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Capacitação do agente comunitário de saúde na prevenção do câncer de colo uterino

Training community health agents in cervical cancer prevention

Resumos

Atualmente, intensificam-se as discussões a respeito da educação em saúde, principalmente em relação aos agentes comunitários de saúde (ACS), para os quais a capacitação deve ser constante. Este estudo tem como objetivo relatar a experiência de capacitação de ACSs a respeito do tema câncer cérvico-uterino. A escolha do tema abordado baseou-se em sua relevância e na necessidade concreta dos ACSs observados, que não se sentiam empoderados com relação ao assunto. Diante disso, nove acadêmicos de Medicina e Enfermagem, monitores do PET-Saúde da Universidade de Brasília (UnB), realizaram encontros com ACSs dos municípios de Ceres e Santa Isabel (GO), com o intuito de fornecer a esses profissionais mais informações e técnicas para que a abordagem das usuárias em relação ao exame colpocitologico fosse bem-sucedida. A metodologia utilizada foi a integração entre educação bancária e educação dialógica, a fim de que elas se complementassem para alcançar melhores resultados. Foi evidenciado êxito, uma vez que os ACSs demonstraram ter assimilado o conteúdo e ter organizado os conceitos e puderam aplicá-los de forma criativa, envolvendo-se com o aprendizado e acrescentando a ele as suas vivências próprias em relação ao conhecimento aprendido.

capacitação de recursos humanos em saúde; neoplasias do colo do útero; auxiliares de saúde comunitária; aprendizagem baseada em problemas; atenção primária à saúde; saúde pública


Recent years have witnessed increasing discussion on health education, especially for community health workers (CHWs), who should receive continuing training. The aim of this study was to report on an experience with CHWs trained in cervical cancer prevention. The choice of the theme was based on its relevance and the observed need among CHWs, who did not feel empowered to deal with it. Thus, nine undergraduate medical and nursing students, who were monitors in the PET-Saúde project at the University of Brasília (UnB), held meetings with CHWs in the municipalities (counties) of Ceres and Santa Isabel, Goiás State, Brazil, to provide them with information and techniques in order to improve the success of Pap smears for patients. The methodology used a combination of traditional and critical dialogical learning in order to achieve the best results. The training proved successful, since the CHWs assimilated the concepts and were able to apply them creatively, interacting with the learning process and enriching it with their own personal experiences.

health human resource training; uterine cervical neoplasms; community health aides; problem-based learning; primary health care; public heath


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Capacitação do agente comunitário de saúde na prevenção do câncer de colo uterino

Training community health agents in cervical cancer prevention

Tábata Longo da Silva; Hugo Leonardo Gonçalves de Oliveira Magalhães; Ana Cláudia Nunes Solá; Bruna Côrtes Rodrigues; Ana Catarine Melo de Oliveira Carneiro; Noel Peixoto Schechtman; Natália de Melo Manzi; Jane Lynn Garrison Dytz

Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Tábata Longo da Silva QE 26 conjunto P casa 37, Guará II Brasília CEP. 71060-161 E-mail: tabata_ls@yahoo.com.br

RESUMO

Atualmente, intensificam-se as discussões a respeito da educação em saúde, principalmente em relação aos agentes comunitários de saúde (ACS), para os quais a capacitação deve ser constante. Este estudo tem como objetivo relatar a experiência de capacitação de ACSs a respeito do tema câncer cérvico-uterino. A escolha do tema abordado baseou-se em sua relevância e na necessidade concreta dos ACSs observados, que não se sentiam empoderados com relação ao assunto. Diante disso, nove acadêmicos de Medicina e Enfermagem, monitores do PET-Saúde da Universidade de Brasília (UnB), realizaram encontros com ACSs dos municípios de Ceres e Santa Isabel (GO), com o intuito de fornecer a esses profissionais mais informações e técnicas para que a abordagem das usuárias em relação ao exame colpocitologico fosse bem-sucedida. A metodologia utilizada foi a integração entre educação bancária e educação dialógica, a fim de que elas se complementassem para alcançar melhores resultados. Foi evidenciado êxito, uma vez que os ACSs demonstraram ter assimilado o conteúdo e ter organizado os conceitos e puderam aplicá-los de forma criativa, envolvendo-se com o aprendizado e acrescentando a ele as suas vivências próprias em relação ao conhecimento aprendido.

Palavras-chave: - capacitação de recursos humanos em saúde - neoplasias do colo do útero - auxiliares de saúde comunitária - aprendizagem baseada em problemas - atenção primária à saúde - saúde pública

ABSTRACT

Recent years have witnessed increasing discussion on health education, especially for community health workers (CHWs), who should receive continuing training. The aim of this study was to report on an experience with CHWs trained in cervical cancer prevention. The choice of the theme was based on its relevance and the observed need among CHWs, who did not feel empowered to deal with it. Thus, nine undergraduate medical and nursing students, who were monitors in the PET-Saúde project at the University of Brasília (UnB), held meetings with CHWs in the municipalities (counties) of Ceres and Santa Isabel, Goiás State, Brazil, to provide them with information and techniques in order to improve the success of Pap smears for patients. The methodology used a combination of traditional and critical dialogical learning in order to achieve the best results. The training proved successful, since the CHWs assimilated the concepts and were able to apply them creatively, interacting with the learning process and enriching it with their own personal experiences.

Keywords: - health human resource training - uterine cervical neoplasms - community health aides - problem-based learning - primary health care - public heath

INTRODUÇÃO

A atenção primária à saúde (APS) é assumida como proposta da Organização Mundial da Saúde - OMS, durante a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários da Saúde, realizada em Alma-Ata em 1978. No Brasil, a busca pela reforma assistencial do sistema de saúde resultou na formação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs), em 1990. Esse programa teve como modelo inicial as experiências realizadas nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e Ceará, que tinham como objetivo principal a diminuição da mortalidade infantil e materna. Tal experiência foi avaliada como satisfatória e implantada principalmente nos estados das regiões Norte e Nordeste, servindo como uma das bases, em 1994, para a concepção do Programa de Saúde da Família (PSF), sendo este, atualmente, a principal estratégia de APS no Brasil.1,2

Uma das diretrizes operacionais do Pacs/PSF é o estímulo à participação social e, nesse sentido, o agente comunitário de saúde (ACS) é o principal elo entre os serviços de saúde e os usuários. O ACS é um personagem da própria comunidade, que se identifica com ela em sua cultura, linguagem e costumes, pois reside na área onde trabalha, faz parte dela, o que define um envolvimento pessoal diferenciado com os problemas que comprometem a saúde das famílias acompanhadas.3, 4

O Ministério da Saúde confere ao ACS uma série de atribuições5, as quais transcendem à sua formação profissional, uma vez que, para a sua admissão, não há exigência de um alto grau de escolaridade nem, muito menos, de algum tipo de formação específica prévia. Dessa forma, a responsabilidade de identificar, orientar, encaminhar e acompanhar os pacientes muitas vezes não é cumprida. Portanto, tais profissionais participam de esquemas de qualificação e atualização permanentes.6, 7

Um dos focos de capacitação do sistema de saúde é o atendimento das necessidades da população feminina, o qual se trata de uma diretriz geral prevista pelo Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), planejado em 1983 e divulgado em 1984. Tal programa pressupõe a ênfase nas ações dirigidas ao controle das enfermidades de maior prevalência no grupo e, seguindo essa linha, dentro do PAISM, já no ano de 1995, começa a ser esboçado o programa voltado à abordagem do câncer de colo uterino8,9. De forma geral, o câncer do colo do útero corresponde a cerca de 15% de todos os tipos de cânceres que acometem as mulheres, sendo o segundo tipo mais comum entre elas, responsável pelo óbito de aproximadamente 230 mil pacientes por ano no mundo.10, 11 Esses índices alarmantes se devem principalmente à falta de informação a respeito da prevenção e do diagnóstico desse tipo de câncer. Sendo assim, a discussão de tal tema se faz extremamente importante na capacitação dos agentes comunitários de saúde.

Quando se pretende discutir o processo de formação ou qualificação de recursos humanos, é fundamental observar com clareza três aspectos: o perfil do profissional a ser capacitado; suas necessidades de formação e qualificação; e as competências que devem ser desenvolvidas ou adquiridas no processo educacional. Os programas educacionais devem ser elaborados com base no desenvolvimento de competências, utilizando métodos de ensino-aprendizagem inovadores, reflexivos e críticos.1 O processo de ensino-aprendizagem visa a reconhecer e transformar as conservas culturais por meio do resgate da espontaneidade-criatividade, considerando a singularidade da pessoa do educando e do educador, as peculiaridades da sociodinâmica grupal, sua inserção institucional e os determinantes histórico-sociais.12

Freire faz uma análise a respeito de duas modalidades de educação. A primeira, denominada educação bancária, trata-se da educação tradicional, baseada na transmissão de conhecimentos e valores de uma geração a outra, na qual o educador aparece como indiscutível agente, cuja tarefa indeclinável é "encher" os educandos de sua narração. A única coisa a ser feita pelo educador é narrar os fatos para que sejam memorizados. A segunda modalidade, denominada educação problematizadora ou participativa, apoia-se nos processos, não se preocupando tanto com os conteúdos a serem comunicados ou com os seus efeitos em termos de comportamento, e sim com a interação dialética entre as pessoas e sua realidade. Todos são sujeitos do processo e participam com igual oportunidade de conhecimento. Na prática problematizadora, os educandos vão desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo.13, 14

Dentro das abordagens participativas, sobretudo em atividades interativas, dinâmicas, interpessoais e jogos de papéis, surge o uso do psicodrama como uma alternativa pedagógica.13 O psicodrama, enquanto técnica educativa, propicia a representação dos conhecimentos anteriores, ou seja, promove a construção de um novo saber a partir de conhecimentos prévios. Assim, proporciona a exteriorização do que se imagina, permitindo a exploração e o entendimento vivencial. Sua estrutura abrange a arquitetura do trabalho psicodramático, que atravessa qualquer método socionômico: os contextos (social, grupal e psicodramático); as etapas (aquecimento, proposta de ação e compartilhamento/elaboração) e os instrumentos (protagonista: indivíduo ou grupo, diretor, ego-auxiliar, grupo/ plateia e cenário).12, 15, 16

Diante do exposto, considerou-se relevante relatar uma experiência prática para ampliar e atualizar o conhecimento acerca do tema prevenção do câncer cérvico-uterino, realizado em Ceres e Santa Isabel, GO, tendo como público-alvo agentes comunitários de saúde de sete Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo seis na primeira cidade e uma na segunda. Tal atividade faz parte do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), instituído pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação, para viabilizar programas de iniciação ao trabalho, estágios e vivências, dirigidos aos estudantes da área da saúde, e o desenvolvimento de pesquisas voltadas para melhoria da qualidade dos serviços de saúde.

METODOLOGIA

Este estudo consiste em um relato de experiência vivenciada por graduandos de Medicina e Enfermagem da Universidade de Brasília (UnB) vinculados ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) da UnB, instituído pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação.

A experiência foi realizada em fevereiro de 2010 em Ceres e Santa Isabel, no interior do estado de Goiás. Contou-se com a participação de agentes comunitários de saúde (ACS) de seis UBSs em Ceres e uma em Santa Isabel, totalizando 49 e 12 ACSs, respectivamente.

Foi desenvolvido um encontro em cada município separadamente, cada um com duração de 4 horas, para abordar a prevenção do câncer cérvico-uterino quanto às categorias: valorização e anatomia da mulher, o câncer, a importância da prevenção e do papel desempenhado pelos ACSs na abordagem do assunto com as usuárias do sistema de saúde.

O desenvolvimento da temática aconteceu em três etapas distintas: dinâmica corporal, aula expositiva e problematização. Os dois primeiros momentos foram comuns entre os grupos de Ceres e de Santa Isabel. Na primeira etapa, dinâmica corporal, foram propostos comandos de alongamento com contato com o próprio corpo, ao som de música relaxante, com duração de 10 minutos.

A segunda etapa constituiu-se de aula expositiva, ministrada pelos graduandos, os quais utilizaram como recurso pedagógico a projeção de slides essencialmente constituídos de elementos gráficos. Essa atividade, com duração média de 2h30min, abordou os seguintes tópicos: anatomia da mulher;o câncer (estatísticas, conceito e formação, fatores de risco, sintomatologia, métodos diagnósticos, tratamento e prevenção); e o papel dos profissionais. Os ACSs foram estimulados a perguntar e a inserir novos tópicos durante e após a exposição. Terminada essa etapa, seguiu-se um intervalo de 20 minutos para descanso e socialização dos participantes.

A terceira etapa, a problematização, ocorreu de forma distinta em Ceres e em Santa Isabel, com duração média de 1 hora em ambos os municípios. Em Ceres, os participantes foram divididos em quatro subgrupos com a participação de um graduando por subgrupo. A cada um dos subgrupos foi entregue um caso fictício distinto acerca dos motivos mais comuns, apontados pela literatura17, 18, para a não realização do exame colpocitológico. Dessa forma, os ACSs foram estimulados a discutir, refletir e elaborar argumentos a serem utilizados durante visitas domiciliares com problemática semelhante, contando, para isso, com o conhecimento adquirido na segunda etapa e com as informações que cada um possuía previamente sobre o assunto, assim como com as experiências pessoais de cada participante. Posteriormente foi constituído novamente o grande grupo com a presença de todos os alunos e ACSs, para a etapa da socialização dos subgrupos, na qual cada um compartilhava sua temática e suas conclusões com os demais.

Em Santa Isabel, a estratégia pedagógica empregada foi o psicodrama, e o tipo de dramatização utilizado foi o role playing ou jogo de papéis.12, 16 Utilizou-se, para a encenação, um caso fictício elaborado a partir de casos reais da comunidade. Um dos graduandos inicialmente exerceu o papel de usuária a ser convencida a realizar o exame colpocitológico por um dos ACSs presentes, que era escolhido aleatoriamente. Outro graduando, exercendo o papel de diretor, acompanhava a encenação e a qualquer momento substituía um dos "atores" por alguém do grupo, ou seja, a plateia (constituída por ACSs e graduandos), cujo ingresso era dado à cena como participante ativo do enredo. O palco foi delimitado pelo diretor, ficando a plateia sentada em círculo ao seu redor.

Ao final de cada encontro, monitores, preceptores e tutores do PET-Saúde discutiam as experiências e registravam as manifestações dos grupos, assim como as observações e percepções daqueles.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O primeiro momento do encontro consistiu do alongamento, coordenado por uma acadêmica, ao som de música relaxante. Todos os agentes comunitários de saúde participaram dessa atividade. No entanto, ela foi voltada especialmente para o público feminino, que constituiu a maior parte dos ACSs tanto em Ceres, quanto em Santa Isabel (47 e 11 mulheres, respectivamente). Durante o alongamento, a aluna da graduação orientou os participantes a se perceberem e se sentirem, tocando os próprios rostos e corpos. As agentes de saúde foram instruídas a tocar seus seios, repousar suas mãos sobre o ab-dome e palpar a parte inferior deste, na topografia do útero e anexos. O alongamento foi realizado com êxito em ambos os municípios, e todos os ACSs participaram desse momento, bem como cumpriram, ao longo da atividade, os comandos dados pela aluna para tocarem o próprio corpo.

Tal etapa foi finalizada pela seguinte pergunta feita às ACSs: "Por que é bom ser mulher?"; ou no caso dos agentes: "Quais as vantagens vocês acham que existem em ser mulher?". Em Ceres, houve várias respostas positivas. As agentes comunitárias disseram que gostam de ser mulher, pois podem ser mães e, além disso, também têm autoridade sobre os homens, porque conquistaram seu espaço no mercado de trabalho, isso somado ao fato de "chefiarem" o lar como donas de casa. Após algumas brincadeiras de cunho machista, insinuando que as mulheres tinham menos trabalho, uma vez que se encarregavam apenas das funções do lar, os homens concordaram com as respostas de suas colegas de profissão. Em contrapartida, em Santa Isabel, as mulheres consentiram entre si que a única qualidade de ser mulher é poder ser mãe, tendo uma das agentes dito que é um "fardo" ser mulher, pois elas trabalham e se desgastam durante o dia, em seus empregos, e à noite, quando deveriam descansar em suas casas, pois têm de realizar atividades do lar. O único ACS do sexo masculino concordou que devia ser muito bom poder ser mãe e gerar um filho.

Apesar de terem opiniões diferentes, os argumentos dados pelas ACSs tanto de Ceres quanto de Santa Isabel convergem para o mesmo ponto. Foi, realmente, uma conquista feminina a possibilidade de ocupar novos cargos no mercado de trabalho que era ocupado exclusivamente por homens há algumas décadas. Há de destacar que esse fato demonstra maior autonomia adquirida pelo sexo feminino, alterando a imagem social da mulher apenas como reprodutora e zeladora do lar. Entretanto, atualmente, muitas mulheres necessitam fazer jornada dupla: trabalho remunerado, durante o expediente, e afazeres domésticos e cuidados com os filhos, no período que deveriam descansar. Essa sobrecarga, a qual muitas estão passíveis, torna explícita a necessidade da busca de uma saúde integral à mulher, respeitando as complexidades e especificidades do sexo feminino.19

Após esse momento inicial, foi dado seguimento às atividades previstas com uma aula expositiva ministrada por três graduandos. O primeiro tópico abordado foi a anatomia feminina. Foram apresentadas figuras, por meio da projeção de slides, da genitália externa e interna feminina: vulva, vagina, útero, tubas uterinas e ovários. Em relação ao útero, foi possível ainda discriminar o colo do útero, região onde ocorre o câncer cérvico-uterino, da área onde se recolhe o material para análise de alterações no exame citopatológico. A elucidação anatômica foi seguida pela abordagem do câncer de colo do útero. Foram expostos dados epidemiológicos, fisiopatogenia dessa neoplasia, quadro clínico e complicações, fatores de risco associados (com enfoque na infecção pelo papilomavírus humano - HPV), diagnóstico e prevenção (enfatizando a realização da colpocitologia oncótica - CCO) e tratamento. Por fim, foi demonstrado aos ACSs o papel dos profissionais na orientação, abordagem, rastreio, detecção e seguimento das pacientes em relação ao câncer de colo uterino, ressaltando a importância dos agentes na educação e promoção da saúde da comunidade.

Pode-se concluir que a segunda etapa foi bastante proveitosa em ambos os municípios. Entretanto, houve dispersão de alguns participantes, o que pode ser explicado em parte pelo elevado número deles na atividade, uma vez que houve menos espaço para participação, permitindo que os menos interessados se sentissem à parte. Mesmo assim, a participação daqueles que se comprometeram com a atividade foi de fato produtiva, tanto que, durante a apresentação dos temas pelos acadêmicos, surgiram várias questões que foram levantadas pelos agentes comunitários de saúde e discutidas com o grupo. Com base em seus conhecimentos prévios e em suas vivências, os ACSs perguntaram sobre o conceito de endometriose e se havia alguma relação da doença com o câncer cérvico-uterino; sobre como era possível identificar que uma metástase era originária do útero; quiseram saber se as pacientes histerectomizadas deviam continuar realizando o exame citopatológico regularmente e por quê; quiseram saber a razão pela qual algumas neoplasias uterinas não eram identificadas pela CCO, entre outros. Tais dúvidas foram muito importantes para uma maior interação entre os graduandos e os agentes e possibilitaram o aprofundamento de conhecimentos prévios e, até mesmo, a aplicação de alguns tópicos ali abordados em situações práticas. Portanto, mesmo se tratando de uma atividade baseada na educação bancária14, identificou-se a integração entre a instituição, representada pelos acadêmicos, e os ACSs, que representam o elo fundamental na mediação da comunidade com o sistema de saúde. No mais, houve a oportunidade de esclarecer que a colpocitologia tem como objetivo identificar as alterações celulares cérvico-uterinas, significando, assim, que os cânceres de corpo uterino não são necessariamente encontrados por esse exame. Também foi possível salientar a importância da realização do exame citopatológico, inclusive nas mulheres histerectomizadas, pelo menos a cada três anos, no intuito de identificar lesões presentes o mais precocemente possível 20.

Após um breve intervalo, foi realizada com os ACSs uma dinâmica de abordagem às usuárias. Tal atividade teve como objetivo exercitar os métodos de aproximação dos agentes em relação às mulheres inseridas na população suscetível ao desenvolvimento da neoplasia de colo uterino, assim como desenvolver argumentos que orientem-nas de maneira correta, de modo a clarificar a importância da realização regular da CCO. As dinâmicas foram distintas nos dois municípios.

Em Ceres, o grupo foi dividido em quatro subgrupos, sendo que em cada um deles havia a participação de um graduando. Estes, por sua vez, interpretaram papéis fictícios de quatro usuárias (cada aluno representava uma delas) que não realizavam a colpocitologia por determinados motivos. Foram selecionadas algumas das principais causas apontadas pelo Ministério da Saúde para a não realização do exame.20 Posteriormente à encenação dos acadêmicos para seus respectivos subgrupos, estes tiveram um determinado tempo para discutir sobre a melhor maneira de abordar aquela usuária fictícia, tentando convencê-la de que, mesmo sendo reais as barreiras que a impedem de realizar a CCO, há maneiras de contornar esses obstáculos, viabilizando a execução do exame citopatológico. Finalizado tal período de discussão e busca de soluções, o grande grupo foi novamente estabelecido. Então, dessa vez, os graduandos interpretaram aquelas mulheres para todos, seguindo-se a abordagem dos ACSs que ficaram responsáveis por cada caso, com as justificativas que estes acreditavam ser as mais efetivas na tentativa de orientar e convencer a personagem a "ir ao posto fazer o seu preventivo". Após a atuação dos quatro alunos e a participação de todos os subgrupos anteriormente formados, abriu-se espaço para comentários, críticas e opiniões. Em seguida, o encontro foi finalizado com agradecimentos e com uma apresentação de slides com figuras de mulheres ao som da música "Mulher", de Elba Ramalho.

A atividade final conseguiu arrematar a proposta do encontro de maneira satisfatória. Após a aula expositiva, com a aquisição de novos conhecimentos, bem como o aprofundamento daqueles já existentes e também com as experiências vivenciadas por cada agente, os profissionais expuseram competentemente pontos fundamentais para a educação em saúde das usuárias, deixando claro o profissionalismo e preparo dos profissionais para a coleta do material do exame e a organização das Unidades Básicas de Saúde quanto à marcação de datas para a realização da colpocitologia. Explicaram também a necessidade da execução regular da CCO, mesmo em casos de mulheres histerectomizadas, assintomáticas ou que não apresentavam fatores de risco, como o tabagismo, o uso de contraceptivo oral ou a presença de casos na família, explicitando que esses quadros não excluíam a possibilidade do câncer.

Em Santa Isabel, a dinâmica foi baseada no psicodrama pedagógico, tendo sido fundamentada no referencial da teoria psicodramática de Moreno.21 O grupo, composto por 12 agentes comunitários de saúde e quatro graduandos, atuou em conjunto. Um dos acadêmicos, responsável pela direção da cena, criou o cenário com os bancos e cadeiras presentes no local: a sala de estar da casa de uma usuária, constituída por um sofá de três lugares, uma mesa de centro e uma poltrona de dois lugares. Inicialmente, uma das alunas fez o papel da usuária que nunca havia realizado o exame citopatológico e também não tinha a intenção de fazê-lo. Uma ACS, selecionada aleatoriamente, interpretou o agente, que, durante uma visita domiciliar, procurava identificar as razões pelas quais aquela mulher não realizava a CCO e tentava instruí-la corretamente de maneira a conscientizá-la a fazer o exame, haja vista a importância deste. Assim teve início a encenação. Nas ocasiões em que o diretor considerava apropriado, os "atores" eram substituídos por pessoas do grupo que compunham a plateia e cujo ingresso era dado à cena como participantes ativos do enredo. Finalizada essa atividade, semelhantemente ao que se realizou em Ceres, abriu-se espaço para comentários, críticas e opiniões. O encontro foi finalizado com agradecimentos e com uma apresentação de slides com figuras femininas ao som da música "Mulher", de Elba Ramalho.

Em relação à dinâmica realizada em Santa Isabel, foi notável o bom aproveitamento dos ACSs. Com a execução do jogo de papéis (role playing), esses profissionais de saúde puderam sedimentar seus conhecimentos com um método que privilegia as vivências de cada um, exteriorizando suas experiências e possibilitando a exploração e o entendimento delas. A aprendizagem, então, deu-se pela ação que visa à espontaneidade e à criatividade, evitando respostas estereotipadas e demasiadamente racionalizadas.13,15

Quando estavam em cena, os atores que interpretavam a usuária criaram novas situações e problemas na tentativa de justificar a não realização do exame citopatológico, possibilitando a continuidade da cena e tornando-a mais rica e complexa. Aqui, cabe frisar que os ACSs "atores" usavam motivos similares àqueles apontados pelo Ministério da Saúde como principais barreiras à não execução da CCO, ratificando a validade dessa fonte.20 Da mesma forma, a personagem do agente era defendida ferrenhamente por seus intérpretes, os quais usavam de todos os recursos disponíveis para atingir seu objetivo de educar e informar, levando, assim, a usuária à realização do exame.

No momento de compartilhar suas impressões, vários ACSs trouxeram ao grupo experiências vividas que, de alguma forma, assemelhavam-se àquele momento experimentado na dramatização, corroborando a ideia do psicodrama como método de aprendizagem que leva em consideração as vivências e conhecimentos que cada um tem sobre o assunto.13

Por fim, uma possibilidade a ser discutida quanto à ordenação das atividades seria a realização das abordagens interativas antes da aula expositiva, em semelhança a outros relatos de experiência encontrados na literatura.13,15 Dessa forma, durante a exposição do tema pelos graduandos, os ACSs poderiam verificar se os seus conhecimentos prévios estavam em concordância com o referencial teórico, fundamentando, assim, as discussões que surgiram em decorrência da encenação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente a importância da função do ACS como mediador entre o sistema de saúde e os usuários. No entanto, as atribuições que lhe são delegadas transcendem sua formação profissional. Tornam-se necessárias, portanto, a capacitação e a atualização constantes desse profissional para a promoção de saúde e o fortalecimento do SUS. Sendo assim, destaca-se a prevenção do câncer cérvico-úterino na qualificação dos ACSs, visto que é prioridade na saúde da mulher, uma vez que apresenta dados de morbi-mortalidade alarmantes. Esses resultam em parte da falta de informação acerca do câncer com ênfase na prevenção.

Nesse contexto, foi planejado realizar a capacitação dos ACSs, considerando a associação de duas modalidades de educação, bancária e problematizadora, para obtenção de um resultado mais efetivo. No uso da primeira, foi percebido que, apesar de seu conceito de educação unilateral, ela foi útil e abriu espaço para questionamento e discussão. Apesar das dinâmicas terem sido diferentes, o aproveitamento em ambos os municípios foi notório com exceção de poucas dispersões em Ceres. Os agentes, de modo geral, puderam utilizar seus conhecimentos prévios e experiências vividas para compreender e refletir sobre novos saberes que lhes eram transmitidos. Dessa forma, tal atividade lhes forneceu novas ferramentas para o exercício profissional.

Em relação ao PET-Saúde, conclui-se que ele permite uma interação entre serviço, comunidade e ensino, cujos efeitos benéficos atingem a todos. No âmbito do ensino, o programa possibilita aos acadêmicos um contato real com a comunidade e com a saúde pública, mais especificamente com a atenção básica, indo ao encontro das diretrizes do SUS. Dessa maneira, almeja-se a formação de um profissional mais qualificado no que diz respeito à atenção básica, beneficiando, assim, o vértice do serviço, propiciando melhor assistência à comunidade.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Luana Amaral e Luana Silva, estudantes da graduação de Enfermagem da UnB, pela colaboração e participação na experiência relatada.

Recebido em: 01/04/2010

Reencaminhado em: 04/09/2010

Aprovado em: 20/09/2010

CONFLITO DE INTERESSES: Declarou não haver.

Apoio: Projeto financiado pelo Fundo Nacional de Saúde.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Tábata L. Silva contribuiu na confecção do resumo, introdução, metodologia, resultado e discussões, referências e revisão. Hugo L.G.O. Magalhães: contribuiu na confecção do resultado e discussões, considerações finais, referências e revisão do texto. Ana C.N. Solá contribuiu na confecção do resumo, metodologia, considerações finais e revisão do texto. Bruna C. Rodrigues contribuiu na confecção da introdução, considerações finais e revisão do texto. Ana C.M.O Carneiro contribuiu na confecção da metodologia, resultados e discussões e Revisão do texto. Noel P. Schechtman contribuiu na confecção do abstract, considerações finais e revisão final do texto. Natália M. Manzi: contribuiu na Consideração final e revisão do texto e Jane Dytz contribuiu na revisão.

  • Endereço para correspondência:

    Tábata Longo da Silva
    QE 26 conjunto P casa 37, Guará II
    Brasília CEP. 71060-161
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Abr 2010
    • Aceito
      20 Set 2010
    • Revisado
      04 Set 2010
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