornell. Rev Fac Ciénc Méd Unicamp 2000; 8 (1 ed esp): 27-32.. Esta nova postura na educação sugere que apenas o aumento da carga horária não tornaria o ensino mais eficiente. Aulas expositivas longas, nas quais o professor disserta sobre temas claramente tratados em livros, podem ser consideradas desperdício de tempo, principalmente com a facilidade atual de acesso a material de ensino. É a aplicação do conceito de que o importante é que o aluno aprenda a aprender. Zimmerman1313. Zimmermann LF. Currículo Médico: A visão dos alunos. Rev Fac Ciênc Méd Unicamp 2000; 8 (1 ed esp): 87-95, expondo a visão dos alunos sobre o currículo médico, propõe que os estágios de especialidades tenham a duração de cinco semanas. Estes estágios devem basear-se em atividades práticas e seminários sobre os temas mais importantes que cada uma das especialidades tem a propor à formação geral do médico. Portanto, o aluno solicita maior carga horária voltada às atividades práticas ou ensino dirigido. Apesar do índice baixo (2,8) do VEM, pode-se concluir que o importante não é aumentar a carga horária, mas racionalizar o tempo disponível.

Na opinião da quase totalidade dos alunos que responderam ao questionário, a Oftalmologia é muito importante para a formação médica. Este quesito alcançou o valor escalar médio de 4,2 (Tabela 1).

A explosão de informações do mundo atual, paradoxalmente, torna o homem capaz de ver uma unidade fundamental dentro da diversidade. Problemas médicos, que parecem ser diferentes ou independentes quando vistos de forma superficial, podem ser, na verdade, manifestações de um mecanismo patofisiológico subjacente comum, que age simultaneamente em diferentes locais do corpo1414. Gold DH, Weingeist T. Preface - The Eye in System Disease. Philadelphia: J.B. Lippincott, 1990. p. 8.. Além de abordar os temas fundamentais da Oftalmologia, o curso ministrado na Unicamp procura ressaltar as relações entre o olho e as doenças sistêmicas, ou seja, apresentar as complicações oculares das doenças sistêmicas. Esta visão globalizada da Oftalmologia talvez faça com que o aluno compreenda a importância dos conhecimentos oftalmológicos adquiridos para o exercício pleno de sua profissão, qualquer que seja a área médica escolhida.

O desempenho da disciplina como um todo obteve um valor escalar médio de 3, 8, configurando uma classificação entre boa e regular (Tabela 1).

Somente 5% dos alunos classificaram como má ou péssima a sua participação no curso e justificaram a auto-avaliação negativa pelo pouco interesse despertado pela matéria

De acordo com Marcondes1515. Marcondes E. Avaliação do ensino médico. Rev Fac Ciênc Méd Unicamp 2000; 8 (1 ed esp): 69-73., avaliação é parte integrante do ensino-aprendizagem. Pare ele, não basta avaliar o aluno, é preciso avaliar o processo.

A avaliação cuidadosa deste questionário fornece subsidias para traçar propostas com vistas a aprimorar o ensino médico da graduação. Elas coincidem com muitas diretrizes apontadas pelo Seminário sobre Graduação em Medicina, promovido pela Unicamp em 1996. São elas:

  • Melhor aproveitamento da carga horária;

  • Alguns espaços abertos na grade horária;

  • Atividades práticas correlacionadas, o quanto possível, ao conteúdo teórico;

  • Organizar pequenos grupos de alunos para frequentar o ambulatório sob supervisão docente, em horários extra-aulas;

  • Criar condições para que os alunos busquem ativamente o conhecimento.

Do interesse pelo ensino de graduação depende o futuro das escolas médicas em nosso país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2002

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2001
  • Revisado
    28 Maio 2002
  • Aceito
    18 Out 2002
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