Acessibilidade / Reportar erro

Crenças sobre sexualidade entre estudantes de Medicina: uma comparação entre gêneros

Beliefs about sexuality among medical students: a comparison between gender

Resumos

OBJETIVO: Identificar informações sobre sexualidade entre estudantes de Medicina e analisar as diferenças quanto a gênero e ano do curso. MÉTODO: Foi aplicado um questionário estruturado a estudantes da Faculdade de Medicina de Botucatu, com questões sobre sexualidade e vida sexual dos sujeitos. A aplicação ocorreu em sala de aula, sendo que 455 estudantes (82,6%) aceitaram participar do estudo. A análise foi estratificada para gênero e ano do curso, sendo utilizado o teste do qui-quadrado. RESULTADOS: Comparando-se primeiros e últimos anos, observou-se aumento da freqüência de vida sexual ativa, mas não de satisfação. Crenças predominaram sobre crendices, tendo sido observadas diferenças entre os gêneros. Aspectos da sexualidade feminina e da homossexualidade apresentaram um significativo percentual de respostas equivocadas. CONCLUSÕES: Entre estudantes de Medicina ainda persiste desinformação sobre aspectos específicos da sexualidade humana. A formação médica precisa abarcar a sexualidade em seus múltiplos aspectos, capacitando os profissionais a lidarem com a sexualidade de seus pacientes.

Educação Médica; Sexualidade; Estudantes de Medicina; Crenças


OBJECTIVE: Gather information about sex knowledge and sexuality among medical students for analyzing differences related to gender and study year. METHODS: A structured questionnaire was applied to students of the School of Medicine of Botucatu, composed by questions about sexuality and sexual activity. The questionnaire was applied in class and 455 students agreed to participate in the study. The analysis was stratified by gender and study year using chi-square test. RESULTS: A comparison of data obtained from first-year and final-year students revealed an increase in the frequency of active sex life, but not in satisfaction. Beliefs predominate over misbeliefs, with differences among gender. Female sexuality and homosexuality-related aspects however have revealed a significant percentage of erroneous answers. CONCLUSIONS: There still exists disinformation about specific issues of human sexuality among medical students. Medical education thus needs to address sexuality in its multiple aspects for enabling the students to deal with the sexuality of their patients.

Medical Education; Sexuality; Students, Medical; Beliefs


PESQUISA

Crenças sobre sexualidade entre estudantes de Medicina: uma comparação entre gêneros

Beliefs about sexuality among medical students: a comparison between gender

Maria Cristina Pereira Lima; Ana Teresa de Abreu Ramos Cerqueira

Universidade Estadual Paulista, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Cristina Pereira Lima Departamento de Neurologia e Psiquiatria Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp 18618-000 – CP 540 – Rubião Junior – Botucatu E-mail: mclima@fmb.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar informações sobre sexualidade entre estudantes de Medicina e analisar as diferenças quanto a gênero e ano do curso.

MÉTODO: Foi aplicado um questionário estruturado a estudantes da Faculdade de Medicina de Botucatu, com questões sobre sexualidade e vida sexual dos sujeitos. A aplicação ocorreu em sala de aula, sendo que 455 estudantes (82,6%) aceitaram participar do estudo. A análise foi estratificada para gênero e ano do curso, sendo utilizado o teste do qui-quadrado.

RESULTADOS: Comparando-se primeiros e últimos anos, observou-se aumento da freqüência de vida sexual ativa, mas não de satisfação. Crenças predominaram sobre crendices, tendo sido observadas diferenças entre os gêneros. Aspectos da sexualidade feminina e da homossexualidade apresentaram um significativo percentual de respostas equivocadas.

CONCLUSÕES: Entre estudantes de Medicina ainda persiste desinformação sobre aspectos específicos da sexualidade humana. A formação médica precisa abarcar a sexualidade em seus múltiplos aspectos, capacitando os profissionais a lidarem com a sexualidade de seus pacientes.

Palavras-chave: Educação Médica; Sexualidade; Estudantes de Medicina; Crenças.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Gather information about sex knowledge and sexuality among medical students for analyzing differences related to gender and study year.

METHODS: A structured questionnaire was applied to students of the School of Medicine of Botucatu, composed by questions about sexuality and sexual activity. The questionnaire was applied in class and 455 students agreed to participate in the study. The analysis was stratified by gender and study year using chi-square test.

RESULTS: A comparison of data obtained from first-year and final-year students revealed an increase in the frequency of active sex life, but not in satisfaction. Beliefs predominate over misbeliefs, with differences among gender. Female sexuality and homosexuality-related aspects however have revealed a significant percentage of erroneous answers.

CONCLUSIONS: There still exists disinformation about specific issues of human sexuality among medical students. Medical education thus needs to address sexuality in its multiple aspects for enabling the students to deal with the sexuality of their patients.

Key-words: Medical Education; Sexuality; Students, Medical; Beliefs

INTRODUÇÃO

O surgimento da Aids, na década de 1980, e a dificuldade de implementar medidas preventivas relembraram os profissionais da saúde que sexualidade é um tema delicado e complexo, fazendo com que o assunto voltasse a ser amplamente discutido na sociedade. Os médicos, assim como outros profissionais de saúde, ocupam um papel fundamental neste debate, não só pela questão da profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), mas também porque é no contexto do atendimento que muitos pacientes trarão, explicitamente ou não, suas dúvidas, mitos e temores relacionados à atividade sexual.

Nem sempre, no entanto, esses profissionais estarão aptos para investigar as queixas relacionadas à sexualidade e fornecer informações. Ramini1, analisando uma amostra de médicos e de estudantes de Medicina na Argentina, encontrou falhas importantes na obtenção de histórias clínicas no que se refere à sexualidade. O autor enfatizou que a experiência pessoal daqueles profissionais foi o principal norteador da abordagem de questões sobre sexualidade dos pacientes.

Experiências pessoais nem sempre são consideradas satisfatórias pelos sujeitos, podendo influenciar negativamente o manejo dos problemas sexuais dos pacientes, quando usadas como parâmetros pelos médicos. Leite et al.2 avaliaram 240 estudantes do sexo feminino na Universidade de Campinas e observaram que a maior parte dessas estudantes descrevia suas experiências sexuais prévias como negativas. A emergência da sexualidade, para uma porção significativa dos universitários, ocorre no curso superior, o que aumenta a importância da educação sexual para esse grupo, em especial para os estudantes da área da saúde, que deverão tratar do tema com seus futuros pacientes3.

Estudos recentes têm investigado a prática do sexo seguro entre universitários4,5, sendo mais raros os que estudam informações sobre sexualidade. Em 1998, Jablonski6 investigou o nível de informação sobre sexualidade e saúde reprodutiva de universitários de diversos cursos, sendo esse um dos poucos estudos realizados no País sobre esse tema. O autor encontrou níveis de informações muito aquém do esperado para estudantes de nível superior e um certo "descaso" com DST em parte da população estudada, tendo observado ainda diferenças entre homens e mulheres para alguns dos temas abordados na investigação.

Embora as diretrizes curriculares nacionais aprovadas para o curso médico7 não façam menção explícita à temática sexual, sua importância é inegável do ponto de vista de saúde individual e coletiva. Do mesmo modo, é fundamental conhecer o que pensam os universitários acerca da sexualidade, para rever conteúdos curriculares e estratégias pedagógicas para o ensino desse tema.

Este estudo tem como objetivos descrever aspectos gerais da vida sexual de um grupo de estudantes de Medicina, suas crenças e crendices sobre sexualidade, assim como analisar as diferenças encontradas no que diz respeito a gênero e ano de curso.

MÉTODO

Este estudo é parte de uma ampla investigação sobre condições de vida e saúde de estudantes de Medicina8. Trata-se de um estudo transversal, no qual serão analisados apenas aspectos relacionados à sexualidade.

Sujeitos: Consistiu na locação de amostras independentes, sendo elegíveis todos os alunos matriculados do primeiro ao sexto ano no curso médico da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) que estavam presentes em sala de aula no momento da aplicação dos instrumentos e concordaram em responder. A coleta de dados foi agendada previamente com os professores, escolhendo-se disciplinas com menores percentuais de faltas.

Instrumentos: O questionário era composto de três módulos que investigaram características sociodemográficas dos alunos e respectivas famílias, condições de saúde geral e mental, e informações e atitudes em relação à sexualidade. Foram obtidas informações sobre a vida sexual dos sujeitos por meio de questões de múltipla escolha. As crenças e crendices sobre sexualidade foram avaliadas a partir do protocolo desenvolvido por Lourenço (1993) e modificado por Jablonski6. Este questionário apresenta um conjunto de 21 afirmações destinadas a avaliar conceitos em relação à sexualidade, denominados por Jablonski como "crenças" ou "crendices". Segundo Jablonski6, crenças compreendem o "conjunto de conhecimentos que norteará nossas atitudes e comportamentos sexuais, fornecendo-lhes sentido e direção... avalizado em consenso pelos experts (psicólogos, médicos, sexólogos e demais profissionais envolvidos na questão) como sendo o mais correto, de acordo com a literatura atualizada na área". Por outro lado, "crendices seriam crenças sem fundamento objetivo, contrariando asserções científicas... ou ainda saberes populares absurdos... à luz dos conhecimentos atuais" (p. 210). Para cada frase o entrevistado deve escolher entre as opções: sim, com certeza, acho que sim, não com certeza, acho que não e não sei.

Análise dos dados

Os dados foram analisados por intermédio do programa Stata 8.0. Inicialmente, foi feita análise descritiva, com checagem de consistência dos dados. Estimativas de prevalência foram acompanhadas de intervalos de confiança de 95%. As respostas aos 21 itens do questionário de Jablonski foram agrupadas em três categorias (sim, não e não sei), sendo suas freqüências comparadas em relação a gênero, por meio do teste qui-quadrado9. Foi conduzida também uma análise estratificada segundo séries do curso médico, sendo estabelecidos três períodos: primeiro e segundo anos, terceiro e quarto anos, e quinto e sexto anos.

Considerações éticas

O presente trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, tendo sido aprovado em 08-04-2002. Todos os sujeitos foram informados sobre os objetivos da pesquisa e sobre o anonimato do questionário, e assinaram o termo de consentimento ao optarem pela participação.

RESULTADOS

Do total da população-alvo (551 universitários), 86 não responderam ao questionário por estarem ausentes no local de aplicação e 10 se recusaram a participar da pesquisa, totalizando 455 participantes (82,6%). Informações gerais sobre o grupo foram divulgadas anteriormente, tendo predominado mulheres (61,1%) e indivíduos jovens (75,2% com menos de 23 anos)8.

No que diz respeito à vida sexual, os homens relataram ter tido a primeira relação sexual mais cedo e um menor número deles ainda não havia tido relação sexual, quando comparados às mulheres (Tabela 1). Homens e mulheres diferiram ainda em relação à fonte de informação sobre sexualidade, predominando os amigos entre os primeiros. Apenas 3,4% dos homens e 1,1% das mulheres relataram ter tido relação com pessoas do mesmo sexo, uma diferença sem significância estatística.

De modo geral, respostas consideradas crenças predominaram sobre aquelas consideradas crendices (Tabela 2), excetuando-se os itens: "Há dois tipos de orgasmo na mulher: o clitoriano e o vaginal"; "As mulheres têm um ponto G, uma região específica e extremamente sensível no interior da vagina"; "Existem substâncias afrodisíacas" e "A mulher tem a mesma necessidade de sexo que o homem". Neste último item, as crendices predominaram apenas entre as mulheres.

Chama a atenção o fato de quase metade dos alunos considerarem que a habilidade de fazer amor é inata e 9% das moças não terem opinião formada sobre isso. Entre os rapazes, 12% acreditam que precisam de mais de uma parceira para se satisfazer, enquanto apenas 1% das meninas afirma isso. Na questão dos afrodisíacos, foi solicitado aos alunos que listassem as substâncias que conheciam. Foi citada uma série de alimentos (amendoim, chocolates, morangos), perfumes e bebidas (catuaba, vinhos, champanhe), com destaque para as bebidas alcoólicas, mencionadas por 8% dos alunos que afirmaram existirem substâncias afrodisíacas.

Houve diferenças entre os gêneros em sete itens (Tabela 3), predominando entre as mulheres respostas consideradas crendices nas frases "A habilidade de fazer amor é inata" e "A mulher tem a mesma necessidade de sexo que o homem". Quando comparados às mulheres, os homens apresentaram mais respostas consideradas crendices nas questões sobre homossexualidade (itens 8 e 9), necessidade de mais de uma parceira (item 5), importância da simultaneidade do orgasmo (item 12) e riscos de manter relações sexuais durante o período menstrual (item 14). Em alguns questionários, os alunos anotaram ao lado desta última questão que durante a menstruação haveria maior risco de contrair DST.

Nas frases "Em termos de prazer proporcionado um pênis grande exerce apenas uma influência psicológica" e "Uma lésbica preferiria um homem, se fosse um homem de verdade e usasse a técnica correta", houve uma expressiva quantidade de respostas em branco/não sei, embora crenças tenham predominando sobre crendices.

Os demais itens do questionário, além de não diferirem em relação a gênero, apresentaram também elevados percentuais de respostas consideradas crenças. Mais de 70% dos alunos concordou em que "As pessoas com desajustes sexuais conseguem melhorar com o tratamento destes problemas" e em que "A maioria dos problemas é de origem psicológica" (Tabela 2). Cerca de 90% dos alunos discordam de que a única forma de relação sexual normal seja a introdução do pênis na vagina (item 7), de que a masturbação cause problemas para a saúde (item 7) e de que a virgindade seja importante para o casamento (item 18).

A Tabela 3 apresenta os itens que mostraram diferenças significativas nos percentuais de crenças, segundo gênero e estratificado para períodos do curso. As mulheres tenderam a diminuir os percentuais de resposta "em branco/não sei", aumentando as respostas consideradas crenças em todos os itens. Quanto aos homens, cinco itens mostraram percentuais diferentes nos períodos analisados, havendo uma tendência ao aumento das respostas consideradas crenças, excetuando-se apenas o item "Existem substâncias afrodisíacas".

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo coincidem com a afirmação de Abdo3 de que é ao longo do curso superior que muitos jovens iniciam sua vida sexual, como mostram as proporções crescentes de sujeitos com vida sexual ativa ao longo dos períodos analisados. De modo semelhante aos achados de Jablonski6, um quarto dos alunos nunca havia tido relação sexual. No entanto, embora a atividade sexual aumente ao se compararem primeiros e últimos anos, o mesmo não ocorre com a satisfação associada à vida sexual. É possível que, frente à realidade da prática sexual e eventuais dificuldades, idealizações se desfaçam e gerem insatisfações. Ainda com relação à atividade sexual, os percentuais de pessoas que afirmaram já terem feito sexo com pessoas do mesmo sexo foi semelhante aos percentuais observados na população brasileira10.

É bastante positivo que tenham predominado crenças na maior parte das questões. Contudo, observando-se mais atentamente aquelas em que predominam crendices, percebe-se que três delas se referem à sexualidade feminina: "A mulher tem a mesma necessidade de sexo que o homem"; "Há dois tipos de orgasmo na mulher: o clitoriano e o vaginal"; "As mulheres têm um ponto G, uma região específica e extremamente sensível no interior da vagina". Do mesmo modo, no estudo de Jablonski6, os dois últimos itens também receberam mais respostas baseadas em crendices do que em crenças. É possível que razões culturais expliquem esses achados. A sexualidade como um todo e a feminina em especial têm sido historicamente reprimidas, fazendo com que aspectos da sexualidade da mulher sejam desconhecidos inclusive por futuros profissionais de saúde.

Abordando a repressão sexual, Chauí11 relembrou que foi Eva, na Bíblia, quem desobedeceu a Deus e comeu o fruto proibido. Da mesma forma, foram principalmente as mulheres que receberam acusações de bruxaria, de sedução e de um sem-número de artimanhas, que, na história da humanidade, destacaram o perigo e a necessidade de repressão da sexualidade feminina. Falando especificamente de órgãos sexuais, Zwang12 afirmou que esta parte do "corpo feminino é muito menos conhecida que a face oculta da Lua..." e que até mesmo nos tratados de anatomia a representação dos genitais femininos deixava a desejar.

Outra questão em que predominaram crendices foi "Existem substâncias afrodisíacas", tema sobre o qual há muita desinformação entre estes universitários, e certamente entre outros, como pode ser visto pela listagem de substâncias supostamente afrodisíacas que os alunos enumeraram. Para ficar apenas em duas das substâncias citadas, estudo recente mostrou que a catuaba não teve efeitos estimulantes no corpo cavernoso de coelhos13, e o álcool, por sua vez, estaria muito mais ligado à desinibição do que à estimulação propriamente dita, podendo até ter efeitos negativos, dependendo da quantidade ingerida.

Resultados que revelaram maior informação ocorreram nas questões que abordam doenças ligadas à sexualidade. Talvez pela ênfase dada aos aspectos patológicos ao longo do curso médico, estas questões tenderam a receber mais respostas consideradas crenças. São exemplos os itens: "As pessoas que sofrem de desajustes sexuais conseguem melhorar com o tratamento destes problemas", "Um homem ou uma mulher heterossexual dificilmente contrairá o vírus da Aids por via sexual" e "Um feto de sete meses tem mais chance de sobreviver que um de oito meses". A menção ao maior risco de contrair DST na relação sexual durante a menstruação também pode estar associada a esta ênfase nos aspectos patológicos. Fayes et al.14 encontraram resultados semelhantes ao investigarem estudantes de Medicina na Universidade de Bristol. Segundo os autores, aspectos relacionados, por exemplo, à anticoncepção eram bem conhecidos dos alunos, enquanto outros, relacionados ao aborto, não eram. Os autores afirmaram ainda que o efeito dos anos do curso foi surpreendentemente pequeno e que há necessidade de maior educação sexual para futuros médicos, bem como para a população em geral.

Nas questões sobre homossexualidade, observam-se proporções elevadas de alunos que a consideram uma doença, apesar de a Organização Mundial de Saúde tê-la excluído da Classificação Internacional das Doenças há muitos anos15. A questão "Uma lésbica preferiria um homem, se fosse um homem de verdade e usasse a técnica correta" mostrou-se diferente nos três períodos do curso. Como este é um estudo transversal, não é possível identificar eventuais mudanças entre alunos nos primeiros e nos últimos anos. Tampouco é possível verificar quanto das eventuais mudanças decorre da aprendizagem obtida com as disciplinas do curso ou de experiências pessoais.

Idealizações e preconceitos provavelmente respondem pela afirmação "Um orgasmo tem que ocorrer simultaneamente para que a relação do casal seja gratificante" ter recebido um número tão expressivo de respostas consideradas crendices. Tabus relacionados ao tamanho do pênis e aos efeitos maléficos da masturbação parecem ter sido superados pelos universitários, mas as estudantes ainda parecem ter dúvidas sobre a igualdade entre os sexos. Assim, as alunas discordaram da afirmação "Para um homem satisfazer-se sexualmente ele precisa de mais de uma companheira" (item 5), mas não conseguirem decidir se as necessidades sexuais de homens e mulheres são semelhantes (item 3).

Durante a formação de médicos, bem como de outros profissionais da área da saúde, é fundamental capacitá-los a lidar com as questões da sexualidade de seus pacientes. Um levantamento realizado junto a adolescentes16 indicou que estes buscavam informações, mas apresentavam nível de informação insuficiente sobre DST e contracepção. Entre os jovens desse estudo, apenas três haviam procurado informações com médicos. Uma das hipóteses que os autores levantam para isto é que talvez os profissionais não se sintam preparados para abordar questões sobre sexualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Homens e mulheres diferem em diversos aspectos no modo como vivenciam a sexualidade, sofrendo influência marcante do contexto sociocultural. Embora as instituições de ensino não possam reescrever o contexto em que seus estudantes se formaram, visto que elas próprias se inserem nesta estrutura, seria desejável criar ou ampliar espaços reflexivos sobre a sexualidade. Neste estudo, de modo geral, questões relacionadas ao adoecer tiveram maior percentual de respostas de crença, o que permite levantar a hipótese de que "aspectos patológicos" estejam tendo maior relevância nos conteúdos programáticos do que os "não-patológicos", para evitar o termo "normal", tão carregado de significados quando se fala em sexualidade.

Uma das premissas das novas diretrizes curriculares para os cursos da área da saúde é ampliar a visão sobre o sujeito para além das doenças que o acometem. A ausência explícita da sexualidade nestas diretrizes pode significar apenas que ela está subentendida quando se fala em saúde, cidadania ou atenção integral à pessoa. Todavia, pode também estar relacionada à repressão sexual, em suas formas mais subliminares. Como lembra Chauí11, a "repressão perfeita é aquela que já não é sentida como tal, isto é, aquela que se realiza como auto-repressão, graças à interiorização dos códigos de permissão, proibição e punição de nossa sociedade (p. 13)".

Um interessante exercício para as instituições que formam profissionais de saúde seria começar a refletir sobre a sexualidade dos sujeitos, ampliando o acesso à informação e capacitando os futuros profissionais a lidarem com ela. Mesmo em cenários de ensino inovadores, é possível que nos surpreendamos trabalhando com velhos paradigmas e, ainda que involuntariamente, a serviço da silenciosa e sempre presente repressão sexual.

CONTRIBUIÇÃO DAS AUTORAS

Todas as autoras contribuíram na revisão bibliográfica, na fase de coleta de dados, na discussão e finalização do artigo.

Recebido em: 09/08/2007

Aprovado em: 14/09/2007

Conflitos de Interesse Declarou não haver.

  • 1. Ramini JAF. Insuficiente educación sexual em Medicina. Acta Psiquiatr Psicol Am Lat 1992;38:123-30.
  • 2. Leite RMC, Buoncompagno EM, Leite ACC, Mergulho EA, Battistoni MMM. Psychosexual characteristics of female university students in Brazil. Adolescence 1994;29:439-60.
  • 3. Abdo CHN. Aspectos da sexualidade de uma população universitária. São Paulo; 1989. Doutorado [Tese] - Universidade de São Paulo.
  • 4. Fagundes ML, Faria MA, Malc JC. Uso e conhecimento contraceptivo entre estudantes de medicina. Femina 1993;6:593-7.
  • 5. Pirotta KCM, Schor N. Intenções reprodutivas e práticas de regulação da fecundidade entre universitários. Rev Saude Publica 2004;38:495-502.
  • 6. Jablonski B. Crenças e crendices sobre sexualidade humana. Psic.: Teor. e Pesq 1998;14:209-18.
  • 7. Almeida M. Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos universitários da Área da Saúde. Londrina: Rede Unida; 2003.
  • 8. Lima MCP, Domingues MS, Cerqueira ATAR. Prevalência e fatores de risco para transtornos mentais comuns entre estudantes de medicina. Rev Saude Publica 2006;40:1035-41.
  • 9. Hennekens CH, Buring JE. Epidemiology in Medicine. Boston: Little, Brown & Co. ;1987.
  • 10. Barbosa RM, Koyama MAH. Mulheres que fazem sexo com mulheres: alguns estimativas para o Brasil. Cad Saude Publica 2006;22:1511-4.
  • 11. Chauí M. Repressão sexual. São Paulo: Brasiliense; 1984.
  • 12. Zwang, G. O sexo da mulher. São Paulo: UNESP; 1997.
  • 13. Kletter C, Glasl S, Presser A, Werner I, Reznicek G, Narantuya S e cols. Morphological, chemical and functional analysis of catuaba preparations. Planta Med 2004;70:993-1000.
  • 14. Fayes T, Crowley T, Jenklins JM, Cahill DJ. Medical student awareness of sexual health is poor. Int J STD AIDS 2003;14:386-9.
  • 15
    Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.
  • 16. Romero KT, Medeiros EHGR, Vitalle MSS, Wehba J. O conhecimento das adolescentes sobre questões relacionadas ao sexo. Rev Assoc Med Bras 2007; 53(1):14-9.
  • Endereço para correspondência:
    Maria Cristina Pereira Lima
    Departamento de Neurologia e Psiquiatria
    Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp
    18618-000 – CP 540 – Rubião Junior – Botucatu
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      14 Set 2007
    • Recebido
      09 Ago 2007
    Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
    E-mail: rbem.abem@gmail.com