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Educação permanente: uma estratégia metodológica para os professores da saúde

Continuing education: a methodological strategy for health teachers

Resumos

Apresenta-se a discussão do "Grupo de Educação Permanente" do curso de Medicina da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac/Lages-SC) acerca da experiência que desenvolve na capacitação dos professores da saúde. As principais reflexões se voltam à estratégia metodológica de trabalho adotada pelo grupo, que tem como desafio desenvolver a capacidade de aprender a aprender, cujo processo se refere às aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão de conhecimentos. Esta mudança paradigmática diz respeito à busca de uma educação fundamentada na autonomia, no respeito à diferença e na construção de vínculos. As informações aqui registradas permitem analisar a evolução desse trabalho em vários aspectos e constituem fonte de pesquisa e reflexão para a continuidade de nossa proposta de educação permanente.

Professores da saúde; Estratégia metodológica; Educação permanente


This article presents a discussion of the "Permanent Education Group" of the medical course of the Planalto Catarinense University (Uniplac/Lages-SC), about its experience in the qualification of medical teachers. The main reflections are focused on the methodological strategy adopted by the group, whose biggest challenge proved to be the development of the capacity of learning to learn, i.e. the learning process used by the individual itself, without transmission of knowledge. These paradigmatic change aims at education based on autonomy, respect for the differences and construction of links. The information here registered, allows analyzing the evolution of this work, and constitutes a basis for research and reflections about the continuation of our proposal of continuing education.

Medical teachers; Methodological strategy; Continuing education


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Educação permanente: uma estratégia metodológica para os professores da saúde

Continuing education: a methodological strategy for health teachers

Marina Patrício Arruda; Aliete Perin Araújo; Geraldo Augusto Locks; Fernando Luiz Pagliosa

Universidade do Planalto Catarinense, Santa Catarina, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marina Patrício Arruda Uniplac / Lages Av. Castelo Branco, 170 Bairro Universitário - Lages Caixa Postal 525 CEP.: 88509-900 / SC E-mail: marininh@terra.com.br

RESUMO

Apresenta-se a discussão do "Grupo de Educação Permanente" do curso de Medicina da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac/Lages-SC) acerca da experiência que desenvolve na capacitação dos professores da saúde. As principais reflexões se voltam à estratégia metodológica de trabalho adotada pelo grupo, que tem como desafio desenvolver a capacidade de aprender a aprender, cujo processo se refere às aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão de conhecimentos. Esta mudança paradigmática diz respeito à busca de uma educação fundamentada na autonomia, no respeito à diferença e na construção de vínculos. As informações aqui registradas permitem analisar a evolução desse trabalho em vários aspectos e constituem fonte de pesquisa e reflexão para a continuidade de nossa proposta de educação permanente.

Palavras-chave: Professores da saúde; Estratégia metodológica; Educação permanente.

ABSTRACT

This article presents a discussion of the "Permanent Education Group" of the medical course of the Planalto Catarinense University (Uniplac/Lages-SC), about its experience in the qualification of medical teachers. The main reflections are focused on the methodological strategy adopted by the group, whose biggest challenge proved to be the development of the capacity of learning to learn, i.e. the learning process used by the individual itself, without transmission of knowledge. These paradigmatic change aims at education based on autonomy, respect for the differences and construction of links. The information here registered, allows analyzing the evolution of this work, and constitutes a basis for research and reflections about the continuation of our proposal of continuing education.

Key words: Medical teachers; Methodological strategy; Continuing education.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ao apontar novas configurações para os padrões curriculares da educação médica, indica a necessidade de uma reestruturação dos cursos de graduação e de mudanças paradigmáticas para os professores que nela atuam. Desta feita, discutir estratégias para a capacitação de professores implica refletir sobre uma base conceitual, filosófica e metodológica capaz de subsidiar os cursos da saúde na criação de uma massa crítica que possa atuar tanto na educação como na prática e, sobretudo, na promoção de mudanças em qualquer desses espaços1.

Neste sentido, trataremos aqui de uma experiência que vem sendo desenvolvida no curso de Medicina da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac-SC) pelo Edupe (Grupo de Educação Permanente), cujo maior desafio tem sido desenvolver a capacidade de aprender a aprender. Este processo se refere às aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e experiências, e diz respeito à busca de uma educação fundamentada na autonomia, no respeito à diferença e na construção de vínculos2.

Esta reflexão é subsidiada por vários autores que se firmaram nas últimas décadas e que fundamentam um paradigma de complexidade3-6. Educar para pensar globalmente vem sendo destacado como um dos sete saberes essenciais à era planetária porque, diante da velocidade com que o conhecimento é produzido e envelhece, não adianta acumular informações7. É preciso saber pensar, refletir sobre a realidade e a partir dela. Concentramos, então, nossos esforços na reforma do pensamento, para permitir o uso integral da inteligência de modo a entender a complexidade do nosso tempo, nossos dilemas e nossos desafios como professores universitários de um mundo em vertiginosa mudança.

A ESTRATÉGIA DA EDUCAÇÃO PERMANENTE E O EDUPE

A Educação Permanente em Saúde (EPS), tal como concebida pelos gestores do Ministério da Saúde, adota como pressuposto pedagógico a noção de aprendizagem significativa - aprendizado de algo que faça sentido para os sujeitos envolvidos de modo que os processos de capacitação sejam estruturados a partir da problematização dos processos de trabalho8,9. Dessa forma, a educação permanente é entendida como aprendizagem no trabalho, quando o aprender se incorpora ao cotidiano das organizações e ao trabalho. O objetivo central dessa proposta é a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho, tomando como referência as necessidades de saúde das pessoas e das populações, da gestão setorial e do controle social em saúde, propiciando as seguintes transformações: democratização institucional, desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, desenvolvimento de capacidades docentes e de enfrentamento criativo das situações10.

A Educação Permanente em Saúde apresenta-se como uma proposta de ação estratégica capaz de contribuir para a transformação dos processos formativos, das práticas pedagógicas e de saúde11. A idéia é que os profissionais da saúde se aproximem cada vez mais dos pacientes, levando em conta as necessidades do lugar em que estes vivem. Este processo tem como pressuposto que para aprender não basta transferir conhecimento, é preciso criar um ambiente propício à construção compartilhada do conhecimento, quando o "escutar" se torna mais importante que o "falar". O bom escutador fala e diz sua posição com desenvoltura3.

Este movimento pedagógico constitui, sem dúvida alguma, um grande desafio institucional, e várias são as estratégias utilizadas para este enfrentamento. Uma delas diz respeito ao trabalho desenvolvido pelos professores da Universidade do Planalto Catarinense que realizam atividades de Educação Permanente (EP) num espaço de reflexão teórico-prática. Nomeado Edupe (Grupo de Educação Permanente), o grupo considera que a importância da educação permanente está em possibilitar, ao mesmo tempo, o desenvolvimento pessoal e profissional daqueles que trabalham na saúde. Esta estratégia metodológica é adotada para propiciar aos participantes, por intermédio do acompanhamento de um mediador, a reflexão acerca do processo de trabalho por meio de questões da prática cotidiana e das trocas de experiências para o crescimento e melhoria profissional. O mediador, consciente de seu papel, assume uma presença ativa de acolhimento, motivando e incentivando o comprometimento dos docentes envolvidos nesta proposta.

O Edupe reconhece a importância de ter se constituído, ao longo de 2006, um grupo de professores identificado com o processo de ensino-aprendizagem do curso de Medicina e conduz a Educação Permanente como uma etapa natural e conseqüente. As discussões travadas pelo grupo tiveram como premissa a realização de um exaustivo exame das fortalezas e fragilidades encontradas pelos professores médicos na implantação de metodologias ativas12. Neste sentido, o grupo deu início as suas atividades dividindo-se no atendimento a grupos menores, buscando, por meio da EP, registrar as dificuldades e angústias dos envolvidos para, a partir delas, refletir e traçar propostas/oficinas/reflexões condizentes com as demandas emergentes.

Num segundo momento, sistematizadas as demandas, o grupo buscou estudar e discutir teorias capazes de assegurar uma orientação científica para a EP. Neste encaminhamento, sentiu-se necessidade de algumas distinções conceituais cuja clareza pudesse orientar ações pedagógicas que retroalimentassem o fazer profissional de todos. Este trabalho teve como foco de interesse o desenvolvimento da formação profissional dos médicos frente às demandas postas à educação pelas mudanças que se operam neste início de século XXI. Buscamos, então, dar particular ênfase a temas que envolvessem as mudanças paradigmáticas na educação, e várias reflexões teóricas foram sistematizadas e discutidas visando à auto-organização do próprio Edupe frente ao desafio assumido.

UMA TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA: DISTINGUIR PARA ARTICULAR EDUCAÇÃO CONTINUADA À EDUCAÇÃO PERMANENTE

Na esteira da pesquisa científica, observa-se que na Antiguidade os filósofos imaginavam o cérebro como uma caixa vazia esperando para ser preenchida13. Na segunda metade do século passado, essa metáfora mudou para a analogia com o computador que deve ser programado, acreditando-se que estímulos externos e não uma motivação intrínseca eram os propulsores da aprendizagem. Ensino e aprendizagem eram vistos como sinônimos. O professor é que controlava a aprendizagem, e não o cérebro do estudante. Diferenças entre a inteligência individual eram vistas como hereditárias e determinantes.

Recentes pesquisas revelam que o cérebro é formado por um conjunto de sistemas complexos, cada um construído por meio de seleção natural para auxiliar a espécie humana na tomada de decisão. Com a descoberta de que o cérebro é um sistema biológico aberto, flexível, que cresce e transforma a si próprio em resposta a desafios e que encolhe em conseqüência de falta de uso, conferem-se a este órgão as constantes conexões entre novos padrões e os já existentes. Isto quer dizer que agimos não só racionalmente, mas também de forma criativa, buscando por conexões inovadoras. Cada cérebro é tão único quanto as características físicas que dotam cada pessoa da sua individualidade. Não existem duas pessoas que aprendam do mesmo jeito, à mesma velocidade. Uma vez que a aprendizagem produz mudanças no cérebro, quanto mais uma pessoa aprende, mais diferenciado se torna o cérebro.

À medida que os cientistas estudam o processo da aprendizagem, verificam que o modelo construtivista de aprendizagem reflete melhor o processo natural do cérebro de fazer sentido do mundo ao seu redor. O construtivismo defende que a aprendizagem é essencialmente ativa. A aprendizagem não é uma atividade passiva e nem simplesmente objetiva. Segundo Moraes, a idéia é que o professor se comprometa com o paradigma do construtivismo, o que significa:

adotar uma concepção de realidade em construção. E, em conseqüência, viver de acordo com isso, assumir atitudes construtivistas. É considerar-se permanentemente incompleto, inacabado e em constante construção

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.

Todos esses novos avanços nos levam a refletir sobre a real utilidade das aulas expositivas e do ensino que se limita, em grande parte, a fornecer informações. Nos países desenvolvidos há uma tendência a diminuir as aulas presenciais e a aumentar os trabalhos práticos, especialmente colocando os alunos para trabalhar em pequenos grupos onde podem discutir com seus pares, vivenciando experiências compartilhadas de aprendizagem. Desta forma, os tempos atuais apresentam grandes desafios aos professores, colocando a seu dispor novas possibilidades para o aprendizado. É tempo de inovar na criação de ambientes de aprendizagem, é hora de transformar instituições de ensino em instituições de aprendizagem. Nas atuais condições, a própria instituição de ensino superior tem de assumir, cada vez mais, o perfil de uma organização de aprendizagem15. E, neste sentido, a capacitação docente deveria seguir os moldes preconizados para o ensino-aprendizagem dos estudantes, o que nem sempre ocorre.

O ato de ensinar passa a ser problematizado por diferentes pesquisadores, que buscam compreender e explicar o ato de aprender:

[...] a construção do conhecimento já não é mais produto unilateral de seres humanos isolados, mas de uma vasta cooperação cognitiva distribuída, na qual participam aprendentes humanos e sistemas cognitivos artificiais

16

.

Tal orientação implica modificações profundas nas atividades intelectuais, pressionando a aprendizagem "passiva" a ceder lugar aos propósitos de uma aprendizagem essencialmente ativa. Assim, com o avanço das ciências cognitivas, surge a possibilidade de reexaminar a maneira como o conhecimento é aprendido sem que seja ensinado. A idéia é que uma rede formada por múltiplos grupos (a construção de uma inteligência coletiva) permitiria experimentar novas formas de utilização dos potenciais individuais em cooperação17.

Neste paradigma de complexidade, educar é, fundamentalmente, criar condições para a experiência de aprendizagem16. Todo conhecimento constitui uma construção/tradução/reconstrução cerebral que comporta risco de erro, ilusão e cegueira. Nesse sentido, é relevante salientar que a informação é uma matéria-prima que o conhecimento deve dominar e integrar. Recebemos informações e, se somente nos inteiramos do conteúdo, do sentido literal desta informação, ela continua a ser uma simples informação. Mas se atribuímos a ela um sentido pessoal, apreendendo, interpretando, compreendendo, explicando, contextualizando e refletindo, nós a incorporamos e assumimos a responsabilidade sobre nossa aprendizagem.

A concepção do aprender a aprender como um processo evolutivo coloca nas decisões do homem contemporâneo a capacidade e a responsabilidade de ser um co-construtor de um projeto de aprendizagem desejado. A idéia de co-responsabilidade não está relacionada ao estabelecimento de um programa de aprendizagem que encaminha um diagnóstico das certezas. Este não improvisa nem inova, mal podendo, portanto, suportar uma dose fraca e superficial de obstáculos em seu desenrolar. O programa necessita de controle e vigilância computáveis. Por sua vez, a proposição de estratégias de aprendizagem tende ao enfrentamento dos desvios e incertezas decorrentes da dinâmica educacional. Agir estrategicamente é tirar proveito dos erros para se aperfeiçoar. A estratégia necessita não só de controle e vigilância, mas, principalmente, de competência, iniciativa e decisão18. Se todo ensino tende para uma programação estabelecida a priori, e a vida exige estratégia e, se possível, criatividade e arte, resta-nos a alternativa de desenvolver estratégias para seguir aprendendo. A descoberta e a criação dificilmente poderão ser possibilitadas por um programa de ensino, mas podem surgir em meio à aprendizagem estratégica.

Assim, enquanto os programas se alimentam de determinismos, as estratégias alimentam-se, principalmente, de eventualidades. A estratégia não é um meio de ação, é a arte da ação19. Aprender a aprender dentro da perspectiva da Educação Permanente é um tipo de aprendizagem orgânica, que comporta correções, modificações, adaptações dinâmicas, sendo esta a base do processo de auto-renovação capaz de produzir mudanças profundas nos seres vivos. Na reforma do pensamento, a estratégia vai gerar um pensamento que liga e enfrenta a incerteza5. Foi a partir desta reflexão teórica que o Edupe começou a perceber a necessidade de distinguir para articular Educação Permanente à educação continuada.

Educação permanente e educação continuada são momentos diferentes de um mesmo processo de aprendizagem. Juntas, guardam a síntese do que Edgar Morin chama de dialógica; processos que são ao mesmo tempo antagônicos, concorrentes, mas complementares. Passamos então a adotar uma metodologia de trabalho que assegurasse um espaço sistemático para cada um destes momentos. O espaço da educação permanente passou a ser considerado como estratégia de renovação da prática por meio da reflexão e da relação de troca entre os professores médicos do curso de Medicina, e a educação continuada como programa, espaço para a retomada de conteúdos, conceitos importantes para a retroalimentação da prática profissional. O desdobramento de programas estabelecidos a priori articulado às estratégias de ação permitiu-nos avançar na reforma de nosso pensamento e compreender que qualquer separação entre Educação Permanente e educação continuada implica fragmentação deste processo, já que uma é o prolongamento da outra.

O MEDIADOR DA EDUCAÇÃO PERMANENTE

Ao longo do processo de Educação Permanente, sentimos também necessidade de refletir sobre o papel do mediador, considerando que vários autores revelam a preocupação em compreender as implicações do papel do educador/mediador, tendo em vista a importância do mesmo.

Paulo Freire20, por sua vez, ressalta:

O educador continua sendo diferente dos alunos, mas - e esta é, para mim, a questão central - a diferença entre eles, se o professor é democrático, se o seu sonho político é de libertação, é que ele não pode permitir que a diferença necessária entre o professor e os alunos se torne 'antagônica'. A diferença continua a existir! Sou diferente dos alunos! Mas se sou democrático não posso permitir que esta diferença seja antagônica. Se eles se tornam antagonistas, é porque me tornei autoritário.

Na perspectiva dialógica freireana, o educador não constitui um transmissor de informações, descontextualizadas da realidade dos sujeitos com quem atua. Por outro lado, ele também não se restringe a um facilitador de aprendizagens, como várias perspectivas pedagógicas de cunho não-diretivo propuseram em diferentes momentos da História da Educação. Freire compreende que o educador é um sujeito indispensável ao diálogo. Afinal, sua abstenção desse processo conduziria ao monólogo do outro, ou seja, apenas a palavra dos educandos seria proferida, sem a leitura crítica, sem a reflexão que, articulando-se à ação, torna-se práxis. Sendo assim, o diálogo é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens21.

Em que pesem estas reflexões, são freqüentes duas leituras acerca do educador. O educador como simples facilitador e o educador como mediador. O educador como facilitador assume o papel de apoiador, e, neste encaminhamento, o processo educativo estaria centrado no educando, delegando ao educador a função de motivar, estimular e deixar fluírem as motivações do aluno. Nossa preocupação recai sobre a necessidade de refletir a educação como um processo relacional. Quanto a esse aspecto, Freire20 avalia:

minha posição não é a de negar o papel diretivo e necessário do educador. Mas não sou o tipo de educador que se considera dono dos objetos que estudo com os alunos. Estou extremamente interessado nos objetos de estudo - eles estimulam minha curiosidade e trago esse entusiasmo para os alunos. Então podemos juntos iluminar o objeto.

A segunda imagem - do educador como mediador - é mais diversificada em seu uso, com maior ênfase ao mediador do processo dialógico no qual novos conhecimentos são produzidos pelos grupos, ou seja, educador e educandos produzem conjuntamente.

A esse respeito, outra reflexão também esclarece o conceito de mediação que adotamos:

Entendendo o educador como um mediador no processo de construção de conhecimento avançamos para a noção de emancipação social que esse conhecimento poderá proporcionar aos sujeitos problematizadores de suas realidades

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.

Sendo assim, o mediador da problematização da realidade junto aos educandos é, ao mesmo tempo, mediado pelo movimento de ação-reflexão-ação21 no qual todos os sujeitos se transformam, porque tanto os educandos quanto os educadores mobilizam, ressignificam os próprios saberes e a própria leitura da realidade. Nesse sentido, o educador não é apenas um facilitador, mas um mediador implicado no processo que media.

Sobre o conceito de mediação, vale ressaltar que este se institucionalizou em comunidades acadêmicas, e também fora delas, e tem sido cada vez mais utilizado para tratar uma gama variada de conflitos de trabalho, de negócios, de família, de organizações. Nos últimos anos, profissionais e estudiosos insistem em chamar atenção sobre os limites da mediação na resolução de problemas, na qual o mediador identifica as necessidades individuais dos disputantes, tentando, então, um acordo que maximizará ganhos mútuos23.

Na capacitação de docentes, buscamos desenvolver a autonomia de todos os sujeitos envolvidos no processo e, pela habilidade do mediador, procuramos perturbá-los numa real proposta de renovação da prática. O mediador assumiu uma postura problematizadora, cabendo-lhe o papel de reinterpretar e traduzir o que declaram os mesmos, encaminhando novas sínteses.

O avanço das pesquisas em educação possibilitou o surgimento de algumas metodologias eficazes para lidar com o conflito, desenvolvidas por vários e atuantes teóricos da mediação na terapia familiar. Essas idéias vêm respaldadas pela abordagem metacognitiva, na qual o mediador evita as práticas estritamente lineares e se propõe a trabalhar a partir de uma experiência orgânica de aprendizagem, que inclui planejamento e avaliação para a modificação ininterrupta das práticas.

Se considerarmos que nossa cultura privilegiou um paradigma fundado na lógica determinista e dual, podemos compreender o quanto esta simplificação limitou as soluções possíveis, resistindo por um longo tempo a adotar uma metodologia inovadora capaz de possibilitar a construção de habilidades que facilitassem a co-participação responsável no encaminhamento de soluções. A atual complexidade dos contextos educacionais favoreceu a construção de novas metodologias voltadas à resolução de conflitos de forma implicada, que não mais carrega o sentido de neutralidade. Resultados obtidos com estas metodologias mostram que as pessoas elaboram estratégias em suas próprias práticas com o intuito de organizar suas relações. Essa prática requer ações coordenadas de sentidos co-construídos a partir de acordos participativos, mesmo na diferença.

Assim, o mediador terá condições de dar ênfase a processos emergentes. Aqui não está em jogo o monitoramento hegemônico, e sim a compreensão da evolução do conflito, que enfoca as emoções, as intenções, as crenças, as tramas dialógicas e os domínios simbólicos dos envolvidos, pois as condições contemporâneas incluem o emergente, a mudança permanente e a possibilidade de construir na incerteza

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A partir destes embates teóricos, o Edupe optou por assumir o mediador como o conceito mais adequado à sua prática pedagógica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De maneira geral, pode-se considerar que as atividades que o Edupe desenvolveu durante o ano de 2006/2007 foram bem-sucedidas. Essa trajetória, construída a partir da interação com os problemas dos docentes e as nossas próprias fragilidades enquanto um grupo em construção, permitiu-nos vislumbrar um cenário de possibilidades a partir das discussões e aprendizado que fizemos. Com base neste contexto, pudemos mapear a realidade e os desafios a ela inerentes, necessidades e expectativas a serem contempladas na continuidade deste trabalho.

Nosso maior desafio foi "reformar nosso próprio pensamento", o que incluiu uma transição paradigmática para nosso pensamento e prática. Por um lado, o educando deve abandonar sua condição passiva, da educação tradicional, de apenas recepção de conteúdos, para se comprometer mais com o seu aprendizado. Por outro, o professor do curso de Medicina precisa estar aberto às mudanças em sua forma de trabalhar, estando atento às metodologias ativas e às novas "estratégias de aprendizado", que não mais incluem o simples repasse de informação/conteúdo. Nesse sentido, nossa proposta de "educação continuada" foi eficiente por abordar os temas transversais que emergiram do espaço da Educação Permanente. Por sua vez, no espaço da Educação Permanente, amadurecemos a idéia de que é preciso priorizar a escuta, o acolhimento, a mediação de uma relação de trocas interessante para o encaminhamento da prática de cada um.

Entre outras indagações, ficou a instigante pergunta: como criar oportunidades de encontros menos formais no decorrer de nossas atividades, para que as pessoas possam expressar suas esperanças, angústias e dúvidas?

Frente a este questionamento, a construção de vínculos surgiu para o Edupe como uma ferramenta didática. O conhecimento humano, por ser fruto das conquistas e transformações do próprio homem, não é estático. É construído e reconstruído na relação direta e indireta que as pessoas estabelecem de forma afetiva com o grupo. Nesse processo, o conhecimento se modifica e o sujeito também é modificado por ele, internalizando de maneira única e particular o que aprende.

Muito ainda deve ser feito, pois reformar o pensamento é transformar posturas adquiridas ao longo dos anos, e isto demanda tempo e comprometimento de todos os envolvidos que, desafiados a sair da postura tradicional e do conforto dos saberes adquiridos, desconfiam ainda das metodologias ativas, da construção de vínculo e da importância de se articular Educação Permanente à educação continuada, dispositivos de mudança do processo de trabalho em saúde.

Recebido em: 25/08/2007

Reencaminhado em: 14/12/2007

Reencaminhado em: 10/02/2008

Aprovado em: 10/02/2008

CONFLITOS DE INTERESSE: Declarou não haver

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  • Endereço para correspondência
    Marina Patrício Arruda
    Uniplac / Lages
    Av. Castelo Branco, 170
    Bairro Universitário - Lages
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    CEP.: 88509-900 / SC
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Revisado
      14 Dez 2007
    • Recebido
      25 Ago 2007
    • Aceito
      10 Fev 2008
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