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Os Urologistas no Brasil: uma Análise do Perfil Socioprofissional, da Distribuição Populacional e da Necessidade de Formação de Novos Especialistas

Brazilian Urologists: Analysis of the Profile Social, Professional, the Populational Distribution and the Necessary of New Specialists Formation

Resumo:

Apresenta-se um mapeamento municipal, regional e populacional da distribuição de urologia no Brasil, baseado em dados quantitativos coletados, enforcando-se a necessidade de criar critérios sociais para a formação de novos urologistas no país. O estudo envolveu duas pesquisas realizadas em momentos diferentes, com objetivos distintos embora congruentes, e conduzidas por equipes diferentes e instituições de natureza diversa. A primeira resultou do “Perfil dos médicos no Brasil”, realizado pela fundação Osvaldo Cruz em parceria com o Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira e Federação Nacional dos Médicos em 1995, e envolveu 2.406 urologistas. A segunda, “Quantos somos e o que necessitamos”, desenvolvida pela Comissão de Ensino e Treinamento (CET-SBU), realizada em 1997, contou com um universo de 2.996 especialistas cadastradas no banco de dados da Sociedade Brasileira de Urologia. Os resultados mostraram que o urologista brasileiro é jovem (média de 43 anos), tem em média 17 anos de formado, possui pós-graduação lato sensu (91,3%) e está concentrado nas grandes capitais brasileiras (oito delas detêm 43,5% de todos os especialistas). A maior densidade de especialistas ocorreu nas regiões com maior número de programas de residência médica (70,4% dos programas estão localizadas na Região Sudeste). Cerca de 80% de todos os urologistas estão localizadas nas regiões Sudeste (61,6%) e Sul (17,8%). No Brasil, existe um urologista para cada 52.960 habitantes, distribuídos heterogeneamente pelo país e com a discrepância de até cinco vezes a densidade de especialistas em comparação com as regiões Sudeste e Nordeste (1:33.943 e 1:161.037, respectivamente). Cerca de 30% dos especialistas não são associados à SBU. A capacidade formadora é de 130 novos especialistas por ano (média de dois por programa de residência), o que corresponde a pelo menos duas vezes mais que o número necessário para saturar o sistema. Em conclusão, o número de especialistas está crescendo pelo menos duas vezes mais que o crescimento populacional, produzindo supersaturação das capitais brasileiras do Centro-Sul do Brasil, sem corrigir a falta de urologistas em outras regiões do país.

Palavras-chaves:
Urologia - recursos humanos; Distribuição de médicos - provisão e distribuição; Distribuição espacial - Brasil

Abstract:

The authors provide a municipal, regional and population-based distribution map of urologists in Brazil based on quantitative data, focusing on the need to create social criteria to train new urologists in the country. The study involved two survey at different times and with distinct (albeit congruent) purposes, conducted by different teams and institutions of diverse natures. The first drew on the “Profile of Brazilian Physicians” (including 2,406 urologists) conducted in 1995 by the Oswaldo Cruz Foundation (FIOCRUZ) in partnership with the Federal Board of Medicine, Brazilian Medical Association, and National Federation of Physicians. The second, titled “How Many Are We and What Do We Need?”, was conducted in 1997 by the Teaching and Training Committee of the Brazilian Society of Urology (SBU) and encompassed a universe of 2,966 specialists registered in the SBU database. Brazilian urologists are young (mean age of 43 years), have held a degree in urology for 17 years, have fellowship in urology (91.3%), and live in the large Brazilian State capitals (eight of which account for 43.5% of all urologists practice in the Southeast (61.6%) and South (17.8%). Brazil has one urologist per 52,960 inhabitants, with a heterogeneous distribution: 5 times more urologists in the Southeast then in the Northeast (1:33,943 and 1:161,037, respectively). About 30% of Brazilian urologists do not belong to the SBU. The country´s training capacity is 130 new urologists per year (average of two per residence program), amounting to at least twice as many as needed to saturate the system. In conclusion, the number of urologists is growing at least twice as fast as the population, leading to over-saturation of the specialty in Central and Southern Brazilian State capitals, while failing to solve the problem of lack of urologists in other regions of the country.

Key-words:
Urology - Manpower; Physician distribution - supply and distribution; Medical residency - Brazil

INTRODUÇÃO

Até 1996, o Brasil contava com 92 escolas de Medicina, a grande maioria delas concentradas no eixo Rio - São Paulo - Minas Gerais, cujos estados respondiam pela metade das faculdades. Estas instituições formavam em torno de 7.000 novos médicos por ano, segundo a Associação Brasileira de Educação Médica11. Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM). Médicos formados no Brasil: 1985 a 1996. Rio de Janeiro: ABEM, 1999. (Série de Documentos da ABEM, 13).. Carvalho (1997)22. Carvalho RRP. Profissionais e cursos médicos no Brasil. Brasília (DF): Conselho Federal de Medicina, 1997., ao analisar os dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), mostrou que algumas regiões do país têm apresentado uma taxa de crescimento do número de médicos muito superior se comparada ao incremento da população em geral. Os estados com maior número de faculdades constituem também os de maior oferta de mão-de-obra, uma vez que o profissional se fixa no local em que se forma.

Pinto, em 199933. Pinto LF. Médicos e Migração: a Residência em foco Dissertação de Mestrado em Saúde Pública. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, 1999., mostrou que há uma exuberante concentração de médicos em grandes áreas urbanas e onde existem escolas médicas, ou seja, em locais cujas instituições, além de possuírem uma infra-estrutura mais sólida na área da graduação, também detêm quase a totalidade dos programas de pós-graduação, seja residência médica, mestrado e/ou doutorado.

Como resultado do significativo incremento de novas escolas, de médicos e da crescente busca por especialização nos grandes centros formadores do país, o que se tem observado é a existência de mercado de trabalho com alta concorrência tecnológica, exigindo do recém-formado uma carga adicional de obrigações por uma especialização. Com relação à urologia, ocorre também uma efetiva aglutinação de especialistas nas grandes capitais brasileiras - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Goiânia e Brasília -, que, juntas, respondem por 43,5% (1.290/2.966) do total de profissionais em atividade no pais.

Por outro lado, no Brasil são escassos os estudos que permitem estabelecer a relação ideal do número de médicos generalistas e/ou especialistas com as necessidades de saúde da população ou até mesmo a relação ideal entre o número de médicos e habitantes. Dada a grande diversificação regional do Brasil, a cifra de l:1.000 habitantes - mencionada como recomendação da Organização Mundial de Saúde - não pode ser generalizada nem para as especialidades, nem tampouco para as diferentes regiões brasileiras. Assim, a dificuldade para estabelecer tal relação para os especialistas torna-se ainda mais árdua e uma tarefa para o futuro próximo. O conhecimento das necessidades regionais de cada especialidade é importante para traçar planos educacionais que visem às reais potencialidades do país, equilibrando-se a oferta e a demanda por médicos especialistas.

MATERIAL E MÉTODO

Este estudo é fruto de duas pesquisas realizadas em momentos diferentes, com objetivos distintos embora congruentes, e conduzidas por equipes e instituições de natureza fundamentalmente distintas. A primeira - “Perfil dos médicos no Brasil”44. Machado MH et al. (coord.) Perfil dos médicos no Brasil: relatório final (Médicos em Números). v. I. Brasil e Grandes Regiões. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Brasília (DF): Conselho Federal de Medicina (CFM). Ministério da Saúde (MS-Pnud), 1996. - foi desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Conselho federal de Medicina, Associação Médica Brasileira e Federação Nacional dos Médicos*. A segunda - “Quantos somos e o que necessitamos?” - foi realizada pela Sociedade Brasileira de Urologia. A coleta de dados da primeira ocorreu em 1995 e envolveu um universo de 2.406 especialistas, enquanto a pesquisa da SBU foi realizada de maio a julho de 1997 e compreendeu 2.966 urologistas, sócios e não-sócios, adimplentes e inadimplentes, cadastrados em seu banco de dados55. Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Banco de dados dos membros sócios e não-sócios. Rio de Janeiro, [s.n.] 1997),(66. Trindade JCS. Relatório da comissão de ensino e treinamento da Sociedade Brasileira de Urologia. Ofício CET 001/97 enviado ao presidente da Sociedade Brasileira de Urologia em 27.02.97. Rio de Janeiro: [s.n.], 1996.. Utilizou-se também um questionário, respondido por 18 serviços de urologia, compreendendo informações sobre o número de residentes formados de 1993 a 1996.

O censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 1996 norteou os dados da distribuição dos especialistas77. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Anuário Estatístico do Brasil. v.56, seção 2,. Rio de Janeiro, IBGE, 1996a. p. 2-109.),(88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contagem da população. Rio de Janeiro: IBGE,1996b. v.1..

RESULTADOS

Aspectos Gerais do Perfil

De modo geral, os urologistas trabalham nas capitais, são homens, têm em média 43 anos1 1 Reformando a característica de “jovialidade” do perfil nacional do médico, a metade dos urologistas tem menos de 40 anos, ou seja, 50,8%, havendo poucos especialistas em faixas etárias superiores a 60 anos. Poderíamos dizer que os urologistas no Brasil são jovens, fruto destas últimas gerações. , e a maioria absoluta cursou programa de residência médica e possui título de especialista (Tabela 1).

TABELA 1
Perfil dos urologistas segundo atributos selecionados - Brasil - 1995 (n = 2.406)

Os urologistas que atuam no mercado de trabalho realizaram a graduação em escolas de Medicina de natureza pública (72.6%) e têm em média, 17 anos de formados.

Em números, a formação técnico-científica tem a seguinte conformação: (i) lato sensu - 91,3% fizeram residência médica; .30,9% realizaram algum curso de especialização, (ii), stricto sensu - 6,6% possuem, mestrado e 4,6% doutorado; (iii) 78,3% têm título de especialista (Tabela 1).

As regiões de maior densidade de urologistas por habitantes foram, também, as que apresentaram o maior contingente de programas de residência médica na especialidade. Praticamente metade dos PRM­URO credenciados pela SBU era desenvolvida em apenas oito capitais dos estados brasileiros, as quais respondiam por 43,5% de todos os especialistas do país (Tabela 2).

TABELA 2
Distribuição do número de programas de residência médica em urologia credenciados pela SBU e relação urologistas/habitantes nas capitais - Brasil - 1997 (em ordem decrescente)

Em 1997, a Região Sudeste detinha a maioria absoluta dos programas de residência credenciados pela SBU (PRM-URO), ou seja, dos 7l programas existentes no pais, 50 (70,4%) situavam-se nesta região; destes, dez se localizavam na capital do estado do Rio de Janeiro (Tabela 2). Por outro lado, 19 estados não possuíam, à época, nenhum programa de residência médica na área.

Aspectos do Mercado de Trabalho

Setenta a setenta e cinco por cento dos urologistas desenvolvem atividade profissional tanto no serviço público como no privado, paralelamente (Tabela 1).

A atividade em consultório é uma prática bastante difundida entre estes especialistas, ou seja, mais de 90% declararam ter consultório, podendo ser do tipo próprio individual/em grupo (36,9%) ou alugado individual/em grupo (37,6%). Entretanto, os consultórios são mantidos, como ocorre à maioria dos médicos, por convênios de empresas de saúde, medicina de grupo e cooperativas médicas, uma vez que 89,7% dos urologistas atestaram esta realidade. Mais da metade dos profissionais (56,9%) desenvolvem atividade de plantão (Tabela 1).

Aspectos Sociopolíticos

Dentre as 20 maiores especial idades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, a urologia é a 12o com maior adesão de profissionais à sociedade médica Local.

O índice geral de filiação do especialista à Sociedade Brasileira de Urologia em 1995 e 1997 foi, respectivamente, 69,4% e 71,6%. A Região Norte contava com 88,7%, e a Sul com 76,5% de associados, enquanto o Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste contavam com 92,1%, 65,8% e 84,3%, respectivamente.

Apesar da múltipla inserção no mercado de trabalho (em média três atividades), 92% dos urologistas se declararam satisfeitos com a escolha profissional. Por outro lado, o desgaste físico e psicoemocional é grande, tal como acontece em outras especialidades médicas: 80,8% desses especialistas afirmaram sofrer desgaste no exercício da profissão, 42,4% vêem o futuro profissional com pessimismo e 22,4% sentem-se inseguros com a profissão (Tabela 1).

Distribuição Geográfica e Populacional

O mercado de trabalho médico brasileiro é constituído basicamente por pediatras, gineco-obstetras, clínicos gerais, cirurgiões gerais, anestesistas, cardiologistas e ortopedistas. Enquanto a pediatria e a gineco-obstetrícia representam, respectivamente, 13,4% e 11,8%, a urologia é a 19a maior especialidade em quantidade de médicos, representando apenas 1,5% do total dos médicos ativos existentes hoje no Brasil.

Cerca de 80% de todos os urologistas no Brasil estão nas regiões Sudeste (61,6%) e Sul (17.8%) (Tabela 3).

TABELA 3
Urologistas segundo grandes regiões - Brasil - 1995

O estudo mostrou que existe um urologista para cada grupo de 52.960 habitantes (l:52.960) no país, embora a distribuição geográfica dos mesmos seja extremamente heterogênea e concentrada nas capitais de alguns estados: Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso, nesta ordem (Tabela 2). Tais capitais, conjuntamente, respondem pela metade dos programas de residência credenciados pela Sociedade Brasileira de Urologia (Tabela 2). Entre as regiões Sudeste e Nordeste, observou-se uma relação discrepante de pelo menos cinco vezes mais habitantes para um especialista, ou seja, 1:33.943 e l:161.037, respectivamente. Cerca de 13% dos municípios da Região Sudeste possuem urologistas, enquanto apenas 2,6% dos municípios do Nordeste têm assistência destes especialistas. No total geral, somente 7,68% dos municípios brasileiros contam com pelo menos um urologista (Tabela 4). Apenas 34 profissionais (1,15%) prestam serviços em municípios com menos de 30.000 habitantes.

TABELA 4
População brasileira, número de municípios com urologistas (*) e relação urologistas/habitantes - Brasil - 1997

Verificou-se também que o número de urologistas não associados à Sociedade Brasileira de Urologia corresponde a cerca de 30% do total de especialistas no país. As regiões de maior densidade de urologistas também foram as que apresentaram as mais altas taxas de não-sócios.

Vale destacar que Botucatu (SP) tem a maior concentração relativa de urologistas do país (1:4.035 habitantes), e São Gonçalo (RJ), menor concentração, com 1:416.690.

A Região Norte possui uma distribuição muito desfavorável de médicos especialistas por estado, se comparada à média nacional, com variação de 1:94.865 a 1:250.493, e representa a quarta região com maior distribuição de urologistas por municípios (3,0%) (Tabela 4).

No Nordeste, observa-se a relação urologista/habitante mais baixa, com apenas 1:297.020, registrada no Piauí.

Paradoxalmente, na Região Sudeste, os estados de São Paulo e Espírito Santo responderam, respectivamente, pela maior e menor densidade de urologistas. Enquanto o estado de São Paulo conta com, 1:27.877, o Espírito Santo apresenta índice de 1:66.731. Boa parte dos municípios do Rio de Janeiro se apresentou com pelo menos um urologista, enquanto cerca de 8% dos municípios de Minas Gerais possuem especialistas (Tabela 4).

A Região Sul caracteriza-se pela uniformidade na distribuição desses especialistas em cada estado, numa relação aproximada de 1:50.000 (Tabela 4). Destacam-se os municípios de Pato Branco (PR), com 1:11.550, e Canoas (RS), com 1:284.059.

No Centro-Oeste, o Distrito Federal destaca-se como a unidade da federação com maior concentração de urologistas, ou seja, 1:38.765. Em contrapartida, Mato Grosso apresenta a mais baixa, 1:101.629.

Taxa de Crescimento Populacional e Necessidade de Especialistas

Desde a fundação da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), em maio de 1926, até o final da década de 1970, isto é, em 52 anos de existência, a Sociedade acompanhou a criação de apenas 26 programas de residência médica em todo o pais (uma média de um novo programa a cada dois anos). Este número foi duplicado no curto período da década de 1960, de tal sorte que surgiram no mínimo dois novos programas de residência médica e m cada ano a partir de então.

A Sociedade Brasileira de Urologia contava, até julho de 1997, com 71 programas de residência médica, entre regulares e irregulares, distribuídos de forma heterogênea pelo país (Tabela 5). Atualmente, o número de programas em funcionamento se reduziu para 64, como resultado do trabalho de averiguação por parte da Comissão de Ensino e Treinamento da SBU, O contigente médio de novos especialistas formados é da ordem de dois por programa anualmente, resultando numa capacidade formadora potencial de 130 residentes/ano. A Região Sudeste contava, em 1996, com 70,4 % dos programas de residência, seguida pelas regiões Sul (15,5%), Centro-Oeste (8,5%) e Nordeste (5,6%). O Norte do país, além de ser o mais despovoado em número de urologistas, somente em 1999 passou a contar com um programa oficial de formação de novos especialistas (Tabela 5).

TABELA 5
Evolução do número de programas de residência médica em urologia segundo grandes regiões - Brasil - 1978/1992/1996/1999

Com relação ã distribuição dos médicos urologistas sócios e não sócios, observou-se a coexistência de profissionais não-filiados nos mesmos locais onde há médicos associados, principalmente nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Belo Horizonte. Curitiba e Porto Alegre (Mapas 1 e 2).

O crescimento do número de associados da SBU praticamente dobrou em apenas sete anos (Tabela 6), numa taxa de incremento anual de aproximadamente 10% ao ano, ao passo que o desenvolvimento anual brasileiro foi de apenas l,38% a.a.

TABELA 6
Número de associados, filiados e membros da Sociedade Brasileira de Urologia segundo grandes regiões - Brasil - 1990/1997.

Os dados obtidos de 18 centros formadores de residentes, que responderam ao questionário, e as informações constantes das fichas cadastrais dos programas revelam que pelo menos 218 especialistas se formaram entre 1993 e 1996 em todo o pais. Isto corresponde a uma média de 54 urologistas novos lançados ao mercado a cada ano, dos quais 40 (74%) se originaram no Sudeste, 7 (13%) no Sul e os outros 7 (13%) no Centro-Oeste. Não se obtiveram informações sobre o Nordeste, A Região Norte não contava com programa oficial de residência médica até a época do levantamento dos dados, em 1997.

A necessidade anual de formação de urologistas varia de estado para estado e de região para região, em alguns, há excesso de profissionais, em outros, escassez.

O mapeamento de todos os municípios brasileiros com população igual ou superior a 30.000 habitantes indicou um total de 1.001 cidades (ou 20,1%) de um contingente total de 4.974 em todo o país. Caso a projeção aceitável de urologistas por habitantes fosse estimada em 1:30.000, as maiores carências se concentrariam em Fortaleza (CE), com déficit de 31 urologistas: São Gonçalo (RJ), 25; Nova Friburgo (RJ), 22; Guarulhos (SP), 21; Manaus (AM) e Duque de Caxias (RJ) com carência de 20 profissionais. Por outro lado, haveria excesso de urologistas em alguns municípios, como São Paulo (SP), com excedente de 312 especialistas; Rio de Janeiro (RJ). 130; Porto Alegre (RS), 56; Ribeirão Preto (SP), 38; São José do Rio Preto (SP), 30, e Niterói (RJ), com excesso de 25 urologistas (Mapas 3 e 4).

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Considerando-se a média nacional de 1:52.960, verificou-se que a referida densidade de urologistas é consideravelmente menor que a dos europeus (1:38.000) e dos americanos (1:38.401), segundo Allen et alii (1978)99. Allen T, Glenn JF, Graham SD, Lattimer JK, McRoberts JW, Plumb RT, Staubitz WJ. Too much of a good thing (editorial). J Urology 1978; 120: 267-8.. A importância social destas relações ainda necessita ser mais bem estudada e compreendida, e este certamente deve constituir um ponto de partida para os representantes da Sociedade Brasileira de Urologia.

O comité de especialistas da Associação Americana de Urologia considerou que a taxa ideal de distribuição de urologistas em relação à população deve oscilar entre 1:35.000 e 1:40.000 habitantes99. Allen T, Glenn JF, Graham SD, Lattimer JK, McRoberts JW, Plumb RT, Staubitz WJ. Too much of a good thing (editorial). J Urology 1978; 120: 267-8.. Com estes índices, conseguiu-se preencher os espaços destinados à especialidade e manter o urologista razoavelmente ocupado, sem, no entanto, sob recarregá-lo. Allen et alii (1978) mencionaram ainda que, em áreas onde as cifras são inferiores a 1:30.000, foi observado que os residentes de urologia têm considerável dificuldade para encontrar espaço para a prática clínico-cirúrgica, e, conseqüentemente, os jovens iniciantes, com certa freqüência, acabam abandonando a carreira99. Allen T, Glenn JF, Graham SD, Lattimer JK, McRoberts JW, Plumb RT, Staubitz WJ. Too much of a good thing (editorial). J Urology 1978; 120: 267-8..

O crescimento populacional no Brasil de 1991 a 1996 foi da ordem de 1,38% (em média, 2.095.737 novos habitantes/ano), sendo menor nos grandes centros urbanos1010. Ribeiro-Faria ER, Machado MH, Trindade JCS, Pinto LF. Urologistas: quantos somos e o que necessitamos? Uma análise do perfil profissional e da distribuição geográfica. Rio de Janeiro: SBU/ NERHUS-DAPS-ENSP-FIOCRUZ-MS, 2000.. Desta forma, para que se pudesse preservar o atual índice nacional de um urologista para 52.960 habitantes, desconsiderando todas as aposentadorias, afastamentos e óbitos que porventura ocorressem, o número ideal de novos especialistas a serem formados anualmente seria da ordem de 40. Isto corresponde a pratica mente um terço da quantidade de novos urologistas lançados ao mercado atualmente. Desta forma, as regiões Sudeste e Sul deveriam formar, nos próximos anos, no máximo nove urologistas/ano, enquanto o Centro-Oeste se deveria limitar a cinco, o Norte a sete, e o Nordeste a dez novos profissionais. Apesar de polêmica, esta medida significaria a redução de quase 80% do número de vagas na Região Sudeste, pequeno incremento (22%) no Sul e significativo aumento das bolsas de residência nas regiões Norte e Nordeste. Em relação aos estados da Região Sudeste, São Paulo deveria formar no máximo cinco novos especialistas: o Rio de Janeiro e Minas Gerais, dois cada um deles, e o Espírito Santo só necessitaria preparar um urologista a cada temporada de quatro anos1010. Ribeiro-Faria ER, Machado MH, Trindade JCS, Pinto LF. Urologistas: quantos somos e o que necessitamos? Uma análise do perfil profissional e da distribuição geográfica. Rio de Janeiro: SBU/ NERHUS-DAPS-ENSP-FIOCRUZ-MS, 2000..

Na Região Sul, o estado do Paraná deveria estabilizar o número de residentes em quatro, enquanto o Rio Grande do Sul necessitar ia reduzir de quatro para duas vagas preenchidas/ano; e Santa Catarina não poderia lançar no mercado mais de dois urologistas/ano1010. Ribeiro-Faria ER, Machado MH, Trindade JCS, Pinto LF. Urologistas: quantos somos e o que necessitamos? Uma análise do perfil profissional e da distribuição geográfica. Rio de Janeiro: SBU/ NERHUS-DAPS-ENSP-FIOCRUZ-MS, 2000..

No Centro-Oeste, o estado de Goiás formou em média quatro especialistas/ano e deveria reduzir em 50% as vagas ocupadas. O Distrito Federal lançou no mercado dois urologistas/ano e também não deveria formar mais do que um médico anualmente. Os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul não deveriam preparar mais do que um profissional a cada ano1010. Ribeiro-Faria ER, Machado MH, Trindade JCS, Pinto LF. Urologistas: quantos somos e o que necessitamos? Uma análise do perfil profissional e da distribuição geográfica. Rio de Janeiro: SBU/ NERHUS-DAPS-ENSP-FIOCRUZ-MS, 2000..

Por outro lado, caso a meta a alcançar seja o esgotamento do sistema, a partir do ano de 1997, de acordo com as recomendações da Associação Americana de Urologia99. Allen T, Glenn JF, Graham SD, Lattimer JK, McRoberts JW, Plumb RT, Staubitz WJ. Too much of a good thing (editorial). J Urology 1978; 120: 267-8., com taxas de1:30.000, poder-se-iam formar 72 novos residentes por ano para que em cinco anos, no ano de 2002, o objetivo tenha sido atingido. No entanto, a distribuição nacional, ainda assim, continuaria heterogênea.

Em resumo, o número de novos especialistas em urologia está crescendo pelo menos duas vezes mais do que o crescimento demográfico da população, muito embora a concentração nos grandes centros - principalmente nas regiões Sudeste e Sul - ainda seja o grande desafio a contornar. Além disso, a urologia é uma especialidade tipicamente masculina, desenvolvida por profissionais de aproximadamente 43 anos, oriundos de escolas de Medicina de natureza pública, cuja grande maioria (91,3%) cursou um programa de residência e obteve o título de especialista. O consultório é a principal área de atuação desses profissionais, que também mantêm vínculos nos setores público e privado, e têm atividade em plantão. O desenvolvimento dos plantões diminui à medida que o profissional fica mais velho1010. Ribeiro-Faria ER, Machado MH, Trindade JCS, Pinto LF. Urologistas: quantos somos e o que necessitamos? Uma análise do perfil profissional e da distribuição geográfica. Rio de Janeiro: SBU/ NERHUS-DAPS-ENSP-FIOCRUZ-MS, 2000.),(1111. Machado MH, Souza A, Pinto LF, Teixeira M, Vieira M, Rego S. Especialidades médicas no Brasil. Dados 1995; (17): 2-31.),(1212. Machado MH, Rego S, Oliveira ES, Lozana JA, Pereira SR, Pinto LF, Campos M, Sertã F, Braga MLS, Barcelos ER. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997..

Neste estudo verificou-se que os estados responsáveis pelo maior número de programas de residência médica de urologia em andamento também foram os de maior concentração de especialistas sócios e não-sócios da Sociedade Brasileira de Urologia. Tal fato reforça a idéia de que o médico se fixa no local onde se forma. A concentração de um número progressivamente maior de programas de formação especializada nos grandes centros urbanos tem provocado certo saturação de especialistas. De outra maneira, a busca por atividades eticamente não recomendáveis, priorizando a tecnologia em detrimento do profissional, ensejará um processo nefasto à especialidade como um todo.

Esperamos que a iniciativa de desenvolver um trabalho de campo dessa natureza, com a visita a todos os municípios brasileiros com mais de 30.000 habitantes, se estenda ao estudo de outras especialidades médicas. Com isso, será possível traçar políticas especificas de formação, adequadas às necessidades regionais do mercado de trabalho. Este mercado encontra-se hoje em crise, com aumento da jornada de trabalho, multiplicidade de vínculos, redução do valor absoluto pago ao trabalho médico, deterioração das condições de trabalho e aumento da participação dos convênios na vida profissional destes especialistas1212. Machado MH, Rego S, Oliveira ES, Lozana JA, Pereira SR, Pinto LF, Campos M, Sertã F, Braga MLS, Barcelos ER. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997..

Cabe à Sociedade da especialidade e nos urologistas brasileiros a responsabilidade de buscar compreender melhor as necessidades básicas dos novos urologistas lançados no mercado, bem como a qualidade dos serviços médicos prestados à comunidade. Associada a estes fatores, deve ser enfocada a obrigatoriedade de ter-se um melhor conhecimento do padrão de qualidade das unidades formadoras, bem como dos preceptores de ensino. Só assim será possível estabelecer critérios sociais justos na formação da futura geração de especialistas.

AGRADECIMENTOS

As membros da Comissão de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Urologia - SBU (1997-1999): Alfredo Félix Canalini, Antônio Gugliota, Eric Roger Wroclawski, Haylton Jorge Suaid, José Luís Chambô, José Vaz da Silva Júnior, Lindolfo Dumont Prado e Samuel Saiovici

Aos Presidentes: Orlando Hugo Praun Júnior (1995-1997), Ronaldo Damião (1997-1999), Salvador Vilar Correia Lima (1999-2001).

Às Sras. Maria Doralice Rocha, Luciana Longo e Dra. Alessandra G. P. Ribeiro faria, pela inestimável colaboração com as planilhas de dados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    Reformando a característica de “jovialidade” do perfil nacional do médico, a metade dos urologistas tem menos de 40 anos, ou seja, 50,8%, havendo poucos especialistas em faixas etárias superiores a 60 anos. Poderíamos dizer que os urologistas no Brasil são jovens, fruto destas últimas gerações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2002

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2001
  • Revisado
    30 Jul 2002
  • Aceito
    17 Set 2002
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