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A prova prática no processo de seleção do concurso de residência médica

Selection of medical residents based on hands-on skills

Resumos

Um questionário estruturado relacionado à aplicação da prova prática no processo de seleção da residência médica foi aplicado durante o XLIII Congresso Brasileiro de Educação Médica, em Natal, em 2005. As competências julgadas importantes para a avaliação da prova prática e os diferentes modelos de prova aplicados por algumas instituições foram discutidos. Foi realizada aanálise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, and Threats), ferramenta utilizada em planejamento estratégico, para avaliação do modelo (forças e fraquezas) e de sua aplicabilidade no ambiente externo, considerando as instituições do País (oportunidades e ameaças). Os estudantes que responderam o questionário consideraram conhecimento seguido de habilidades as competências mais importantes, enquanto atitude e comportamento ético foram considerados pelos preceptores de residentes. A maioria dos participantes considerou que o modelo de prova deveria ser regionalizado, apesar de isto conflitar com as diretrizes curriculares. A prova presencial com pacientes e o modelo que utiliza recursos de multimídia foram considerados os de mais fácil reprodução. Conclui-se que a forma de aplicação da prova prática como processo de seleção de médicos residentes, apesar de relevante, apresenta fragilidades e precisa ser amplamente discutida.

Internato e Residência; Educação Baseada em Competências; Teste de Admissão Acadêmica; Avaliação


A structured questionnaire regarding the use of hands-on tests in the selection of medical residents was applied to the participants of an interactive workshop on this issue, held during the XLIII Brazilian Congress of Medical Education in Natal, in October 2005. The skills considered important in this testing and different models of hands-on tests applied in the selection process of medical residents by some institutions were discussed. A SWOT analysis (Strengths, Weaknesses, Opportunities, and Threats) was performed for evaluating the models (strengths and weaknesses) and their applicability to the external environment, considering all institutions offering residency programs (opportunities and threats). The medical students considered knowledge and qualification the most important skills while the teachers opted for attitude and ethical behavior. The majorit y realized that the evaluation model would have to be customized to each region of the countr y although this would be in disagreement with the Brazilian curricular guidelines. Among all hands-on models analyzed, the practical test performed with patients and the model using multimedia resources were considered the easiest to be reproduced. One concludes that, although being an excellent method for the selection of medical residents, hands-on testing still shows weak points and calls for a broader discussion.

Internship and Residency; Competency-Based Education; College Admission Test; Evaluation


PESQUISA

A prova prática no processo de seleção do concurso de residência médica

Selection of medical residents based on hands-on skills

Rosane Sonia Goldwasser

Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) Av. Brigadeiro Trompowski, s/no – Cidade Universitária 21941-971 – Rio de Janeiro – RJ e-mail: rosanegold@uol.com.br

RESUMO

Um questionário estruturado relacionado à aplicação da prova prática no processo de seleção da residência médica foi aplicado durante o XLIII Congresso Brasileiro de Educação Médica, em Natal, em 2005. As competências julgadas importantes para a avaliação da prova prática e os diferentes modelos de prova aplicados por algumas instituições foram discutidos. Foi realizada aanálise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, and Threats), ferramenta utilizada em planejamento estratégico, para avaliação do modelo (forças e fraquezas) e de sua aplicabilidade no ambiente externo, considerando as instituições do País (oportunidades e ameaças). Os estudantes que responderam o questionário consideraram conhecimento seguido de habilidades as competências mais importantes, enquanto atitude e comportamento ético foram considerados pelos preceptores de residentes. A maioria dos participantes considerou que o modelo de prova deveria ser regionalizado, apesar de isto conflitar com as diretrizes curriculares. A prova presencial com pacientes e o modelo que utiliza recursos de multimídia foram considerados os de mais fácil reprodução. Conclui-se que a forma de aplicação da prova prática como processo de seleção de médicos residentes, apesar de relevante, apresenta fragilidades e precisa ser amplamente discutida.

Palavras-chave: Internato e Residência; Educação Baseada em Competências; Teste de Admissão Acadêmica; Avaliação.

ABSTRACT

A structured questionnaire regarding the use of hands-on tests in the selection of medical residents was applied to the participants of an interactive workshop on this issue, held during the XLIII Brazilian Congress of Medical Education in Natal, in October 2005. The skills considered important in this testing and different models of hands-on tests applied in the selection process of medical residents by some institutions were discussed. A SWOT analysis (Strengths, Weaknesses, Opportunities, and Threats) was performed for evaluating the models (strengths and weaknesses) and their applicability to the external environment, considering all institutions offering residency programs (opportunities and threats). The medical students considered knowledge and qualification the most important skills while the teachers opted for attitude and ethical behavior. The majorit y realized that the evaluation model would have to be customized to each region of the countr y although this would be in disagreement with the Brazilian curricular guidelines. Among all hands-on models analyzed, the practical test performed with patients and the model using multimedia resources were considered the easiest to be reproduced. One concludes that, although being an excellent method for the selection of medical residents, hands-on testing still shows weak points and calls for a broader discussion.

Key-words: Internship and Residency; Competency-Based Education; College Admission Test; Evaluation.

INTRODUÇÃO

O processo de seleção do médico residente no Brasil segue as determinações da Comissão Nacional de Residência Médica. Até a presente data, é feita com a aplicação de uma prova objetiva, que avalia conhecimento, abrangendo as cinco áreas básicas – clínica médica, cirurgia geral, preventiva e social, obstetrícia e ginecologia, e pediatria – para as especialidades cujo pré-requisito é o curso de graduação em Medicina.Esta etapa tem peso de, no mínimo, 90 pontos, podendo, a critério da instituição, ser aplicada uma prova oral ou prática com peso de até 10 pontos. Este critério de avaliação pode deixar de selecionar candidatos que possuam outras competências que não o conhecimento, consideradas importantes para a formação do médico, segundo as Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação1. Além disso, estimula o estudante a procurar mecanismos que o auxiliem no treinamento para este tipo de exame, promovendo a evasão precoce do internato, fundamental na formação médica.

Várias instituições do País, na tentativa de modificar os critérios de avaliação do exame de seleção do concurso para a residência médica, se mobilizaram para incluir o exame prático como parte do processo seletivo. A resolução número 008/2004, que dispõe sobre o processo de seleção pública dos candidatos aos Programas de Residência Médica, da Comissão Nacional de Residência Médica, propõe a estruturação de prova prática, avaliando as cinco grandes áreas de conhecimento (clínica médica, cirurgia geral, obstetrícia e ginecologia, preventiva e social, e pediatria) no processo seletivo para médicos residentes, podendo valer peso cinco2. Algumas instituições de ensino no Brasil conduziram planos piloto no sentido de desenvolver diferentes mecanismos para a aplicação desta forma de avaliação e os apresentaram, inicialmente, em oficina realizada no Ministério da Educação, em 2004. Em 2005, durante dois dias consecutivos, no XLIII Congresso Brasileiro de Educação Médica, em Natal, este tema foi amplamente discutido nas oficinas interativas, e foi aplicado um questionário aos participantes com o objetivo de conhecer as diversas opiniões e reflexões sobre este tema.

METODOLOGIA

Após a apresentação dos modelos de prova prática aplicados por instituições universitárias (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Uerj, Faculdade de Campos – RJ, Universidade de São Paulo – USP, Universidade Federal de São Paulo – Unifesp/EPM e Universidade de São Paulo –USP – Ribeirão Preto) na oficina que discutiu o processo seletivo para o concurso de residência médica, durante o XLIII Congresso Brasileiro de Educação Médica, foram distribuídos, aleatoriamente, 40 questionários aos participantes. O questionário era dividido em quatro módulos. O primeiro módulo avaliava o perfil do participante da oficina: gênero e cidade de origem; a característica da instituição: universitária, assistencial ou filantrópica, pública ou privada; o vínculo com a residência médica: coordenador de comissão de residência médica, preceptor, médico residente, outros.

O segundo módulo questionava sobre as competências esperadas para um médico residente, em ordem de importância, pontuando de 1 a 5, sendo 1 o mais importante e 5 o de menor importância. Foram analisadas como "muito importante" as que receberam pontuação 1 e 2, "moderadamente importante" as que receberam pontuação 3, e "pouco importante" as que receberam pontuação 4 e 5. Considerou-se competência como o produto gerado por um processo complexo de experiências e aprendizagem do sujeito para o próprio sujeito3. Foram consideradas as seguintes competências:

(1) aquisição do conhecimento, definido como o grau de informações em ciências médicas, nos aspectos epidemiológicos das doenças e comportamentais dos pacientes;

(2) habilidade prática ou capacidade de avaliar, sistematizar e definir condutas; aplicar o conhecimento na investigação e no manuseio dos cuidados gerais e específicos com o paciente;

(3) a atitude que envolve os aspectos pessoais, como a capacidade de se comunicar e prover troca efetiva de informações com o paciente, a família e outros profissionais; o grau de acolhimento com o paciente;

(4)a ética, que inclui postura profissional, responsabilidades, aderência aos princípios éticos e sensibilidade frente à diversidade da população;

(5)a inovação, a capacidade de tomar iniciativas e ser empreendedor, aplicar o conhecimento associado à criatividade e à lógica nas decisões.

No terceiro módulo, foram feitas perguntas referentes às características dos modelos de avaliação prática e sua aplicabilidade institucional:

(1) se deveriam abranger as cinco áreas básicas;

(2) se a instituição representada estava preparada para aplicar uma prova prática;

(3) se o modelo de prova deveria ser único ou variar conforme as regiões do País;

(4) qual dos modelos apresentados poderia ser aplicado em sua instituição.

O quarto módulo versava sobre o papel da universidade na construção de um modelo de prova prática.

No quinto módulo, foi feita uma adaptação de uma ferramenta de gestão muito utilizada por empresas privadas e por organizações sociais como parte do planejamento estratégico, a análise SWOT4. Esta sigla vem do inglês e representa as iniciais das palavras strenghts (forças), weaknesses (fraquezas), opportunities (oportunidades) e threats (ameaças). A idéia central da análise SWOT para a prova prática foi avaliar, para cada modelo, os pontos fortes e as fraquezas, bem como sua aplicabilidade no ambiente externo, considerando o País (as oportunidades e as ameaças). Os seguintes modelos de prova foram analisados:

(1) Multimídia: assim denominado por utilizar recursos da multimídia, como fotos, filmes e vídeos. Este conjunto de imagens e sons pode simular situações reais de pacientes. O candidato deverá estar apto a integrar a situação vivenciada e observada na tela com a questão oferecida (registro gráfico) e tomar as decisões solicitadas pelo examinador. Não há interferência entre o examinador e o candidato;

(2) As OSCEs (Objective Structured Clinical Examinations), ainda sem tradução na língua portuguesa, são exames objetivos e estruturados. Podem ser realizados em ambientes fictícios e seqüenciais. O candidato é submetido a diversos cenários "quase reais", que utilizam manequins, atores simulando pacientes e sonorizações, entre outros. Não há interferência do examinador durante a prova. O candidato deve realizar uma tarefa predeterminada em tempo curto, passando para a estação seguinte;

(3) A prova prática presencial com pacientes em enfermariasou ambulatórios é uma situação real. O candidato deverá fazer anamnese e exame físico enquanto é observado pelo examinador, que não interage neste momento. O paciente é previamente informado do que deverá acontecer, e a prova se realizará após o consentimento dele. Após esta fase, que terá registro gráfico, o candidato faz breve apresentação do caso clínico que será discutido. Ele deverá ser capaz de integrar as informações e aplicar o conhecimento para tomada de decisões;

(4) Na entrevista dirigida, o candidato recebe uma tarefasob a forma de registro gráfico e deve integrar o conhecimento da situação clínica à tomada de decisão. O candidato verbaliza a resposta, que é gravada. A banca pode interferir formulando possíveis situações dentro daquele contexto apresentado. São pontuados aspectos referentes a conhecimento e acolhimento.

Na análise do ambiente interno (forças e fraquezas) e do ambiente externo (oportunidades e ameaças), foram considerados os seguintes aspectos relacionados aos modelos de prova e sua aplicabilidade: (1) se conseguem abranger as cinco grandes áreas de conhecimento; (2) as competências avaliadas; (3) a capacidade de selecionar os candidatos; (4) a abordagem das questões éticas; (5) os aspectos de subjetividade; (6) os custos; (7) as facilidades e dificuldades de aplicar cada modelo.

RESULTADOS

Dos 40 questionários distribuídos, 27 retornaram e foram analisados. Responderam 16 mulheres e 11 homens, sendo a seguinte distribuição por regiões do Brasil: 15 da Região Nordeste, oito da Sudeste, três da Norte e um da Sul. Vinte e quatro dos que responderam pertenciam a instituições universitárias. Havia oito preceptores (dois de hospital assistencial público, os demais de hospitais universitários), três coordenadores de comissões de residência médica (Coreme) de hospitais universitários, e os demais eram estudantes de Medicina.

Em relação às competências avaliadas pelo grau de importância para a prova de seleção, foram consideradas: (a) muito importante: conhecimento (74%), habilidade (52%), atitude (48%), ética (34%) e inovação (0%); (b) moderadamente importante: conhecimento (11%), habilidade (34%), atitude (30%) e ética (24%);(c) pouco importante: conhecimento (15%), habilidade (15%), atitude (23%), ética (41%) e inovação (100%) (Tabela 1).

Quando se avaliaram separadamente as categorias (estudantes e preceptores/ coordenadores), observou-se que os estudantes consideraram o conhecimento como a principal competência (11), seguido de habilidade (7). Todos os preceptores de origem universitária (6) consideraram a atitude como a principal competência, sendo que um coordenador e um preceptor consideraram atitude e ética com o mesmo grau de relevância (1). Dois preceptores de instituição não universitária (público-assistencial) consideraram como principais capacidades habilidade, seguida de conhecimento. A Figura 1 representa a relevância para cada competência, considerando as categorias estudantes (E), e preceptores e coordenadores (P/C), respectivamente.


Todos os que responderam ao questionário consideraramimportante a avaliação prática nas cinco grandes áreas (100%). Em relação à pergunta se consideravam sua instituição preparada para cumprir esta resolução no próximo ano, 21 responderam não, 6 responderam sim. Vinte e três participantes consideraram importante a aplicação de modelos regionalizados e institucionalizados, e 4 responderam que o modelo pode ser único. Sobre a participação das universidades no processo de seleção de médicos residentes, o grupo respondeu que seria importante na elaboração da prova. Quanto à avaliação da aplicabilidade institucional dos modelos de prova prática apresentados, o modelo que utiliza recursos de multimídia foi considerado possível por 12 participantes, as OSCEs por 3, a prova presencial com pacientes por 13, e a entrevista guiada por 3.

O resultado da análise SWOT para cada modalidade de prova é apresentado a seguir.

O modelo que utiliza recursos de multimídia apresentou como forças o fato de melhor avaliar o conhecimento e a atitude, explorar o raciocínio diagnóstico, ser mais rápida e poder explorar diferentes níveis de dificuldade, avaliar vários candidatos simultaneamente e explorar as cinco áreas; como fraquezas, a necessidade de tecnologia (multimídia), treinamento de equipe,o fato de não avaliar habilidade, e alguns a consideraram uma continuação de uma avaliação teórica; como oportunidades, o fato de poder ser criada por uma instituição com experiência e aplicada simultaneamente por diversas instituições, independentemente da diversidade regional; as ameaças foram consideradas mínimas, exceto o custo.

As OSCEs tiveram como forças a boa avaliação do conhecimento médico e das habilidades, e o fato de abrangerem as cinco áreas e serem aplicadas a vários candidatos simultaneamente. O fato de prescindirem de pacientes também foi considerado como ponto forte; as fraquezas do modelo recaem na complexidade da realização, que envolve desde a logística até a equipe, que inclui atores fictícios simulando pacientes. O confinamento dos candidatos que aguardam a sua vez causa cansaço e é fator estressor; em relação às oportunidades, trata-se de um método já aplicado em vários países como forma de avaliação dos alunos nas escolas médicas; as ameaças são os custos muito elevados e a necessidade de mobilizar uma grande equipe.

A prova prática presencial com o paciente apontou como forças o fato de estar em situação real, incluindo os aspectos da imprevisibilidade do paciente sorteado para a prova, e conseguir avaliar atitude e habilidade prática; como fraquezas, a necessidade de mobilizar uma grande equipe, as condições de diversidade do informante (o paciente), o desconforto que pode provocar no paciente com exames repetidos e a possível necessidade de consentimento informado; as oportunidades apontam para os custos baixos; as ameaças se relacionaram a estarem restritas a instituições universitárias e públicas.

A entrevista dirigida para avaliação de competências teve como força poder avaliar as cinco áreas, ser um excelente modelo para avaliar atitude, os aspectos éticos e conhecimento; como fraquezas, não avaliar habilidades, o fato de poder ser tendenciosa e subjetiva, ter um gabarito de difícil confecção, durar muito tempo; como oportunidade, o baixo custo; como ameaças, o treinamento da equipe, o apoio de profissionais de outras áreas, como psicólogos, a necessidade de retorno do candidato que mora em outro estado dependendo da data da prova e a possibilidade de questionamentos legais (Quadro 1).


DISCUSSÃO

A pergunta que deve ser feita quando se organiza um concurso de seleção para ocupação de uma vaga em qualquer área – seja de uma empresa, hospital, escola, indústria – é que competência este indivíduo deve ter. A residência médica, modelo de pós-graduação baseado em treinamento em serviço, deve preparar o egresso da faculdade de Medicina para atuar "no mundo real" não somente da instituição para a qual será selecionado, mas também para o mercado de trabalho mais amplo. Deve-se ter em mente que a transição do estudante para o médico recém-formado é abrupta e carrega a responsabilidade no cuidado direto com o paciente, as tarefas da responsabilidade, as reações aos eventos inesperados e a expectativa do contato com o novo5.

O processo de seleção, apesar de indiretamente avaliar o ensino da graduação, difere do processo de avaliação do graduando, que visa à instituição de ensino. Ele julga, além do conhecimento, outras competências que o médico deve preencher para cumprir as tarefas adequadas ao perfil da instituição que oferece o programa de residência médica. Da mesma forma que a avaliação feita durante o período da graduação, a avaliação do processo de seleção faz parte de critérios de qualificação do médico. A formação do médico, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício de competências e habilidades de atenção à saúde nos níveis individual e coletivo. Além disso, esperam-se do médico outras competências, que envolvem, além do exercício cognitivo, a capacidade de se comunicar adequadamente e promover acolhimento com o paciente, seus familiares, seus colegas e a equipe de saúde. Essa estrutura deve incluir dimensões éticas e humanísticas, buscando integrar as dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais, entre outras competências preconizadas1.

Por este motivo, as competências pré-selecionadas para o debate foram: o conhecimento, as habilidades, a atitude e os aspectos éticos, definidos anteriormente. Foi incluída a inovação como competência, uma vez que se considera que o capital intelectual se baseia na capacidade de absorver a informação e de desenvolver o conhecimento e as habilidades. O conhecimento consegue separar os candidatos bons dos ruins, mas não seleciona os melhores. É uma competência que pode ser adquirida por meio da leitura, nas aulas, nos cursos preparatórios. Esta observação pode ser comprovada na maioria dos resultados de provas objetivas de escolha múltipla. A diferença se fará na forma de aplicar o conhecimento. O paradigma inovador, como proposta que reconhece as atuais necessidades sociais na área de saúde, se expressa pela aprendizagem de problemas, centrada no aluno e com uma concepção generalista e preventiva. As demandas do mercado e do mundo passam a exigir profissionais que querem vencer desafios.A inovação deve ser vista como a concepção e a realização de algo novo. É a forma como colocamos em prática o conhecimento e a criatividade. Os novos modelos de produção exigem a capacidade de pensar, decidir, ter iniciativa, expressar- se com clareza, ser autônomo6. Considerando que esse processo deve ser planejado e construído ao longo do tempo e que requer maior maturidade do candidato, talvez não tenha sido elencada como relevante no critério de avaliação de competências. No entanto, deve-se ter em mente que o desenvolvimento profissional dos futuros médicos do século 21 deverá assumir novos compromissos em relação à saúde da população7.

Uma ressalva deve ser feita acerca da unanimidade de opiniões relacionadas à avaliação prática nas cinco áreas do conhecimento médico. A educação médica fragmentada é o modelo que vem aos poucos sendo descontinuado nas escolas médicas e não condiz com as novas diretrizes curriculares. No entanto, fazer uma prova de seleção com todos estes componentes pode não ser uma tarefa simples. O grupo presente durante a oficina era composto, na maioria, por representantes de escolas médicas, docentes e discentes, que têm em seus hospitais de ensino pessoal e logística para a realização de modelos mais elaborados de avaliação. Por outro lado, instituições que, por exemplo, só têm programa de residência em certa especialidade talvez não estejam aptas a realizar este tipo de concurso. Da mesma forma, às vezes é difícil distinguir no "mundo real" o limite geográfico das cinco áreas envolvidas.Exemplificando, a medicina preventiva e social será enfocada dentro das avaliações de todas as demais áreas; outro exemplo nesta linha é a abordagem de uma adolescente, que envolve as áreas da pediatria e da ginecologia.

Chamou atenção a grande participação dos estudantes na oficina, que resultou no maior número de respondentes. A competição acirrada pela vaga de residência médica em algumas especialidades, a demanda do mercado de trabalho pelo título de especialista concedido pela residência médica, o declínio do treinamento de várias escolas médicas e o modelo de prova aplicado pela maioria das instituições no País – que privilegia a capacidade cognitiva – levam o estudante a procurar alternativas para conseguir ingressar nos concursos de residência, como os cursos preparatórios. E também os levam a se evadir precocemente da escola médica, principalmente no internato, quando são treinadas novas e importantes competências que, no entanto, não são cobradas em exames de seleção. Este fato, aliado às Diretrizes Curriculares, motivou a Comissão Nacional de Residência Médica a propor uma alteração no processo seletivo, incluindo a prova prática, o que todos os presentes apoiaram2.

O fato de os estudantes divergirem dos preceptores na percepção da ordem de valores atribuídos às competências para o processo seletivo pode estar refletindo ainda o modelo de ensino na graduação ou nos "cursinhos" preparatórios para os concursos de residência médica, voltados para a construção do conhecimento pautado por uma estrutura curricular rígida, confinada aos limites da sala de aula, onde teoria e prática aparecem como elementos dicotômicos, e o ensino se limita a conteúdos descritivos8. A habilidade apontada como uma competência se aproxima do que se espera para o médico na graduação. A necessidade de revisão da exigência desta competência na graduação tem sido alvo de freqüentes debates relacionados ao ensino médico. Atualmente, a residência fica na função intermediária entre o processo educacional e a prática profissional, cobrindo as "falhas" da graduação9, embora este não seja, nem de longe, o objetivo deste segmento da educação médica, conforme a definição do termo.

Os preceptores e coordenadores, embora em minoria, têm a percepção de que a atitude e os aspectos éticos são as competências mais relevantes. Na verdade, este pode ser um reflexo das opiniões dos presentes, na maioria docentes, que identificam como seu o compromisso na construção desta competência com os graduandos. A ética faz parte do dia-adia do médico e deve fazer parte de sua formação, além de ser um aspecto descrito nas diretrizes curriculares. No entanto, avaliar aspectos éticos numa prova de curta duração é tarefa difícil.

Brandenburg et al10 chamam a atenção para a percepção dos estudantes de Medicina relacionada aos critérios de seleção para médicos residentes, no Colorado (EUA). A maioria dos que responderam ao questionário considerou de extrema importância a entrevista (80,6%) e as notas que receberam durante o 3º e 4º anos da graduação nas cadeiras referentes às especialidades escolhidas (73,3%). Com menor importância, as notas recebidas durante o 4º ano nas cadeiras eletivas fora da especialidade (57,3%), sua reputação durante o tempo de escola médica (50,5%) e o número de notas atribuídas por mérito (49%). Pouco ou não importantes são as notas do 1º e 2º anos da graduação (56,8%), premiações acadêmicas (55,2%), atividades extracurriculares (52,6%), envolvimento com pesquisa (50,9%) e sua classificação dentro da turma (rank) (49,3%).Os autores consideram que os alunos têm um conceito errado em relação ao que deve ser enfatizado como critério seletivo, por superestimarem aspectos subjetivos e subestimarem outros objetivos10. A autora faz um breve histórico dos critérios de competências, ao longo do tempo, no processo seletivo nos Estados Unidos.

Cabe lembrar que, no Brasil, a entrevista e a análise de currículo, por causarem um viés de seleção, foram, ao longo do tempo, desconsideradas pela CNRM, recebendo, no máximo, somente 10% do peso total do concurso, restando 90% para a prova objetiva. Além disso, estes mecanismos de avaliação privilegiam os aspectos acadêmicos que, apesar de muito importantes para a pós-graduação nas instituições universitárias, não guardam muita relação com outros perfis de instituições que oferecem residência médica e podem não habilitar um candidato com outras competências importantes. A valorização do desempenho do candidato durante a graduação na especialidade por ele escolhida poderia ser uma competência valorizada, uma vez que mostra afinidade e interesse específicos. Este critério poderia ser avaliado durante o internato rotatório, que já faz parte da mudança curricular das escolas médicas. Neste mesmo estudo, que envolveu estudantes da graduação do 1º ao 4º ano, ficou demonstrado que somente 16,3% dos entrevistados ainda não haviam escolhido a especialidade, enquanto os demais já estavam se direcionando para uma especialidade. A escolha precoce da especialidade e a diversidade das escolas médicas podem promover graus diferentes de exigências e, por conseguinte, de avaliações de desempenho, dificultando a generalização do dado.

Estabelecer os instrumentos ideais para os métodos de avaliação pode levar tempo. O método deve ser consistente com os objetivos, validado, de fácil compreensão para o avaliador e para o candidato, e barato. Infelizmente, ainda não há um único método que reúna todos estes instrumentos11.

A prova que usa recursos de multimídia pode simular uma situação "quase real" mediante fotos, vídeos e filmes.Faz com que o candidato deva ter o conhecimento adquirido não somente por meio da leitura, mas também da vivência daquela situação, projetada na tela. Entretanto, ela não consegue avaliar a atitude, o acolhimento e as questões éticas.

A prova prática presencial com o paciente dá ao examinador a oportunidade de avaliar a atitude do candidato frente a uma situação real, testar habilidades práticas, formular questões (conhecimento) e explorar soluções (inovação). Esse tipo de avaliação com o paciente é considerado o de maior valor 12. Mas é trabalhosa e consome muitos dias para avaliar um grande número de candidatos, o que pode torná-la inviável para grande parte das instituições. As questões éticas referentes a um possível constrangimento dos pacientes podem ser anuladas com o consentimento informado. Mesmo assim, considerando a natureza da situação, que motivou muita discussão, o grupo presente deliberou consultar formalmente o Conselho Federal de Medicina, o que foi encaminhado pela coordenação da oficina.

Morrison11, em seu artigo sobre avaliação no ensino médico, faz uma observação acerca da questão ética que envolve os processos de avaliação e a pesquisa. A pesquisa visa à produção generalizada de resultados que deverão ser publicados na literatura e, portanto, requer submissão ao comitê de ética e consentimento do paciente, quando envolvido no projeto de pesquisa. A avaliação é para uso local, e o resultado é a produção intelectual daquele candidato11.

Nos Estados Unidos, parte importante do processo seletivo é a carta de recomendação. O candidato escolhe um médico que deverá apresentar os pontos positivos do seu currículo e apontar suas competências. Uma página na internet auxilia o candidato a selecionar itens que deverão constar das cartas de recomendação. Entre estes, a comunicação e a ética são apontados como fundamentais. Também o desempenho durante o internato, conhecimento médico, relacionamento com os colegas e a enfermagem, responsabilidade, percepção dos pacientes em relação ao candidato, experiência com pesquisa, eficiência relacionada ao uso do tempo e, finalmente, a pergunta "se é fácil trabalhar com o candidato"13.

Outras instituições, além da carta de recomendação, aplicam entrevistas com particular ênfase nas habilidades, atitude, comunicação, credenciais acadêmicas e qualidades pessoais, como motivação e integridade14. No centro hospitalar da Universidade de Arkansas, há uma série de orientações relacionadas às competências. Chama atenção, além da proficiência da língua inglesa como fator eliminatório, a experiência clínica recente que envolve o aspecto prático (hands-on) e não "meramente observacional", referido no próprio texto. Outros aspectos pessoais, como integridade, honestidade e motivação, também são incluídos no processo seletivo15. No processo de seleção para médicos residentes para o programa de cirurgia geral do Hospital Presbiteriano de Nova York, tornam- se elegíveis os candidatos com conhecimento científico, atitude e habilidade na comunicação. Também são consideradas outras aptidões (música, esporte), humanização (serviços comunitários), pesquisa (publicações) e habilidades organizacionais como experiência laborativa16. Na divisão de cirurgia vascular do Baylor College of Medicine, o processo seletivo do médico residente, feito por meio de entrevista, inclui o interesse pela pesquisa, experiência clínica, características pessoais, como maturidade e profissionalismo, e aspectos éticos17.

Um questionário aplicado aos alunos egressos da escola médica perguntava o inverso, isto é, o que tornava uma instituição atrativa e concorrida pelos candidatos. Os fatores apontados como relevantes foram relacionados ao ambiente e incluíam a boa reputação moral dos membros que compunham o estafe e do programa acadêmico da instituição. Isto incluía a variedade de oportunidades e diversidade oferecidas, além da boa impressão causada no candidato por ocasião da entrevista realizada à época da seleção – por exemplo, quando se enfatizavam mais os pontos positivos do programa do que os aspectos competitivos 18. Outro estudo com programas de residência em medicina da família apontou como marcadores de sucesso a presença de residentes com "boas atitudes" 19.

CONCLUSÕES

A relevância do tema se fez notar pelo fato de ter aberto espaço de discussão no Congresso de Educação Médica e pela extensão dos itens avaliados no questionário. Como competências julgadas importantes no processo de seleção da residência médica, predominam, entre os graduandos de Medicina, o conhecimento seguido de habilidade, ao passo que atitude e aspectos éticos são apontados pelos preceptores e coordenadores de residentes. Todos consideram importante a avaliação prática abrangendo as cinco grandes áreas, e o modelo aplicado pode ser distinto para as diferentes regiões do País.

Dos modelos de prova prática apresentados, a que utiliza recursos de multimídia parece ser o mais facilmente reprodutível pelas instituições que responderam o questionário. As universidades teriam um papel de auxílio na parte intelectual da elaboração da prova.

A avaliação dos modelos pela análise SWOT mostrou que nenhum dos apresentados é o ideal, isoladamente, no processo de seleção e que a aplicação da prova prática como processo de seleção de médicos residentes, apesar de relevante, apresenta fragilidades e precisa ser amplamente discutida.

Recebido em: 13/01/2006

Reencaminhado em: 28/06/2006

Aprovado em: 10/07/2006

Conflito de Interesse: Declarou não haver.

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  • Endereço para correspondência
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      10 Jul 2006
    • Recebido
      13 Jan 2006
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