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Situação vacinal dos discentes da Faculdade de Medicina da UFJF-MG

Undergraduates' immunization status at the UFJF Medical School

Resumos

Os profissionais da área de saúde estão expostos a vários tipos de riscos ocupacionais, sendo o de maior impacto o risco biológico, devido ao contato direto com material orgânico potencialmente contaminado. A manutenção da situação vacinal atualizada é uma das ferramentas que devem ser empregadas neste contexto, além da adoção de medidas universais de biossegurança, sendo a educação fundamental neste processo. Avaliamos a situação vacinal e a percepção sobre risco biológico dos discentes da Faculdade de Medicina da UFJF em estudo observacional transversal (n = 136 alunos). Oitenta e nove alunos (65,4%) referiram estar com o cartão vacinal atualizado. Noventa e sete alunos (71,3%) receberam o esquema da hepatite B, e 99 (72,8%) o do tétano. Oitenta e seis 86 alunos (63,2%) declararam ter recebido orientação sobre imunização durante o curso. Setenta e três alunos (53,7%) já foram expostos a material potencialmente contaminado em suas atividades acadêmicas, e 97 deles (71,3%) usam equipamentos de proteção individual (EPI) nestas. Identificamos falhas na imunização (hepatite B e tétano), expondo os discentes a riscos desnecessários. A orientação relativa à imunização se mostrou insuficiente. A significativa taxa de exposição a risco biológico e o insatisfatório uso de EPIs verificados demandam maior atenção, a fim de prevenir acidentes.

Estudantes de Medicina; Vacinação; Imunização; Riscos Ocupacionais


Health professionals are exposed to various occupational risks, with the greatest impact from biological hazards due to direct contact with potentially contaminated organic materials. Besides adopting universal biosafety measures, adequate immunization coverage must be achieved in this context, with educational initiatives playing a crucial role in the process. This was a cross-sectional observational study of undergraduates (n = 136) at the Medical School of the Federal University in Juiz de Fora to assess their immunization status and biological risk perceptions. Eighty-nine students (65.4%) reported a complete vaccination schedule. Ninety-seven (71.3%) had received full immunization against hepatitis B and 99 (72.8%) against tetanus. Eighty-six (63.2%) reported having received immunization advice during the course. Seventy-three (53.7%) had already been exposed to potentially contaminated material during their academic activities, and 97 (71.3%) used personal protective equipment (PPE) in these contexts. We identified missed immunization doses against hepatitis B and tetanus, a situation that exposes medical students to unnecessary risks. Immunization advice was insufficient. The significant rate of exposure to biological hazards and the unsatisfactory use of PPE call for greater attention to accident prevention.

Students, Medical; Vaccination; Immunization; Occupational Risks


PESQUISA

Situação vacinal dos discentes da Faculdade de Medicina da UFJF–MG

Undergraduates' immunization status at the UFJF Medical School

José Antônio Chehuen Neto; Mauro Toledo Sirimarco; Isabel Cristina Gonçalves Leite; Mariana P. Cunha Gonçalves; Áureo Augusto de Almeida Delgado; Gustavo Bittencourt Camilo; Nayara Almeida de Abreu

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: José Antônio Chehuen Neto Av. Independência, 1495 – aptº 1001 Centro – Juiz de Fora CEP. 36016-320 – MG E-mail: chehuen.neto@yahoo.com.br

RESUMO

Os profissionais da área de saúde estão expostos a vários tipos de riscos ocupacionais, sendo o de maior impacto o risco biológico, devido ao contato direto com material orgânico potencialmente contaminado. A manutenção da situação vacinal atualizada é uma das ferramentas que devem ser empregadas neste contexto, além da adoção de medidas universais de biossegurança, sendo a educação fundamental neste processo. Avaliamos a situação vacinal e a percepção sobre risco biológico dos discentes da Faculdade de Medicina da UFJF em estudo observacional transversal (n = 136 alunos). Oitenta e nove alunos (65,4%) referiram estar com o cartão vacinal atualizado. Noventa e sete alunos (71,3%) receberam o esquema da hepatite B, e 99 (72,8%) o do tétano. Oitenta e seis 86 alunos (63,2%) declararam ter recebido orientação sobre imunização durante o curso. Setenta e três alunos (53,7%) já foram expostos a material potencialmente contaminado em suas atividades acadêmicas, e 97 deles (71,3%) usam equipamentos de proteção individual (EPI) nestas. Identificamos falhas na imunização (hepatite B e tétano), expondo os discentes a riscos desnecessários. A orientação relativa à imunização se mostrou insuficiente. A significativa taxa de exposição a risco biológico e o insatisfatório uso de EPIs verificados demandam maior atenção, a fim de prevenir acidentes.

Palavras-chave: Estudantes de Medicina. Vacinação. Imunização. Riscos Ocupacionais.

ABSTRACT

Health professionals are exposed to various occupational risks, with the greatest impact from biological hazards due to direct contact with potentially contaminated organic materials. Besides adopting universal biosafety measures, adequate immunization coverage must be achieved in this context, with educational initiatives playing a crucial role in the process. This was a cross-sectional observational study of undergraduates (n = 136) at the Medical School of the Federal University in Juiz de Fora to assess their immunization status and biological risk perceptions. Eighty-nine students (65.4%) reported a complete vaccination schedule. Ninety-seven (71.3%) had received full immunization against hepatitis B and 99 (72.8%) against tetanus. Eighty-six (63.2%) reported having received immunization advice during the course. Seventy-three (53.7%) had already been exposed to potentially contaminated material during their academic activities, and 97 (71.3%) used personal protective equipment (PPE) in these contexts. We identified missed immunization doses against hepatitis B and tetanus, a situation that exposes medical students to unnecessary risks. Immunization advice was insufficient. The significant rate of exposure to biological hazards and the unsatisfactory use of PPE call for greater attention to accident prevention.

Key-words: Students, Medical. Vaccination. Immunization. Occupational Risks.

INTRODUÇÃO

Os profissionais da área de saúde estão expostos a vários tipos de riscos ocupacionais, sendo o de maior impacto o risco biológico, devido ao contato direto com pacientes e/ ou material orgânico potencialmente contaminado1,2. O risco ocupacional biológico está presente ao se manusear, de forma direta ou indireta, material orgânico de pacientes portadores de diversas patologias3,4, com potencial exposição a diferentes agentes, como vírus, bactérias, fungos, protozoários e ectoparasitas.

A associação deste risco aos estudantes de Medicina demanda maior atenção, visto que essa população está mais exposta do que qualquer outro profissional de saúde5, por diversos fatores, como6-9: falta de experiência/traquejo técnico com relação à rotina clínica e/ou cirúrgica, não utilização de medidas universais de biossegurança e controle de infecção, ansiedade por assimilar novos procedimentos.

A literatura evidencia que os estudantes de Medicina apresentam taxas de exposição a material biológico potencialmente contaminado comparáveis às de um estafe hospitalar5,10-12 e que a prevenção/controle das doenças imunopreviníveis não tem sido tratada de acordo com o recomendado por alguns dos órgãos competentes13,14. Além disso, diversos estudos reportam falhas na imunização/situação vacinal em grupos de estudantes de Medicina de diversas nacionalidades1,8,15-18.

O profissional de saúde e o estudante de Medicina podem ser fonte de infecção para os pacientes, cabendo-lhes a responsabilidade de proteger a si próprios e os pacientes de infecções iatrogênicas nosocomiais1.

A manutenção da situação vacinal atualizada é uma das ferramentas que devem ser empregadas neste contexto, além da adoção de medidas universais de biossegurança em situações de risco potencial, sendo a educação um elemento fundamental neste processo2,9,19.

Portanto, é de extrema importância conhecer a imunidade individual de profissionais e estudantes da área da saúde a fim de identificar e corrigir falhas na cobertura para doenças imunopreviníveis. Principalmente em relação aos estudantes, recomenda-se efetuar as correções antes do contato com os pacientes20, para evitar a exposição a riscos desnecessários21.

No Brasil, é preconizado que indivíduos recebam, ao longo da infância, adolescência e vida adulta, as vacinas contra22: BCG, poliomielite, hepatite B, difteria e tétano, sarampo e rubéola e/ou a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e contra a febre amarela.

Em 8 de abril de 2004, o Ministério da Saúde do Brasil implementou a Portaria GM/MS nº 597, que visa a maior cobertura vacinal no País. Entre outras determinações, este documento tornou obrigatória, em todo o território nacional, a apresentação de um comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o estabelecido no Programa Nacional de Imunização, para efeito de matrícula em universidades13. A revogação desta Portaria, determinada pelo Ministério da Saúde em 2006 (Portaria GM/MS nº 1.602 de 17 de julho de 2006)22, expõe, principalmente, graduandos de cursos da área de saúde aos riscos ocupacionais inerentes às suas atividades profissionais.

O objetivo deste estudo foi avaliar a situação vacinal e a percepção sobre risco biológico dos estudantes da Faculdade de Medicina da UFJF (FAMEUFJF).

MATERIAIS E MÉTODOS

Realizamos um estudo observacional transversal, em que fator e desfecho são medidos concomitantemente e que estima a prevalência da variável de desfecho (no caso, situação vacinal atualizada).

Neste projeto, levamos em conta o baixo custo, o alto potencial descritivo e a simplicidade analítica, aliados à aplicabilidade em populações especiais, o que caracteriza um estudo transversal.

Trata-se de uma pesquisa quanto à área da ciência do tipo aplicada, de natureza original, de objetivo exploratório e descritivo, procedimento de campo e de abordagem quantitativa. Quanto ao procedimento técnico, trata-se de uma pesquisa do tipo levantamento de amostra independente não probabilística por quotas intencionais.

A coleta dos dados se deu mediante a aplicação de um questionário estruturado, com 12 perguntas de múltipla escolha, acompanhado do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias.

O questionário continha perguntas sobre a avaliação da situação vacinal de cada estudante, seu conhecimento acerca das vacinas preconizadas a todos os profissionais de saúde e seu oferecimento gratuito pelo SUS, conhecimento da Portaria MS/GM nº 597, existência de orientação sobre a necessidade de imunização durante as aulas, ocorrência de exposição a material potencialmente infectado durante o curso, conhecimento acerca de medidas universais de biossegurança e aplicação das mesmas.

É importante salientar que todas as informações colhidas foram referidas pelos sujeitos da pesquisa. O questionário foi aplicado a 136 alunos da FAMEUFJF, matriculados no nono e décimo períodos no primeiro semestre de 2008.

Os critérios de inclusão na pesquisa foram: idade superior a 18 anos, estar matriculado no nono ou décimo períodos da FAMEUFJF, além do preenchimento completo e imediato dos questionários, na presença dos pesquisadores responsáveis.

Os critérios de exclusão foram: idade inferior a 18 anos, recusa e não devolução dos questionários.

A pesquisa foi desenvolvida no período de maio e junho de 2008.

Empregamos o programa Epi Info 3.3 para a montagem do banco de dados e para a análise dos dados colhidos.

Tratando-se de um estudo seccional, a medida de ocorrência obtida foi a prevalência. Então empregamos como medida de associação o Odds Ratio de prevalência (OR de prevalência ou RCP = razão de chances prevalentes). Esta foi utilizada como medida de significância estatística, além do Teste do Qui-Quadrado e do Teste Exato de Fisher.

Realizaram-se análises de diferenças quanto às seguintes variáveis:

— Conhecimento da oferta gratuita pelo SUS das vacinas preconizadas no Programa Nacional de Imunização com possuir situação vacinal completa;

— Orientação recebida ao longo do curso acerca da necessidade de imunização com possuir situação vacinal completa, imunização para hepatite B, imunização para tétano e ocorrência de exposição a material potencialmente contaminado;

— Sexo dos discentes e ocorrência de exposição a material potencialmente contaminado;

— Ocorrência de exposição a material potencialmente contaminado e uso de EPIs. A análise dos resultados obtidos respeitou as seguintes normas preestabelecidas: IC = 95% e p < 0,05.

A pesquisa foi realizada segundo os parâmetros contidos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que dispõe sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Foi solicitada à direção da Faculdade de Medicina da UFJF autorização para realizar o estudo e pediu-se aos sujeitos consentimento para participar da pesquisa, prestando-lhes esclarecimentos sobre o objetivo do estudo, seu direito de abandoná-lo e sobre o anonimato. O Comitê de Ética em Pesquisa — CEP/UFJF aprovou o protocolo da pesquisa, nº 1402.093.2008, por meio do Parecer nº 138/2008 do dia 21 de maio de 2008.

RESULTADOS

Foram entrevistados 136 discentes da Faculdade de Medicina da UFJF, sendo 71 do sexo masculino (52,2%) e 65 do sexo feminino (47,8%). Quanto à distribuição por período, foram 74 alunos (54,4%) do nono período e 62 alunos (45,6%) do décimo período. A média de idade dos entrevistados foi de 24,2 anos (DP = 2).

As Tabelas 1 e 2 ilustram os resultados obtidos em relação ao autoconhecimento dos discentes acerca de sua situação vacinal/cartão de vacinas.

Quando questionados se tinham conhecimento da oferta gratuita pelo SUS das vacinas preconizadas no Programa Nacional de Imunizações para todo cidadão brasileiro, a maioria dos entrevistados (122 alunos — 89,7%) declarou estar ciente, enquanto uma pequena parte (6 alunos — 4,4%) referiu não estar. Oito alunos (5,9%) não responderam a essa pergunta. Associação estatisticamente não significativa foi encontrada entre ter ciência da referida gratuidade e referir situação vacinal completa (OR de prevalência 1,38; IC 95% 0,15 — 10,78; p = 0,66 pelo Teste Exato de Fischer).

Cento e vinte e um (89%) dos discentes entrevistados declararam não ter apresentado, na ocasião da matrícula/ingresso na Faculdade de Medicina da UFJF, comprovante de vacinação atualizado. Oito (5,9%) acadêmicos declararam ter apresentado esse comprovante no ato de suas matrículas. Sete alunos (5,1%) não responderam a essa pergunta.

Em relação ao conhecimento do conteúdo da Portaria MS/GM nº 597, de 8 de abril de 2004, 115 (84,6%) alunos declararam não ter conhecimento, enquanto 14 (10,3%) referiram estar cientes do disposto nesse documento13.

A Tabela 3 contém os resultados referentes à orientação sobre imunização recebida ao longo da graduação pelos discentes.

Valores não estatisticamente significativos foram encontrados ao relacionarmos, por meio de medidas de associação estatística, orientação recebida sobre imunização ao longo do curso com:

— situação vacinal completa (OR de prevalência 1,54; IC 95% 0,65 — 3,61; p = 0,27 pelo Teste do Qui-Quadrado sem correção);

— esquema de imunização completo para hepatite B (OR de prevalência 1,37; IC 95% 0,27 — 3,28; p = 0,44 pelo Teste do Qui-Quadrado sem correção);

— esquema de imunização completo para tétano (OR de prevalência 1,37; IC 95% 0,54 — 3,41; p = 0,46 pelo Teste do Qui-Quadrado sem correção);

Setenta e três (53,7%) alunos declararam já terem sido ex-Disciplinas que forneceram orientação acerca da postos a material potencialmente contaminado ao desempenecessidade de imunização aos alunos do nono nharem suas atividades acadêmicas na Faculdade de Medicina da UFJF. Cinquenta e cinco (40,4%) discentes entrevistados nunca sofreram esse tipo de exposição. Oito alunos (5,9%) não responderam a essa pergunta.

Ao analisarmos os dados relativos à exposição a material potencialmente contaminado segundo o sexo dos acadêmicos, por intermédio de medida de associação estatística e teste estatístico, observamos que os estudantes do sexo masculino relatam 11% menos exposição do que as do sexo feminino (risco relativo = 0,89; IC 95% 0,66 — 1,23; p = 0,52 pelo Teste do Qui-Quadrado sem correção).

Com relação ao uso de EPIs durante a realização de suas atividades acadêmicas, 97 (71,3%) alunos declararam fazer uso regular deles, 25 (18,4%) alunos referiram uso esporádico e 7 (5,1%) alunos responderam que não os utilizam. Sete alunos (5,1%) não responderam a essa pergunta.

A relação entre exposição a material potencialmente contaminado e uso de EPIs (considerando apenas aqueles que declararam fazer uso regular destes) foi testada por intermédio de medida de associação estatística e teste estatístico, não sendo estatisticamente significativa (OR de prevalência 1,86; IC 95% 0,39 — 8,80; p = 0,33 pelo Teste Exato de Fischer).

A Tabela 4 sumariza os dados relativos à disponibilização de EPIs aos discentes.

DISCUSSÃO

A imunização ativa, considerada como a proteção conferida pela estimulação antigênica (infecção natural e/ou vacina) do sistema imunológico e consequente resposta humoral (produção de anticorpos) e celular23, é parte essencial dos programas de controle de infecção em saúde ocupacional da população. Reduz os riscos de o trabalhador da área de saúde adquirir doenças imunopreveníveis, bem como o risco de transmissão de doenças aos pacientes e vice-versa24.

Deve estar aliada a este conhecimento a percepção dos três componentes do risco biológico, que orientarão as medidas profiláticas e terapêuticas relacionadas à ocorrência de acidentes. São eles21: o risco de ocorrência de exposição a material contaminado, a prevalência da infecção referida na população de pacientes e a probabilidade de transmissão atribuível àquela exposição.

Podemos ilustrar a grande importância desta situação ao considerarmos que o profissional da área da saúde, que se encontra em situação permanente de exposição ao sangue em um pronto-atendimento de urgência, além de se vacinar contra a hepatite B, deve realizar o teste anti-HBs para se certificar da resposta vacinal (imunidade adquirida). Este procedimento auxiliará de maneira fundamental na profilaxia após exposição ocupacional14, ou seja, conhecer sua própria situação vacinal pode interferir na conduta profilática e/ou terapêutica.

As vacinas preconizadas a todos os brasileiros pelo Programa Nacional de Imunização, através da Portaria MS/GM nº 1.602 de 17 de julho de 2006, podem ser encontradas gratuitamente em qualquer unidade básica de saúde22. Portanto, regularizar a situação vacinal não gera ônus financeiro algum para o indivíduo.

Em nossa pesquisa, 89 estudantes (65,4%) referiram estar com a situação vacinal regularizada/completa e 122 estudantes (89,7%) declararam ter conhecimento sobre a gratuidade das vacinas preconizadas pelo Ministério da Saúde. Portanto, a razão da diferença entre a porcentagem de regularmente vacinados e a de estudantes conscientes acerca da disponibilidade da imunização gratuita deve ser mais bem compreendida e alvo de futuras investigações.

Nesse contexto, é de extrema importância atingir maiores índices de cobertura vacinal da população estudada. A divulgação maciça das campanhas de vacinação e a implementação/fortalecimento de ações educativas de conscientização acerca da importância da imunização adequada devem ser estimuladas, principalmente nos grupos de significativo risco de exposição a infecções, como os profissionais da área da saúde.

Apesar de revogada, a obrigatoriedade da apresentação de comprovante de situação vacinal atualizado para efeito de matrícula em universidades constitui uma ferramenta interessante para assegurar a adequada imunização e, consequentemente, a proteção contra o risco ocupacional a que os estudantes, principalmente os da área da saúde, podem vir a ser expostos.

Vale ressaltar que os constituintes de nossa amostra ingressaram na UFJF em 2003 e 2004, estando, portanto, a Portaria MS/GM nº 597, de 8 de abril de 2004, no ciclo inicial de suas respectivas graduações. Apesar disso, a maioria dos discentes entrevistados declarou não ter apresentado comprovante de vacinação no ato da matrícula. Seria interessante conhecer se a mesma situação ocorreu em outras instituições de ensino superior brasileiras, bem como os motivos que levaram à revogação desta norma.

Cook et al. demonstram situação relativamente semelhante, evidenciando que apenas 55% das instituições de ensino superior americanas solicitam comprovante de vacinação no ato da matrícula25. Ou seja, há 15 anos já existe essa preocupação nos Estados Unidos, e não houve mudanças expressivas nessa situação no decorrer dos anos.

Uma boa alternativa para detecção de falhas na imunização individual seria por meio do "trote" ao estudante na ocasião do acesso à faculdade, quando os calouros seriam avaliados quanto à situação vacinal e encaminhados para regularização. Mais uma possibilidade seria implementar programas sistemáticos e periódicos de vacinação aos estudantes, eventualmente em parceria com a Direção das instituições, que poderiam ter o mesmo resultado potencial na detecção e regularização de falhas na cobertura vacinal.

Um aspecto interessante abordado em nosso estudo se refere à orientação recebida durante o curso sobre imunização ativa (Tabela 3).

Nossos resultados foram semelhantes aos de um estudo brasileiro publicado em 20062, evidenciando uma orientação compartimentalizada e de abordagem fragmentada, o que di-ficulta agregar o conhecimento de forma consistente e aplicável ao cotidiano do profissional de saúde.

As instituições de ensino superior deveriam preparar o aluno de forma sistematizada e mais eficaz quanto a medidas de promoção da saúde e prevenção de agravos2, além de fomentar políticas para implantação de programas sistemáticos de imunização para seus estudantes18.

Durante a graduação, os egressos devem compreender os aspectos teóricos e práticos da prevenção e controle de infecções relacionados à assistência médica, constituindo elementos para uma atuação profissional coerente2. O ensino desta temática deve ser, antes de tudo, um compromisso ético, tanto das instituições de ensino superior quanto dos educadores, principalmente daqueles envolvidos nas atividades práticas2.

Deve ser viabilizado o contato do estudante com todas as normas e com a legislação pertinentes à regulação da prevenção e controle de infecção2. Quanto mais precoce for esse contato, maior a chance de o futuro profissional se conscientizar e assimilar as práticas preconizadas2.

De forma semelhante a estudos anteriores5,6,21, observamos altas taxas de exposição a material biológico potencialmente contaminado (73 alunos — 53,7%), falhas no uso de EPIs pelos acadêmicos (apenas 97 alunos — 71,3% declararam fazer uso constante da proteção nas atividades de risco) e maior frequência de relatos de exposição em discentes do sexo feminino (11% maior do que no sexo masculino, o que faz alguns autores5,6 considerarem que a diferença se deve a uma tendência masculina de não notificar esse tipo de acidente).

O uso de EPI é importante para minimizar a exposição do profissional de saúde a materiais potencialmente contaminados e, consequentemente, ao risco ocupacional biológico2. A alta exposição a este risco em estudantes de Medicina, pelas frequentes exposições a materiais potencialmente contaminados5,6,9-12,21, torna ainda mais relevante esta pesquisa, devido às peculiaridades desta população, como falta de experiência/ traquejo técnico com relação à rotina clínica e/ou cirúrgica, não utilização de medidas universais de biossegurança e controle de infecção, e ansiedade por assimilar novos procedimentos6-9.

Diferença não estatisticamente significativa foi observada em nosso estudo quando testamos a relação entre exposição a material potencialmente contaminado e uso regular de EPIs, considerando que aquela poderia estimular o uso deste.

Nesse contexto, que envolve inicialmente aspectos éticos, legais e curriculares, bem como trabalhistas em outras populações, torna-se altamente recomendável o uso de EPIs em todas as situações que envolvam risco biológico, por todos os profissionais da área da saúde, com destaque para os estudantes de Medicina9,19.

Os EPIs apresentam limitações na prevenção de acidentes e na transmissão de patógenos em situações específicas26. Tenorio et al. demonstraram que, apesar do uso de luvas, houve aquisição de enterococos resistentes à vancomicina pelo estafe de um hospital americano ligado ao atendimento de pacientes portadores desse microrganismo26. Mesmo assim, os EPIs permanecem como ferramentas fundamentais à realizaçào de diversos procedimentos na área da saúde2,9,26.

A disponibilização dos EPIs aos profissionais e estudantes da área de saúde é de responsabilidade da instituição, empregadora ou de ensino, de acordo com a legislação vigente9. Porém a literatura mostra que o aumento na utilização de EPIs se deve principalmente à educação e à supervisão, e não à disponibilidade do equipamento9.

De forma semelhante a outros autores da UFMG9, foi observado que a maior parte dos alunos não era dona dos equipamentos utilizados, ou seja, os EPIs eram fornecidos no local de realização das atividades práticas que envolviam risco biológico.

Uma grande motivação para posterior pesquisa é avaliar a conversão sorológica dos indivíduos submetidos à imunização ativa, ou seja, verificar se, após se submeter à vacinação de um grupo de afecções, houve real imunização e o indivíduo está protegido.

Variações na seleção dos elementos da amostra de discentes também seriam interessantes para um trabalho futuro, visto que possibilitariam um conhecimento mais profundo da situação período a período, sua evolução temporal e o status vacinal da totalidade da população discente da Faculdade de Medicina da UFJF no momento da pesquisa.

CONCLUSÃO

Foram identificadas não conformidades na imunização dos estudantes de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora em relação à hepatite B e ao tétano, expondo-os, e aos pacientes, a riscos desnecessários.

A orientação formal relativa à imunização tem sido abordada em várias disciplinas, mas a ausência de sistematização dificulta seu entendimento global e aplicação prática.

A significativa taxa de exposição a risco biológico e o insatisfatório uso de EPIs na realização das atividades acadêmicas merecem ser alvo de iniciativas para educação, orientação e supervisão do discente, visando à prevenção de acidentes.

Recebido em: 24/08/2009

Reencaminhado em: 24/09/2009

Aprovado em: 04/10/2009

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

José Antonio Chehuen Neto e Mauro Toledo Sirimarco contribuíram na concepção e desenho do estudo, análise e interpretação de dados, elaboração da versão inicial do artigo, revisão crítica do artigo e aprovação da versão final para publicação.

Isabel Cristina Gonçalves Leite contribuiu na concepção e desenho do estudo, análise e interpretação de dados, revisão crítica do artigo e aprovação da versão final para publicação.

Mariana Paula Cunha Gonçalves, Áureo Augusto de Almeida Delgado, Gustavo Bittencourt Camilo e Nayara Almeida de Abreu contribuíram na concepção e desenho do estudo, Aquisição de dados, análise e interpretação de dados, elaboração da versão inicial do artigo, revisão crítica do artigo e aprovação da versão final para publicação.

CONFLITO DE INTERESSES

Declarou não haver.

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  • Endereço para correspondência:
    José Antônio Chehuen Neto
    Av. Independência, 1495 – aptº 1001 Centro – Juiz de Fora
    CEP. 36016-320 – MG
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      24 Ago 2009
    • Revisado
      24 Set 2009
    • Aceito
      04 Out 2009
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