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PET-Saúde: (in)formar e fazer como processo de aprendizagem em serviços de saúde

Informing, training, and doing as a learning process in health services

Resumos

As novas diretrizes curriculares dos cursos da área da saúde enfatizam a inserção precoce e responsável de acadêmicos nos serviços de saúde permitindo que parcerias entre Universidade e serviço integrem docentes, profissionais da atenção básica e estudantes de graduação, tendo o serviço público de saúde como cenário de práticas. O objetivo deste trabalho é relatar o processo de implementação e descrever as ações desenvolvidas no PET-Saúde UFMS/Sesau2009. Os dados foram coletados a partir da legislação do PET-Saúde, Projeto PET-Saúde UFMS/Sesau2009, súmulas de reuniões dos professores e preceptores, relatórios individuais de acadêmicos, preceptores e tutores. O PET-Saúde configura-se um exercício de multi e interdisciplinaridade como exemplo da integração ensino-serviço-comunidade. As ações deste estudo foram orientadas por duas linhas de pesquisas com foco na promoção da saúde. Dificuldades no desenvolvimento dos projetos foram sentidas pela incongruência de horários e defasagem curricular dos acadêmicos de diferentes séries e de vários cursos, as quais foram sempre corrigidas com alternativas factíveis que possibilitassem a continuidade das ações. Com este trabalho foi possível evidenciar a importância e o impacto positivo da integração ensino-serviço-comunidade na formação profissional dos acadêmicos e no cotidiano dos profissionais envolvidos.

Saúde Pública; Serviços de Saúde; Educação em Saúde; Aprendizagem


The new Brazilian curriculum guidelines in health courses emphasize students' early and responsible participation in health services, allowing partnerships between the university and services to integrate faculty, primary care staff, and undergraduate students, with public health services as the setting for practical training activities. The objective of the current study was to report on the implementation of such activities as developed by the Educational Program for Health Work at UFMS/Sesau2009. Data were collected from the Program's legislation, reports from meetings between faculty and preceptors, and individual reports by students, preceptors, and tutors. The Program is a multidisciplinary and interdisciplinary example of integration between teaching, health services, and the community. The actions in this study were backed by two lines of research focused on health promotion. Difficulties in the development of projects involved discrepancies in schedules and curriculum levels between students from different years and different courses; such difficulties were corrected through viable alternatives that allowed continuity in the activities. This study highlighted the importance and positive impact of integration between teaching, services, and the community on students' professional training and the daily work of the professional staff.

Public Health; Health Services; Health Education; Learning


RELATO DE EXPERIÊNCIA

PET-Saúde: (In)formar e fazer como processo de aprendizagem em serviços de saúde

Informing, training, and doing as a learning process in health services

Milca Lopes de Oliveira; Margarete Knoch Mendonça; Hilton Luís Alves Filho; Tenile Carvalho Coelho; Cibele Nabhan Benetti

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Milca Lopes de Oliveira Rua Roney Paini Malheiros, 251/casa 101 E-mail: milcalo@yahoo.com.br

RESUMO

As novas diretrizes curriculares dos cursos da área da saúde enfatizam a inserção precoce e responsável de acadêmicos nos serviços de saúde permitindo que parcerias entre Universidade e serviço integrem docentes, profissionais da atenção básica e estudantes de graduação, tendo o serviço público de saúde como cenário de práticas. O objetivo deste trabalho é relatar o processo de implementação e descrever as ações desenvolvidas no PET-Saúde UFMS/Sesau2009. Os dados foram coletados a partir da legislação do PET-Saúde, Projeto PET-Saúde UFMS/Sesau2009, súmulas de reuniões dos professores e preceptores, relatórios individuais de acadêmicos, preceptores e tutores. O PET-Saúde configura-se um exercício de multi e interdisciplinaridade como exemplo da integração ensino-serviço-comunidade. As ações deste estudo foram orientadas por duas linhas de pesquisas com foco na promoção da saúde. Dificuldades no desenvolvimento dos projetos foram sentidas pela incongruência de horários e defasagem curricular dos acadêmicos de diferentes séries e de vários cursos, as quais foram sempre corrigidas com alternativas factíveis que possibilitassem a continuidade das ações. Com este trabalho foi possível evidenciar a importância e o impacto positivo da integração ensino-serviço-comunidade na formação profissional dos acadêmicos e no cotidiano dos profissionais envolvidos.

Palavras-chave: Saúde Pública; Serviços de Saúde; Educação em Saúde; Aprendizagem.

ABSTRACT

The new Brazilian curriculum guidelines in health courses emphasize students' early and responsible participation in health services, allowing partnerships between the university and services to integrate faculty, primary care staff, and undergraduate students, with public health services as the setting for practical training activities. The objective of the current study was to report on the implementation of such activities as developed by the Educational Program for Health Work at UFMS/Sesau2009. Data were collected from the Program's legislation, reports from meetings between faculty and preceptors, and individual reports by students, preceptors, and tutors. The Program is a multidisciplinary and interdisciplinary example of integration between teaching, health services, and the community. The actions in this study were backed by two lines of research focused on health promotion. Difficulties in the development of projects involved discrepancies in schedules and curriculum levels between students from different years and different courses; such difficulties were corrected through viable alternatives that allowed continuity in the activities. This study highlighted the importance and positive impact of integration between teaching, services, and the community on students' professional training and the daily work of the professional staff.

Keywords: Public Health; Health Services; Health Education; Learning.

INTRODUÇÃO

Questões de capacitação dos profissionais do SUS estão preconizadas na Lei nº 8.0801 e na Portaria nº 6482 e visam à orientação para a "[...] formação de profissionais com perfil adequado à Atenção Básica [...]"3. A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, por sua vez, regulamenta a formação e o desenvolvimento de trabalhadores na área da saúde4; assim, as novas diretrizes curriculares dos cursos da área da saúde trazem em seu bojo recomendações enfáticas quanto à inserção precoce e responsável dos acadêmicos nos serviços de saúde. Tal fato permite que profissionais da Atenção Básica orientem e supervisionem estudantes de graduação, tendo o serviço público de saúde como cenário de ações teórico-práticas de aprendizagem.

O compromisso social das instituições de ensino superior contribui para que projetos de extensão e pesquisa sejam construídos em ação inter setorial, envolvendo profissionais e acadêmicos em propostas que fortaleçam a formação e ações no serviço com foco nas necessidades reais, favorecendo a promoção da saúde. As Universidades federais, em especial por sua responsabilidade social, são instituições que necessitam privilegiar ações de extensão e iniciação científica, para permitir aos acadêmicos a inserção social necessária à formação integral, preparando-os para a atuação profissional. A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) tem-se voltado de forma significativa para ações de extensão e, entendendo seu papel social e sua responsabilidade quanto à formação de qualidade de seus acadêmicos, abraçou a proposta do PET-Saúde apresentada na Portaria Interministerial nº 1.8023.

Com o intuito de socializar a experiência de construção e consolidação do PET-Saúde na UFMS, este trabalho busca relatar e analisar o processo de implementação e descrever as ações desenvolvidas no PET-Saúde UFMS/Sesau 2009. Para tanto, serão apresentados o cronograma das pesquisas, os tipos de intervenções, impactos e dificuldades oriundos do processo.

METODOLOGIA

Os dados foram coletados a partir de legislação do PET-Saúde, Projeto PET-Saúde UFMS/Sesau2009, súmulas de reuniões dos professores e preceptores e relatórios individuais de acadêmicos, preceptores e tutores.

APRESENTANDO E ANALISANDO AS AÇÕES

Um Breve Histórico

As atividades vinculadas ao PET-Saúde da UFMS/Sesau tiveram início em outubro de 2008, conforme o Edital nº 125,por meio da formação de um grupo de docentes de cursos da área da saúde interessados em participar do projeto. O grupo foi cognominado grupo de condução do PET-Saúde, sendo composto por docentes que se voluntariaram a estudar a Portaria No1.802/2008 - MS/MEC e dar os primeiros passos na divulgação, na seleção de alunos e preceptores e na definição de tutores e temas de pesquisas a serem desenvolvidos. Duas docentes se disponibilizaram para tutoria e houve anuência do grupo. O programa começou a ser estruturado, e as minutas dos projetos começaram a ser desenhadas pelas tutoras de cada linha de pesquisa, sempre com a colaboração de professores do grupo de condução e servidores da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), a fim de que as ações atendessem às necessidades dos serviços e dos usuários das áreas que viriam a participar dos projetos.

Paralelamente a essa construção, o processo de seleção dos acadêmicos ia sendo estruturado, bem como a busca de um espaço com infraestrutura física que acolhesse o PET-Saúde UFMS/Sesau2009. Feitas as sondagens sobre o espaço, o grupo de condução concordou com a proposta de instalar o programa na Faculdade de Medicina como estratégia para sensibilização deste curso. Os processos formais e burocráticos ficaram alocados na Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (Preg).

Muitas eram as dúvidas sobre o programa e seguiram-se muitas reuniões para um melhor entendimento com os docentes do grupo de condução e com a Preg. Depois de vários debates, o primeiro documento, buscando construir o Núcleo de Excelência, foi elaborado. Tendo sido alvo ainda de muitos estudos, hoje ele configura o Regimento da Comissão Gestora e Regimento do Núcleo de Excelência.

O projeto PET-Saúde UFMS contemplou sete cursos da área da saúde do campus de Campo Grande: Medicina, Enfermagem, Odontologia, Fisioterapia, Psicologia, Educação Física e Farmácia. A distribuição dos alunos nos grupos dos preceptores foi realizada segundo os critérios de multiprofissionalidade, condição (bolsista/não bolsista), disponibilidade de horário e interesse.

As linhas de pesquisas foram duas: Avaliação do Projeto Viver Legal; e Educação em Saúde e Controle Social em Unidades de Saúde da Família.

As atividades do PET-Saúde foram desenvolvidas diretamente em Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF) do Distrito Sul de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O grupo de preceptores foi composto por profissionais da área da saúde inseridos na Atenção Básica em equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF), tendo sete enfermeiros, três odontólogos, um assistente social e um médico. Desde a estruturação do grupo de condução do PET-Saúde, em outubro de 2008, um representante da Coordenação da Estratégia Saúde da Família (ESF) participa ativamente das discussões a respeito da condução do grupo propriamente dito, contribuindo com sugestões de aspectos a serem abordados nas pesquisas, na escolha dos preceptores de acordo com os critérios estabelecidos na portaria e na mediação com os gerentes das unidades para viabilizar os preceptores escolhidos.

A apresentação do PET-Saúde foi feita por meio de uma aula inaugural, a qual se seguiram duas oficinas: Oficina de Capacitação, para os preceptores do PET-Saúde; e Oficina de Sensibilização em Educação em Saúde, para os acadêmicos da linha de pesquisa respectiva.

Aconteceram reuniões quinzenais/mensais, conforme as necessidades, coordenadas pelos tutores com os alunos e preceptores para planejamento e avaliação das atividades no intuito de se manter o cronograma proposto. Outros encontros para estudos, orientação e elaboração de trabalhos científicos, postere projetos de extensão faziam parte da rotina dos alunos.

Foi organizado o I Encontro dos Grupos PET-Saúde de Mato Grosso do Sul, paralelo à Mostra Comemorativa dos 10 Anos da Saúde da Família em Campo Grande-MS, no mês de agosto/2009,configurando um espaço de trocas de experiências enriquecedoras, sobretudo, como mecanismo de auto avaliação das ações realizadas no PET-Saúde.

Das Pesquisas e Intervenções

A linha de pesquisa Educação em Saúde e Controle Social teve como objetivos: 1) avaliar as ações educativas em saúde desenvolvidas por equipes de ESF; 2) conhecer e analisar o processo de controle social realizado por conselhos locais de saúde; e 3) identificar questões prioritárias para a qualificação de equipes de saúde da família em temáticas identificadas como prioritárias. Os objetivos já foram trabalhados e está sendo realizada a fase da redação dos resultados, encaminhamento de artigos para periódicos e participações em eventos científicos locais, regionais e nacionais, realizados extra unidade. Como resultado do primeiro objetivo, em uma das unidades, foi desenvolvido um trabalho de sensibilização dos conselheiros, o qual foi dirigido por uma das preceptoras com o auxílio de acadêmicos do seu grupo. Ações educativas foram realizadas em eventos nas comunidades referentes às equipes inseridas no programa, tais como: ações em escolas e creches, com os grupos de atenção à saúde do idoso, hipertensão arterial, diabetes melittus, saúde do homem e da mulher, gestantes, etc. Ações de capacitação de profissionais de saúde foram promovidas nos meses de janeiro a março de 2010 e se seguirão durante esse ano com a participação dos novos grupos PET-Saúde, pois a UFMS foi novamente contemplada pelo programa.

As atividades realizadas pelo Projeto Viver Legal incluíam visitas semanais às unidades. Como atividades preliminares, foi feito o reconhecimento das características geográficas, populacionais e epidemiológicas das áreas das equipes envolvidas. Foram elaboradas exposições pelos preceptores, pesquisa em bases do Siab, visitas às áreas de abrangência, diagnóstico de locais de risco e de promoção da saúde, como quadras, áreas de lazer e de atividades da comunidade. Nos meses de agosto e setembro foi realizado um estudo sobre a equipe de trabalho. Cada grupo, juntamente com o seu preceptor, elaborou um questionário que foi aplicado e cujos resultados foram analisados. Outras ações também foram desenvolvidas, tais como: observação das atividades e entrevistas com os usuários e educadores físicos do Projeto Viver Legal; integração com a dinâmica de trabalho da equipe da ESF; reuniões de estudos em pequenos grupos e elaboração de trabalhos científicos voltados à Atenção Básica (Política de Promoção da Saúde, Acolhimento, Visita Domiciliar, Redes Assistenciais, Diabetes na Atenção Básica),elaboração do Projeto de Pesquisa-intitulado "Estudo sobre a atividade física da população atendida pelas equipes da Estratégia de Saúde da Família em Campo Grande"-, e elaboração de um plano de atividades a ser implementado pelos grupos sob coordenação e supervisão dos preceptores, constando: acompanhamento e monitoramento da saúde dos participantes do Viver Legal; implementação de ações voltadas à Saúde do Trabalhador da Saúde na ESF; acompanhamento e monitoramento de um grupo de usuários que participam do Viver Legal e de um grupo que não participa.

Vários eventos tiveram coparticipação dos acadêmicos, como: observação participante no Dia Mundial da Atividade Física, realizado no Parque das Nações Indígenas; e realização de ações educativas no Dia Mundial de Prevenção da Hipertensão Arterial.

Impactos Oriundos do Processo

O PET-Saúde 2009, na sua primeira formação, trouxe grande estímulo aos docentes de cursos da área da saúde que acreditam na interdisciplinaridade e no trabalho em equipe como características da multiprofissionalidade. Os docentes menos ativos no processo foram os dos cursos de Farmácia, Educação Física e Psicologia, haja vista o menor nível de interface com os princípios do SUS que apresentam, quando consideradas suas diretrizes curriculares. O processo de construção de todo o programa trouxe aprendizado a docentes, profissionais da saúde das unidades conveniadas, aos alunos participantes e à própria UFMS, pois muitas demandas terminaram por permear agendas de reuniões de vários níveis da instituição. O PET-Saúde é um projeto em evidência e de conhecimento de todos os cursos da área da saúde e demais áreas. Criar processos de trabalho, documentos, burocracias mínimas, mas necessárias ao desenvolvimento do programa, constituir uma infraestrutura, também mínima para atender aos participantes do projeto, empenhar-se na sua sustentabilidade e orientar pesquisas com um grande número de participantes são ações que permitiram o crescimento profissional, técnico-científico, institucional, pessoal, dentre outros, de todos os participantes. Perceber-se estimulando e fazendo a integralidade, a intersetorialidade, a interdisciplinaridade, a multiprofissionalidade, etc. é uma experiência ímpar que o PET-Saúde vem proporcionando a todos, principalmente aos acadêmicos. O perfil desse programa é um modelo que se mostra eficaz na ideologia do ensino-pesquisa e extensão de instituições de ensino superior, pois seus frutos serão visíveis em iniciativas posteriores de caráter multiprofissional.

Fica nítida a percepção dos acadêmicos quanto às características sociais e regionais das áreas de abrangência das unidades envolvidas, uma maior maturidade técnico-científica, a iniciativa, a criatividade, a cidadania, a importância do trabalho em equipe, o pensamento reflexivo-constatado na busca e análise dos dados das pesquisas-, o déficit de informações para a população, dentre outros. Já se percebe um pensamento crítico quanto às mudanças necessárias a serem feitas nas disciplinas dos cursos envolvidos.

A seguir, é apresentada uma síntese de alguns depoimentos de acadêmicos "petianos" que confirmam essa ideia.

"Grande contribuição o programa tem proporcionado à minha formação profissional: a consolidação do conhecimento do controle social, bem como a vivência de como tal processo ocorre [...], me proporcionaram entender melhor a construção das políticas de saúde e também visualizar o cliente como sujeito ativo nessas políticas. Despertou o conhecimento social e de saúde pública, defasada na grade curricular do curso e necessária para a atuação do profissional da área da saúde. A integração entre comunidade, ensino e serviço possibilitou a inserção de acadêmicos de diferentes cursos para trabalhar numa equipe multiprofissional, unindo o acadêmico com sua realidade profissional no sistema de saúde vigente em nosso país. Entender como funciona uma Unidade Básica de Saúde é sem sombra de dúvida algo incrível do ponto de vista acadêmico e também pessoal. O conhecimento adquirido nos poupou horas de discussão, haja vista a riqueza que possibilita a vivência na comunidade."

Interessante apontar uma dificuldade colocada por um aluno, na qual ele mesmo viu a vantagem:

"dificuldades de se colocar ideias em prática, porém observei que quando isso é realizado com a colaboração de vários profissionais tudo fica bem mais simples. Basta apenas organizar as ideias e colocá-las em prática distribuindo tarefas e cumprindo funções. No final todos sentíamos satisfeitos e orgulhosos pelo trabalho".

Esse fato é positivo, pois permitiu mudança de percepção, quando uma dificuldade mostra-se como ferramenta de avanço.

Foi possível identificar a aprendizagem em atividades práticas inseridas no cotidiano das Unidades de Saúde, proporcionando uma real integração entre ensino, serviço e a multiprofissionalidade dos agentes envolvidos no programa. Foi possível absorver o conhecimento que, muitas vezes, está deficitário nas grades curriculares dos cursos de saúde. Isso mostrou que os pressupostos e objetivos do PET-Saúde foram alcançados, pois ficou evidente a "iniciação ao trabalho, dirigidos aos estudantes dos cursos de graduação na área da saúde, tendo nas necessidades dos serviços fontes de produção de conhecimento e pesquisa." (Port. nº 421, 2010)

Em relação aos preceptores, observa-se a disponibilidade e interesse, um salto de qualidade no pensar crítico sobre sua área, suas ações e necessidades para maximizar ações de promoção da saúde e em defesa da vida; um pensar voltado para os problemas determinantes do processo saúde-doença e construção de proposições para enfrentamento e melhor adequação das políticas às realidades. Os preceptores mostram-se mais confiantes quanto à construção de propostas factíveis em relação à realidade em que trabalham e à abertura ao trabalho com integração universidade-serviço, valorizando a troca de saberes profissionais, acadêmicos e populares. Da mesma forma, o preceptor precisa ver, analisar e buscar a aprendizagem significativa. No entanto, para alguns, a prática de ensino-aprendizagem não está inserida em seu cotidiano.

"Entendo o papel do preceptor como um elo entre a academia e o serviço, fazendo com que haja uma interação interdisciplinar, acolhendo os acadêmicos e propondo uma reflexão ativa e crítica do processo de trabalho por unidade de produção na unidade na atenção primária, dando aporte teórico, espelhando a prática profissional, priorizando o trabalho em equipe e todas as suas nuanças, trazendo metodologias ativas de educação em saúde junto aos usuários e acadêmicos de forma individual, familiar e comunitária."

A experiência das tutoras mostrou-se uma importante oportunidade para o crescimento pessoal e profissional, que ainda precisa ter um maior respaldo institucional, no sentido de ter uma explicitação sobre conteúdos e diretrizes para formação dos profissionais para atenção primária nos projetos políticos pedagógicos de cada curso e como o PET-Saúde pode se inserir e otimizar este processo.

"Ser tutora no PET-Saúde significa um envolvimento com uma multiplicidade de atores e dinâmicas de trabalho existentes concomitantemente. As atividades de tutoria são bastante diversificadas, pois há necessidade de integração com os diversos níveis de gestão e instâncias administrativas da Secretaria Municipal de Saúde. O contato com os alunos é muito interessante, por se tratar de uma experiência inovadora, tanto pela possibilidade de integração intercursos como uma identificação com a grande área da saúde pública e, particularmente, a Estratégia Saúde da Família. Os encontros em pequenos grupos favorecem estas descobertas e insights e possibilitam a construção de um senso de pertencimento que é fundamental neste trabalho. Ao mesmo tempo, o planejamento a partir das demandas específicas colocadas pelo PET-Saúde exige capacidade de conciliar as peculiaridades de cada curso em outras atividades extracurriculares. Este processo requer organização, saber fazer escolhas, dedicação e disciplina num ambiente de ensino-aprendizagem que prioriza a participação ativa e valoriza a responsabilidade e autonomia. Além disso, há necessidade de uma reorganização dos processos de ensino e pesquisa da Universidade pautados na aproximação do serviço como molde nessa inserção."

Esse relato mostra a necessidade de que o(a) tutor(a) tenha bastante conhecimento das atividades propostas, habilidade em relações interpessoais, liderança, firmeza e humildade para uma construção coletiva, para administrar imprevistos e manter o cronograma. Está em consonância também com os pressupostos e objetivos do PET-Saúde: "coordenar grupos de alunos exige dedicação, compromisso, busca de conhecimento permitindo vivenciar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e enriquecer a qualificação técnica, científica e acadêmica de docentes e profissionais de saúde"5.

Algumas dificuldades no processo

Como algumas dificuldades comuns aos atores envolvidos estão: incongruência de horários para reuniões coletivas, o que foi corrigido com encontros no horário de almoço e períodos noturnos, sendo estes realizados quando existiam necessidades urgentes, para possibilitar o encontro de um maior número de acadêmicos, gerando desmotivação e abandono de alguns alunos no programa. A diferença de horários na grade curricular limitou reuniões e trabalhos conjuntos.

Observaram-se alguns acadêmicos com pouca iniciativa, muitas vezes, ancorando-se nos colegas de trabalho. Outras dificuldades que também têm limitado a atuação no PET-Saúde se referem à falta de engajamento de alguns acadêmicos em atividades de realização de projetos, falta de recursos para execução de algumas atividades e viagens a congressos fora do estado.

Alguns preceptores apresentaram algumas dificuldades de conteúdos em relação ao SUS, conforme depoimentos de acadêmicos, e tiveram a cumplicidade comprometida, em alguns momentos, por problemas de tempo e, em outras vezes, esperando maior produtividade dos acadêmicos sem a devida supervisão. Houve limitações para a equipe -falta de funcionários, escassez de recursos, área muito limitada e excesso de adaptações, mas mesmo dentro de tantas dificuldades foi possível realizar um trabalho digno e humano, pois a força de vontade, disposição da equipe e um bom trabalho multidisciplinar superaram desafios que, aparentemente, impunham-se.

Para a tutoria, problemas de horários estiveram presentes devido ao acúmulo de atividades profissionais e de responsabilidades que surgiram como imprevistos na rotina. Houve ainda a reposição de acadêmicos devido ao abandono de alguns "petianos". No âmbito das relações interpessoais, mesmo que em geral tenham sido superadas, algumas divergências atrapalharam e/ou retardaram o bom andamento de algumas das atividades desenvolvidas na UBSF, local onde há maior contato e interação com os alunos de outros cursos. No que se refere às relações advindas do âmbito profissional, observou-se que muitos são os problemas que ainda precisam ser enfrentados e modificados no processo de trabalho na área da saúde pública, principalmente no que diz respeito ao sistema de saúde precisar estar aserviço da coletividade. A universidade vem sendo lenta em absorver demandas com esse perfil, pois tem fortes amarras no modelo biomédico presente ainda no processo de formação acadêmica.

De uma forma geral, é possível citar ainda como dificuldades: a falta de material audio visual; o espaço físico reduzido em algumas Unidades de Saúde; a pouca familiarização de alguns preceptores com as temáticas atuais de ensino; a dificuldade de acesso a bases de dados e de pesquisa e elaboração de relatórios. Outro fator importante é a relação numérica que se tem que é de um tutor para cada grupo de seis preceptores e trinta alunos. Essa proporção é elevada e dificulta o desenvolvimento de um trabalho educativo por meio da metodologia de grupos tutoriais.

Todas as atividades propostas na linha de pesquisa Educação em Saúde e Controle Social foram desenvolvidas, mas com necessidade de ampliação do tempo previsto devido às dificuldades anteriormente elencadas. Havia momentos em que se temia pela perda do controle de algumas ações, contudo as reu­niões quinzenais, as informações e orientações por e-mail, o compromisso da maioria dos alunos e preceptores foram decisivos para a retomada do cronograma. Na linha de pesquisa Projeto Viver Legal aconteceram alguns desencontros, porque no período de início da pesquisa constatou-se que ele passava por um retrocesso resultante de novos entendimentos do gestor municipal sobre suas ações, pois não estaria sendo área prioritária do Núcleo de Apoio de Saúde da Família (Nasf) do município. Por conta disso, algumas outras atividades foram planejadas e desenvolvidas nas unidades e no município tangenciando o tema proposto, convergindo para a promoção da saúde.

CONCLUSÃO

As atividades propostas pelas duas linhas de pesquisa foram cumpridas e acrescidas de outras, conforme demandas das equipes e dentro das possibilidades dos acadêmicos, preceptores e, principalmente, sempre com o conhecimento das tutoras. As informações resultantes do programa estão sendo encaminhadas para apresentação em eventos científicos, artigos de periódicos e no conselho municipal de saúde. As dificuldades encontradas no processo tornaram-se desafios para se avançar em direção aos objetivos propostos.

Ações de capacitação para profissionais das equipes e ações educativas em saúde continuam em execução ao longo de 2010 mediante planejamento elaborado pelos acadêmicos, preceptores e tutoras. Esse é um compromisso assumido pelas tutoras com as equipes e gerentes das unidades que será levado adiante juntamente com os novos "petianos" 2010-2011.

As necessidades apontadas para capacitação voltam-separa a orientação dos conselheiros das unidades sobre o papel deliberativo e o funcionamento de um conselho de saúde; oficina de educação em saúde; elaboração de material informativo; ações educativas nos programas em desenvolvimento pela Unidade de Saúde; ações educativas na comunidade (escolas, creches, igrejas, etc.) com metodologias participativas, no intuito de se ouvir a voz dos cidadãos e discutir problemas que sejam prioridades para a defesa e qualidade de vida da população.

Existe convergência entre as diferentes visões dos atores em muitos aspectos: a importância da integração ensino-serviço, da multiprofissionalidade, do trabalho em equipe, vivência da rotina da unidade, de princípios da saúde pública e de aspectos sociais intervenientes no processo saúde-doença, fortalecimento do pensamento crítico, necessidade de organização, dedicação e embasamento teórico para planejar e desenvolver ações com foco na promoção da saúde.

Sem sombra de dúvidas, e empiricamente falando, com base nas atividades desenvolvidas e nos resultados obtidos, a grande maioria dos acadêmicos assimilou a proposta e incorporou mudanças sociais, técnicas e científicas na vida acadêmica, deixando em evidência um grupo seleto de alunos sempre comprometidos acima da média, tornando-se parceiros sistemáticos de preceptores e tutoras.

O programa PET-Saúde mostra-se uma ferramenta necessária para sensibilizar setores da Universidade e dos serviços de saúde. A intersetorialidade e a integralidade começam muito antes do acolhimento e dos encaminhamentos necessários aos enfrentamentos dos agravos e danos à saúde, começa na ideologia da estruturação de cursos e de serviços que têm na promoção da saúde o foco da formação e no direito à saúde o foco da atenção, sempre em defesa da vida.

CONFLITO DE INTERESSES

Declarou não haver.

Recebido em: 01/04/2010

Reencaminhado em: 18/10/010

Aprovado em: 22/11/2010

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Milca Lopes de Oliveira realizou o planejamento do artigo, a sistematização, a análise e a interpretação dos dados revelantes, redação inicial e final. Margarete Knoch Mendonça participou na tabulação dos dados de relatórios utilizados como fonte de pesquisa, e na aprovação final do artigo. Hilton Luís Alves Filho, Cibele Nabhan Benetti e Tenile Carvalho Coelho realizaram a coleta dos dados relevantes, participou na análise, interpretação e discussão dos dados, na redação inicial e final.

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Lei nº 8.080 de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providencias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/l8080.htm
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 648, de 28 de Março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da atenção básica para o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2006. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/gestores/Pacto_de_Gestao/portarias/GM-648.html
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº1802. Insitui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2008. Disponível em: http://www.prosaude.org/leg/pet-saude-ago2008/1-portariaINTERMINISTERIAL-1.802-26agosto2008-PET-Saude.pdf
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2006. Disponível em: http://desenv.saude.al.gov.br/sites/default/files/portaria_gm_ms_1996_20_agosto_2007.pdf
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria Interministerial de nº 421, de 03 de março de 2010. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2010.
  • Endereço para correspondência
    Milca Lopes de Oliveira
    Rua Roney Paini Malheiros, 251/casa 101
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Abr 2010
    • Aceito
      22 Nov 2010
    • Revisado
      18 Out 2010
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