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Residência Médica em Medicina Geral e Comunitária. Proposta de um Programa de Formação de Médicos Generalistas

Medical Residency in General Practice and Community Medicine: a Proposal for a Program to Train General Practitioners

Resumo:

Discute-se a criação da residência médica e objetivos, a regulamentação das especialidades, bem como sua importância na formação do profissional médico. Apresenta-se uma proposta de programa de residência médica na área de Medicina Geral e Comunitária, com ênfase em Medicina da Família, criado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, com o objetivo de formar médicos generalistas também Capacitados a trabalhar em equipes do Programa de Saúde da Família, criado em 1994 pelo Ministério da Saúde.

Palavras-chave:
Internato e Residência; Educação Médica; Programa Saúde de família

Abstract:

This paper debates the creation and objectives of medical residency, the regulation of specialty areas, and its importance in medical education. The authors also present a proposal for a medical residency program in General and Community Medicine, created by the University Hospital at the Ribeirão Preto School of Medicine under the University of São Paulo, the principal aim of which is to train general practitioners to work in the Health Family Program created in 1994 by the Brazilian Ministry of Health.

Key-words:
Internship and Residency; Education, Medical; Family Health Program

INTRODUÇÃO

A Residência Médica (RM), estabelecida como complemento no processo de formação de recursos humanos na área médica, surgiu nos Estados Unidos no final do século 19 e, no Brasil, na segunda metade da década de 1940, com a criação dos programas desenvolvidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro11. Feuerwerker LCM. Mudanças na Educação Médica e Residência Médica no Brasil. São Paulo: Hucitec,1988.),(22. Souza EG. A Residência Médica no Brasil. Rev Bras Educ Méd 1985;9(2):112-114.),(33. Azevedo AC, Bevilacqua RG, Sampaio SAP. Capacidade de Formação dos Programas de Residência Médica no Estado de São Paulo: Abordagem Quantitativa. O Caso da Pediatria. Rev Bras Educ Méd 1989;13(1):01-36. Segundo Gonçalves, a RM deve ser assumida como uma forma de ensino pós-graduado, na qual o médico recém-formado vai se aperfeiçoar no exercício da profissão, em serviços capacitados e sob a orientação de professores e outros médicos de reconhecida competência44. Gonçalves EL. Médicos e Ensino de Medicina na Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002..

Tendo obtido sua regulamentação em 1981, a RM vem sofrendo influências de diversos fenômenos políticos, econômicos e sociais ao longo do tempo, entre eles o acelerado processo de desenvolvimento cientifico e tecnológico na área médica, bem como o surgimento de muitas especialidades e subespecialidades médicas e a multiplicação do número de vagas nas cada vez mais numerosas faculdades de medicina, que, conseqüentemente, formam um contingente maior de profissionais. Tais fatores direcionaram rapidamente os recém-formados em busca de especialização, na tentativa de se diferenciar e conquistar espaço no mercado de trabalho. Assim, deixou-se de considerar as necessidades reais da população em termos de atendimento à saúde, tanto na abordagem de seus problemas mais comuns e prevalentes, quanto, e aí pior ainda, na prevenção destes problemas e na promoção de sua saúde.

Atualmente, a RM está fortemente incorporada como parte integrante e indispensável do processo necessário para educar o profissional médico, inserindo-o no mercado de trabalho como o seu primeiro emprego55. Fundação de Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP). Legislação da Comissão Nacional de Residência Médica. São Paulo: Fundap. Disponível em: Disponível em: ;http://rm.fundap.sp.gov.br/Legislacoes/Res078l.htm > Acesso em: 30/7/2003.
;http://rm.fundap.sp.gov.br/Legislacoes/...
.

Considerada como uma pós-graduação lato sensu, necessita estar sintonizada com as carências de mão-de-obra especializada existentes no pais, priorizando a formação de profissionais que possam atuar junto aos níveis mais desprovidos de condições básicas de vida e saúde da sociedade. Para tomar-se mais eficaz e responde rapidamente às necessidades da comunidade, esse treinamento em serviço deve estar integrado com a rede de serviços, contar com participação efetiva de corpo docente, médicos residentes e graduandos em medicina e estar aliado às conjunturas políticas locais44. Gonçalves EL. Médicos e Ensino de Medicina na Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002.. É preciso que os programas de treinamento desloquem seu eixo de formação, predominantemente individualizada e hospitalocêntrica, no sentido de enfocar questões mais abrangentes dos pontos de vista social, cultural e econômico de toda a comunidade, atuando de maneira multiprofissional e interdisciplinar. Desse modo, torna-se necessário destacar e valorizar os programas de treinamento que visem formar um médico generalista, visto que a RM é o principal mecanismo especializador de mão-de-obra médica.

Incluída entre as grandes e tradicionais áreas de concentração que formam médicos com capacidade de atuação geral, como Pediatria, Clínica Médica, Cirurgia e Ginecologia e Obstetrícia, a residência médica em Medicina Geral Comunitária foi oficializada através da resolução 07/1981 da Comissão Nacional de Residência Médica. Esta previa dois anos de duração, carga horária de 2.800 a 3.200 horas e 80% a 90% de atividades práticas, que deveriam abranger um mínimo de 15% junto à comunidade, 40% em unidades de atenção primária e 10% em níveis secundário e terciário66. Gomes FMS et al. O ensino médico na atenção primária em pediatria: um Programa para residentes no Centro de Saúde Escola da FMUSP. Pediatria (S. Paulo) 2001;1:52-9.. Com essa formação, o médico generalista encontra-se habilitado a exercer a medicina junto às localidades em que se faz necessária a presença de um profissional que, diante dos limitados recursos e das condições socioeconômicas muitas vezes adversas, tenha como oferecer, principalmente, um bom nível de atendimento.

O Programa de Saúde da Família (PSF) foi implantado no Brasil em 1994, com a finalidade de modificar e expandir o acesso da população aos serviços de saúde, tornando-se a porta de entrada do sistema vigente até o momento. Atualmente, o PSF conta com 16.192 equipes que atuam em 4.144 cidades, cobrindo cerca de 53 milhões de habitantes, além de proporcionar um novo mercado de trabalho para os formados, recém-formados e médicos generalistas, Ainda assim, é evidente a falta de profissionais com perfil adequado e boa formação geral que possam atuar em equipes multiprofissionais e que sejam capazes de lidar com questões individuais e de saúde coletiva77. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Saúde da Família. Brasília (DF): Ministério da Saúde. Disponível em: Disponível em: http://www.saude.gov.br/psf/programa/index.asp > Acesso em: 17/4/2003.
http://www.saude.gov.br/psf/programa/ind...
),(88. Campos FE et al. Caminhos para aproximar a formação de profissionais de saúde das necessidades da atenção básica. Rev Bras Educ Méd 2001;25:53-59.),(99. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília (DF): Ministério da Saúde ; 1998., com forte presença na prevenção de doenças e, sobretudo, na promoção da saúde .

Apesar de estar implantado há cerca de nove anos no país e se tratar de um mercado de trabalho emergente, o PSF não conseguiu ainda sensibilizar os médicos recém-formados a direcionar sua formação e treinamento para a área geral. Isto porque a residência médica ainda continua apresentando maior tendência à especialização, com crescente procura nos últimos anos por áreas mais diferenciodas1010. Machado MH et al. Perfil dos médicos. Dados, 1996 (19).),(1111. Feuerwerker LCM. A formação de médicos especialistas e a residência médica no Brasil. Saúde em Debate 2001; 25(57):39-54., que ainda são vistas pelos recém-formados como garantia maior de colocação mais fácil e rentável no mercado de trabalho.

Este trabalho apresenta uma nova proposta de programa de residência médica em medicina geral e comunitária, com ênfase em medicina de família, como contribuição para a formação de médicos generalistas que possam atuar em comunidades e junto ao Programa de Saúde da Família.

O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM MEDICINA GERAL ECOMUNITÁRIA (PRMMGC)

O Programa de Residência Médica em Medicina Geral e Comunitária (PRMMGC) com ênfase em Saúde da Família, do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRPUSP), teve início em 1999. O objetivo principal era formar médicos generalistas com habilidades em promoção de saúde, prevenção primária e secundária de doenças, diagnóstico precoce, terapêutica e reabilitação das doenças prevalentes na prática médica da atenção básica à saúde, capacitados a integrar as equipes de saúde do PSF, conhecedores do Sistema e das políticas públicas da saúde do país, integrando-se a elas, com postura ética e humanizada, além, é claro, da competência técnica exigida.

No seu primeiro ano de atividades, foram oferecidas qua­tro vagas para médicos residentes de primeiro ano. Já no ano seguinte, este número dobrou, sendo que, a partir de 2002, são oferecidas dez vagas para o primeiro ano e dez vagas para o segundo ano. O programa tem duração de dois anos, com atividades teóricas e práticas distribuídas entre os diversos serviços do HCFMRPUSP, do Centro de Saúde Escola (CSE) e de seus cinco Núcleos de Saúde da Família (NSF) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Desde a sua concepção, o programa se fundamenta em uma integração multidepartamental, envolvendo os Departamentos de Medicina Social, Puericultura e Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Clínica Médica, Cirurgia e Anatomia, Neurologia e Psiquiatria, Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRPUSP). Todas as atividades do programa são coordenadas por uma Comissão de Residência Médica em Medicina Geral e Comunitária, constituída por representantes das diversas áreas e coordenada por um docente preceptor e um vice-preceptor, com mandato de um ano, escolhidos entre os componentes dessa comissão.

As atividades práticas

Os médicos residentes são distribuídos em cinco duplas, tanto no primeiro quanto no segundo anos do programa, e cada dupla é alocada em cada um dos cinco NSF, que fica sendo sua base de referência no treinamento. Nos NSF, os médicos residentes se inserem nas equipes do Programa de Saúde da Família e dela fazem parte, junto com os demais profissionais que a constituem (médico generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde).

Durante 11 meses por ano, alternam-se mensalmente atividades de atendimento individualizado ou em grupos, visitas e consultas domiciliárias, vigilância epidemiológica, educação em saúde e reuniões clínicas e administrativas, com estágios nos serviços dos diferentes departamentos, complementados por um mês de férias. O Quadro 1 mostra a escala de atividades de uma dupla de médicos residentes de primeiro e de segundo anos.

QUADRO 1
Esquema de programação anual para os médicos residentes (R1 e R2) nos Núcleos de saúde da família (NSF) e diferentes estágios clínicos

O Quadro 2 apresenta o conteúdo das atividades de cada estágio nas diferentes áreas de atuação do programa, bem como suas respectivas cargas horárias.

QUADRO 2
Distribuição das atividades e carga horária dos diversos estágios

Atividades teóricas

Durante os dois anos de duração do Programa de Residência, desenvolve-se um curso teórico, com quatro horas de atividades semanais, cujo conteúdo é definido pelas áreas integrantes, visando à formação de um médico generalista. Consta de aulas teóricas, seminários, discussão de casos clínicos ou palestras, ministradas por docentes ou convidados. Além disso, nos diferentes estágios realizados nas especialidades, fora dos NSF, existe uma programação com atividades teóricas específicas, acompanhadas pelos médicos residentes.

Supervisão

Todas as atividades dos médicos residentes, independentemente do período e do estágio em que se encontram, são supervisionadas por docentes dos diversos departamentos da FMRPUSP, médicos assistentes do HCFMRPUSP e do CSE, e médicos das equipes do PSF integrantes do programa. Nos NSF, o médico residente fica, em todos os períodos da semana, sob a responsabilidade direta do médico generalista da equipe do PSF, além de contar com a presença de docentes e médicos assistentes como consultores, nas diferentes áreas.

Nos estágios e plantões, realizados nas distintas áreas, existe a supervisão docente e de médicos assistentes, visto que em todas essas outras áreas se desenvolvem os respectivos programas de residência médica credenciados.

Avaliação

O médico residente é submetido a um processo de avaliação interna que ocorre durante o desenvolvimento do programa, de conteúdo teórico-prático, que consta de uma prova teórica por semestre, além da avaliação de desempenho prático, realizada em cada estágio de especialidade e nos NSF recebendo, mensalmente, uma nota de conceito. Até o presente, nenhum residente foi reprovado nessa avaliação.

Dos 29 egressos até agora deste programa, 23 trabalham cm equipes do Programa de Saúde da Família em municípios de pequeno porte e quatro em Núcleos da Saúde da Família ligados à FMRPUSP; sete médicos, além do trabalho, estão matriculados no Programa de Pós-Graduação da FMRPUSP, sendo que dois deles já estão com a dissertação de mestrado concluída. No Programa de Pós-Graduação, também se encontra matriculado um médico que optou por não desenvolver trabalho na área clínica. Houve uma desistência.

Pode-se concluir que o programa apresenta bons resultados quanto ao seu produto final e objetivos, haja vista o engajamento dos egressos no PSF. Além disso, uma parcela expressiva deles prossegue em sua formação pós-graduada, agora em stricto sensu, o que é natural e desejável que ocorra, por se tratar de uma área nova de formação de recursos humanos e de atuação, ligada a uma instituição universitária plenamente capacitada para oferecer estas possibilidades, atenta e participante do momento atual da medicina brasileira. Naturalmente, a constante avaliação interna do programa e suas conseqüentes modificações, além da avaliação de seus egressos, é que poderão levar ao seu aprimoramento e à plena realização de seus objetivos.

A proposta apresentada como Programa de Residência Médica em Medicina Geral e Comunitária com ênfase em Medicina de Família oferece a possibilidade de treinamento e formação profissionais diretamente dentro das diretrizes na nova estratégia de ação do Ministério da Saúde, que é o Programa de Saúde da Família. Desse modo, além de proporcionar a formação de médicos generalistas, consegue também inserir por completo o médico residente no PSF, cujo campo de atuação oferece amplas possibilidades de imediato ingresso no mercado de trabalho e procura a tender as necessidades maiores da comunidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 10
    Machado MH et al. Perfil dos médicos. Dados, 1996 (19).
  • 11
    Feuerwerker LCM. A formação de médicos especialistas e a residência médica no Brasil. Saúde em Debate 2001; 25(57):39-54.
  • *Trabalho realizado com o apoio da Faepa - Fundação de Amparo ao Ensino, Pesquisa e Assistência, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2003

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2003
  • Revisado
    07 Ago 2003
  • Aceito
    14 Nov 2003
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