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O EnsIno da Saúde Coletiva e a Escola Médica em Mudança: Um Estudo de Caso

Teaching Collective Health and Changes in Medical Education: a case study

Resumo:

Este trabalho analisa a inserção da Saúde Coletiva, na graduação em medicina, enfocando a reforma em pauta na PUC Campinas. Ele relata esta reforma e, de modo mais detalhado, o processo ensino-aprendizagem junto à disciplina 'Saúde da Comunidade: as situações de saúde' ministrada durante o primeiro ano do curso. As novas Diretrizes Curriculares exigem mudanças estruturais dos projetos pedagógicos, no sentido de gerar perfis profissionais mais adequados ao sistema de saúde e estratégias de aprendizagem ativa que fortalecem a articulação do ensino com o trabalho em diferentes cenários. São enfatizados nestas diretrizes inúmeros conteúdos e práticas da Saúde Coletiva, tais como: a incorporação do enfoque epidemiológico na compreensão dos determinantes sociais, culturais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais do processo saúde-doença; a qualificação para atuação na proteção, promoção, prevenção, tratamento e reabilitação; o acompanhamento do processo de morrer, conhecimentos para lidar criticamente com a dinâmica do mercado de trabalho e com as políticas de saúde; disposição para atuar em atividades de política e de planejamento; e a inserção precoce e contínua na comunidade e em todos os níveis dos serviços, sendo uma das cinco áreas do estágio curricular obrigatório. A educação, estando integrada ao campo da Saúde Coletiva, lhe comfere responsabilidades éticas e um caráter eminentemente formador e problematizador do "ser médico” de uma ciência de cuidado da vida.

Palavras-chave:
Educação Médica; Escolas Médicas; Medicina Social; Ensino; Aprendizagem

Abstract:

This research analyzes the teaching of Colledive Health during undergraduale medical school in lighf of a curricular reform under way at the Catholic University in Campinas, São Paulo State, BraziI. The article reports in detail on the teaching / learning process in the course entitled 'Community Health: health situations' during the first year of medical school. New curricular guidelines require strudural changes in the teaching programs to promote more adequate physician profiles for the health system and active learning strategies that strengthen the link between the course and work in different health care settings. These guidelines emphasize various contents and practices in Collective Health, including: the incorporation of an epidemiological focus in the understanding of social, cultural, psychological, ecological, ethical, and legal determinants in the health/disease process,·preparation of future physicians to act in protection, promotion, prevention, treatment, and rehabilitation; accompanying the process of dying: knowledge to deal critically with labor market dynamicas and health policies; disposition to work with policy and planning activities; and early and ongoing participation in the community and at all leveIs of health services as one of the five areas of the mandatory curriular apprenticeship activities. To the extent that medical education is integrated into the field of Collective Health, it entails ethical responsibilities and intrinsically shapes and challenges the process of 'becoming a doctor' within this science focused on caring for the lives of others.

Key-words:
Education, Medical; School, Medical; Collective Health; Teaching; Learning

INTRODUÇÃO

Este trabalho discute a inserção da Saúde Coletiva na proposta curricular de reforma do Curso Médico da PUC-Campinas. Parte-se da premissa de que os currículos são dinâmicos, devendo ser compartilhados contínua e sistematicamente entre seus pares (interna e externamente às faculdades e instituições de ensino e serviços) e em resposta às necessidades postas pela sociedade. Cada escola tem sua própria história, mas considera-se importante criar espaços de diálogo que possibilitarão a troca e o repensar das reformas.

Observa-se, atualmente, grande diversidade de modelos e conteúdos curriculares nas escolas médicas, o que parece dever-se em parte ao modo como cada escola insere-se no sistema de saúde. Esta inserção delineia os serviços docente-assistenciais como também o perfil dos professores e, consequentemente, o modus vivendi do currículo.

A discussão do papel da Saúde Coletiva neste processo é complexa, pois trata-se de uma área de conhecimento e prática interdisciplinar e multiprofissional que se apresenta em constante reordenamento; integra as dimensões: da produção e transmissão de conhecimentos, da política de formulação de propostas e organização corporativa e da operacionalização do planejamento, execução e avaliação destas politicas11. Paim JS. Marco de referência para um programa de educação continuada em Saúde Coletiva. Rev Bras Educ Med. 1993; 17: 1-44.), (22. Canesqui AM. As ciência sociais, a saúde e a saúde coletiva. ln: Canesqui AM (org). Dilemas e desafios das ciências sociais na Saúde Coletiva. São Paulo, Rio de Janeiro Hucitec, ABRASCO; 1995.), (33. Stotz EN. A saúde coletiva como projeto científico: teoria, problemas e valores na crise da modernidade. In: Canesq AM (org). Ciências sociais e saúde. São Paulo: Hucitec, ABRASCO; 1997 p. 273-84..

O campo da Saúde Coletiva tem se inserido nos currículos médicos, por meio das disciplinas de Epidemiologia, Organização dos Serviços, Administração e Planejamento, Saúde do Trabalhador, Deontologia, Medicina Legal e estágios em unidades básicas de saúde22. Canesqui AM. As ciência sociais, a saúde e a saúde coletiva. ln: Canesqui AM (org). Dilemas e desafios das ciências sociais na Saúde Coletiva. São Paulo, Rio de Janeiro Hucitec, ABRASCO; 1995.), (44. Costa NR, Ciências sociais e saúde: considerações sobre nascimento da saúde coletiva no Brasil. Saúde Debate 1991 36: 58-65.), (55. Marsiglia RG, Feuerwerker LC, Carneiro Jr N. Relatório da Oficina Nacional de Trabalho sobre o ensino de Saúde Coletiva na graduação médica. São Paulo; Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2002..

Atualmente, integrado a outras áreas da medicina [o campo de saúde coletiva?] responsabiliza-se pela inserção contínua dos alunos em comunidade e serviços, incorporando conteúdos relacionados: à abordagem integral das pessoas; à constituição de alunos sujeitos de seu aprendizado; ao caráter social do fazer em saúde; à discussão do adoecer como processo bio-psico-sócio-cultural; ao fomento do trabalho em equipe multiprofissional; à constituição de modelos assistenciais voltados à ação competente e responsável e, em especial, a saúde da família; à educação em saúde e à experimentação de ações de vigilância e outras de caráter coletivo22. Canesqui AM. As ciência sociais, a saúde e a saúde coletiva. ln: Canesqui AM (org). Dilemas e desafios das ciências sociais na Saúde Coletiva. São Paulo, Rio de Janeiro Hucitec, ABRASCO; 1995.), (55. Marsiglia RG, Feuerwerker LC, Carneiro Jr N. Relatório da Oficina Nacional de Trabalho sobre o ensino de Saúde Coletiva na graduação médica. São Paulo; Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2002.), (66. Garcia MAA. Saber, agir e educar; o ensino-aprendizagem em serviços de saúde. Interface 2001; 8: 89-100..

Faz-se necessário, entretanto, maior clareza e definição de seu papel perante a transformação do ensino médico de graduação.

A Saúde Coletiva e as reformas médicas

A consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e as reformas demandadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e diretrizes curriculares têm trazido inúmeros desafios para as escolas médicas. Destaca-se a constituição de currículos nucleares, horizontalizados, integrados interdisciplinarmente e a responsabilização compartilhada de modo crescente e amplo das escolas com o sistema de saúde. Priorizam-se os serviços públicos, sendo o Sistema Único de Saúde, em especial, os Programas de Saúde da Família, citados explicitamente, como demandantes de um novo perfil profissional77. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde da Família: uma estratégia de organização dos serviços de saúde. Documento preliminar. Brasília (DF): MS/SAS/DAPS; 1996.), (88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional Educação. Diretrizes curriculares nacionais do Curso Graduação em Medicina. Resolução CNE/CNS de 7/11/2001. Brasília (DF); MEC/Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação; 2001a.), (99. Brasil. Ministério da Saúde. Programa de incentivo a mudanças curriculares no Curso de Medicina - PROMED Brasília: MS/Secretaria de Políticas de Saúde; 2001b..

Registra-se há décadas críticas e propostas de mudanças das escolas médicas, até então pouco efetivas e limitadas à inclusão de disciplinas e alterações de grades curriculares. Viabilizam-se, finalmente, reformas estruturais tanto dos projetos pedagógicos, no sentido de gerar perfis profissionais mais adequados ao sistema de saúde, como estratégias de aprendizagem ativa que buscam fortalecer a articulação do ensino com o trabalho em diferentes cenários em que se concretiza o processo saúde-doença88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional Educação. Diretrizes curriculares nacionais do Curso Graduação em Medicina. Resolução CNE/CNS de 7/11/2001. Brasília (DF); MEC/Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação; 2001a.), (99. Brasil. Ministério da Saúde. Programa de incentivo a mudanças curriculares no Curso de Medicina - PROMED Brasília: MS/Secretaria de Políticas de Saúde; 2001b.), (1010. Campos JJB et al. Relatório da Oficina de Trabalho: Saúde Coletiva e graduação das profissões da saúde à luz das diretrizes curriculares nacionais, realizado durante o VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Brasília (DF) Redeunida; 2003.), (1111. Comissão Interinstitucional Nacional de Ensino Médico, Preparando a transformação da Educação Médica brasileira. Projeto CINAEM III FASE. Relatório 1999-2000. Rio de Janeiro: CINAEM; 2000..

Tais demandas trazem ao campo da Saúde Coletiva a ne­cessidade de repensar seu papel junto à graduação das profissões da saúde. Como discutido em recentes oficinas de trabalho da área (dezembro de 2002 e julho de 2003), esta reflexão não vinha sendo feita de modo coletivo e sistemático há 20 anos. Neste período, a Saúde Coletiva concentrou-se na produção de conhecimentos, na implementação da pós-graduação e em sua própria constituição como campo55. Marsiglia RG, Feuerwerker LC, Carneiro Jr N. Relatório da Oficina Nacional de Trabalho sobre o ensino de Saúde Coletiva na graduação médica. São Paulo; Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2002.), (1010. Campos JJB et al. Relatório da Oficina de Trabalho: Saúde Coletiva e graduação das profissões da saúde à luz das diretrizes curriculares nacionais, realizado durante o VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Brasília (DF) Redeunida; 2003..

Trata-se de campo científico recente, criado no Brasil em 1978, correspondendo em outros países à Saúde Pública e à Medicina Social. Tendo por objeto, de forma genérica, a saúde em sua dimensão coletiva; desdobra-se numa multiplicidade de objetos e conhecimentos que a tomam um campo teórico-metodológico inter e transdisciplinar. Seu núcleo é constituído pela Epidemiologia, Ciências Sociais em saúde (sociologia, antropologia, política, economia, história), a Gestão e Planejamento, além de articular-se, enquanto campo, com as áreas da psicologia, filosofia, deontologia, geografia, ecologia e educação22. Canesqui AM. As ciência sociais, a saúde e a saúde coletiva. ln: Canesqui AM (org). Dilemas e desafios das ciências sociais na Saúde Coletiva. São Paulo, Rio de Janeiro Hucitec, ABRASCO; 1995.), (33. Stotz EN. A saúde coletiva como projeto científico: teoria, problemas e valores na crise da modernidade. In: Canesq AM (org). Ciências sociais e saúde. São Paulo: Hucitec, ABRASCO; 1997 p. 273-84..

A origem da Saúde Coletiva tem relações intrínsecas com a escola médica e, em especial, com os departamentos de Medicina Preventiva, Social ou de Saúde Pública. Estes, por sua vez, foram co-responsáveis pela constituição das reformas médicas (Medicina Comunitária e Integral) e contribuíram para a Reforma Sanitária brasileira que originou o Sistema Único de Saúde22. Canesqui AM. As ciência sociais, a saúde e a saúde coletiva. ln: Canesqui AM (org). Dilemas e desafios das ciências sociais na Saúde Coletiva. São Paulo, Rio de Janeiro Hucitec, ABRASCO; 1995.), (44. Costa NR, Ciências sociais e saúde: considerações sobre nascimento da saúde coletiva no Brasil. Saúde Debate 1991 36: 58-65..

Como produtos da Saúde Coletiva destacam-se22. Canesqui AM. As ciência sociais, a saúde e a saúde coletiva. ln: Canesqui AM (org). Dilemas e desafios das ciências sociais na Saúde Coletiva. São Paulo, Rio de Janeiro Hucitec, ABRASCO; 1995.), (33. Stotz EN. A saúde coletiva como projeto científico: teoria, problemas e valores na crise da modernidade. In: Canesq AM (org). Ciências sociais e saúde. São Paulo: Hucitec, ABRASCO; 1997 p. 273-84.), (44. Costa NR, Ciências sociais e saúde: considerações sobre nascimento da saúde coletiva no Brasil. Saúde Debate 1991 36: 58-65.;

  • a interpretação crítica dos macroprocessos econômicos e políticos de concentração de renda e de poder, com exclusão social e a crise do Estado e das políticas sociais, que tornam-se visíveis por meio do baixo impacto da tecnologia junto às populações excluídas e do quadro de morbimortalidade;

  • a crítica ao poder médico, à linguagem e ao papel dos sujeitos e das instituições e aos saberes dominantes, desmistificando-se a tecnologia e o saber;

  • um modo de conhecer a realidade (ou o processo saúde-doença coletivo), aplicando-se a Antropologia Médica (explicações culturais) e a Sociologia (explicações sócio-econômicas);

  • a contribuição para a eficácia dos sistemas por meio das teorias organizacionais, da análise institucional, da economia em saúde e do planejamento e administração;

  • um modo de fortalecimento das pessoas por meio da participação social e da educação em saúde, com ênfase não mais na crítica, mas na construção e na criação de alternativas e de respostas;

  • a crítica à biomedicina e à ciência em geral que implicou no reconhecimento do caráter social e cultural do processo saúde-doença e numa "humanização por dentro" da medicina cientificamente instruída.

Em relação ao ensino de graduação, resgatando as conclusões da Oficina ocorrida em 1983, durante Congresso da ABRASCO, foi recomendada para as escolas médicas a inclusão de conteúdos das seguintes áreas: Epidemiologia, Ciências Sociais, Saúde e Trabalho, Administração e Planejamento em Saúde1212. Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Ensino da Saúde Pública, Medicina Preventiva e Social no Brasil, 3. Rio de Janeiro: Abrasco; 1984..

De 1982 a 2002 foram realizados poucos encontros volta­dos à graduação das profissões da saúde, de caráter regional ou local, ou ainda, restrito aos núcleos constituintes da Saúde Coletiva. Na reunião de 1988, de docentes da área, foram citadas, enquanto dificuldades: a indefinição do objeto da Saúde Coletiva; o isolamento dos docentes e dos departamentos e a "rejeição" do aluno ao social, reforçada pelo modelo assistencial e de ensino. Como estratégias para a superação destes impasses foram indicados: o trabalho transdisciplinar; a inserção do ensino na prática com estudos e intervenções sobre a realidade; a utilização de técnicas didáticas que permitissem a relação entre o enfoque individual e o coletivo; a escolha de conteúdos que possibilitassem ao aluno situar-se enquanto participante de um campo de conhecimentos em constante reestruturação1313. Faculdade de Ciências Médicas/Santa Casa. Reunião dos Departamentos de Medicina Preventiva e Social de SP. São Paulo: Departamento de Medicina Social/FCM/Santa Casa; 1988. 20p..

Quanto ao ensino das Ciências Sociais registra-se a Oficina promovida pela ABRASCO em 1993, em Belo Horizonte. As conclusões e dificuldades apontadas foram semelhantes as dos encontros anteriores, indicando-se que a raiz do problema estaria na dificuldade em se "traduzir" a linguagem e os métodos das ciências sociais para a medicina. Pautada nas ciências naturais, a medicina toma os conteúdos sociais "descolados do sujeito", "pouco importantes", ou com pouca "aplicação prática" na visão dos alunos. Para a superação destes limites propôs-se "buscar as mediações entre o social e o biológico, entre as abordagens do indivíduo e as que se centram na sociedade"1414. Associação Brasileiro de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Documento Preliminar da Oficina: Ensino de Ciências Sociais. I Encontro Brasileiro de Ciências Sociais em Saúde. Belo Horizonte (MG): UFMG/ Abrasco; 1993. 14p..

A discussão feita pelo núcleo das Ciências Sociais indica que não caberiam conhecimentos genéricos ou modelos d análise social, mas a sua aplicação à interpretação da sociedade, do cotidiano, da ação profissional e das questões éticas e políticas1414. Associação Brasileiro de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Documento Preliminar da Oficina: Ensino de Ciências Sociais. I Encontro Brasileiro de Ciências Sociais em Saúde. Belo Horizonte (MG): UFMG/ Abrasco; 1993. 14p.), (1515. Adorno RCF. A escola, o campo, a diversidade, o jogo: as ciências sociais e as trilhas do ensino em uma instituição de saúde pública. In: Canesqui AM (org). Dilemas e desafios das ciências sociais na Saúde Coletiva. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, ABRASCO; 1995..

Desde então, desenvolveram-se importantes conhecimentos e práticas com repercussões nos serviços e na formação: a consolidação do paradigma da Promoção da Saúde e a Vigilância em Saúde11. Paim JS. Marco de referência para um programa de educação continuada em Saúde Coletiva. Rev Bras Educ Med. 1993; 17: 1-44.; o Programa de Saúde da Família, como estratégia para a reorganização do sistema77. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde da Família: uma estratégia de organização dos serviços de saúde. Documento preliminar. Brasília (DF): MS/SAS/DAPS; 1996.; as reflexões sobre a Saúde Pública, patrocinadas pela OPAS1616. Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial de Saúde. As transformações da profissão médica e sua influência sobre a educação médica. Washington D.C.(US): OPAS/OMS; 1992. 15p.), (1717. Nájera E. La salud publica, una teoria para una practica: se precisa su reconstruccion? In: Situação e tendências da saúde pública na região das Américas. Washington (US): OPAS; 1991. p.123-32.; as experiências de Integração Docente Assistencial (IDA), em especial a criação da Rede IDA em 1985; os projetos UNI, em 1991 e a Rede UNIDA em 19951818. Araujo EC, Teixeira CF, Rangel ML. Relação ensino-serviço-comunidade: a contribuição da rede IDA. Saúde em Debate, 1995, 49-50: 88-94.), (1919. Marsíglia RG. Relação ensino/serviços: dez anos de integração docente-assistencial (IDA) no Brasil. São Paulo, Salvador: Hucitec, ISC; 1995. 116p.; a articulação do CINAEM pelo conjunto das entidades médicas para avaliação do ensino médico1111. Comissão Interinstitucional Nacional de Ensino Médico, Preparando a transformação da Educação Médica brasileira. Projeto CINAEM III FASE. Relatório 1999-2000. Rio de Janeiro: CINAEM; 2000.; revigoramento da discussão da formação médica pela ABEM e a definição das Diretrizes Curriculares para os cursos da área de saúde88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional Educação. Diretrizes curriculares nacionais do Curso Graduação em Medicina. Resolução CNE/CNS de 7/11/2001. Brasília (DF); MEC/Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação; 2001a.), (1111. Comissão Interinstitucional Nacional de Ensino Médico, Preparando a transformação da Educação Médica brasileira. Projeto CINAEM III FASE. Relatório 1999-2000. Rio de Janeiro: CINAEM; 2000..

Estas diretrizes representam avanço e flexibilização ensino da área, em contraposição aos currículos mínimos definidos a partir da antiga LDB. Registra-se também o incentivo conjunto dos Ministérios da Educação e da Saúde, por meio do PROMED e da proposta mais recente de constituição de Polos de Educação Permanente, que visam o incentivo mudanças na graduação e demais níveis das carreiras dos profissionais da saúde99. Brasil. Ministério da Saúde. Programa de incentivo a mudanças curriculares no Curso de Medicina - PROMED Brasília: MS/Secretaria de Políticas de Saúde; 2001b.), (2020. Brasil. Ministério da Saúde. Seminário: incentivos às mu­danças na graduação das carreiras da saúde. Brasília (DF): Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde /Departamento de gestão da Educação na Saúde; 2003a.), (2121. Brasil. Ministério da Saúde. Caminhos para a mudança da formação e desenvolvimento dos profissionais da saúde: diretrizes para a ação política para assegurar Educação Permanente no SUS. Brasília (DF): Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na saúde/Departamento de gestão da Educação na Saúde; 2003b..

As tendências expressas na organização do Sistema de Saúde, na formação dos profissionais, os conceitos de aprendizagem ativa, a articulação dos conteúdos de várias área disciplinares, as exigências de novas relações entre instituições formadoras, as instituições prestadoras de serviços e usuários organizados, impõem novos desafios ao ensino da Saúde Coletiva55. Marsiglia RG, Feuerwerker LC, Carneiro Jr N. Relatório da Oficina Nacional de Trabalho sobre o ensino de Saúde Coletiva na graduação médica. São Paulo; Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2002..

As Novas Diretrizes Curriculares enfatizam inúmeros conteúdos e práticas da Saúde Coletiva como: a incorporação do enfoque epidemiológico, populacional, a compreensão de determinantes sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais do processo saúde-doença, estabelecendo que a estrutura dos cursos tenha por um dos eixos do desenvolvimento curricular as necessidades dos indivíduos e das populações; a qualificação para a atuação na proteção e promoção da saúde e na prevenção de doenças, bem como no tratamento e reabilitação dos problemas de saúde acompanhamento do processo de morrer; conhecimentos para lidar criticamente com a dinâmica do mercado de trabalho com as políticas de saúde; a disposição para atuar em atividades de política e planejamento; e a inserção, durante o estágio curricular obrigatório, em serviços que possibilitem a aplicação destes conteúdos88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional Educação. Diretrizes curriculares nacionais do Curso Graduação em Medicina. Resolução CNE/CNS de 7/11/2001. Brasília (DF); MEC/Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação; 2001a..

Como destacado nos documentos relativos aos Polos de Educação Permanente, um processo de desenvolvimento da melhoria das condições de ensino deve ser capaz de orientar a instituição para o seu auto-conhecimento e para o reconhecimento de suas potencialidades e desempenhos mas, principalmente, para garantir suficiente qualidade pedagógica para a formação superior de profissionais de saúde e para fortalecer o sistema onde irá atuar, destacando-se o compromisso com a consolidação do SUS e de seus princípios constitucionais2121. Brasil. Ministério da Saúde. Caminhos para a mudança da formação e desenvolvimento dos profissionais da saúde: diretrizes para a ação política para assegurar Educação Permanente no SUS. Brasília (DF): Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na saúde/Departamento de gestão da Educação na Saúde; 2003b..

Propõem-se a responsabilização social e comunicação entre as escolas e a sociedade tendo por referência a capacidade de se dar resposta às necessidades da população, produzindo conhecimentos relevantes para a realidade de saúde, educação permanente dos profissionais e prestação de serviços de boa qualidade2121. Brasil. Ministério da Saúde. Caminhos para a mudança da formação e desenvolvimento dos profissionais da saúde: diretrizes para a ação política para assegurar Educação Permanente no SUS. Brasília (DF): Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na saúde/Departamento de gestão da Educação na Saúde; 2003b..

De acordo com estas orientações, as estratégias de avaliação devem ser capazes de revelar o processo real de formação vigente na escola, indo além das declarações e propostas. Indica-se, também, que se construa institucionalmente a cooperação entre as escolas e o SUS, ou seja, que cada iniciativa, cada passo, cada projeto, constitua-se em fruto de um compromisso institucional, cumprindo o papel estratégico na mudança da formação e do sistema, para construir capacidades, sensibilizar e mobilizar pessoas, repensar valores, objetos e relações2020. Brasil. Ministério da Saúde. Seminário: incentivos às mu­danças na graduação das carreiras da saúde. Brasília (DF): Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde /Departamento de gestão da Educação na Saúde; 2003a..

O relato da reforma da Faculdade de Medicina da PUC­Campinas e sua discussão visam a contribuir para o encami­nhamento em direção a estas diretrizes governamentais.

A Saúde Coletiva na reforma curricular da PUC­Campinas

O curso de Medicina da PUC-Campinas implantou seu projeto de reforma curricular no ano de 2001, norteado pela nova LDB e incorporando as mudanças para o ensino médico2222. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Projeto pedagógico da Faculdade de Medicina. Campinas (SP): Faculdade de Medicina/CCV/PUC-Campinas; 2001..

Tem por diretrizes: a formação ético-humanista; a disposição e habilidade para a educação continuada; a inserção do aluno na comunidade e serviços em todo o curso e a aptidão para o gerenciamento e administração em saúde.

Pretende constituir-se em um currículo flexível, não mais centrado na transmissão de conteúdo, mas pautado na peda­gogia da problematização (aprender a aprender), integrando áreas e disciplinas com aprofundamento crescente, superando a dicotomia entre estudo e trabalho.

Estrutura-se em quatro ciclos, sendo o primeiro composto por três semestres de introdução das bases morfofisiológicas da medicina por meio de casos-motivadores e sistemas; o segundo ciclo, também de três semestres, referentes às bases fisiopatológicas e clínicas dos ciclos de vida; o terceiro ciclo de ênfase clínica e, nos últimos dois anos, o internato.

A área da Saúde Coletiva perpassa estes ciclos buscando de modo integrado e com complexidade crescente propiciar ao aluno o conhecimento e sua aplicação prática. Tem como disciplinas e principais conteúdos:

  • • Saúde da Comunidade: situações de saúde - l° semestre

Territorialização; abordagem familiar; concepções do processo saúde-doença; situações e condicionantes do adoecer; perfis sócio-econômico, demográfico e de morbi-mortalidade

  • • Saúde da Comunidade: práticas de saúde - 2° semestre

Conhecimento das lógicas dos diferentes sistemas e níveis de atenção; modelos assistenciais; controle e organizações sociais; trabalho em equipe multiprofissional

  • • Medidas de Saúde Coletiva - 2° semestre

Indicadores de saúde e de condições de vida; sistemas, fontes e bancos de dados; Epidemiologia descritiva

  • • Processos de saúde-doença e prevenção - 3° semestre

Estrutura epidemiológica; História natural e níveis de prevenção; Vigilância da saúde

  • • Saúde da Comunidade: o ambiente - 4° semestre

Vigilância sanitária; Saúde do trabalhador; Saúde ambiental; Educação em saúde.

  • • Epidemiologia analítica - 5° ou 6° semestres

Método epidemiológico, medicina baseada em evidências, tipos de estudos, testes de hipóteses, validação de testes diagnósticos

  • • Deontologia e Ética Médica

Ética das áreas médicas, Temas atuais em ética, Código de Ética Médica

  • • Internato - 9° ao 12° semestres - estágio de 6 semanas em período integral

Inserção nas equipes de Saúde da Família realizando todas as atividades inerentes à ação médica: atenção individual no serviço, no domicílio ou equipamentos sociais; grupos terapêutico-educativos intra e extramuros; ações de vigilância; participação em projetos educativos e na educação permanente das equipes; atividades de cunho administrativo-gerencial.

Relato das Atividades de uma Disciplina

A disciplina "Saúde da Comunidade; as situações de saúde", inserida no primeiro semestre do curso, fundamentalmente, propiciar a vivência de situações reais de relacionamento do aluno com usuários, profissionais dos serviços de saúde e a própria comunidade2323. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Plano de curso: Disciplina Saúde da comunidade: as situações de saúde. Campinas (SP): FCM/PUC-Campinas; 2001.. Partindo desta vivência e integrando os conceitos básicos das Ciências Sociais e da Epidemiologia, objetiva:

  1. 1. Discutir as questões da medicina enquanto prática técnica e social.

  2. 2. Resgatar o papel do aluno e do médico enquanto profissional e cidadão.

  3. 3. Identificar a diversidade de condicionantes bio-psico­sócio-culturais do adoecer.

  4. 4. Reconhecer aspectos da estrutura social que interferem na saúde, como os relacionados à família, ao processo de urbanização e à estrutura de emprego.

  5. 5. Identificar a diversidade de conceitos e representações relacionados à saúde e à doença.

  6. 6. Desenvolver habilidades na aproximação com as pessoas e as famílias.

  7. 7. Descrever as situações de saúde utilizando referenciais e instrumentais epidemiológicos.

  8. 8. Lidar com diferentes fontes de informação (entrevistas, registros de serviços médicos, mídia, informes epidemiológicos, internet, publicações).

  9. 9. Relacionar e buscar explicações para os problemas levantados e observados.

  10. 10. Identificar e indicar formas de superação destes problemas.

  11. 11. Desenvolver a habilidade da narrativa, em especial das situações de saúde.

Integra-se durante o semestre (horizontalmente) com as seguintes disciplinas, cumprindo os objetivos de2222. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Projeto pedagógico da Faculdade de Medicina. Campinas (SP): Faculdade de Medicina/CCV/PUC-Campinas; 2001.), (2323. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Plano de curso: Disciplina Saúde da comunidade: as situações de saúde. Campinas (SP): FCM/PUC-Campinas; 2001.:

  • • Correlação Clínica e Bases Morfofisiológicas - permitir aos alunos conhecer e aproximar-se de casos reais nas famílias correlatos aos casos motivadores; contribuir na construção dos casos.

  • • Bases de Apoio ao Aluno - trabalhar com questões surgidas na prática cotidiana nos relacionamentos interpessoais nos diferentes cenários.

  • • Introdução à Metodologia - exercitar a problematização empreendendo um processo científico de busca de conhecimentos e de ressignificação de conceitos; aplicação do método científico no desenvolvimento das atividades da disciplina: levantando problemas, indicação de hipóteses para sua explicação e/ou resolução; trabalho de campo junto às famílias, bairro e/ou por meio de dados secundários; análise deste material; elaboração de relatório em forma de trabalho monográfico e preparo para apresentação.

Em relação ao processo ensino-aprendizagem, privilegiando a ação do aluno, ora individual, ora em grupo, utilizam-se diferentes estratégias pedagógicas que permitam ampliar a interação, a busca de conhecimentos e o questionamento. Cada atividade é composta por três momentos: 1) de preparar indicação dos objetivos da atividade, levantamento de conhecimentos prévios, elaboração de roteiro para trabalho de campo e dinâmicas; 2) de trabalho de campo: visitas, entrevistas, observações da comunidade, famílias e equipamentos somais; 3) de processamento das informações por meio da elaboração de relatórios, apresentação e discussão em grupo.

As atividades da disciplina podem ser resumidas em quatro componentes:

  1. a) Avaliação diagnóstica e construção do perfil das classes é aplicado um instrumento (a carta e o pedido) que permite traçar o perfil da classe (idade, sexo, procedência, área da medicina com a qual se identifica; presença de médicos na família; acesso à informática; anos de curso pré-vestibulares; atividades extracurriculares.) e conhecer as expectativas dos alunos perante o curso e seu entendimento das habilidades comportamento necessários ao exercício da profissão. São introduzidos conhecimentos relacionados ao mercado e ao processo de trabalho médico, a noção de perfil e habilidades organização de dados, as formas de coleta, a importância das informações quantitativas e qualitativas (e subjetivas) para o conhecimento das "situações" (no caso de uma classe de alunos de medicina).

  2. b) Discussão dos conceitos de saúde e de doença: indica-se antecipadamente a leitura de textos (como A Doença, de G Berlingüer e Saber Cuidar: ética do humano, de Leonardo Boff) durante a aula é a realizada a discussão, numa primeira etapa, em pequenos grupos, utilizando objetos intermediários. Esta estratégia permite a participação de todos os alunos e discussão não só de colocações das leituras, mas de conceitos anteriores e reconstruídos no próprio grupo. Amplia-se a ceticidade e acrescem-se noções e inferências processuais, subjetivas e estéticas do conceito de saúde-doença. Discute-se a complexidade dos condicionantes sócio-econômicos, cultural: biológicos e psíquicos do viver e do adoecer que têm marcas individuais, singularidades e universais.

  3. c) Visita impressionista ao território (região do Distrito de Saúde Noroeste de Campinas/SP): têm por objetivos: propiciar ao aluno o conhecimento da região onde se localiza o Campus II da PUC-Campinas; introduzir as noções de perfil epidemiológicos e situações de risco; possibilitar o levanta mento, análise e organização de dados populacionais e problematizar as situações de saúde, de doença e de morte, além das possíveis formas de superação. O preparo do trabalho de campo envolve a discussão de conceitos com indicação bibliográfica prévia, elaboração do roteiro de visita, do mapa e o levantamento de informações demográficas, sócio-conômicas e de morbi-mortalidade, obtidas de fontes secundárias. É realizada uma visita impressionista de apresentação do território, buscando descrever: características gerais, histórico do desenvolvimento e serviços de saúde da região; dinâmica populacional; aspectos geográficos e ambiente físico, condições de urbanização e características das moradias; saneamento básico, serviços oferecidos à população e equipamentos sociais.

  4. d) Visita as famílias: é designada pelos agentes de saúde uma família para cada dupla, ou trio de alunos. Após a apresentação pelo docente, os alunos realizam as visitas as famílias. Como as demais atividades, há a preparação por meio da leitura e discussão temática da abordagem familiar; o estudo do roteiro com informações demográficas, sócio-econômicas (escolaridade, ocupação e renda), de moradia, saneamento, morbidade e utilização de serviços de saúde; assim como questões abertas acerca de hábitos, atividades culturais, representações sobre o processo saúde-doença, problemas encontrados na comunidade e possíveis soluções. Objetiva-se a habilidade para o diálogo com a família. Após as visitas é construído um quadro com os resultados e o relato dos aspectos considerados marcantes. Os resultados são devolvidos para as equipes dos serviços. Nas avaliações da disciplina esta atividade é considerada a mais gratificante.

  5. e) Relatório final: para a elaboração da monografia cada equipe de alunos escolhe uma "situação" presente no território (estrutura familiar, saneamento, condições de moradia, trabalho e ocupação, lazer, etc) referenciando-se ao método científico.

Estas atividades contam também com a participação de monitores da disciplina e de agentes de saúde das equipes das Unidades Básicas de Saúde locais.

As Possibilidades do Campo da Saúde Coletiva na Graduação Médica

Tradicionalmente os alunos de medicina têm contato com os serviços e pacientes somente a partir do 3° ano (em algumas escolas só no internato) e no interior do ambiente hospitalar, aspectos que decorrem da dicotomia entre teoria e prática; da divisão entre disciplinas básicas e profissionalizantes e da valorização do modelo hospitalocêntrico22. Canesqui AM. As ciência sociais, a saúde e a saúde coletiva. ln: Canesqui AM (org). Dilemas e desafios das ciências sociais na Saúde Coletiva. São Paulo, Rio de Janeiro Hucitec, ABRASCO; 1995.), (44. Costa NR, Ciências sociais e saúde: considerações sobre nascimento da saúde coletiva no Brasil. Saúde Debate 1991 36: 58-65..

A inserção precoce em serviços e comunidade tem funcionado como uma estratégia fundamental para a reversão desta pro-estrutura, pois implica no compromisso da escola com estes serviços e a aproximação do processo de educar de seu caráter sociocultural. Esta ação educativa possibilita o rompimento com o modelo clássico de ensino centrado na relação professor-aluno para uma triangulação docente-equipe/aluno/usuário; exige um descentramento dos conteúdos tradicionais e amplia o cenário da sala de aula para o cotidiano do trabalho55. Marsiglia RG, Feuerwerker LC, Carneiro Jr N. Relatório da Oficina Nacional de Trabalho sobre o ensino de Saúde Coletiva na graduação médica. São Paulo; Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2002.), (66. Garcia MAA. Saber, agir e educar; o ensino-aprendizagem em serviços de saúde. Interface 2001; 8: 89-100.), (2424. Hossne WS. Relação professor-aluno: inquietações, indagações, ética. Rev Bras Educ Méd 1994; 18: 75-81..

Em contato com as famílias, equipamentos sociais e comunidade, possibilita-se aos alunos: a apreensão da diversidade de situações e representações acerca do processo saúde­doença e o reconhecimento da determinação social e sua relação com os cenários individuais e singulares do adoecer para além do biológico, em seus condicionantes sociais, culturais, econômicos.

Acontece, como indicado nas Diretrizes Curriculares, a experimentação da inter-relação entre colegas, com profissionais e usuários, os primeiros passos para a introjeção de papéis enquanto estudantes de medicina e futuros médicos88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional Educação. Diretrizes curriculares nacionais do Curso Graduação em Medicina. Resolução CNE/CNS de 7/11/2001. Brasília (DF); MEC/Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação; 2001a..

Metodologias ativas de ensino-aprendizagem ligadas ao trabalho e outras vivências cotidianas permitem ao ensino cumprir seu papel perspícuo de humanização. A interação e a mediação com diferentes sistemas simbólicos (a cultura) implicam na "tomada de posse" e na apropriação dos planos de ação (a internalização), no lugar da absorção passiva de conhecimentos66. Garcia MAA. Saber, agir e educar; o ensino-aprendizagem em serviços de saúde. Interface 2001; 8: 89-100.), (2525. Oliveira MK. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sociohistórico. 2 ed. São Paulo: Scipione; 1995. 111p.), (2626. Góes MC. A natureza social do desenvolvimento psicológico. Pensamento e linguagem: estudos na perspectiva da psicologia soviética. São Paulo: Papiros; 1991 p. 17-31. (Caderno CEDES, 24)..

Por sua vez, na percepção da experiência o homem opera em sua máxima plenitude e o seu comportamento é construtivo; nem sempre [este comportamento?] será convencional, ou conformista, mas individualizado, e também socializado2727. Gomes RCN. Formação humanista do médico: contribuições para uma reflexão na concepção de Carl Rogers. [dissertação] Campinas (SP): Faculdade de Educação, Universidade de Campinas; 2002. 168p..

Evidencia-se que a maturidade necessária para o cumprimento destes papéis é diferenciada entre os alunos, mas abrem-se caminhos para a superação de limites individuais e a busca de uma ação responsável e humana. As oportunidades e situações de relacionamento parecem permitir ultrapassar o "dever ser" moral de exemplos idealizados, para a discussão efetiva de problemas reais que são inerentes ao cotidiano do "fazer" em saúde2828. L'Abbate S. Comunicação e educação: uma prática em saúde. In: Merhy EE, Onocko R (org). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hudtec; 1997 p.267-92..

Ao educador e ao educando apresenta-se nos serviços uma relação dialógica que exige desconstruir e problematizar o cotidiano, ou seja, tornar-se "consciente", fato que se dá por meio da intencionalidade, não só em relação a objetos (ou a outras pessoas), mas também a si mesmo2929. Freire P. Pedagogia do oprimido. 13 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983..

Como discutido por L' Abbate2828. L'Abbate S. Comunicação e educação: uma prática em saúde. In: Merhy EE, Onocko R (org). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hudtec; 1997 p.267-92., o agir competente de um profissional de saúde exige saber fazer bem técnica, politicamente e sob a mediação da ética. Para isto, "não basta saber; é preciso também querer; e não adianta saber e querer, se não se tem a percepção do dever e não se tem poder para acionar os mecanismos de transformação nos rumos da instituição." Trata-se de um compromisso que faz necessária "a adesão, a partir da escolha do sujeito a uma certa maneira de agir, a um certo caminho para a ação".

O referencial da Educação integra o campo da Saúde Coletiva, tanto como modelos instrucionais que baseiam o processo ensino-aprendizagem, como no ato profissional seja individual, seja coletivo11. Paim JS. Marco de referência para um programa de educação continuada em Saúde Coletiva. Rev Bras Educ Med. 1993; 17: 1-44.), (66. Garcia MAA. Saber, agir e educar; o ensino-aprendizagem em serviços de saúde. Interface 2001; 8: 89-100.), (2828. L'Abbate S. Comunicação e educação: uma prática em saúde. In: Merhy EE, Onocko R (org). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hudtec; 1997 p.267-92..

O ensino da Saúde Coletiva apresenta, desta forma, um caráter predominantemente formativo. Suas implicações 'sócio-psico-éticas' lhe trazem a responsabilização com comportamentos, atitudes e habilidades e a constituição de um cotidiano que responda a estes princípios. Na aprendizagem em serviços ou na comunidade a ação educacional de caráter triangular docente-equipe/aluno/usuário exige do docente formação técnica e política, e dos alunos um processo autodirigido de aprendizagem, o que favorece o desenvolvimento integral. Cabe a estes um papel ativo desde o planejamento até a avaliação de seu processo de aprendizagem. O sentir, o pensar e o agir, de modo mais efetivo e afetivo, conduz a uma postura de maior responsabilidade55. Marsiglia RG, Feuerwerker LC, Carneiro Jr N. Relatório da Oficina Nacional de Trabalho sobre o ensino de Saúde Coletiva na graduação médica. São Paulo; Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2002.), (66. Garcia MAA. Saber, agir e educar; o ensino-aprendizagem em serviços de saúde. Interface 2001; 8: 89-100.), (2424. Hossne WS. Relação professor-aluno: inquietações, indagações, ética. Rev Bras Educ Méd 1994; 18: 75-81.), (3030. Boff L. Saber Cuidar: ética do humano. Petrópolis (RJ): Vozes; 1999.

Para além de problemas genéricos, o ensino no cotidiano do trabalho profissional implica em práticas e conhecimentos relacionados ao cuidar, tais como: ouvir, ter bom senso, respeito e confiança. Tais situações possibilitam a mudança da tendência de "coisificação" do indivíduo (aluno e paciente) que processa-se no ensino tradicional, onde não se tem história, nem passado, nem futuro, mas um trabalho com o fim em si mesmo, como uma técnica protocolar pré-determinada que exclui a realidade66. Garcia MAA. Saber, agir e educar; o ensino-aprendizagem em serviços de saúde. Interface 2001; 8: 89-100.), (3030. Boff L. Saber Cuidar: ética do humano. Petrópolis (RJ): Vozes; 1999.

Outra importante discussão relacionada ao ensino da Saúde Coletiva é a de que as situações vivenciadas pelos alunos não devam ser criadas artificialmente ou de modo isolado no interior das escolas, mas que estejam integradas, prioritariamente, ao sistema público de saúde. Isto exige parcerias, bem como o compromisso com necessidades sociais, continuidade, responsabilização e vínculo, cumprindo-se as diretrizes do SUS66. Garcia MAA. Saber, agir e educar; o ensino-aprendizagem em serviços de saúde. Interface 2001; 8: 89-100..

Temos um grande desafio pela frente que não limita-se a uma disciplina ou urna área da medicina, mas a integração com as diferentes profissões da saúde.

A intenção deste relato de experiência docente, apesar de limitado a uma escola, é a de possibilitar a discussão do cará­ter das reformas de ensino. Necessitamos ultrapassar a inserção de uma determinada área ou conteúdo, lidando com a construção de sujeitos num processo cotidiano de humanização: de compreensão de si mesmo, para a percepção do que o cerca e o encaminha para a globalidade e a integração2727. Gomes RCN. Formação humanista do médico: contribuições para uma reflexão na concepção de Carl Rogers. [dissertação] Campinas (SP): Faculdade de Educação, Universidade de Campinas; 2002. 168p..

Buscando contribuir para o rompimento dos 20 anos de silêncio das questões ligadas à inserção da Saúde Coletiva no ensino da graduação das profissões de saúde, a intenção foi criar espaços de dúvidas e de reflexão neste momento profícuo de reformas das escolas e de construção de um projeto nacional de melhoria das condições de ensino e prestação dl! serviços da saúde em direção à vida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2004

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2002
  • Revisado
    30 Out 2003
  • Aceito
    05 Dez 2003
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