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Integração básico-clínica no internato médico: Psiquiatria e Farmacologia

Basic clinical integration in medical internship: Psychiatry and Pharmacology

Resumos

O presente estudo avaliou o ganho de conhecimentos de estudantes do curso médico que participaram de uma atividade integradora básico-clínica de Farmacologia e Psiquiatria no quinto ano, bem como verificou a opinião deles quanto à relevância em participar dessa atividade. Foi realizado estudo quali-quantitativo, utilizando avaliação pré e pós-teste, e a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) para a análise do conteúdo linguístico. Observou-se aumento significativo na porcentagem de acertos no pós-teste em relação ao pré-teste (p < 0,001). As ideias centrais obtidas na análise do DSC foram: atividade muito pertinente; ampliação desta atividade para outros estágios; dificuldade nas disciplinas básicas; aplicação de avaliação cognitiva; e participação ativa do professor nas discussões. Estes resultados sugerem que a integração entre a Farmacologia e as atividades práticas do internato em Psiquiatria possibilitou ampliar conceitos de Farmacologia, tornando o aprendizado significativo. Embora os estudantes tenham apontado a necessidade de melhor ajuste da atividade, o seu nível de aceitação foi verbalizado por meio da sugestão de que ela se estenda aos demais estágios do quinto ano.

Farmacologia; Psiquiatria; Integração Básico-Clínica; Medicina


This study quantifies fifth year medical students' knowledge after their participation in a basic clinical integration activity of psychiatry and pharmacology and investigates their opinions on the importance of the activity. A quali-quantitative study was performed using pre- and post-test assessment (multiple choice) and linguistic content analysis using the Discourse of the Collective Subject (DCS) technique. A significant increase in the percentage of correct answers in the post-test assessment was found compared to pre-test (p <0.001). The central ideas obtained from the DCS content analysis were: very relevant activity; expansion of the activity to other internships; difficulty in basic disciplines; application of cognitive assessment; and teacher's active participation in discussions. These results suggest that integration between pharmacology and the practical intern activities in psychiatry allowed pharmacological concepts to be broadened, rendering the learning meaningful. Although students identified the need for better organization of the activity, its the level of acceptance was verbalised through the suggestion that it could be extended to the other fifth year internships.

Pharmacology; Psychiatry; Basic Clinical Integration; Medical Course


PESQUISA

Integração básico-clínica no internato médico: Psiquiatria e Farmacologia

Basic clinical integration in medical internship: Psychiatry and Pharmacology

Carlos Alberto LazariniI; Flávia Cristina GoulartII

IFaculdade de Medicina de Marília, Marília, SP, Brasil

IIUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Marília, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos Alberto Lazarini Rua José Dias Molina, 16 Jardim Tropical Marília CEP. 17516-460 SP E-mail: carlos.lazarini@gmail.com

RESUMO

O presente estudo avaliou o ganho de conhecimentos de estudantes do curso médico que participaram de uma atividade integradora básico-clínica de Farmacologia e Psiquiatria no quinto ano, bem como verificou a opinião deles quanto à relevância em participar dessa atividade. Foi realizado estudo quali-quantitativo, utilizando avaliação pré e pós-teste, e a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) para a análise do conteúdo linguístico. Observou-se aumento significativo na porcentagem de acertos no pós-teste em relação ao pré-teste (p < 0,001). As ideias centrais obtidas na análise do DSC foram: atividade muito pertinente; ampliação desta atividade para outros estágios; dificuldade nas disciplinas básicas; aplicação de avaliação cognitiva; e participação ativa do professor nas discussões. Estes resultados sugerem que a integração entre a Farmacologia e as atividades práticas do internato em Psiquiatria possibilitou ampliar conceitos de Farmacologia, tornando o aprendizado significativo. Embora os estudantes tenham apontado a necessidade de melhor ajuste da atividade, o seu nível de aceitação foi verbalizado por meio da sugestão de que ela se estenda aos demais estágios do quinto ano.

Palavras-chave: Farmacologia; Psiquiatria; Integração Básico-Clínica; Medicina.

ABSTRACT

This study quantifies fifth year medical students' knowledge after their participation in a basic clinical integration activity of psychiatry and pharmacology and investigates their opinions on the importance of the activity. A quali-quantitative study was performed using pre- and post-test assessment (multiple choice) and linguistic content analysis using the Discourse of the Collective Subject (DCS) technique. A significant increase in the percentage of correct answers in the post-test assessment was found compared to pre-test (p <0.001). The central ideas obtained from the DCS content analysis were: very relevant activity; expansion of the activity to other internships; difficulty in basic disciplines; application of cognitive assessment; and teacher's active participation in discussions. These results suggest that integration between pharmacology and the practical intern activities in psychiatry allowed pharmacological concepts to be broadened, rendering the learning meaningful. Although students identified the need for better organization of the activity, its the level of acceptance was verbalised through the suggestion that it could be extended to the other fifth year internships.

Keywords: Pharmacology; Psychiatry; Basic Clinical Integration; Medical Course.

INTRODUÇÃO

Historicamente, os currículos têm seu modelo organizado em disciplinas isoladas, desvinculadas da realidade profissional, hipertrofiadas em conteúdos, voltadas para uma formação tecnicista e para especialidades, não formando profissionais que atendam às necessidades de saúde da sociedade. Neste contexto, as disciplinas das ciências básicas, de cunho científico e estrutural, constituem um alicerce para a composição do entendimento do ser humano como um conjunto composto por um sistema biológico e uma estrutura psicológica e social. Os professores dessas disciplinas se empenham em adequar uma visão integrada entre diversas delas e "convencer os alunos" de que os conteúdos de suas disciplinas terão certamente uma aplicação prática em algum momento da carreira acadêmica e profissional1. Nesse sentido, não é possível observar articulação entre os conteúdos das disciplinas, embora, atualmente, se espere que as matrizes curriculares sejam organizadas com o olhar da interdisciplinaridade.

De acordo com Batista2, construir caminhos no ensino médico a partir da interdisciplinaridade inclui a implementação de desenhos curriculares que possibilitem a articulação de conteúdos, valorizem o enfoque "problematizador" e desenvolvam atividades acadêmicas que tenham como eixos a prática médica no contexto do trabalho em saúde e a inserção do estudante e do professor como sujeitos na produção contextualizada de saberes.

Sendo assim, o quinto ano do curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Marília (Famema) está estruturado para desenvolver o ensino-aprendizagem sob a forma de Unidade de Prática Profissional (UPP), com base na metodologia da problematização3,4. A UPP caracteriza-se pela inserção do estudante em cenários reais, possibilitando a aprendizagem a partir da ação, por meio da atenção e cuidado integral à saúde da pessoa, considerando o contexto familiar e comunitário. Esta estratégia metodológica, nesta série, levou o grupo de docentes da disciplina de Farmacologia a desenvolver atividades com os alunos do internato de forma a integrar este conteúdo disciplinar, principalmente o enfoque da terapêutica, com a prática profissional nas áreas de Clínica Médica, Pediatria e Psiquiatria.

Desde 2008, durante o estágio em Psiquiatria, a disciplina de Farmacologia realiza uma atividade interdisciplinar ao longo do quinto ano do curso, na qual são conduzidas discussões sobre a terapêutica de Psicofarmacologia, relacionando esses conteúdos à utilização dos psicofármacos pelos pacientes assistidos pelos estudantes do internato. Essas atividades ocorrem com subgrupos de 10 ou 11 estudantes ao longo das seis semanas desse estágio, em um período por semana.

Como estratégia para a execução dessa atividade, adotaram-se, como deflagradores da discussão, os temas oriundos da vivência prática, ou seja, as medicações prescritas aos pacientes que estavam sob os cuidados desses estudantes. Observou-se a manutenção de uma abordagem ativa na construção da aprendizagem, em que os acadêmicos eram colocados como protagonistas centrais. Como fruto da problematização das situações experienciadas e mediação docente, os alunos faziam busca na literatura sobre os temas escolhidos e discutiam o conteúdo com o professor responsável. Como as metodologias ativas de ensino-aprendizagem consideram o estudante o ator principal nesse processo, o papel do professor passa a ser muito mais de quem facilita e provoca o aprendizado do que de quem transmite ao estudante conhecimentos previamente adquiridos.

As metodologias ativas têm o potencial de despertar a curiosidade à medida que os alunos se inserem na teorização e trazem elementos novos, ainda não considerados nas aulas ou na perspectiva do professor. Esse movimento dos estudantes torna o processo de aprendizagem mais significativo5. Coll6 sugere que, para ocorrer a aprendizagem significativa, é necessário que o conteúdo a ser apreendido mobilize o estudante e que este tenha uma postura favorável, permitindo o estabelecimento de associações entre os conceitos novos e aqueles já presentes em sua estrutura cognitiva. Nesse sentido, Ausubel7 classifica a aprendizagem significativa como um ato que exige um constante movimento de continuidade/ruptura - a continuidade definida como a capacidade de o estudante ligar os novos conceitos aos já apreendidos (ancoragem); e a ruptura, como o ato de permitir que o aluno esteja suscetível aos novos desafios, analisando-os criticamente e possibilitando a ampliação de seus conhecimentos. Sendo assim, o fato de a discussão emergir da realidade do cuidado vivenciado pelos estudantes ao longo do estágio de Psiquiatria na estratégia didática escolhida no presente estudo permite tanto o movimento de continuidade quanto o de ruptura e, com isso, a construção de novos conhecimentos.

Os objetivos do presente estudo foram avaliar os conhecimentos dos estudantes antes e após a participação nessa atividade didática da disciplina de Farmacologia, bem como verificar a opinião deles quanto à relevância desta atividade para o desempenho de suas funções durante o internato.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal analítico, que utilizou abordagens quantitativa e qualitativa. A população foi composta por todos os estudantes regularmente matriculados e cursando a quinta série do curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Marília (Famema) no ano de 2011, os quais desenvolveram atividades em grupos, por seis semanas, em Psiquiatria, no período letivo da respectiva série.

Na análise quantitativa, foi utilizada avaliação do tipo teste de múltipla escolha, contendo 18 itens que abordaram conhecimento sobre medicamentos utilizados em Psiquiatria (Psicofarmacologia). Esta avaliação foi aplicada aos estudantes no primeiro dia de atividade da disciplina de Farmacologia (pré-teste). No final do período de seis semanas (seis encontros), a mesma avaliação foi novamente aplicada aos estudantes (pós-teste). Esta avaliação é chamada de pré e pós-teste, uma vez que se emprega o mesmo conteúdo nos dois momentos, visando avaliar o conhecimento inicial e final após a atividade8.

Para a análise qualitativa, foi utilizada a seguinte questão aberta: "Qual a sua opinião sobre a atividade de Farmacologia realizada durante o estágio de Psiquiatria na quinta série do curso de Medicina?".

ANÁLISE DOS DADOS

Na análise dos resultados dos testes de múltipla escolha (pré e pós), foi utilizado o Teste "t" de Student para dados paramétricos10, sendo a probabilidade de p < 0,05 considerada capaz de demonstrar diferenças significativas entre os resultados obtidos.

No tratamento das respostas à questão aberta (dados qualitativos) foi empregada a técnica de análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)10. Em resumo, esta técnica consiste em selecionar expressões-chave de cada discurso particular - por exemplo, de cada resposta a uma questão -, identificar a ideia central de cada uma dessas expressões-chave, identificar as ideias centrais semelhantes ou complementares e posteriormente construir um discurso-síntese, que é o DSC.

Esse discurso representa, portanto, um expediente ou recurso metodológico destinado a tornar mais claras e expressivas as representações sociais, permitindo que determinado grupo social - no caso, os estudantes do quinto ano do curso de Medicina - seja visto como autor e emissor de discursos comuns compartilhados entre seus membros com vista a: "reconstruir, com pedaços de discursos individuais, como em um quebra-cabeça, tantos discursos-síntese quantos se julgue necessário para expressar uma dada 'figura', um dado pensar ou uma representação social sobre um fenômeno".11

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Marília (Famema), sob o Protocolo nº 046/10. Com o objetivo de respeitar os preceitos éticos, foram utilizados somente dados retirados dos formatos de avaliação propostos, garantindo-se o anonimato do participante.

RESULTADOS

Os resultados quantitativos são apresentados de forma descritiva, e os qualitativos em um quadro que mostra as ideias centrais e os DSC.

O número total de estudantes matriculados na quinta série do curso de Medicina da Famema no ano de 2011 era de 85. Deste total, 78 (91,8%) concordaram em participar desta pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Quanto à avaliação quantitativa (testes de múltipla escolha), no momento do pré-teste, observou-se uma média de acerto de questões igual a 10,2 (de um total de 18 questões), demonstrando uma porcentagem de acertos de 57,2%. Já no pós-teste, observou-se aumento na média de acertos das questões, que passou a ser de 14,6 (81,1%). A análise estatística demonstrou haver diferença significativa (p < 0,001) entre os resultados do pré e do pós-teste (Teste "t" de Student).

O Quadro 1 mostra as ideias centrais e os discursos do sujeito coletivo com base nas respostas à questão "Qual a sua opinião sobre a atividade de Farmacologia realizada durante o estágio de Psiquiatria na quinta série do curso de Medicina?", respondida pelos 78 estudantes do quinto ano de Medicina que concordaram em participar.


DISCUSSÃO

A Farmacologia, na educação médica, tem seu papel definido como simples e direto: o profissional médico necessita conhecer os mecanismos de ação e as indicações clínicas dos medicamentos para poder prescrevê-los de maneira efetiva e com isso proporcionar cuidados de qualidade ao usuário dos serviços de saúde ao qual está vinculado12.

Para que o conhecimento de Farmacologia ocorra de maneira efetiva ao longo da formação médica, é necessário que os docentes utilizem estratégias didáticas que proporcionem essa aquisição de conhecimento. Uma das formas de promover este ganho de conhecimento é usar metodologias ativas de ensino-aprendizagem, com caráter inovador, participativo, problematizador, que mobilizem o estudante no processo de construção de conhecimento, despertando a curiosidade, o envolvimento e, com isso, fazendo sentido. O fato de a atividade ser realizada sob a forma de discussão entre pares também permite maior envolvimento dos alunos na construção de seu conhecimento e o desenvolvimento da habilidade de comunicação.

A diferença estatisticamente significativa (p < 0,001) observada na comparação pré e pós-teste mostra que a atividade proporcionou ganho no aprendizado, em Farmacologia, do aluno de graduação durante o estágio de Psiquiatria no internato médico. Esse ganho de conhecimento pode ser corroborado com o DSC referente à ideia central 1, em que se observa:

"consegui elucidar alguns pontos desconhecidos (ou esquecidos) em minha aprendizagem durante a faculdade".

Além disso, nesse mesmo discurso, o trecho:

"O fato de estar em contato com o assunto diariamente é importante para ver sentido em estudar e para me interessar durante as discussões"

sugere que os estudantes passaram a ser participantes ativos e envolvidos com a realidade.

Para que as metodologias ativas possam causar um efeito na direção da intencionalidade com a qual são definidas ou eleitas, é preciso um envolvimento dos participantes no sentido de compreendê-las, acreditar em seu potencial pedagógico e incluir uma boa dose de disponibilidade intelectual e afetiva (valorização) para trabalharem conforme a proposta, já que são muitas as condições do professor, dos alunos e do cotidiano escolar que podem dificultar ou impedir esse objetivo5.

A ideia central "dificuldade nas disciplinas básicas" sugere que os estudantes, ao se depararem com conceitos da Farmacologia, identificaram lacunas na construção de seu conhecimento ao longo do curso. O DSC que apoia essa ideia central mostra: "porém percebi apenas (p. ex.) na segunda discussão o quanto me era 'falho', que havia lacunas de meu conhecimento a respeito de Fisiologia e Bioquímica".

A matriz curricular da Faculdade de Medicina de Marília está organizada sob a forma de Unidades Educacionais Sistematizadas (UES) - 1ª à 4ª série - e Unidades de Prática Profissional (UPP) - 1ª à 6ª série. A estratégia didática pedagógica utilizada nas UES é a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)13, na qual os estudantes recebem, como estímulo à aprendizagem, um problema construído de maneira interdisciplinar.

O trecho do discurso citado anteriormente permite refletir sobre o desenho do modelo curricular, alcances e limitações. Inicialmente, pode-se pensar que os problemas apresentados aos estudantes não possibilitam a abordagem das diferentes disciplinas. Vale ressaltar que as equipes de construção de problemas são compostas por docentes de diferentes áreas do saber, os quais objetivam a construção de problemas com caráter interdisciplinar. Machado e Batista14 sugerem que a interdisciplinaridade, na visão de professores que trabalham em equipes de construção de problemas na ABP, pode ser entendida como uma forma de trabalho que permite superar as fragmentações, contribuindo para a melhoria da qualidade do ensino. As lacunas observadas no discurso dos estudantes não corroboram esse entendimento.

Outro olhar que se pode ter sobre esse discurso seria avaliar a qualidade das discussões dos problemas nos grupos de tutoria, partindo-se da premissa de que esses problemas tenham sido construídos para permitir a interdisciplinaridade. Nesse sentido, o grupo de estudantes pode não dar a devida importância às informações presentes nos problemas ou podem direcionar seus estudos a outros pontos também presentes nos problemas. Informações fornecidas em relatos verbais de estudantes permitem sugerir que os diversos grupos de estudantes que compõem determinada série direcionam seus estudos diferentemente, mesmo partindo do mesmo problema.

A ideia central "ampliação desta atividade para outros estágios" mostra a valorização que os estudantes atribuíram a essa estratégia de aprendizagem adotada pela disciplina de Farmacologia. O DSC apresentado - "portanto, ela poderia ser estendida aos demais estágios, de forma horizontal, o que permitiria estudar mais classes de fármacos. Os demais docentes deveriam conversar mais conosco sobre Farmacologia e doses terapêuticas, ampliando a abrangência do conhecimento" - demonstra a necessidade dos estudantes de ampliar seu conhecimento na área de Farmacologia, pois, num futuro próximo, serão responsáveis por prescrições de medicamentos nas diferentes áreas da medicina.

Sabe-se que erros na administração de medicamentos podem resultar em prejuízos aos clientes, que podem variar do desconforto fugaz à morbidade grave e, em casos mais extremos, podem levar à morte. A possibilidade e/ou ocorrência desses erros são responsáveis pelo desencadeamento de sentimentos negativos, como insegurança e punição, além de ocasionarem desprestígio à instituição16.

Outra observação importante, diretamente relacionada à organização curricular do curso de Medicina objeto deste estudo, está apresentada na ideia central 4, "aplicação de avaliação cognitiva". A organização curricular do quinto ano do curso de Medicina, em 2011, não contemplava avaliações cognitivas16, e essa ideia central expressa o desejo dos estudantes de ter sua construção de conhecimento cognitivo avaliada formalmente e de maneira sistematizada. Esse fato justifica o DSC encontrado:

"na última atividade do estágio, poderia ser feita uma avaliação para nós vermos se aprendemos os principais temas abordados [...] Esta avaliação teria caráter formativo, e os alunos poderiam testar seus conhecimentos".

É necessário informar que, em 2012, a organização do internato incluiu, além da avaliação formativa existente, as avaliações cognitivas, que são realizadas ao longo do internato. Até 2011, eram feitas apenas avaliações formativas, entendidas como uma avaliação dinâmica, em tempo real, que permite ajustes imediatos no processo de trabalho. Essa forma de avaliar é considerada mais uma relação de ensino e aprendizagem do que um mero controle e verificação de conteúdos disciplinares, permitindo problematizar o processo de aprendizagem e de formação, visando conhecer os avanços, superar as dificuldades e atribuir um sentido ao processo educativo17. Ao se analisar o DSC referente à ideia central 4, pode-se sugerir que, embora ocorressem avaliações formativas, os estudantes não as compreendiam como uma estratégia de também avaliar o conhecimento cognitivo.

A ideia central "participação ativa do professor nas discussões" demonstra o desejo dos estudantes de ter um profissional que atue ativamente na construção do conhecimento. Esse desejo se dá pelo fato de, até a quarta série do curso, o contato dos alunos nas UES ocorrer com os tutores na ABP. Durante a atividade, a postura do docente de Farmacologia de trocar informações, corrigir deficiências e completar lacunas justifica o DSC no qual podemos observar:

"A participação ativa do professor nas discussões, [...] foi fundamental para firmar o conhecimento. Ele sanou algumas lacunas [...] Esta característica didática do professor foi positiva, pois, até o quarto ano, era 'proibido' de ensinar na nossa metodologia atual".

A interação com os professores é uma das principais fontes para a melhoria da qualidade motivacional dos estudantes. A empatia com o professor facilita a identificação pessoal com aquilo que ele apresenta em sala de aula, possibilitando a valorização das atividades e conteúdos propostos e a internalização das exigências ou demandas externas. Neste último aspecto, os estudantes endossam ou passam a perceber como suas as demandas para a realização de um trabalho de qualidade5.

Cabe ao professor, portanto, se organizar para obter o máximo de benefícios das metodologias ativas para a formação de seus alunos. Estes precisam assumir um papel cada vez mais ativo, desprendendo-se da atitude de meros receptores de conteúdos, buscando efetivamente conhecimentos relevantes aos problemas e aos objetivos da aprendizagem18.

No caso da metodologia ativa aplicada no presente estudo, que se aproximou conceitualmente da estratégia didático-pedagógica da problematização, é pertinente salientar que o professor atuou como um "facilitador" das discussões, usando sua formação acadêmica para auxiliar o andamento das atividades com os alunos e constantemente avaliando-os. Essa mudança de papel do professor foi possível pelo fato de ele estar suscetível à mudança de paradigmas, sem, contudo, perder o foco na proposta institucional de utilizar metodologias ativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estes resultados sugerem que, embora os estudantes cheguem ao quinto ano com conhecimentos acumulados em Farmacologia, demonstrados pelos resultados do pré-teste, esses conhecimentos podem ser ampliados com esta atividade (resultados do pós-teste). Além disto, a vivência dos estudantes nessa forma de integração entre a Farmacologia e as atividades práticas reais no internato em Psiquiatria possibilitou que se voltasse a discutir conceitos básicos de Farmacologia, tornando o aprendizado significativo. Essa reaproximação entre os conteúdos das disciplinas básicas e a realidade do internato permitiu ressignificar esses conteúdos e integrá-los por meio da reflexão e construção de conhecimentos, possibilitando melhor cuidado. Sendo assim, este estudo fornece uma contribuição no sentido da integração básico-clínica, uma vez que contempla os parágrafos II e IV do artigo 12 das DCN para o curso de Medicina19.

Recebido em: 30/04/2013

Aprovado em: 27/06/2013

CONFLITO DE INTERESSES: Declarou não haver

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Os autores contribuíram de modo substancial em todas as etapas do estudo: concepção e desenho, obtenção e análise dos dados, desde a elaboração inicial até a revisão do artigo para encaminhamento à publicação.

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  • Endereço para correspondência:
    Carlos Alberto Lazarini
    Rua José Dias Molina, 16 Jardim Tropical
    Marília CEP. 17516-460 SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Abr 2013
    • Aceito
      27 Jun 2013
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