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Higher education pedagogies: a capabilities approuch

RESENHA

Walter, Melanine. Higher education pedagogies: a capabilities approuch. Berkshire, England: Open University Press; 2006. 164p.

Carlos Dimas Martins Ribeiro

Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Carlos Dimas Martins Ribeiro Rua Cândido Mendes, 76 – apto 304 – Glória 20241-220 – Rio de Janeiro – RJ e-mail: dimasribeiro@cremerj.org.br

A autora propõe uma pedagogia da educação superior baseada na teoria das capacidades, desenvolvendo uma metodologia para a seleção destas, ilustrada com uma lista que poderia ser utilizada como parâmetro para avaliar a aprendizagem de cada estudante e como critério de justiça para fazer comparações interpessoais. Walker concebe a pedagogia, por um lado, como método de ensino que envolve a relação entre professores e alunos e as condições estruturais que possibilitam a aprendizagem, e, por outro, como projeto ético em que os seus propósitos envolvem valores éticos e o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades.

A teoria das capacidades, desenvolvida por Amartya Sen e Martha Nussbaum, pertence ao campo das teorias contemporâneas de justiça. Ela oferece uma ampla estrutura normativa para avaliar o bem-estar individual e de grupos populacionais, os arranjos sociais e as políticas públicas, sendo utilizada numa variedade de áreas de estudo, tais como a ética, filosofia, política, economia e políticas sociais, entre outras. Vem sendo aplicada para analisar uma variedade de questões sociais, tais como pobreza, desigualdades de gênero, saúde, educação e desenvolvimento.

Sua idéia central é conceber o processo de desenvolvimento humano como expansão das capacidades, entendidas como a liberdade concreta que uma pessoa possui para escolher modos de vida que valoriza dentro de uma gama razoável de opções disponíveis. Ressalta-se que a teoria das capacidades é fundada no individualismo ético, isto é, na concepção de que cada pessoa tem valor, focalizando-se sobre o que cada um realmente é capaz de ser e fazer, pessoalmente e em comparação a outros.

Nesta perspectiva, diferenciam-se capacidade e funcionamento, sendo a primeira a oportunidade real que uma pessoa tem para escolher um modo de vida, e o segundo, a realização efetiva das várias coisas que ela valoriza fazer ou ser, como compondo o modo de vida escolhido. A base informacional dos funcionamentos é "as coisas que uma pessoa faz", enquanto a base das capacidades é "as coisas que uma pessoa é livre para fazer". O exercício das capacidades e dos funcionamentos depende de circunstâncias individuais, da relação que a pessoa estabelece com outros e dos arranjos e estruturas sociais que possibilitam realizar as opções potenciais.

Para a seleção de uma lista de capacidades para a educação superior, a autora discute, inicialmente, duas importantes questões presentes no debate sobre essa teoria.

A primeira refere-se à utilidade ou à pertinência de se formular academicamente uma lista de capacidades ideal e teórica que poderia servir de parâmetro universal para avaliar as políticas públicas e, em particular, a educação superior, nos diferentes contextos. Neste sentido, duas críticas principais são apresentadas. A primeira, apresentada por Sen, é que a elaboração de uma lista desta natureza, mesmo como uma proposta para discussão pública, poderia prejudicar a participação e as deliberações democráticas, devendo-se deixar sua formulação para os próprios sujeitos afetados pelas políticas públicas específicas. Nesta perspectiva, o próprio debate e a tomada de decisão sobre que capacidades devem ser selecionadas e as condições institucionais necessárias para seu desenvolvimento podem contribuir, por exemplo, para um maior entendimento dos envolvidos no significado e função de capacidades particulares.

A segunda crítica é que especificar uma lista de capacidades imporia direta ou indiretamente uma particular noção de vida boa – com sua visão do que tem valor na vida humana – como melhor do que outras. Nussbaum, que elaborou uma lista de capacidades que devem ser promovidas pelas políticas públicas, argumenta que sua lista está baseada na concepção do que seja uma vida verdadeiramente humana ou digna e não em alguma visão ética ou religiosa abrangente particular sobre a natureza humana. Por outro lado, argumenta que sua lista é para ser objeto de "consenso sobreposto", como propõe John Rawls, entre pessoas que compartilham diferentes doutrinas morais abrangentes, enfatizando que a lista deve ser discutida e sujeita a revisão.

A segunda questão é se a ênfase das políticas públicas, em geral, e da educação superior, em particular, deve recair sobre a promoção das capacidades – a liberdade para escolher conjuntos de funcionamentos alternativos – ou dos funcionamentos – conjunto particular de funcionamentos considerados importantes. A ênfase sobre os funcionamentos poderia implicar que se prescreva uma lista específica que favoreça determinados modos de vida em detrimento de outros ou imponha o modo como as pessoas devem levar suas vidas. Diferentemente, a ênfase nas capacidades equipa-nos para determinar nossos próprios objetivos na vida, escolhendo o conjunto particular de funcionamentos que comporá o modo de vida de cada um.

Para Walker, a elaboração de uma lista de capacidades pode ser uma contribuição importante, desde que para propósitos particulares – por exemplo, para a avaliação da aprendizagem na educação superior e desde que se enfatize a deliberação democrática. Assim, uma lista desta natureza para a educação superior poderia ser esboçada, oferecendo-se justificativas para a necessidade de se promover cada uma das capacidades selecionadas, de forma que possa ser discutida e trabalhada pormenorizadamente pelos envolvidos nos contextos específicos.

Além disso, a autora argumenta que a educação superior tem impacto futuro sobre oportunidades e escolhas dos indivíduos, podendo ser importante promover determinados funcionamentos para que estas oportunidades possam ser aproveitadas e, assim, não somente as capacidades importam na educação de estudantes universitários. Contudo, deve-se favorecer o exercício de determinados funcionamentos, num contexto em que não se prescreva para os estudantes o que eles devem fazer sobre suas próprias vidas e se respeite a pluralidade de concepções de vida boa numa sociedade democrática. A autora sugere que na universidade uma "forma mais fraca de autonomia poderia operar na educação", mas segundo a perspectiva de promover as capacidades humanas.

Para a seleção das capacidades para a educação superior, a autora utiliza os trabalhos de pesquisadores dessa teoria e da educação superior, incluindo estudos empíricos que discutem as capacidades que alunos e professores valorizam, com uma ênfase importante ao que ela chama "as vozes dos estudantes". Walker sugere uma lista de oito capacidades para avaliar a aprendizagem na educação superior. Trata-se de uma lista multidimensional em que cada dimensão é especialmente importante – influenciando e contribuindo para o desenvolvimento das outras e incomensurável –, não podendo nenhuma delas ser reduzida a qualquer outra.

A primeira – razão prática – é a capacidade de fazer escolhas refletidas e socialmente responsáveis. A segunda – resistência educacional – é a capacidade de governar seus estudos, perseverando academicamente e sendo responsável por suas oportunidades educacionais. A terceira – conhecimento e imaginação – é a capacidade de debater questões complexas, utilizando a "imaginação e pensamento crítico para compreender a perspectiva de múltiplos outros e formar julgamento imparcial". A quarta – disposição para aprender – é a capacidade de ter curiosidade e desejo para aprender e a confiança na habilidade para aprender. A quinta – relações e redes sociais – é a capacidade de participar em grupos para uma aprendizagem colaborativa, trabalhando com outros para resolver problemas e tarefas. A sexta – respeito, dignidade e reconhecimento – é a capacidade de respeitar e ser respeitado, valorizando a diversidade humana e demonstrando compaixão pelos outros. A sétima – integridade emocional – é a capacidade de desenvolver as emoções para a imaginação e o entendimento e não estar sujeito a processos pedagógicos que provoquem ansiedade ou medo. A oitava – integridade corporal – é a capacidade de estar seguro e livre de toda forma de perseguição física e verbal.

Trata-se, sem dúvida, de um livro que traz importantes reflexões seja para o desenvolvimento da abordagem das capacidades, seja sobre a aprendizagem na educação superior, contribuindo para o que a autora chama de uma pedagogia participativa e inclusiva, preocupada em promover capacidades que apóiam o desenvolvimento humano e uma sociedade justa e democrática. Suas contribuições podem ser úteis tanto para educadores e pesquisadores que desejam conhecer a teoria das capacidades, quanto para aqueles que vêm trabalhando com esta abordagem e desejam aprofundar seus conhecimentos, em particular para aqueles interessados em educação. Os professores universitários e os pesquisadores da educação superior, em especial, encontrarão neste livro importantes discussões que podem contribuir para a reflexão sobre a prática pedagógica que vem sendo desenvolvida nos diferentes campos disciplinares, oferecendo importantes subsídios para aqueles que pretendem desenvolver pesquisas que objetivem avaliar em que medida estas práticas promovem as capacidades dos alunos, entre outras contribuições.

  • Endereço para correspondência
    Carlos Dimas Martins Ribeiro
    Rua Cândido Mendes, 76 – apto 304 – Glória
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2007
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