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O ensino de Patologia nas escolas médicas está em crise? Uma revisão sobre a experiência internacional

Is there a crisis in the teaching of Pathology in medical schools? A review of the international experience

Resumos

INTRODUÇÃO: O ensino da Patologia tem papel fundamental na formação médica, por ser o principal elo entre as ciências básicas e a prática clínica, assim como referência para a pesquisa científica. A Patologia insere-se no grupo de disciplinas que passam por um processo de mudanças curriculares e incorporação de novas tecnologias, sendo tal processo iniciado há duas décadas nos EUA, Austrália e Europa. OBJETIVO: Discutir as vantagens e desvantagens das mudanças que atingem o ensino da Patologia no País, a partir da experiência internacional. RESULTADOS: Na presente revisão, discutimos preocupações atuais, que incluem a marginalização da Patologia no currículo médico, a falta de contato dos estudantes com a Anatomia Patológica e as possíveis lacunas na formação do futuro médico. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A ausência de contato com a Anatomia Patológica no curso médico, ou sua participação meramente ilustrativa, cria os problemas adicionais de pouco incentivo à escolha desta especialidade médica e gera a dificuldade dos novos médicos em lidar com solicitações e interpretações de laudos anatomopatológicos.

Patologia; Estudantes de medicina; Educação médica


BACKGROUND: Teaching of General Pathology plays a central role in basic medical education, because it forms the main link between the basic sciences and clinical practice, besides serving as a reference for scientific research. Pathology is one of a group of disciplines that have undergone important curriculum changes and incorporated new technologies, in a process that began 20 years ago in the United States, Australia, and Europe. OBJECTIVE:To discuss the advantages and disadvantages of changes in Pathology as part of medical education in Brazil, in light of the international experience. RESULTS:This review discusses current concerns, including the marginalization of Pathology in the medical curriculum, students' lack of contact with Pathological Anatomy, and resulting gaps in the training of future physicians. CONCLUSIONS:Students' lack of contact with Pathological Anatomy during rotation in medical school (or merely cursory participation on their part) creates additional problems, such as limited incentives for choosing this medical specialty as a career and difficulty by young physicians in ordering and reading pathology reports.

Pathology; Medical students; Medical education


PESQUISA

O ensino de Patologia nas escolas médicas está em crise? Uma revisão sobre a experiência internacional

Is there a crisis in the teaching of Pathology in medical schools? A review of the international experience

Daniel Abensur AthanazioI; Flávia Branco Cerqueira Serra NevesII; Camila Silva BôaventuraII; Paulo Roberto Fontes AthanazioI

IUniversidade Federal da Bahia, Bahia, Brasil

IIEscola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Bahia, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Flávia Branco Cerqueira Serra Neves Av. Orlando Gomes, 382 - Bl.18 Piatã CEP. 41650-010 - Salvador - BA E-mail: flavinhaneves@superig.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O ensino da Patologia tem papel fundamental na formação médica, por ser o principal elo entre as ciências básicas e a prática clínica, assim como referência para a pesquisa científica. A Patologia insere-se no grupo de disciplinas que passam por um processo de mudanças curriculares e incorporação de novas tecnologias, sendo tal processo iniciado há duas décadas nos EUA, Austrália e Europa.

OBJETIVO: Discutir as vantagens e desvantagens das mudanças que atingem o ensino da Patologia no País, a partir da experiência internacional.

RESULTADOS: Na presente revisão, discutimos preocupações atuais, que incluem a marginalização da Patologia no currículo médico, a falta de contato dos estudantes com a Anatomia Patológica e as possíveis lacunas na formação do futuro médico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A ausência de contato com a Anatomia Patológica no curso médico, ou sua participação meramente ilustrativa, cria os problemas adicionais de pouco incentivo à escolha desta especialidade médica e gera a dificuldade dos novos médicos em lidar com solicitações e interpretações de laudos anatomopatológicos.

Palavras-chave: Patologia; Estudantes de medicina; Educação médica.

ABSTRACT

BACKGROUND: Teaching of General Pathology plays a central role in basic medical education, because it forms the main link between the basic sciences and clinical practice, besides serving as a reference for scientific research. Pathology is one of a group of disciplines that have undergone important curriculum changes and incorporated new technologies, in a process that began 20 years ago in the United States, Australia, and Europe.

OBJECTIVE:To discuss the advantages and disadvantages of changes in Pathology as part of medical education in Brazil, in light of the international experience.

RESULTS:This review discusses current concerns, including the marginalization of Pathology in the medical curriculum, students' lack of contact with Pathological Anatomy, and resulting gaps in the training of future physicians.

CONCLUSIONS:Students' lack of contact with Pathological Anatomy during rotation in medical school (or merely cursory participation on their part) creates additional problems, such as limited incentives for choosing this medical specialty as a career and difficulty by young physicians in ordering and reading pathology reports.

Key words: Pathology; Medical students; Medical education.

INTRODUÇÃO

O ensino da Patologia tem papel fundamental na formação médica, por ser o principal elo entre as ciências básicas e a prática clínica, assim como referência para a pesquisa científica. Esta disciplina abrange o estudo dos mecanismos das doenças (Fisiopatologia) e as alterações morfológicas em órgãos e tecidos (Anatomia Patológica). Em todo o mundo, é tradicional a divisão do ensino da Patologia em pelo menos dois momentos: Patologia Geral (Patologia Celular, Inflamação, Doenças Vasculares e Hemodinâmicas, Neoplasia), geralmente no primeiro ou segundo ano, e a Patologia dos Sistemas, geralmente no terceiro ou quarto ano do curso médico1.

Recentemente, os professores de Patologia vêm sendo desafiados a acompanhar uma série de mudanças. Entre elas, destacam-se as alterações curriculares que focam a adoção de um modelo integrado e baseado em problemas, e a limitação do conteúdo ao qual o curso de graduação está sendo submetido. Tais questões permitem o questionamento sobre o papel do professor de Anatomia Patológica no curso médico, que metas de aprendizado dentro do termo "Patologia" devem ser buscadas1 e se há perda da importância da disciplina em meio ao modelo integrado2.

Uma característica da Patologia é a necessidade de reconhecer aspectos morfológicos tanto macro quanto microscópicos. Assim, a disciplina é tradicionalmente apresentada numa combinação de exposições teóricas e práticas com peças macroscópicas e lâminas histológicas. O uso de mídia eletrônica (CD-ROM, páginas na internet) oferece vantagens por permitir a apresentação das imagens em maior quantidade que livros-texto, por facilitar a organização do material em temas próprios discutidos no curso e por estimular a autoinstrução e o estudo fora do campus1. Desta forma, há uma justa preocupação em até que ponto a mídia eletrônica pode justificar a dispensa de professores de Anatomia Patológica3.

No Brasil, são escassos os relatos sobre como as mudanças curriculares e a adoção de novas tecnologias atingem o ensino da Patologia. A recomendação para mudanças curriculares em outros países objetiva a redução do conteúdo factual no ensino de graduação e a integração entre disciplinas. A proposta mais aceita para atingir tais objetivos foi a adoção de um modelo de ensino integrado por meio do aprendizado baseado em problemas1,4. A presente revisão tem por objetivo discutir as vantagens e desvantagens das mudanças que atingem o ensino da Patologia no País, a partir da experiência internacional.

METODOLOGIA DA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

Com a finalidade de revisar a experiência internacional recente no ensino da Patologia foi realizada uma busca na base de dados medline. A busca foi baseada na presença das palavras Pathology e Education no título ou resumo dos artigos publicados. Foram triados 971 trabalhos (por leitura do título e resumo) para seleção de 60, escritos em inglês, que se referiam ao relato de experiência ou discussão sobre recentes mudanças curriculares ou emprego de novas mídias para o ensino da Patologia. Fora da base de dados, foram selecionados 20 artigos com o mesmo foco no periódico Pathology Education (editado de 1998 a 2005). Os trabalhos foram lidos e discutidos para a seleção dos 20 artigos de revistas indexadas no medline e dois do periódico Pathology Education apresentados neste ensaio.

MIGRAÇÃO PARA O MODELO INTEGRADO - O DESAPARECIMENTO DO PROFESSOR DE PATOLOGIA?

No currículo tradicional, a Patologia é ministrada entre as disciplinas básicas e clínicas, sendo a principal conexão entre a ciência médica básica e a prática clínica5. No entanto, dentro do modelo integrado há uma redução do conteúdo geral do ensino de graduação, fazendo-se necessária a discussão de quais são as metas para o ensino da Patologia aos médicos em formação. Em recente revisão, Marshall e colaboradores destacaram os seguintes objetivos para o ensino desta disciplina: compreender e saber usar a linguagem para se referir às doenças e seus processos, compreender os mecanismos gerais da doença e fornecer ferramentas cognitivas para observação, análise e solução de problemas dentro do raciocínio clínico1.

A Patologia seguiu as recomendações dos conselhos curriculares ao reduzir a carga horária em sala de aula e estimular atividades autoinstrutivas3,6. Num estudo longitudinal que analisou a estrutura curricular de cursos de Patologia de 88 escolas médicas norte-americanas entre 1993 e 1999, algumas tendências foram percebidas. Houve maior uso de recursos eletrônicos e uma tendência em migrar de um padrão restrito à disciplina para a integração com outras áreas. A Patologia Sistêmica apresentou forte tendência de integração com a área clínica, embora a Patologia Geral na maioria das escolas tenha permanecido como uma disciplina básica tradicional7. Entre 1996 e 1997, a Patologia Geral era ensinada como disciplina separada e integrada por 90% e 10%, respectivamente, enquanto na Patologia Sistêmica a distribuição era de 57% e 33%8.

A discussão sobre a posição da Patologia num modelo de aprendizado baseado em problemas é controversa, principalmente por prescindir do patologista. Neste contexto, o professor com formação em Patologia aparentemente tornou-se dispensável na formação do novo médico. Para estes professores é difícil compreender como um curso médico pode prescindir de profissionais com esta formação ou mesmo como os facilitadores poderão lidar com temas como Fisiopatologia e Anatomia Patológica, e como interpretar exames patológicos sem que seja necessária nem a graduação em Medicina3,9.

A migração de um modelo de conferências e laboratório para um modelo integrado aparentemente foi mais rápida e abrangente no Reino Unido. A redução da carga horária, uma tendência geral nas escolas médicas britânicas, foi desproporcionalmente maior na área da Patologia. Em muitos casos, a Patofisiologia é discutida desde o início do curso médico sem que o aluno tenha contato com um instrutor treinado em Anatomia Patológica. A abordagem moderna do ensino médico, portanto, na visão do patologista, aparentemente "ergue construções sem alicerces". Com a perda de contato com os patologistas, os exames de tecidos também são gradualmente substituídos pelo uso de mídia eletrônica, estabelecendo-se quase uma oposição entre as duas abordagens. Os patologistas britânicos não são contra o uso da internet, mas chamam atenção para a necessidade de instrutores treinados para discutir com os alunos as informações disponibilizadas3. O presidente do Colégio Real de Patologistas do Reino Unido, John Lilleyman, resumiu a sensação dos patologistas britânicos na frase: "aos estudantes de hoje é ensinado tudo sobre como lidar com a morte, mas muito pouco sobre as causas de morte"10.

A situação mais crítica, no entanto, parece ser a australiana. O Colégio de Patologistas da Australásia manifestou-se contra a marginalização da Patologia nos cursos médicos. Em 2003, uma escola médica na Austrália tinha apenas um professor de Patologia contratado por meio turno, enquanto em outra a Patologia deixou de existir como departamento independente. O governo australiano respondeu considerando financiamento de módulos didáticos de Patologia dentro do modelo integrado de aprendizado baseado em problemas e apoiou a reedição de um manual para uso e interpretação de exames patológicos10.

A tendência ao menor contato com professores de formação em Anatomia Patológica despertou a preocupação de até que ponto o modelo de aprendizado baseado em problemas pode influenciar na escolha da carreira futura e, assim, reduzir a escolha da Patologia como especialidade médica. Nas escolas médicas canadenses, o modelo não interferiu na escolha da Patologia como carreira11. Por outro lado, a queda no prestígio da área e no número de patologistas em formação é um problema apontado na Inglaterra e Austrália, sendo esta mudança largamente atribuída ao novo método de ensino3,12.

Mesmo na experiência internacional, as aulas do tipo conferência são frequentemente mantidas no ensino da Patologia, em que as atividades integradas, em algumas experiências, são organizadas em blocos de acordo com os temas da Patologia Geral1,4. Como alternativa, o ensino de Patologia pode ser distribuído em diferentes momentos por meio de conferências, aulas práticas, sessões clínico-patológicas e demonstração de necropsias5. O consenso da Sociedade Européia de Patologia reconhece o valor do aprendizado baseado em problemas, mas ressalta que o uso sistemático de conferências e atividades audiovisuais também é necessário para o ensino da Patologia2.

Outra questão é como avaliar os resultados do ensino em diferentes modelos. Mais do que o desempenho dentro do curso médico, o objetivo mais importante é saber até que ponto os modelos integrado ou tradicional são diferentes na formação do médico e em suas competências a longo prazo. Num relato recente, a migração do modelo tradicional (conferências/memorização) para o integrado (baseado em problemas) não resultou em aumento no desempenho na avaliação de conhecimentos da área básica (Step 1) dos alunos que prestaram exame para obtenção de licença do exercício da medicina nos Estados Unidos. O maior preditor do rendimento final do aluno é seu desempenho inicial nos exames de admissão na instituição.

Por outro lado, o modelo integrado melhora o desempenho final dos alunos com pior desempenho na admissão, enquanto o modelo de disciplina ensinado no segundo ano do curso médico aumenta ainda mais o desempenho daqueles com notas admissionais mais altas8. Resultado semelhante foi obtido na comparação entre dois modelos de discussão de casos (dirigida pelo professor versus discussões centradas nos alunos) nas aulas de Patologia na Universidade Wright State, em Ohio, nos Estados Unidos. O desempenho geral nos exames finais não foi diferente entre os grupos de alunos, mas as discussões centradas nos alunos apresentaram melhor rendimento dos estudantes no quartil mais baixo de desempenho acadêmico13. Em pelo menos um estudo, a avaliação subjetiva do aluno formado no modelo de aprendizado baseado em problemas sugere que é justificável a preocupação com a limitação do ensino de Patologia. Em Manchester, a mudança curricular iniciada nos anos 1990 permitiu comparar como os próprios formandos consideravam o preparo que receberam durante o curso. Os alunos formados no modelo integrado relataram uma capacidade menor de entender os mecanismos de doença: 24,1% consideraram seu preparo menor que o razoável para este item em comparação com apenas 0,8% dos formados pelo método tradicional14.

O problema, portanto, não está na integração com disciplinas clínicas, mas, sim, no fato de a Patologia estar sendo ensinada por profissionais sem especialização na área, sem estudo morfológico (aulas de microscopia ou sessões de necropsias) e sem o contato com a especialidade. O estímulo à autoinstrução não está excluído no modelo dito "tradicional", visto que em várias experiências, inclusive em nossa realidade, os alunos estudam previamente para discussão em pequenos grupos (que antecedem aulas teóricas), e o uso de mídia eletrônica estimula o estudo complementar extracampus15-17.

USO DE NOVAS TECNOLOGIAS - E QUE MORFOLOGIA ENSINAR?

O uso de novas tecnologias dinamiza aulas de morfologia e em especial as aulas de microscopia, visto que a dificuldade em manusear o microscópio ou reconhecer tecidos normais pode dificultar o reconhecimento de processos patológicos. Em 1997, 66% das escolas médicas norte-americanas já integravam o uso de mídia eletrônica com atividades de ensino tradicionais18.

A questão que se impõe é: até que ponto esta facilitação retira dos alunos o estímulo para aprender a manejar o microscópio e reconhecer o normal e o patológico num contexto amplo? Nem uma bem elaborada série de imagens e legendas substitui o conhecimento prático de, ao microscópio, reconhecer o normal e achar a patologia, identificando como as apresentações morfológicas podem ser variáveis ou como artefatos e outras lesões concomitantes podem confundir uma interpretação histológica. Aprender como é realizado um exame anatomopatológico é crucial para o futuro médico saber compreender e julgar informações do laudo de um patologista.

Por outro lado, qual conteúdo deve ser ensinado na graduação é outra questão importante. A maioria das escolas médicas tende a centrar o ensino da morfologia apenas das doenças mais comuns, com base na observação de que a maioria dos estudantes de graduação será de clínicos gerais que atuarão dentro de um número limitado de enfermidades. Mesmo assim, um problema aparentemente universal nas escolas é a percepção de que o aprendizado da Anatomia Patológica, associado ao avanço da medicina de alta complexidade, é difícil19 por se tratar de um aprendizado no qual nem todo conhecimento está claro e diretamente relacionado à prática profissional futura, o que não desperta interesse dos estudantes3.

Uma questão da literatura, portanto, é a seguinte: os graduandos em Medicina devem aprender a fazer o diagnóstico histopatológico? A resposta tradicional é "sim" com base nas seguintes habilidades desenvolvidas entre os estudantes:

  1. melhor compreensão do processo de doença;

  2. observação dos princípios gerais que estão na base de todos os processos patológicos;

  3. compreensão das dificuldades de interpretação num exame anatomopatológico, reconhecendo limitações, o que pode ser discutido com o patologista, e a importância da correlação clínica em diversas situações

    20.

No entanto, há uma tendência nos EUA de reduzir as aulas práticas com microscópios, sendo que 20% das escolas médicas simplesmente aboliram essa atividade no início da década de 1990. A justificativa era de que os alunos simplesmente não eram capazes de reconhecer aquilo que lhes era ensinado21,22. Além disso, as escolas norte-americanas que adotam o aprendizado baseado em problemas reservam menos tempo ainda para essas atividades práticas18.

Outro ponto de debate é o papel do laboratório tradicional de prática com microscópios. Mesmo numa experiência considerada bem-sucedida que substituiu práticas de módulos de Patologia Sistêmica por mídia eletrônica, os próprios autores reconhecem que uma importante limitação é que a falta de contato com o microscópio restringirá o conhecimento do aluno de como os tecidos são analisados, quais as limitações desta análise, como o normal e o patológico interagem num mesmo microambiente. Além disso, a própria habilidade de manusear e reconhecer células, tecidos e patologias ao microscópio é uma experiência importante para o segmento de alunos que porventura desenvolvam interesse em seguir especialidades como Patologia, Hematologia e Oncologia23. A tecnologia recentemente evoluiu para criar o "microscópio virtual", ou seja, um corte histológico pode ser fotografado por inteiro e apresentado com uma imagem interativa na qual podemos clicar em qualquer ponto e aumentá-lo como num microscópio convencional24. A mídia eletrônica ganha muito em interatividade, embora a perda de contato com o microscópio e a habilidade de manuseá-lo permaneçam uma questão importante. Acreditamos que as novas técnicas não substituem a instrução da aula prática, mas podem servir como estimulantes para reforço nas revisões do assunto extracampus. Esta visão é a mesma da avaliação do uso de diversas formas de mídia eletrônica entre estudantes ingleses25.

O que não pode acontecer é a adoção de mídia eletrônica como substituto do contato com professores com competência para o ensino da Patologia. O uso de imagens digitais não deve ser adotado para facilitar a atividade de profissionais sem formação necessária para discussão de necropsias, peças macroscópicas ou lâminas histológicas. Acreditamos que uma sequência de slides não substitui atividades práticas. A discussão anatomoclínica é uma importante e tradicional ferramenta no aprendizado do médico em formação. Mas esta atividade, num contexto de limitação de atividades práticas e redução no conteúdo, aparentemente relega à Patologia uma posição meramente ilustrativa em sessões clínicas.

O professor Ivan Damjanov afirmou que, cada vez mais, os professores de Patologia serão julgados pelo que disponibilizam aos estudantes na internet19. Acreditamos que o emprego de novas ferramentas só é útil dentro de uma hierarquia na qual devem ser primariamente estimuladas a autoinstrução do aluno no conteúdo teórico, a discussão com os professores e a participação na aula prática com professores e monitores preparados. A partir daí, a mídia integrada ao que foi contemplado no módulo didático oferece ao aluno a capacidade permanente de revisar o tema e, só então, a internet pode ser explorada por um indivíduo preparado para uma praticamente inesgotável fonte de informações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mudanças no curso médico ocorrem em meio à disputa pelo tempo do estudante de Medicina. Os patologistas europeus chamam a atenção para a necessidade de conscientizar os clínicos de que a carga horária de Patologia é atualmente insuficiente e que mais tempo destinado à disciplina resultará em melhor aprendizado das próprias especialidades clínicas2.

É preocupante o modo como os princípios básicos de Fisiopatologia estão sendo transmitidos na ausência de profissionais capacitados, que com frequência não podem salientar sua importância na lógica clínica, pois muitas vezes não são médicos. A ausência de contato com a Anatomia Patológica no curso médico, ou sua participação meramente ilustrativa, cria os problemas adicionais de dificuldade dos novos médicos em lidar com solicitações e interpretações de laudos anatomopatológicos e o pouco incentivo à escolha desta especialidade médica10. Pelo menos no que se refere à disciplina Patologia, uma série de modelos híbridos vem sendo avaliada como alternativas. Será importante acompanhar o seguimento destas experiências.

Recebido em: 23/12/2007

Aprovado em: 23/04/2008

CONFLITO DE INTERESSES: Declarou não haver

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  • Endereço para correspondência:
    Flávia Branco Cerqueira Serra Neves
    Av. Orlando Gomes, 382 - Bl.18
    Piatã
    CEP. 41650-010 - Salvador - BA
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      23 Abr 2008
    • Recebido
      23 Dez 2007
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