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Capacitação do médico para comunicar más notícias à criança

Enabling physicians to communicate bad news to children

Resumos

O movimento de humanização na saúde impulsionou pesquisas sobre a inclusão de assuntos polêmicos nos currículos médicos, assim como de estratégias inovadoras para capacitar futuros profissionais. Com o objetivo de incluir no currículo atividades que habilitem os alunos de medicina a enfrentar situações difíceis, este estudo investigou a opinião de médicos que atendem crianças a respeito de como dar à criança informações sobre doenças de prognóstico incerto e como os profissionais se instrumentaram para enfrentar essas situações. Para tanto, 53 médicos responderam a um questionário semi-estruturado. A maioria dos médicos opinou que a criança tem direito a essas informações e 70% da amostra já haviam enfrentado essa situação. Independentemente do tempo de formados, 48% dos sujeitos discutiram o assunto na graduação e residência, mas apenas 30% relataram ter recebido habilitação específica. Os médicos mais velhos disseram ter aprendido observando modelos. Discute-se a necessidade de contemplar novos conhecimentos científicos e novas estratégias de aprendizagem, como o role-playing, para tópicos que, ao lado do conhecimento científico, envolvem fatores emocionais e de ordem ética e legal.

Comunicação; Relações médico-paciente; Educação médica; Criança hospitalizada


The movement toward humanization of medicine stimulated new studies about inclusion of controversial subjects in the curriculum of the medical courses and alternative strategies for qualifying the future professionals. The present study investigated the opinion of physicians that attend children with respect to how they convey information about diseases of uncertain prognosis. The study also analyzed how these professionals were equipped to exercise this function, aiming to include in the curriculum strategies that help future doctors to cope with these situations. Fifty-three pediatricians responded a semi-structured questionnaire. The majority of the sample believed that children have the right to such information; 70% had already been exposed to this kind of situation. Independently how long ago they graduated, 48% had discussed the subject during medical school and residency but only 30% acknowledged having had specific training on this subject. Older physicians reported that they had learned by observing professionals with whom they worked. The article discusses the need of considering new teaching strategies such as role-playing for issues that, in addition to the scientific knowledge, involve emotional, ethical and legal aspects.

Communication; Doctor-patient relation; Education, medical; Child, hospitalized


PESQUISA

Capacitação do médico para comunicar más notícias à criança

Enabling physicians to communicate bad news to children

Gimol Benzaquen Perosa; Priscila Moreci Ranzani

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Faculdade de Medicina de Botucatu, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Gimol Benzaquen Perosa Departamento de Neurologia e Psiquiatria Rubião Júnior, s/n - Botucatu CEP 18618-970 / SP E-mail: gimol@fmb.unesp.br

RESUMO

O movimento de humanização na saúde impulsionou pesquisas sobre a inclusão de assuntos polêmicos nos currículos médicos, assim como de estratégias inovadoras para capacitar futuros profissionais. Com o objetivo de incluir no currículo atividades que habilitem os alunos de medicina a enfrentar situações difíceis, este estudo investigou a opinião de médicos que atendem crianças a respeito de como dar à criança informações sobre doenças de prognóstico incerto e como os profissionais se instrumentaram para enfrentar essas situações. Para tanto, 53 médicos responderam a um questionário semi-estruturado. A maioria dos médicos opinou que a criança tem direito a essas informações e 70% da amostra já haviam enfrentado essa situação. Independentemente do tempo de formados, 48% dos sujeitos discutiram o assunto na graduação e residência, mas apenas 30% relataram ter recebido habilitação específica. Os médicos mais velhos disseram ter aprendido observando modelos. Discute-se a necessidade de contemplar novos conhecimentos científicos e novas estratégias de aprendizagem, como o role-playing, para tópicos que, ao lado do conhecimento científico, envolvem fatores emocionais e de ordem ética e legal.

Palavras-chave: Comunicação; Relações médico-paciente; Educação médica; Criança hospitalizada.

ABSTRACT

The movement toward humanization of medicine stimulated new studies about inclusion of controversial subjects in the curriculum of the medical courses and alternative strategies for qualifying the future professionals. The present study investigated the opinion of physicians that attend children with respect to how they convey information about diseases of uncertain prognosis. The study also analyzed how these professionals were equipped to exercise this function, aiming to include in the curriculum strategies that help future doctors to cope with these situations. Fifty-three pediatricians responded a semi-structured questionnaire. The majority of the sample believed that children have the right to such information; 70% had already been exposed to this kind of situation. Independently how long ago they graduated, 48% had discussed the subject during medical school and residency but only 30% acknowledged having had specific training on this subject. Older physicians reported that they had learned by observing professionals with whom they worked. The article discusses the need of considering new teaching strategies such as role-playing for issues that, in addition to the scientific knowledge, involve emotional, ethical and legal aspects.

Key words: Communication; Doctor-patient relation; Education, medical; Child, hospitalized.

INTRODUÇÃO

Apesar de a morte ser uma constante no trabalho dos profissionais da saúde, essa problemática é pouco explorada nos currículos de Medicina e de Enfermagem, o que ocasiona uma abordagem inadequada e aumenta desnecessariamente o sofrimento do médico e do paciente, em especial daqueles sem expectativa de cura1.

No que toca à comunicação de más noticias, uma revisão de literatura2 encomendada pela OMS nos anos 1990 mostrou que a preocupação maior dos pesquisadores está centrada na importância (ou não) de informar o paciente o quanto ele deve saber, mas que pouca atenção tem sido dada à capacitação do médico para enfrentar essas situações. O estudo detectou que os médicos assumem três posturas com relação a quanto informar: uns defendem que a informação tem que ser dada sempre, na íntegra, independentemente das percepções ou necessidades individuais do paciente; outros pregam exatamente o contrário: em nenhuma circunstância os pacientes devem ser informados de doença letal, e o profissional deve lançar mão de mentiras e enganos para garantir a adesão ao possível tratamento; a terceira visão, uma abordagem mais flexível, recomenda levar em conta fatores psicológicos e sociológicos, mas os profissionais que defendem essa tendência esclarecem pouco como respeitar a subjetividade e como se deve dar a notícia. Uma análise retrospectiva mostrou que cada uma dessas tendências representou o pensamento majoritário de determinada época. Se em trabalhos mais antigos, da década de 1960, a maioria dos médicos preferia não contar aos pacientes que eles tinham câncer, uma pesquisa realizada nos anos 1970 verificou que a maioria dos entrevistados se sentia na obrigação de dar toda a informação possível3.

Se essa questão ainda é muito debatida com relação a pacientes adultos, quando se trata da criança, o tópico é muito pouco abordado. Os manuais editados nos anos 1990 para facilitar a comunicação de más noticias nos serviços de emergência pouca referência fazem a pacientes pediátricos, e, mesmo nesses casos, a maior preocupação está em como informar os pais. Assim, Greenberg et al.4 se propuseram a habilitar alunos a notificar, da melhor forma possível, pais de crianças que haviam ido a óbito devido a acidente de carro ou bebês trazidos à emergência por morte súbita. Em outra pesquisa, Krahn, Hallum e Kime5 entrevistaram pais de bebês que haviam recebido diagnóstico de atraso do desenvolvimento associado a etiologias diversas para saber que estratégia os pais consideravam a forma mais adequada para receber essa notícia.

A comunicação direta com a criança não é usual nos atendimentos pediátricos. Mesmo em consultas de rotina, de pouca gravidade, a criança tem tido uma participação bastante pequena. Os médicos pedem às crianças que descrevam os sintomas, mas tendem a excluí-las das informações referentes a diagnóstico e tratamento. O médico se dirige principalmente aos pais, possivelmente pela dificuldade de abordar diretamente as crianças pequenas ou guiado pela crença de que elas podem não compreender as explicações, assustar-se e sofrer perturbações emocionais. Não revelar informações seria uma forma de protegê-las6.

Atualmente, várias pesquisas demonstram que, desde idade muito precoce, as crianças compreendem as informações médicas. Segundo achados recentes, a aquisição dos conceitos de saúde e doença se inicia quando a criança tem de quatro a seis anos, e a compreensão da etiologia, prevenção e cura das doenças vai amadurecendo como conseqüência do aumento da idade e da experiência7,8,9. Comprovou-se, inclusive, que a comunicação direta entre o profissional e a criança, principalmente quando ela é portadora de quadros crônicos, contribui para melhorar a adesão ao tratamento, satisfação com o atendimento, e uma conseqüente melhora do prognóstico10,11.

Possivelmente a situação mais difícil e dramática para o médico ocorre quando o profissional tem que informar a uma criança que ela é portadora de quadro de prognóstico reservado ou de doenças em estágio terminal. Nesses momentos, os profissionais se deparam com diversas questões que não se restringem ao aspecto técnico-científico, mas adentram o campo da subjetividade e da ética. O assunto ainda é pouco abordado nas publicações, mas, nos poucos artigos encontrados, percebe-se que é uma questão polêmica e sem consenso.

Adotando uma posição radical, Nitscke et al.12 se propuseram a oferecer todas as informações possíveis a seus pacientes infantis com câncer em estágio terminal. Com o consentimento dos pais, crianças com mais de três anos eram informadas sobre o diagnóstico (câncer) e a possibilidade de morte caso não houvesse tratamento. Se este procedimento levantou várias polêmicas e desacordos, a maioria dos autores pareceu adotar uma posição mais conciliatória, apesar de reconhecer que, independentemente da idade, a honestidade era a melhor política frente à morte iminente. Em seus artigos, esses profissionais se posicionam a favor da escuta como a melhor conduta para avaliar que tipo de informação a criança quer naquele momento13,14,15.

Embora a maioria dos profissionais preconize que a criança tem que ser informada e consultada, um trabalho observacional, desenvolvido por Tates e Meeuwesen11, mostrou que, na prática, a atitude mais comum dos pediatras ainda é o silêncio ou o mascaramento da situação.

Para os educadores, a questão que se coloca em primeiro lugar é o que se entende, no contexto pediátrico, por uma má notícia. Se o trabalho de Nitscke et al.12 abordou pacientes terminais, há vários outros médicos que consideram más noticias contar à criança as limitações que doenças e tratamentos vão impor à sua rotina e a conseqüente perda de qualidade de vida. Por outro lado, urge saber como capacitar os futuros médicos a enfrentar essas situações difíceis: discutir as regras morais que estão por trás da decisão de contar ou não contar? Oferecer treinamento formal? Avaliar os aspectos subjetivos envolvidos e os sentimentos que essa situação desperta no próprio médico?

Dentro de uma reforma curricular que pretende contemplar uma visão humanista da relação médico-paciente, antes de planejar ações, este trabalho teve por objetivo resgatar, junto a profissionais de saúde que atendem crianças, o que consideram uma má notícia, a necessidade de transmiti-la à criança e como foram capacitados para essa função.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal que se propôs a avaliar como a população de médicos de um hospital-escola que atendia crianças, em contextos diversos - ambulatório, pronto-socorro, enfermaria e UTI pediátrica - se posicionava quanto a comunicar à criança uma má noticia. Alguns sujeitos eram pediatras generalistas, e outros, médicos de especialidades. O estudo foi realizado após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da FMB-Unesp.

Utilizou-se um questionário semi-estruturado, baseado em similar elaborado por Oken3, para médicos que atendiam pacientes adultos (AnexoAnexo). A primeira parte do questionário visava levantar um perfil sociodemográfico dos médicos. A segunda parte compreendia um conjunto de questões abertas e fechadas, que versavam sobre o conceito de má notícia para a criança, a necessidade de comunicá-la e, se em sua prática, o médico tinha que enfrentar essas situações. Interessava, principalmente, como o médico se capacitou para essa função: as oportunidades de discussão desse tema, os treinamentos específicos na educação formal e informal e os sentimentos que essa situação despertava.

Tabularam-se as informações relativas à caracterização dos sujeitos da amostra. Para analisar a questão aberta, a metodologia utilizada foi a análise de conteúdo baseada no referencial de Bardin16. Tanto essas categorias quanto os diferentes tópicos do questionário foram quantificados em termos de freqüência, porcentagem e incidência, de acordo com a natureza da variável. Para interpretar os dados, as variáveis foram cruzadas e se aplicou o Teste Exato de Fisher, com nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Dos 78 questionários distribuídos houve um retorno de 68%, isto é, 53 médicos responderam ao questionário (25 médicos e 28 residentes). Grande parte dos médicos tinha de um a dez anos de formada (56,6%), 11,3% eram recém-formados (menos de um ano), 15,1% estavam formados de 11 a 20 anos e 17% tinham mais de 21 anos de formados.

Não houve uma forma única de definir a má notícia, mas a maioria da amostra (57,14%) a definiu como "a necessidade de comunicar um diagnóstico ou prognóstico ruim". Alguns médicos mais novos, com idade entre 22 e 29 anos, incluíram na definição o fato de a informação provocar algum tipo de conseqüência emocional à criança, enquanto 50% dos médicos mais velhos, com mais de 51 anos, acrescentaram a dificuldade de comunicar à criança que ela seria submetida a um procedimento doloroso. A maioria dos médicos (76,2%) e dos residentes (64,3%) já tinha vivenciado essa situação em sua prática profissional.

Com relação ao sentimento do médico ao dar a má noticia à criança, 43% referiram a tristeza como sentimento prevalente e 40% dos respondentes relataram ter a sensação de dever cumprido.

Apesar de a maioria dos sujeitos (69,8%) ter relatado que não recebeu ensinamentos específicos em sua formação (Tabela 1), poucos referiram sentimentos de insegurança ou constrangimento ao enfrentarem a situação. Uma parcela de 83,3% dos médicos formados há um ano, em oposição aos médicos formados há mais tempo, disse ter recebido, durante a graduação, ensinamentos específicos e treinamento para dar más notícias à criança.

Uma parcela maior de sujeitos (48,1%) referiu ter discutido o tema durante a graduação ou residência (Tabela 2). Todos os recém-formados e 50% dos formados até dez anos atrás relataram ter discutido a comunicação de más notícias durante o curso, em oposição a 25% dos médicos com mais de dez anos de formados e 20% dos sujeitos formados há mais tempo.

Todos os participantes da pesquisa consideraram importante contemplar tópicos referentes à comunicação de más notícias, inclusive a crianças, no currículo médico atual. Os sujeitos foram unânimes em afirmar que, antes de informar a criança, é preciso notificar os pais ou responsáveis. Com o consentimento destes, houve relatos diferentes de como atuar: enquanto 50% dos residentes disseram acreditar que a criança deve receber toda a informação, 70% dos médicos com mais experiência no serviço relataram que elas deveriam receber apenas uma parcela das informações.

DISCUSSÃO

A análise dos dados parece mostrar que a maioria dos profissionais reconheceu, de forma quase unânime, que a criança deve ser posta a par do seu estado de saúde e dos procedimentos aos quais vai ser submetida, mas ainda é polêmica a definição do que é uma má notícia e como a criança deve ser informada. A grande maioria da amostra pareceu optar por uma atitude cautelosa, informando primeiramente os pais, e, no caso dos médicos mais velhos, oferecendo à criança apenas parte das informações. Essa atitude parece ser a de maior consenso na literatura15.

A crença de que informar a criança faz parte da função do médico ganha força quando os sujeitos da presente pesquisa relataram que ao notificarem a criança eles tinham a sensação de dever cumprido.

O relato dos entrevistados, especialmente dos formados nos últimos anos, parece mostrar que esse tópico tem ocupado um espaço maior nos currículos médicos, sob a forma de discussões. No entanto, não se percebeu uma preocupação em criar condições de aprendizagem facilitadoras.

Artigos recentes dão conta de que, na graduação, há uma ênfase deficitária e inadequada nos aspectos psicológicos e uma ignorância da problemática da morte, assim como do preparo para lidar com outras situações difíceis17. Segundo Quintana, Cecin e Henn1, isto não seria um mero acaso. Por trás do descaso para com o tema haveria a intenção de preparar o aluno para lidar com essa problemática por meio do mecanismo de negação. A negação da vulnerabilidade pessoal e emocional do aluno seria incentivada pela escola médica. O sofrimento frente à doença seria visto como covardia ou fraqueza, havendo uma necessidade de demonstrar resistência emocional diante do grupo e escárnio frente à morte para provar que foi talhado para a profissão18. Segundo Zaidhaft19, são muito freqüentes as frases: "não se envolva com o paciente", "para aprender é assim mesmo", "se você fica sofrendo a cada paciente que morre, você não agüenta e larga a medicina". Para o autor, por trás da ideologia do não envolvimento está uma tentativa de afastar o médico da sua própria finitude, da de seus entes queridos e dos limites da própria medicina frente à vida.

A conseqüência disso é que, em muitos casos, mesmo sabendo da importância de colocar o paciente a par de seus problemas, o médico formado resiste em informar o diagnóstico de forma explicita, não respondendo às perguntas. Outras vezes, de forma implícita, recorre a termos técnicos que mais ocultam do que transmitem informações. Freqüentemente, o desejo de manter o paciente na ignorância é compartilhado pela família, e se estabelece um acordo tácito que impõe que a pessoa morra sem saber que vai morrer, mesmo que seu corpo esteja emitindo sinais de deterioração e que o tratamento esteja se tornando mais agressivo, sem resultados palpáveis.

Com a mudança dos atuais currículos, que incentivam o contato direto com o paciente desde o início do curso, as angústias de vivenciar a ambigüidade entre o desejo de salvar o paciente e os limites, sejam eles técnicos, sociais ou pessoais, ocorrem com os alunos bem precocemente. Percebe-se que há necessidade de retaguarda psicológica para que o aluno possa enfrentar essa nova realidade, o que nem sempre tem sido incorporado, efetivamente, nos currículos oficiais.

Nesta pesquisa, uma minoria dos sujeitos referiu ter sido capacitado para dar más notícias, no ensino regular. Segundo Premi2, é provável que os profissionais continuem se instrumentando a partir da auto-aprendizagem ou copiando professores mais graduados, como relataram alguns dos sujeitos mais velhos da pesquisa. Mas a oportunidade de aprendizagem a partir da observação do modelo vem se tornando cada vez mais rara com o número crescente de alunos por turma e a pulverização da responsabilidade pelo paciente.

Premi2, baseado na experiência geral e em conhecimentos convencionais, propõe algumas estratégias para a comunicação de más noticias, como dar ao paciente o controle sobre a quantidade e distribuição temporal das informações, minimizar a má noticia com uma boa notícia, nunca mentir, etc. Mas, como o próprio autor reconhece, não há regras de ouro, e às vezes é bastante difícil diferenciar o quanto o paciente quer saber, como reagirá e o sofrimento que essas informações trazem para o próprio profissional.

Em se tratando especificamente de crianças, os alunos precisariam ter noções básicas do desenvolvimento cognitivo, para entender como crianças de determinada idade compreendem o processo saúde-doença e morte, assim como a melhor maneira de fornecer-lhes informações. Por exemplo, utilizar comparações e metáforas para crianças menores, na faixa de quatro a seis anos, explicar os procedimentos atendo-se aos aspectos externos (o corte, a sedação, a sala de cirurgia) e deixar as explicações anatômicas para adolescentes que tiverem alcançado o estágio lógico-formal, por volta dos 12 anos de idade20,21.

Ao lado dessas informações científicas, propõe-se a inclusão formal de vivências durante a graduação que recorram a outras estratégias de ensino, como, por exemplo, o emprego de técnicas psicodramáticas. Já há trabalhos nessa linha, mas são experiências esporádicas, sem a força transformadora necessária para aliviar a ansiedade e humanizar o ensino22.

Os jogos dramáticos e o sociodrama possibilitariam abordar a polêmica moral e ética envolvida na tomada de decisão sobre informar ou não à criança. Pesquisadores que analisaram relatos de alunos de graduação do curso médico verificaram que, apesar da visão organicista vigente na maioria das faculdades, eles têm a percepção de que várias decisões na sua ação profissional não são pautadas apenas pela objetividade, mas influenciadas pela subjetividade, tanto deles quanto do paciente. Segundo Ramos-Cerqueira et al.22, as situações trazidas por esses alunos em dramatizações explicitam a ansiedade que essa descoberta provoca e, paralelamente, o alívio de ver que essas sensações são compartilhadas com os outros alunos e com a comunidade médica de forma mais ampla.

As grandes polêmicas atuais - e, certamente, lidar com a morte é uma delas - não serão solucionadas no âmbito restrito do ensino médico, mas nele têm que ser debatidas. O relato dos médicos entrevistados, dando conta de que esse assunto foi abordado durante a formação, é um sinal positivo, mas a ausência de capacitação mais específica precisa ser levada em conta. Estar convencido de que o paciente tem direito à informação não garante que ela seja transmitida se a situação for avaliada como muito difícil. Nesse sentido, as atividades de role-playing, utilizadas como recurso didático em vários cursos de Psicologia Médica, poderiam capacitar o aluno a desempenhar o papel de comunicador em uma situação protegida, recebendo feedbacks do grupo sobre seu desempenho e sugestões23.

No contexto médico, a comunicação de más notícias é um processo estressante tanto para o paciente quanto para o médico. Estudos mostram que, antes de informar o paciente, o médico vive um estresse antecipatório, medo e ansiedade. Os estudantes de Medicina relatam, ainda, incerteza em como lidar com as reações do paciente24. Os treinamentos pré-programados durante o curso poderão diminuir a sensação de desconforto4 e ajudar o aluno e o médico a encontrar formas de enfrentamento para lidar com o estresse que essa situação provoca, reduzindo a ansiedade e tornando a comunicação mais efetiva.

Recebido em: 14/02/2007

Reencaminhado em: 06/02/2008

Aprovado em: 14/03/2008

CONFLITOS DE INTERESSE: Declarou não haver

ANEXO: O questionário utilizado está disponível para consulta em http://www.educacaomedica.org.br/Anexos

  • 1. Quintana MA, Cecim OS, Henn CG. O preparo para lidar com a morte na formação do profissional de Medicina. Rev. Bras. Educ. Méd. 2002;26(3):204-210.
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  • 14. Shumway CN, Grossman L, Sarles LM. Editorial correspondence: therapeutic choice by children with cancer. The Journal of Pediatrics. 1983;103(1):168.
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Anexo

  • Endereço para correspondência
    Gimol Benzaquen Perosa
    Departamento de Neurologia e Psiquiatria
    Rubião Júnior, s/n - Botucatu
    CEP 18618-970 / SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Revisado
      16 Fev 2008
    • Recebido
      14 Fev 2007
    • Aceito
      14 Mar 2008
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