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A percepção de alunos quanto ao programa de educação pelo trabalho para a saúde - PET-Saúde

Students' views of the Educational Program for Health Work

Resumos

INTRODUÇÃO: Este trabalho propõe-se a analisar a percepção dos alunos do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em relação ao desenvolvimento do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), cujo objetivo é integrar ensino e serviços na Atenção Primária. OBJETIVO: Pretende-se investigar a percepção de alunos quanto ao método de integração interdisciplinar entre ensino, pesquisa e extensão proposto pelo PET-Saúde. MÉTODO: Para coleta dos dados, foi realizado um estudo seccional com alunos do PET-Saúde. Avaliou-se a percepção por questionário estruturado e autoaplicável. Realizou-se análise descritiva e teste qui-quadrado e exato de Fischer (p<0,05). RESULTADOS: Participaram do estudo 194 acadêmicos, com idade média entre 22,7±3,26 anos, dos quais 86,8% eram mulheres e 72,9%, bolsistas. Verificou-se que o método proposto favoreceu o ensino-aprendizagem de bolsistas e voluntários; a interdisciplinaridade; e a integração ensino, pesquisa e extensão. Os alunos do 2º ao 5º período (73,7%) foram os que relataram realizar mais a prática profissionalizante (p<0,001). As atividades mais desenvolvidas foram pesquisa e planejamento de ações, com diferenças entre bolsistas e voluntários na participação nas atividades das Equipes de Saúde da Família (85,3% versus52,9%;p=0,01) e na capacidade de divulgar a pesquisa na comunidade (35,5% versus87,0%;p<0,01). CONCLUSÃO: O PET-Saúde UFMG/SMSA-BH determinou avanços, mas também apresentou limitações em relação às mudanças nos processos de formação de recursos humanos na área da saúde.

Educação em Saúde; Estudantes; Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde


INTRODUCTION: This study proposes to analyzes students' views of the course in medicine at the Federal University in Minas Gerais (UFMG) in relation to the development of the Educational Program for Health Work (PET-Saúde), the objective of which is to integrate training with primary care services. OBJECTIVE: Investigate students' perceptions of the method of interdisciplinary integration between teaching, research and extension as proposed by PET-Saúde. METHOD: For data collection, a cross-sectional study was conducted with students in PET-Saúde, using a self-completed structured questionnaire. The study used a descriptive analysis and chi-square and Fischer's exact test (p<0.05). RESULTS: The study sample included 194 students, with a mean age of 22.7 years (±3.26), of whom 86.8% were women and 72.9% scholarship students. The proposed method fostered teaching and learning by scholarship students and volunteers, interdisciplinary work, and integration between training, research, and extension. Medical students from the second to fifth semesters (73.7%) were those that reported the most frequent training practices (p<0.001). The most frequent activities were research and planning of activities, with differences between scholarship students and volunteers in terms of participation in the activities held by the Family Health Teams (85.3% versus 52.9%; p=0.01) and in the capacity to share the research results in the community (35.5% versus 87.0%; p<0.01). CONCLUSION: The PET-Saúde project at UFMG/SMSA-BH led to improvements, but also limitations, in relation to changes in human resources training in health.

Health Education; Student; Primary Health Care; Health System


PESQUISA

A percepção de alunos quanto ao programa de educação pelo trabalho para a saúde - PET-Saúde

Students' views of the Educational Program for Health Work

Juliana Barreto CaldasI; Aline Cristine Souza LopesI; Raquel de Deus MendonçaI; Adriana FigueiredoII; Juliane Guarnieri de Araújo LontsII; Efigênia Ferreira e FerreiraI; Taís Rocha FigueiraII

IUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIPrefeitura Municipal de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Guajajaras, 863, Apt 703 B Centro - Belo Horizonte CEP. 30180-100 MG E-mail: julianabcaldas@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Este trabalho propõe-se a analisar a percepção dos alunos do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em relação ao desenvolvimento do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), cujo objetivo é integrar ensino e serviços na Atenção Primária.

OBJETIVO: Pretende-se investigar a percepção de alunos quanto ao método de integração interdisciplinar entre ensino, pesquisa e extensão proposto pelo PET-Saúde.

MÉTODO: Para coleta dos dados, foi realizado um estudo seccional com alunos do PET-Saúde. Avaliou-se a percepção por questionário estruturado e autoaplicável. Realizou-se análise descritiva e teste qui-quadrado e exato de Fischer (p<0,05).

RESULTADOS: Participaram do estudo 194 acadêmicos, com idade média entre 22,7±3,26 anos, dos quais 86,8% eram mulheres e 72,9%, bolsistas. Verificou-se que o método proposto favoreceu o ensino-aprendizagem de bolsistas e voluntários; a interdisciplinaridade; e a integração ensino, pesquisa e extensão. Os alunos do 2º ao 5º período (73,7%) foram os que relataram realizar mais a prática profissionalizante (p<0,001). As atividades mais desenvolvidas foram pesquisa e planejamento de ações, com diferenças entre bolsistas e voluntários na participação nas atividades das Equipes de Saúde da Família (85,3% versus52,9%;p=0,01) e na capacidade de divulgar a pesquisa na comunidade (35,5% versus87,0%;p<0,01).

CONCLUSÃO: O PET-Saúde UFMG/SMSA-BH determinou avanços, mas também apresentou limitações em relação às mudanças nos processos de formação de recursos humanos na área da saúde.

Palavras-chave: Educação em Saúde; Estudantes; Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde.

ABSTRACT

INTRODUCTION: This study proposes to analyzes students' views of the course in medicine at the Federal University in Minas Gerais (UFMG) in relation to the development of the Educational Program for Health Work (PET-Saúde), the objective of which is to integrate training with primary care services.

OBJECTIVE: Investigate students' perceptions of the method of interdisciplinary integration between teaching, research and extension as proposed by PET-Saúde.

METHOD: For data collection, a cross-sectional study was conducted with students in PET-Saúde, using a self-completed structured questionnaire. The study used a descriptive analysis and chi-square and Fischer's exact test (p<0.05).

RESULTS: The study sample included 194 students, with a mean age of 22.7 years (±3.26), of whom 86.8% were women and 72.9% scholarship students. The proposed method fostered teaching and learning by scholarship students and volunteers, interdisciplinary work, and integration between training, research, and extension. Medical students from the second to fifth semesters (73.7%) were those that reported the most frequent training practices (p<0.001). The most frequent activities were research and planning of activities, with differences between scholarship students and volunteers in terms of participation in the activities held by the Family Health Teams (85.3% versus 52.9%; p=0.01) and in the capacity to share the research results in the community (35.5% versus 87.0%; p<0.01).

CONCLUSION: The PET-Saúde project at UFMG/SMSA-BH led to improvements, but also limitations, in relation to changes in human resources training in health.

Keywords: Health Education; Student; Primary Health Care; Health System.

INTRODUÇÃO

A mudança do perfil epidemiológico, com predomínio da morbi-mortalidade por doenças e agravos não transmissíveis em relação às infecciosas, e a alteração das concepções do processo saúde-doença determinaram um reordenamento das políticas públicas e dos modelos de atenção à saúde1. No Brasil, esse processo se deu pela criação do Sistema Único de Saúde (SUS), caracterizado pelos seguintes princípios: universalidade; integralidade; equidade; descentralização; regionalização; hierarquização; e participação popular.

No entanto, os modelos de formação profissional, ainda tradicionais, estruturados em bases flexnerianas2, também configuram-se como inadequados para o enfrentamento dos desafios da atenção à saúde, já que a ênfase curricular é dada ao tratamento de manifestações de doenças, com atuação do profissional restrita ao indivíduo e priorização da formação especializada. Diante da necessidade de aproximar a formação de graduação no País às necessidades da Atenção Primária, novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) foram propostas por meio da Resolução CNE/CES n°4, de 2001. De acordo com as DCN, o eixo do desenvolvimento curricular deve ser o das necessidades de saúde da população, de maneira a promover a interação entre ensino, serviço e comunidade, preferencialmente nos serviços do SUS3.

A iniciativa mais recente, voltada prioritariamente paraa iniciação precoce a vivências em pesquisa e extensão na Atenção Primária paraestudantes da área da saúde, de acordo com as demandas do SUS, é o PET-Saúde (Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde), criado em 2008, pela Portaria Interministerial n°1.802. Os Ministérios da Saúde e da Educação e Cultura estão envolvidos na criação desse projeto, que fomenta a formação de grupos tutoriais de aprendizagem, inseridos na Estratégia Saúde da Família. Alguns objetivos do PET-Saúde incluem: contribuir para a efetivação das Diretrizes Curriculares Nacionais das graduações em saúde;promover a formação de profissionais com perfil adequado às demandas e políticas de saúde brasileiras;e proporcionar a articulação entre ensino e serviço na saúde4.

De acordo com essas finalidades, foi implantado pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA/PBH), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, o PET-Saúde UFMG/SMSA-PBH. Participaram desse PET-Saúde, 14 tutores (professores universitários de cursos da área da saúde), 60 preceptores (profissionais que exercem suas atividades no âmbito da Estratégia Saúde da Família), 120 alunos bolsistas (monitores) e 112 alunos voluntários (acadêmicos dos cursos da área de saúde da UFMG). Cada grupo tutorial padrão foi composto por um tutor, seispreceptores, 12 monitores, podendo comportar até 18 alunos voluntários. Esse projeto envolveu o desenvolvimento de atividades de pesquisa, ensino e extensão com enfoque na interdisciplinaridade.

Tendo em vista a recente implantação do PET-Saúde e sua fundamental contribuição para a adequação do perfil profissional às necessidades atuais do Sistema Público de Saúde, propõe-seavaliar a implantação e o desenvolvimento do programana UFMG a partir da percepçãodos estudantes em relação ao método proposto pelo projeto. Em outras palavras, o que este estudo pretende é verificar se efetivamente ocorreu a integração ensino e serviço no contexto de indissociabilidadeentre ensino, pesquisa e extensão, atuando de forma interdisciplinar por meio de metodologias inovadoras de ensino, possibilitandoaos acadêmicos, assim,a inserção precoce e a vivência profissional na Atenção Primária à Saúde.

METODOLOGIA

Foi realizado um estudo seccional, sendo o seu universo constituído por alunos (bolsistas e voluntários) participantes do PET-SaúdeUFMG-SMSA/PBH. A amostra foi composta por todos os alunos (bolsistas e voluntários) que concordaram livremente em participar da pesquisa, excluindo-se apenas os que conduziram o presente trabalho.

O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário anônimo, estruturado e autoaplicável, construído com base na Portaria Interministerial nº 1.802/20084 e no projeto PET-SaúdeUFMG-SMSA/PBH. O conteúdo do questionário se destinou a obter informações sobre a caracterização do sujeito, avaliação da metodologia do programa e das condições para o desenvolvimento de suas atividades.

Um envelope com a carta de apresentação da pesquisa e os questionários foi enviado para cada tutor do PET-Saúde UFMG-SMSA/PBH, que se tornou responsável por distribuí-los aos alunos de seu respectivo grupo. Solicitou-se que a referência para a entrega do questionário preenchido fosse o tutor, de maneira a facilitar o recolhimento dos instrumentos.

Os dados foram processados, permitindo o cálculo das distribuições de frequências, medidas de tendência central e de dispersão. Foram comparados alunos bolsistas e voluntários, sendo que o período acadêmico dos estudantes foi analisado de acordo com a distribuição percentilar. Para analisar as diferenças entre esses grupos foram utilizados testes de comparações de proporções e médias, teste de qui-quadrado e exato de Fisher, respectivamente. Foi adotado um nível de significância de 5%. Para a entrada dos dados utilizou-se o programa EpiInfo versão 6.04 (Centers for Disease Controland Prevention, Atlanta, Estados Unidos) e para análise, o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) (versão 17.0, SPSS Inc., Chicago, IL).

RESULTADOS

Os participantes desenvolveram as atividades do PET-Saúde UFMG/SMSA-BH em 13 Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Belo Horizonte.A amostra constou de 129 indivíduos, com média de idade de 22,7±3,26 anos, sendo 86,8% do sexo feminino. Desses 72,9% eram bolsistas e 27,1% voluntários, sendo principalmente acadêmicos de Medicina (26,4%), Fonoaudiologia (13,2%), Enfermagem (11,6%) e Fisioterapia (10,5%). Os alunos cursavam entre o 2º e o 10º período de graduação, com maior concentração de acadêmicosdo 6º período (22,5%), sendo a distribuição percentilar a seguinte: P25=2º ao 5º; P50=6º ao 7º; e P75=8º ao 10º. Destaca-se a maior proporção de alunos do 2º ao 5º entre os voluntários (p=0,006) (tabela 1).

Os alunos afirmaram que os objetivos propostos pelo PET-Saúde foram atingidos, com destaque para o desenvolvimento do trabalho interdisciplinar (79,6% vs. 82,9%) e produção acadêmica voltada para as necessidades do SUS (71,0%vs. 88,6%) (tabela 2). A maioria dos acadêmicos do 2º ao 5º período (73,7%) afirmou que o objetivo de exercer a prática profissionalizante na Atenção Primária à Saúde estava sendo alcançado (p<0,001), enquanto que aqueles do 8º ao 9º consideraram como parcialmente alcançado (59,0%) (tabela 3).

No processo de ensino-aprendizagem, os métodos mais utilizados foram discussões em grupo (88,1%), práticas inseridas no serviço de Atenção Primária à Saúde (69,3%), entre outras (tabela 1). Também se utilizou elaboração e construção de materiais educativos, desenvolvimento de palestras nas escolas, observação da prática profissional e exibição de filmes. Contudo, 0,8% relatou que nenhum método foi utilizado.

Verificou-se que os métodos favoreceram a aprendizagem tanto de bolsistas quanto de voluntários (91,5% vs. 97,1%). A interação e a comunicação estabelecida entre tutor, preceptor e aluno favoreceram o processo de ensino-aprendizagem (85,7% vs. 94,3%) e houve, durante o projeto, incentivo permanente à participação, discussão e expressão livre de ideias (85,9% vs. 94,3%) para ambos os grupos (tabela 1).

Segundo os acadêmicos, o PET-Saúde contribuiu para a formação profissional dos bolsistas e voluntários nas áreas de pesquisa, extensão e ensino.Quando se avalia a contribuição em categorias, observa-se que 27,8% dos estudantes citaram as áreas de pesquisa, extensão e ensino em contraponto a 51,6% que fizeram referência aapenas uma área (p=0,005) (tabela 1), sendo que somente 5,5% relataram o ensino isoladamente.

As atividades mais desenvolvidas no PET-Saúde,de forma geral,segundo relato de bolsistas e voluntários, foram o desenvolvimento de pesquisa (76,1% vs. 60,6%) e o planejamento de ações (68,6% vs. 66,7%), sendo que se observou diferença entre bolsistas e voluntários em relação à participação nas atividades das Equipes de Saúde da Família (85,3% vs. 52,9%; p=0,01) e divulgação da pesquisa para a comunidade (35,5% vs 87,0%;p<0,01) (tabela 4). De um lado, os alunos do 2º ao 5º período relataram menor participação (54,1%) nas atividades das Equipes de Saúde da Família em detrimento dos demais (p<0,001). Por outro, esses alunos,quando integrantes das linhas de pesquisa Saúde da Criança e Promoção de Modos de Vida Saudáveis, relataram maior participação em atividades de capacitação (78,6% e 77,8%, respectivamente) (tabela 3).

As atividades menos realizadas para bolsistas e voluntários foram interação com as organizações comunitárias e de saúde e equipamentos sociais (39,1% vs. 26,5%), divulgação da pesquisa em eventos e periódicos científicos (31,8% vs. 33,3%). Para bolsistas, foi adivulgação da pesquisa para a comunidade (33,3%) e para voluntários e o diagnóstico da área de abrangência da UBS (18,2%) (tabela 4), sendo que os alunos do 6º e do 7º períodos (60,9%; p=0,004)relataram realizarem mais o diagnóstico da área (p=0,002) (tabela 3). Ressalta-se, contudo, que houve perdas da amostra por indivíduos que não responderam ou informaram que não sabiam.

Com relação a se considerarem aptos a desenvolver as atividades propostas pelo PET-SaúdeUFMG-SMSA/PBH, tanto bolsistas quanto voluntários declararam-se em sua maioria capacitados (tabela 4).

Em relação às condições para o desenvolvimento das atividades do PET-Saúde, observou-se que a maioria considerava a carga horária adequada (70,3% vs. 73,5%) (tabela 5). Já a Unidade Básica de Saúde como cenário de práticas do PET-Saúde, entre bolsistas e voluntários, foi bem avaliada, embora a estrutura física tenha sido considerada parcialmente adequada (51,6% vs. 48,6%) (tabela 5)devido, principalmente,à falta de espaço físico para realização das atividades, coleta de dados e reuniões (63,6%).

Por fim, observou-se que as maiores dificuldades encontradas para a integração ensino-serviço para bolsistas e voluntários foram a resistência dos profissionais da UBS não participantes do projeto (33,0% vs. 25,7%) e a comunicação (25,6% vs. 40,0%) (tabela 5). Além disso, conflitos de horário com outras atividades acadêmicas e atividades suspensas entre julho e setembro em algumas unidades, devido à epidemia de Influenza H1N1, também foram observados como empecilhos ao desenvolvimento do projeto.

Verificou-se que aproximadamente 60,0% dos acadêmicos participantes relataram interesse em participar do PET-Saúde novamente.Entre os motivos para continuar no projeto destacaram-se: o crescimento e a aprendizagem profissional; a possibilidade de integração entre ensino e serviço; e o trabalho interdisciplinar. Porém, a principal dificuldade apontada para participar novamente foi a indisponibilidade de horários devido às atividades acadêmicas.

DISCUSSÃO

O estudo demonstrou que a metodologia adotada pelo PET-Saúde UFMG/SMSA-BH, segundo os acadêmicos, favoreceu a integração ensino, pesquisa e extensão no contexto da Atenção Primária. Destacaram-se as atividades de desenvolvimento de pesquisa, consolidando-se o objetivo de produção acadêmica voltada para as necessidades do SUS. As atividades de extensão e ensino foram sendo determinadas ao longo do tempo, enquanto as de pesquisa já estavam delineadas desde o início do programa, o que poderia explicar a razão de haver participação maior e mais homogênea nessa área.

Com relação ao ensino, pouco mais da metade dos alunos estiveram presentes nas capacitações ofertadas, sendo a participação maior entre aqueles de períodos intermediários (5ºe 6ºperíodos). Quando se avaliou por linhas de pesquisa, verificou-se maior participação nas linhas de Saúde da Criança e Promoção de Modos de Vida Saudáveis. É possível que as linhas de pesquisa tenham explorado as atividades de ensino de forma distinta, sugerindo que esse pilar do PET-Saúde possa ser mais bem explorado em uma próxima oportunidade.

Diferenças significativas também foram percebidas no eixo extensão, em que houve maior atuação de bolsistas e alunos de períodos mais avançados nas atividades das Equipes de Saúde da Família. É importante salientar que os voluntários são em sua maioria de períodos iniciais. Provavelmente, a reduzida carga horária praticada pelos voluntários em campo, quatro horas por semana,prejudicou uma maior inserção deles nas atividades propostas pelo programa.Apesar dessa diferença na carga horária, a maioria dos bolsistas e voluntários consideram-na adequada para a realização das atividades propostas. O recebimento de bolsa confereuma maior responsabilidade dos alunos com o projeto, revelada pela maior carga horária e pela postura de coordenadores das atividades, o que pode determinar graus de atuação diferentes entre os estudantes dentro de uma mesma atividade.

A distribuição das atividades entre os alunos deveria ser repensada de forma a proporcionar uma participação mais diversificada. A atuação em serviços e/ou comunidades desde os estágios iniciais do curso é entendida como uma importante estratégia de reorientação do processo formativo em saúde5, que não teve toda sua potencialidade explorada nesse momento. Ferreira et al. (2007)6 verificaram que a atuação prática de estudantes na Atenção Primária desde o início do curso permite que eles reconheçam uma nova concepção de aprendizagem,na qual utilizam capacidades prévias e buscam novos conhecimentos (cognitivos, afetivos e psicomotores) para enfrentar as situações que emergem do cotidiano, construindo,assim, maior significado em sua aprendizagem e possibilitando a construção de novos saberes.

No início do curso, os alunos ainda não vivenciaram disciplinas clínicas e talvez por isso estejam mais atentos a outras formas de se pensar o trabalho e o ensino em saúde. Mesmo sendo os que menos atuaram nas atividades da ESF, os alunos de períodos iniciais foram os que mais reconheceram que o objetivo da prática profissional na APS tinha sido alcançado pelo PET-Saúde. Em contrapartida, os alunos de períodos avançados acreditam que esse objetivo foi alcançado em parte. A ausência de atividades clínicas na proposição do projeto pode ter contribuído para essa avaliação.Sanchez et al. (2008)7,ao estudarem a percepção de formandos, observaram o peso que os processos relacionados à técnica têm na formação dos estudantes, havendo valorização desse tipo de procedimento em detrimento a outras atividades, mesmo entre aqueles que vivenciaram a realidade da Atenção Primária à Saúde (APS). Esperidião & Munari (2004)8, ao entrevistarem alunos de Enfermagem, verificaram que a satisfação em relação ao curso relacionava-se com o aprendizado dos procedimentos técnicos. Segundo Sanchez et al.(2008)7, a formação acadêmica e a própria sociedade estimulam os alunos a adotarem posturas que se traduzem no gosto pelo tecnicismo e a preferirem atividades relacionadas aos processos de cura que estejam envolvidos prioritariamente com alta densidade tecnológica.

Ao anunciarem a integração entre ensino, pesquisa e extensão, esperava-se que esses três eixos aparecessem de forma indissociada no que concerne à contribuição para formação profissional dos estudantes. Contudo, para a maioria dos alunos,a integração antes percebida dá lugar à fragmentação, em que apenas um eixo é destacado. Integração pode se referir, então, à oferta de atividades referentes a cada área isoladamente, sem que tenha ocorrido interatividade entre elas. A interatividade caracteriza a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, princípio considerado fundamental no fazer acadêmico, pois permite o desenvolvimento da aprendizagem com base no conhecimento científico em diálogo permanente com as demandas sociais9.

O PET-Saúde UFMG/SMSA-BH empregou diversas metodologias de ensino-aprendizagem, as quais favoreceram o encontro com a realidade, o diálogo e o trabalho interdisciplinar. O trabalho interdisciplinar permite uma visão ampla e única do processo saúde-doença, pois rompe com a fragmentação disciplinar10. A sua efetivação representa o cumprimento de um importante objetivo, estimulado, provavelmente, pela forma como está estruturado o PET-Saúde, a partir de grupos tutoriais compostos por professor, profissionais do serviço e acadêmicos de diversas áreas; mas, principalmente, pela boa interação e comunicação entre os participantes, com incentivo ao diálogo e à expressão livre de ideias.

Contudo, a interdisciplinaridade pode ter se restringido ao grupo tutorial, visto a resistência de profissionais que não participavam do PET-Saúde em relação ao programa. De acordo com Albuquerque et al. (2007)11, os profissionais, muitas vezes, queixam-se de que a universidade está no serviço, mas não levam em consideração os trabalhadores que lá estão. Dessa forma, é preciso um olhar diferenciado para esses profissionais, no sentido de compreender suas queixas para, então, superar esse distanciamento e potencializar as interações que a inserção do aluno no serviço permite.

A inserção dos alunos no contexto da APS possibilita a vivência do cotidiano dos profissionais da saúde, como também a percepção da realidade na qual se inserem as famílias assistidas pelo serviço. Sanchez et al.(2008)7 e Pereira et al. (2009)12 verificaram que a realidade incorporada ao ensino ajuda na formação de profissionais que respondem mais satisfatoriamente às necessidades da população. Ocorre estímulo à valorização do vínculo entre profissional e comunidade e a preocupação com questões sociais, políticas e humanitárias que permeiam o processo saúde-doença7.Campos & Foster (2008)13, ao analisarem a inserção de alunos em Equipes de Saúde da Família, observaram mudanças na maioria dos estudantes, que passaram a compreender a abordagem do paciente como um ser biopsicossocial.

Os alunos do PET-Saúde UFMG/SMSA-BH parecem ter percebido o potencial da Unidade Básica de Saúde enquanto cenário de prática ao avaliarem-na positivamente,mesmo reconhecendo inadequações em sua estrutura física para acolhê-los. Provavelmente, privilegiou-se a riqueza das experiências exploradas na convivência com os profissionais da saúde, com os usuários e a observação da rotina de funcionamento da unidade em detrimento às dificuldades estruturais.

A Unidade Básica de Saúde é reconhecida como um espaço privilegiado para a integração ensino-serviço,mas é preciso diversificar os cenários de prática6. O diagnóstico da área de abrangência,por meio do seu percurso e a interação com as organizações comunitárias, equipamentos sociais e conselhos locais de saúde, poderia favorecer essa multiplicidade. Contudo, houve uma pequena participação dos acadêmicos nessas atividades. Um fato que pode contribuir para compreender esse achado é que o diagnóstico da área de abrangência e a interação com a comunidade são, muitas vezes, nós críticos próprios das Equipes de Saúde da Família14,15.

Outra atividade pouco realizada pelos estudantes foi a divulgação da pesquisa, o que se justifica devido ao início tardio da execução das atividades de pesquisa, não permitindo a consolidação dos resultados até o momento do presente estudo. Segundo Ceccim e Feuerwerker (2004)16, a universidade possui compromisso com a construção do SUS, incluindo a produção de conhecimento relevante para a saúde em seus diferentes aspectos. Para que isso se concretize, torna-se necessária a divulgação dos conhecimentos produzidos.

Com relação à continuidade da participação no programa, apareceu o limite da indisponibilidade de horário dentro da grade curricular dos alunos. No contexto de mudanças curriculares, com valorização de processos que introduzam os estudantes na realidade dos serviços públicos de saúde, é necessário se pensar a respeito da disponibilização de horários para que se desenvolvam atividades de tal importância. Percebe-se, então, que mesmo após ter-se iniciado o movimento de reorientação dos processos formativos em saúde, falta espaço para implantação de métodos inovadores de ensino-aprendizagem, tais como os propostos pelo PET-Saúde. Dever-se-ia pensar a revisão dos currículos de modo a difundir a metodologia proposta pelo PET-Saúde, garantindo-se a continuidade do processo.

Este estudo, portanto, demonstrou que o PET-Saúde UFMG/SMSA-BH promoveu ações de ensino, pesquisa e extensão no contexto da Atenção Primária à Saúde, permitindo o desenvolvimento do trabalho interdisciplinar e a produção acadêmica voltada para o SUS.Como limitações, foram observadas: a heterogeneidade de participação dos alunos nas atividades propostas;potencial restrito para impulsionar atividades que não são realizadas tradicionalmente na Unidade de Saúde; e dificuldades de incluir o programa na grade curricular dos alunos.

Este trabalho consiste em uma avaliação inicial e focal do PET-Saúde, já que este foi recentemente implantado e é desenvolvido em diversas outras universidades e, assim, pode sofrer inúmeras e variadas análises. Acredita-se que a presente pesquisa possa contribuir para discussões futuras e para melhorias nos métodos propostos pelo projeto. Além disso, espera-se que se efetivem as mudanças necessárias na educação e na formação profissional em saúde.

CONFLITOS DE INTERESSE

Declarou não haver.

Recebido em: 01/04/2010

Aprovado em: 30/11/2010

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Juliana Barreto Caldas concepção e desenho deste estudo, da análise e interpretação dos dados assim como da redação revisão crítica para conteúdo intelectual. Aline Cristine Souza Lopes contribuiu para a concepção e desenho do estudo, análise e interpretação de dados, revisão crítica para conteúdo intelectual. Raquel de Deus Mendonça contribui para análise e interpretação de dados; elaboração de versão inicial do artigo e aprovação final. Adriana Figueiredo e Juliane Guarnieri de Araújo Lonts contribuiram para a concepção e desenho do estudo, aquisição de dados; elaboração de versão inicial do artigo e aprovação final. Efigênia Ferreira e Ferreira contribuiu para a concepção e desenho do estudo, aquisição de dados; revisão crítica para conteúdo intelectual significativo. Taís Rocha Figueira contribuiu para a concepção e desenho do estudo, aquisição de dados, revisão crítica para conteúdo intelectual.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Abr 2010
    • Aceito
      30 Nov 2010
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