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Concepções sobre o bom professor de medicina

Conceptions about the good professor of medicine

Resumos

A prática pedagógica é considerada o domínio específico da profissão docente, sendo elemento definidor da identidade profissional do professor. Este trabalho investigou as concepções de professores de Medicina de uma instituição federal de ensino superior sobre as características de um bom professor. Foi utilizada a abordagem qualitativa de pesquisa, e os dados foram coletados por meio de questionário e de entrevista semiestruturada com professores do ciclo profissional de um curso de Medicina. Como características do bom professor destacaram-se as competências científica, pedagógica e relacional/afetiva, notando-se que os docentes de Medicina já incorporaram a noção de que para ser um bom professor não basta apenas conhecer o conteúdo da disciplina sob sua responsabilidade. Assim, torna-se importante o investimento institucional em cursos de formação didático-pedagógica em uma perspectiva de reflexão sobre a prática docente executada.

Educação Médica; Ensino; Docentes; Pesquisa Qualitativa


The pedagogical practice is universally regarded as the specific area of the teaching profession, and defining element of teacher professional identity. This study investigated the perceptions of medical professors of a federal institution of higher education about the characteristics of a good teacher. We used qualitative methodology, and the data were collected through a questionnaire and semi-structured interviews with teachers of the professional cycle of a medicine course. As characteristics of a good teacher stood out in this research scientific, pedagogical and relational/affective competences. These findings show that the faculty of medicine have already incorporated the notion that to be a good teacher is not enough to know the content of the course under their responsibility. Thus, it becomes important institutional investment in training courses in a didactic and pedagogic perspective of reflection on the teaching practice.

Medical Education; Teaching; Faculty; Qualitative Research


PESQUISA

Concepções sobre o bom professor de medicina

Conceptions about the good professor of medicine

Nilce Maria da Silva Campos CostaI; Cléia Graziele Lima do Valle CardosoII; Danilo Campos CostaII

IUniversidade Federal de Goiás, Goiás, GO, Brasil

IIUniversidade Paulista, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Nilce Maria da Silva Campos Costa Alameda Americano do Brasil, 282 — apto 1601 Setor Marista — Goiânia CEP 74180-010 — GO E-mail: nilce@fanut.ufg.br

RESUMO

A prática pedagógica é considerada o domínio específico da profissão docente, sendo elemento definidor da identidade profissional do professor. Este trabalho investigou as concepções de professores de Medicina de uma instituição federal de ensino superior sobre as características de um bom professor. Foi utilizada a abordagem qualitativa de pesquisa, e os dados foram coletados por meio de questionário e de entrevista semiestruturada com professores do ciclo profissional de um curso de Medicina. Como características do bom professor destacaram-se as competências científica, pedagógica e relacional/afetiva, notando-se que os docentes de Medicina já incorporaram a noção de que para ser um bom professor não basta apenas conhecer o conteúdo da disciplina sob sua responsabilidade. Assim, torna-se importante o investimento institucional em cursos de formação didático-pedagógica em uma perspectiva de reflexão sobre a prática docente executada.

Palavras-chave: Educação Médica; Ensino; Docentes; Pesquisa Qualitativa

ABSTRACT

The pedagogical practice is universally regarded as the specific area of the teaching profession, and defining element of teacher professional identity. This study investigated the perceptions of medical professors of a federal institution of higher education about the characteristics of a good teacher. We used qualitative methodology, and the data were collected through a questionnaire and semi-structured interviews with teachers of the professional cycle of a medicine course. As characteristics of a good teacher stood out in this research scientific, pedagogical and relational/affective competences. These findings show that the faculty of medicine have already incorporated the notion that to be a good teacher is not enough to know the content of the course under their responsibility. Thus, it becomes important institutional investment in training courses in a didactic and pedagogic perspective of reflection on the teaching practice.

Keywords: Medical Education; Teaching; Faculty; Qualitative Research

INTRODUÇÃO

No contexto universitário brasileiro, a carreira profissional docente é um processo que se dá sem acompanhamento institucional dos professores que se iniciam nessa atividade. Segundo Lima-Gonçalves1, sobre os professores de Medicina pesam responsabilidades como as de oferecer ao estudante conhecimentos básicos e possibilidades para que desenvolvam habilidades técnicas, treinar sua inteligência para pensar claramente, conscientizá-los sobre as necessidades da comunidade e contribuir para a formação de uma escala de valores que presida a execução de suas atividades. Além disso, deve ter uma postura pedagógica adequada e abordagem didática.

A carreira docente apresenta-se sob duas diferentes perspectivas: (1) o status profissional ou as fases/estágios em que se estrutura a carreira acadêmica propriamente dita, com seus incentivos em forma de reconhecimento, ascensão profissional, remuneração e a passagem de um estágio para outro, vinculada tanto aos esforços profissionais quanto aos méritos pessoais; (2) os momentos pessoais pelos quais o professor "costuma passar até alcançar sua plenitude profissional"2 (p. 135).

Na verdade, o desenvolvimento de uma carreira profissional é um processo e não uma série de acontecimentos, pois o exercício profissional e seu domínio não ocorrem naturalmente. Pelo contrário, o progresso profissional não é algo produzido para os professores, mas construído por eles. Segundo Huberman3, o professor pode analisar a situação e planejar a sequência pela qual vai passar e, assim, influenciar e até determinar a natureza e a sucessão das etapas de sua carreira.

O desenvolvimento profissional docente recebe influência de dois tipos de fatores: pessoais e institucionais. O contexto pessoal inclui a família, momentos positivos e negativos da vida, disposição, interesse pessoal e os ciclos de vida pelos quais o professor passa. No plano organizacional, alguns elementos exercem influência no desenvolvimento profissional: legislação, estilo de gestão, confiança social, expectativas sociais, organizações profissionais e sindicatos4.

O ensino no Brasil e no mundo vem passando por transformações, e o modelo tradicional está sendo substituído por modelos educacionais inovadores, o que tem ocasionado mudanças no papel docente. O ensino baseado na transmissão de conhecimentos, no qual o professor se enquadra como um especialista no assunto e o estudante como um observador, já não mais se adéqua às necessidades de formação de profissionais de saúde4. O papel do professor universitário tem mudado historicamente: "A missão tradicional do docente como transmissor de conhecimentos ficou relegada a segundo plano, dando espaço ao seu papel como facilitador da aprendizagem de seus alunos"2 (p. 110). No Brasil, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Medicina (artigo 9°), os professores devem ser facilitadores, mediadores do processo ensino-aprendizagem5.

A tendência é a substituição de metodologias de ensino com foco no professor por metodologias centradas no estudante, visando a uma aprendizagem mais significativa e a um desenvolvimento da capacidade crítica e reflexiva dos profissionais de saúde6. Quando o ensino ocorre de maneira centrada no professor e na transmissão do conhecimento, o estudante torna-se mais propício a reproduzir o conhecimento obtido por meio de uma aprendizagem superficial7. Quando o ensino se desenvolve centrado no aluno, a profundidade da aprendizagem e a compreensão dos fenômenos estudados são maiores8.

Para Sutkin et al.9, as características de bons professores de ensino superior podem ser enquadradas em cognitivas e não cognitivas. Cho et al.10, ao analisarem opiniões de estudantes sobre as características de professores que deveriam ser indicados a uma premiação, encontraram qualidades não cognitivas, como entusiasmo, bondade, paixão, equidade, compaixão, altruísmo, capacidade de guiar os alunos apoiando-os na aprendizagem, compromisso, equilíbrio pessoal/profissional e capacidade de ser modelo.

Ao analisar as características de profissionais liberais que se tornaram professores-referência, Volpato11 organizou em quatro grupos os fatores que motivaram os alunos a elegê-los: didática/metodologia de ensino, atitudes e qualidades pessoais do professor, domínio de conteúdo/conhecimento e interesse particular do aluno. Estes fatores indicam a necessidade de desenvolvimento de características cognitivas e não cognitivas para o desempenho da atividade docente, pois a falta de formação docente é uma dificuldade encontrada pelos professores para se enquadrar nos modelos inovadores de ensino.

Esta investigação buscou conhecer as concepções sobre o que é ser um bom professor de Medicina, na visão de docentes de um curso médico.

METODOLOGIA

Foi realizado um estudo de abordagem qualitativa com professores do ciclo profissional do curso de Medicina de uma instituição pública federal de ensino superior, atuantes em graduação, critério para inclusão na pesquisa. Da relação dos docentes, fornecida pela secretaria do curso, foram excluídos aqueles afastados para pós-graduação ou para o exercício de cargos públicos e os licenciados. A população estudada foi definida pela adesão voluntária à investigação, ou seja, todos os professores poderiam participar da investigação caso desejassem.

Para que a coleta de dados se desse com representatividade, era imprescindível a adesão dos professores. Para divulgar a pesquisa, buscou-se o envolvimento das várias instâncias administrativas da instituição, da Diretoria às chefias de Departamento.

Para a coleta de dados foram utilizados um questionário e uma entrevista semiestruturada. O questionário foi organizado para identificar os pesquisados em relação a tempo de docência, qualificação acadêmica, disciplinas ministradas e condições de trabalho na faculdade de Medicina. A entrevista, realizada sem conhecimento prévio do roteiro pelos pesquisados, buscou respostas às questões que interessavam ser investigadas com base na narrativa dos próprios docentes12. Dentre outros questionamentos, o professor era indagado sobre o interesse pela carreira docente e sobre as características que o docente de Medicina deve ter para ser considerado um bom professor. Para Turato12, quando se opta pela abordagem qualitativa de pesquisa, "somente a entrevista de questões abertas, ou seja, marcada por uma relação apenas proposta de tópicos, sem delimitar respostas preestabelecidas, é compatível com a própria definição de pesquisa qualitativa" (p. 315-16).

A pesquisa foi realizada em etapas: na primeira, o questionário foi aplicado aos 53 docentes que aderiram voluntariamente à investigação (50% do total). Destes, 35 (66%) se interessaram em participar da segunda etapa da investigação, a entrevista semiestruturada. Os dados obtidos na entrevista foram audiogravados e posteriormente transcritos de forma literal. O material, então, foi submetido à análise de conteúdo temática segundo Bardin13.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da universidade em que foi realizada. A coleta de dados somente foi iniciada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos docentes.

Como se trata de um estudo qualitativo, com amostra não randomizada e não representativa, os resultados não podem ser generalizados, e esta constitui uma limitação deste estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram do estudo 53 professores de Medicina. Destes, a maioria era do sexo masculino (66%) e faixa etária de 36 a 55 anos. Quanto à experiência profissional, 37,74% tinham até 9 anos e 56,6% de 10 a 29 anos de docência, 65,9% pertenciam às classes de professor assistente e adjunto, 92,5% trabalhavam em regime de 20 ou 40 horas semanais e apenas 5,7% em regime de dedicação exclusiva.

As características do bom professor de Medicina

Indagados sobre as características esperadas de um bom professor da área médica, 28,57% dos docentes pesquisados assinalaram que este deve demonstrar competência científica, pedagógica e relacional/afetiva, como exposto nas seguintes falas:

"Uma sólida formação técnica, uma sólida formação humanística e uma formação mínima pedagógica. E eu acho que isso é fundamental para ser professor e entender a condição de professor como um aspecto importante na atividade." (P15)

"Tem que ter conhecimento teórico, conhecimento prático." (P20)

"Bom domínio da disciplina. Acho que ele tem que ter a capacidade de ouvir o aluno, porque na hora de você comunicar, você tem que ver qual a forma dele entender. [...]. Eu acho que as aulas de Medicina que mais ensinam são as da prática, então o aluno tem que ter bastante tempo junto com a gente [...]. Acho que é importante a gente saber outras formas de mobilizar a turma." (P28)

"A primeira coisa, isso sem dúvida, ele tem que ter conhecimento do que ele está falando [...]. Não precisa ser o top de linha. O bom professor, eu acho hoje, não é o que sabe muito, é o que sabe o que ele está falando, ele tem como realmente responder todas as perguntas do programa dele, esse é o bom professor. E segundo, acho que é o método de ensinar. [...]. Ele também tem que ter realmente um método de ensinar, um relacionamento bom com o aluno." (P33)

"Um conhecimento dentro da área específica que ele vai lidar, [...] e eu acho que é um pouco de dom [...] o dom de lidar com as pessoas, [...] de transmitir conhecimentos, de estimular na hora certa, de cobrar, de retirar a cobrança." (P35)

As respostas dadas pelos docentes que participaram da investigação vêm ao encontro dos resultados de estudos nacionais e internacionais sobre as características de um bom professor. Entre elas, destacam-se: domínio do conteúdo, boa comunicação, didática, ética, empenho, envolvimento em pesquisas, habilidades clínicas, atualização, confiança, profissionalismo, competência, organização, autocrítica, capacidade de fornecer feedback aos alunos6,9,14,15.

Zabalza2 considera como competências do professor universitário: alto nível de conhecimento em sua disciplina e habilidades comunicativas (conexão entre os conteúdos, clareza na exposição oral ou escrita dos conteúdos, materiais bem elaborados). No Brasil, uma pesquisa sobre as características de bons professores universitários encontrou domínio do conteúdo e competência pedagógica, além de características afetivas no relacionamento professor-aluno16,17.

Steinert et al.18, em estudo realizado no Canadá, encontraram como características de um bom professor: vocação, ética, compromisso, competência, integridade, moralidade, altruísmo, atualização e responsabilidade. Tais achados corroboram os deste estudo em relação à competência profissional, porém apresentam características pessoais relacionadas à atuação docente que não foram apontadas pelos professores de Medicina pesquisados e que podem ser consideradas fundamentais para definir um bom professor.

A perspectiva que os pesquisados têm do bom professor comprova a importância dada à formação docente: "tem que ter realmente um método de ensinar, um relacionamento bom com o aluno" (P33).

Publicações referentes à docência médica18-24 são unânimes ao considerarem a existência de uma deficiência no domínio da área educacional no desempenho do docente de Medicina. A atuação docente na área médica se restringe à reprodução de modelos considerados válidos apreendidos anteriormente e à experiência prática cotidiana22,23,25.

Apenas recentemente os professores universitários começaram a perceber que a docência, assim como a pesquisa e a prática de qualquer profissão, demanda capacitação específica. Além das competências específicas para exercer a profissão, existem as competências relacionadas à docência universitária, como o domínio de uma área do conhecimento, o domínio pedagógico e o exercício da dimensão política do ensino superior17.

Pesquisa realizada na Universidade de Gotemburgo concluiu que professores com formação pedagógica influenciaram expressivamente o aprendizado dos alunos, sendo capazes de despertar neles o questionamento de sua própria compreensão, o que vem ressaltar a importância da formação didático-pedagógica para a atuação docente26.

Em países desenvolvidos, a capacitação do corpo docente tem se tornado um componente cada vez mais importante das escolas de Medicina, que têm oferecido programas de desenvolvimento aos professores18,27. McLean et al. consideram que há uma pressão crescente para a profissionalização da prática de ensino em Medicina como exigência para que as escolas médicas sejam consideradas socialmente responsáveis e confiáveis28.

No Brasil, ainda não se conseguiu valorizar a formação pedagógica dos professores. Um estudo da Associação Brasileira de Educação Médica, realizado pela Comissão de Avaliação das Escolas Médicas29 com 28 escolas de Medicina, verificou que estes cursos, de modo geral, não oferecem formação pedagógica ao corpo docente.

Uma pesquisa com professores de Medicina verificou que a maioria (62,86%) não teve formação em docência no início da carreira e que os médicos aprenderam a ser professores mediante um processo de socialização em parte intuitivo, autodidata ou seguindo o modelo daqueles que foram considerados bons professores25.

A necessidade de uma formação específica na área da educação torna-se clara. Postareff et al.8 constataram que a formação resultou em melhorias significativas na avaliação da aprendizagem, entusiasmo, organização e relacionamento dos alunos, além de aumentar as chances de contratação quando o professor se dispõe a assumir cargos na universidade. Além disso, um estudo realizado na Austrália encontrou que a formação pedagógica pode ajudar o professor a integrar teoria, prática e pesquisa, gerando nos estudantes uma formação completa, algo muito requerido do profissional, especialmente na área da saúde30.

A formação docente, segundo Batista e Batista24, pode ocorrer de duas maneiras: pela formação/treinamento do exercício da docência e pela formação reflexiva. Steirnet18 encontrou que o primeiro tipo é o mais valorizado pelas universidades, sendo realizados cursos, treinamentos, especializações, disciplinas de pós-graduação que se relacionam com a atuação docente por meio do ensino da didática. Já a formação reflexiva se encontra em posição menos privilegiada, pois exige um processo de reflexão na ação e sobre a ação, permitindo ao docente uma análise de sua atuação mediante suas percepções e experiências. Este segundo modelo precisa ser mais incentivado pelas instituições de ensino que se preocupam com a qualidade dos profissionais que estão formando18.

Outra característica citada para o bom professor de Medicina foi a necessidade de exercer a profissão fora da universidade, por possibilitar a integração teoria-prática:

"Um professor de Medicina não pode ficar fechado, trancado dentro de um hospital-escola, como é a tradição, e nem dentro de uma faculdade. [,,,] É muito bom e muito saudável que ele tenha uma vida fora, seria a medicina fora. Porque fazendo isso, ele vai poder transmitir essa vivência para o aluno." (P30)

Para que um professor seja percebido como competente em sua atividade, é considerada ideal a capacidade de criar um ambiente agradável para o ensino14. O momento da aprendizagem deve ser repleto de organização, receptividade e direcionamento. O ambiente do ensino também aparece como influenciador da qualidade da aprendizagem, e um clima de interação permite aos estudantes a oportunidade de participar do ensino. Um estudo realizado na Suécia encontrou que o bom professor deve ser um modelo para o estudante, o que demonstra a importância da prática clínica para a validação do ensino, o que vem ao encontro das afirmações apresentadas neste estudo6.

Zabalza2 também considera importantes o envolvimento e o compromisso com a aprendizagem dos estudantes e o interesse e preocupação com cada um deles, ser acessível e reforçar positivamente os alunos — visão também apresentada pelos professores que participaram desta investigação, que mostram acreditar que a dimensão educativa da atividade docente não se realiza apenas com o conhecimento científico dos docentes. Para que sejam bons formadores, consideram importante conseguir desenvolver os alunos, tornando-os pessoas mais completas no âmbito pessoal e profissional:

"Tem que ter bom relacionamento e facilidade de comunicação. Tem que ser uma personalidade assim, para lidar com pessoas. Na medicina em si, mais humano, como na área da saúde como um todo. E passar também, além do conhecimento, alguma coisa de ética, de relacionamento mesmo com os alunos, não só a parte técnica, científica, mas também toda essa parte das entrelinhas." (P20).

"Tem que ser aquele indivíduo que saiba escutar o aluno, porque quando ele escuta, ele ensina que o aluno vai ter que escutar o paciente também. E que seja uma pessoa sempre disponível a estar com o aluno dentro do hospital, a estar discutindo os casos, a estar vendo os pacientes. [...] É importante que esse professor tenha abertura para aprender, até como aluno, para que o aluno possa entender que o médico está sempre aprendendo, o tempo todo." (P1)

"Ser muito verdadeiro. Ele tem que mostrar as dificuldades. Ele não pode mostrar a profissão como uma coisa taxativa. [...] a medicina não permite isso." (P7)

Há autores que destacam em seus trabalhos as características não cognitivas ligadas à capacidade de relacionamento com os estudantes, às emoções: entusiasmo, inspiração, apoio, paixão pela profissão, flexibilidade, humor, humanidade, sensibilidade, fidelidade, paciência, solidariedade e espontaneidade6,7,9,14,15.

Para se enquadrar no novo modelo de ensino, o professor precisa modificar sua dinâmica de atuação e sua convivência com os estudantes. As mudanças, entretanto, esbarram em resistência dos docentes, que alegam como dificuldades: falta de tempo, estresse, necessidade de se dedicar, devido a problemas financeiros, a outras atividades além do ensino, como pesquisa e atuação profissional, e sobrecarga de trabalho nas instituições onde atuam como médicos, professores e supervisores. Outro fator de resistência é a forma como aprenderam a ser docentes, que se restringe, geralmente, à reprodução dos modelos considerados válidos, aprendidos anteriormente, e à experiência prática cotidiana9,15,25,31. Em estudo realizado na Holanda14 esta resistência se relaciona à falta de tempo dos professores, pois precisam trabalhar fora da universidade por considerarem fundamental para o currículo. Este fato revela a secundarização da atividade docente26.

Lima-Gonçalves1 ressalta o aspecto humano da função docente, assinalando que não basta ao professor de Medicina o conhecimento aprofundado do processo educacional. É importante que tenha qualificação no que se refere ao comportamento humano. Dessa forma, poderá compreender e aceitar que lhe cabe conseguir, por suas maneiras e palavras, despertar interesse em seus alunos, em sua condição de pessoas autônomas e livres que têm passado, presente e futuro, talentos e necessidades especiais, lares, famílias e amigos, qualidades e defeitos pessoais.

De acordo com Martínez32, o docente não precisa apenas ter vocação para o ensino, precisa também de competência, atitude, dedicação e conhecimento dos deveres e direitos éticos.

A compreensão da importância de desenvolver características que levem o aluno a uma aprendizagem significativa é fundamental para o professor e também para as instituições, que devem se basear nestas características no momento de formarem seu corpo docente.

Segundo Batista33, é necessário deixar de considerar secundária a complexidade que envolve a docência em saúde e trazê-la para o âmbito da reflexão, pois esta "impõe dilemas e abre perspectivas, inspirando a construção de olhares que articulem diferentes saberes e experiências na tentativa de estabelecer referenciais para o desenvolvimento docente" (p. 284). Batista e Batista24 consideram inclusive que "a profissionalização do professor deve ser encarada como uma das estratégias para repensar a dinâmica da educação em saúde, em suas dimensões institucional e social" (p. 28).

CONCLUSÃO

As tendências atuais dos contextos educacionais que trazem novos papéis para os professores representam um desafio para o corpo docente das universidades. É necessário repensar e promover uma reflexão conjunta sobre as características e atitudes necessárias aos docentes de Medicina, pois as características de um bom professor se relacionam à sua capacidade de adequação ao novo modelo de educação e ensino.

Os professores pesquisados identificaram as principais categorias que definem o que é ser um bom professor — competência técnico-científica, competência pedagógica e formação humanística —, revelando que têm consciência da evolução do papel do professor, da complexidade da docência e da necessidade de conhecimentos específicos para exercê-la adequadamente, ou que, no mínimo, é preciso adquirir conhecimentos e habilidades vinculados à atividade docente para melhorar sua qualidade.

Verifica-se que os docentes de Medicina do curso pesquisado já incorporaram a noção de que, para ser um bom professor, não basta apenas conhecer o conteúdo da disciplina sob sua responsabilidade. Assim, torna-se importante o investimento institucional em cursos de formação didático-pedagógica em uma perspectiva de reflexão sobre a prática docente executada.

Um dos itens primordiais para o aprimoramento da docência médica é planejar uma formação pedagógica que integre experiências e vivências docentes com a discussão e o debate de princípios teóricos de educação, oferecendo aos professores uma luz que os ajude a analisar criticamente sua ação e experiências docentes, para que eles consigam encontrar novos e melhores caminhos para seu trabalho.

Os professores de Medicina devem ser convidados a participar da criação e da construção de uma nova consciência. É necessário redimensionar "o que" e "como" se aprendeu a ser docente com base em um processo de reflexão pessoal sobre a própria experiência. É necessário promover uma ação educativa consciente que desenvolva o professor em suas potencialidades, em sua capacidade de criar soluções e respostas adequadas, em sua condição básica de agir, conjugando crenças, valores e conhecimentos.

Recebido em: 22/05/2012

Reencaminhado em: 06/08/2012

Reencaminhado em: 04/10/2012

Aprovado em: 09/10/2012

CONFLITO DE INTERESSES

Declarou não haver.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Nilce Maria da Silva Campos Costa participou de todas as etapas da pesquisa; Cléia Graziele Lima do Valle Cardoso e Danilo Campos Costa participaram da organização, análise e interpretação dos dados.

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  • Endereço para correspondência:

    Nilce Maria da Silva Campos Costa
    Alameda Americano do Brasil, 282 — apto 1601
    Setor Marista — Goiânia
    CEP 74180-010 — GO
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Maio 2012
    • Aceito
      09 Out 2012
    • Revisado
      04 Out 2012
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