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Avaliação da evolução da empatia em alunos do quarto ano da graduação em medicina da Unifesp em 2012

Assessment of fourth-year medical students' development of empathy undertaken at the federal university of são paulo (Unifesp) in 2012

Resumos

OBJETIVO: O estudo consiste em reavaliar, em 2012, a empatia em alunos do quarto ano de Medicina da Unifesp, que foram avaliados em 2009 enquanto cursavam o primeiro ano, e comparar os resultados obtidos. MÉTODO: Um instrumento validado, chamado Inventário de Empatia5, foi usado para medir a empatia entre 80 alunos do quarto ano de graduação da Escola Paulista de Medicina da Unifesp. O inventário tem 40 perguntas em escala Likert, que avalia quatro fatores que compõem a habilidade de empatia: Tomada de Perspectiva, Flexibilidade Interpessoal, Altruísmo, Sensibilidade Afetiva. RESULTADOS: A empatia dos alunos da graduação em Medicina da Unifesp não apresentou variação estatisticamente significativa quando comparada em 2009 e 2012. CONCLUSÃO: O maior contato que os alunos mantêm com os pacientes desde o início da graduação, aliado à grade curricular repleta de matérias voltadas para a área de Humanas, possivelmente explica o resultado obtido. Os alunos da instituição são capazes de desenvolver a técnica, dando-lhe um caráter mais humanista e aprendendo desde cedo a tratar doentes, e não doenças.

Empatia; Educação Médica; Psicologia


OBJECTIVE: This study consisted of reassessing empathy demonstrated by fourth-year medical students at Unifesp after a prior evaluation in 2009 when the students were in the first year of the course, and a consequent comparison of the results obtained. METHOD: A validated instrument known as the Empathy Inventory (Falcone, 2008) was used to measure empathy among 80 fourth-year students at Unifesp Medical School. The inventory features 40 questions in a Likert scale that assess four factors related to the ability to empathize: Adoption of a Perspective, Interpersonal Flexibility, Altruism and Emotional Sensitivity. RESULTS: Empathy among medical students at Unifesp showed no statistically significant change from 2009 to 2012. CONCLUSION: The increased contact that students have with patients at the beginning of the course combined with the high number of curricular subjects focused on the humanities possibly explains the result. Students at the institution are able to develop the technique giving it a more humanist character and learning from the beginning how to treat patients, rather than illnesses.

Empathy; Medical Education; Psychology


PESQUISA

Avaliação da evolução da empatia em alunos do quarto ano da graduação em medicina da Unifesp em 2012

Assessment of fourth-year medical students' development of empathy undertaken at the federal university of são paulo (Unifesp) in 2012

Lívia ThomaziI; Fernanda Gonçalves MoreiraI; Mario Alfredo De MarcoI

IUniversidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

OBJETIVO:

MÉTODO: Um instrumento validado, chamado Inventário de Empatia5, foi usado para medir a empatia entre 80 alunos do quarto ano de graduação da Escola Paulista de Medicina da Unifesp. O inventário tem 40 perguntas em escala Likert, que avalia quatro fatores que compõem a habilidade de empatia: Tomada de Perspectiva, Flexibilidade Interpessoal, Altruísmo, Sensibilidade Afetiva.

RESULTADOS: A empatia dos alunos da graduação em Medicina da Unifesp não apresentou variação estatisticamente significativa quando comparada em 2009 e 2012.

CONCLUSÃO: O maior contato que os alunos mantêm com os pacientes desde o início da graduação, aliado à grade curricular repleta de matérias voltadas para a área de Humanas, possivelmente explica o resultado obtido. Os alunos da instituição são capazes de desenvolver a técnica, dando-lhe um caráter mais humanista e aprendendo desde cedo a tratar doentes, e não doenças.

Palavras-chaves: Empatia; Educação Médica; Psicologia.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study consisted of reassessing empathy demonstrated by fourth-year medical students at Unifesp after a prior evaluation in 2009 when the students were in the first year of the course, and a consequent comparison of the results obtained.

METHOD: A validated instrument known as the Empathy Inventory (Falcone, 2008) was used to measure empathy among 80 fourth-year students at Unifesp Medical School. The inventory features 40 questions in a Likert scale that assess four factors related to the ability to empathize: Adoption of a Perspective, Interpersonal Flexibility, Altruism and Emotional Sensitivity.

RESULTS: Empathy among medical students at Unifesp showed no statistically significant change from 2009 to 2012.

CONCLUSION: The increased contact that students have with patients at the beginning of the course combined with the high number of curricular subjects focused on the humanities possibly explains the result. Students at the institution are able to develop the technique giving it a more humanist character and learning from the beginning how to treat patients, rather than illnesses.

Keywords: Empathy; Medical Education; Psychology.

INTRODUÇÃO

São cada vez mais frequentes discussões sobre a relação médico-paciente e as consequências de um bom ou mau atendimento por parte de um profissional da saúde. O profissionalismo é um traço essencial para os médicos, sendo reconhecido como uma competência importante para os alunos de Medicina1. Além disso, o profissionalismo é a base do contrato do médico com a sociedade. Isso requer colocar os interesses dos pacientes acima daqueles dos médicos, estabelecer e manter padrões de competência e integridade, e oferecer à sociedade informações especializadas sobre questões de saúde2. Dentre todos os fatores que envolvem o profissionalismo, vamos dar destaque à empatia, uma de suas características centrais.

A palavra "empatia" é derivada do grego empatheia (em = dentro e pathos = sofrimento ou sentimento) e se refere à relação emocional entre o autor-cantor e seu público. Em sua conceituação moderna, é uma tradução do termo alemão einfühlung, introduzido no vocabulário da experiência estética para designar a relação entre a obra de arte e seu observador, que imaginativamente se projeta no objeto contemplado. O termo ganhou um significado dissociado da arte e mais próximo do âmbito da relação pessoal ao ser traduzido para o inglês por Titchener, com o nome de empathy, cujo significado era de que, por meio da imitação interior ou esforço mental, seria possível conhecer a consciência de outra pessoa3,4,5. Dessa forma, a empatia pode ser definida como uma disposição genuína de ser capaz de ouvir, compreender, compadecer-se através de deduções, de informações retidas na memória ou colocando-se no lugar do outro, prestando assim apoio a outro indivíduo, fazendo com que essa pessoa se sinta compreendida e validada5,6. Recentemente, os pesquisadores têm considerado a empatia como uma capacidade multidimensional que abrange componentes cognitivos, afetivos e comportamentais7,8.

Falcone7, cujo modelo vamos utilizar, entende que a empatia "corresponde à capacidade de compreender, de forma acurada, bem como de compartilhar ou considerar sentimentos, necessidades e perspectivas de alguém, expressando este entendimento de tal maneira que a outra pessoa se sinta compreendida e validada". Tal definição considera a empatia como uma habilidade social que distingue as espécies humanas e não humanas, na medida em que somente nas primeiras são identificados aspectos tais como tomada de perspectiva, autoconsciência, consciência do outro, flexibilidade, reavaliação da emoção, além de expressão verbal e não verbal de entendimento.

Na esfera das relações no campo da saúde, empatia é definida como um atributo com dimensões emocionais e cognitivas que possibilita uma compreensão das experiências interiores e da perspectiva do paciente como um indivíduo singular, somada à capacidade de comunicar esse entendimento ao paciente9.

A profundidade da relação médico-paciente está vinculada a quatro elementos principais: conhecimento, confiança, lealdade e respeito10. No entanto, o dinamismo dos serviços de saúde e os avanços dos meios complementares de diagnóstico tendem a distanciar o médico da interação com o paciente, sem enxergá-lo como pessoa11.

A função da empatia médica seria identificar e compreender os sentimentos do doente e tomar a sua perspectiva9, promovendo assim um aumento na confiança, na lealdade e no respeito entre médico e paciente.

Sendo assim, a empatia promove a satisfação tanto do paciente quanto do médico, contribuindo significantemente para a adesão, tratamento e evolução do paciente12,13,14. Além disso, a empatia melhora a qualidade dos dados obtidos na anamnese e, consequentemente, esse dado positivo se reflete na melhor capacidade de diagnóstico pelo médico, além de contribuir para a diminuição na falha de comunicação e possíveis ações jurídicas15,16.

Um estudo17 apontou que os médicos são "curadores" mais eficazes quando conseguem estabelecer uma relação empática com seus pacientes, o que — além dos benefícios ao paciente — os deixa mais satisfeitos com sua prática profissional. Outro estudo aponta que os médicos que aprendem a ter relações empáticas com seus pacientes reduzem sua possível frustração com os mesmos, o que melhora a relação médico-paciente e aumenta seu impacto terapêutico18.

Estudos anteriores sugerem que a empatia declina ao longo da graduação médica9,19. Algumas hipóteses para este fato são: forma do currículo acadêmico9, características pessoais20, estilo de aprendizagem21 e abusos estudantis20.

Para corrigir esta distorção, os médicos precisam ter a consciência de que é necessário manter certa aproximação emocional com os pacientes durante a prática profissional. Isto porque os resultados que uma relação empática traz ao paciente, ao médico e ao tratamento como um todo são diversos e, por vezes, mais benéficos que qualquer tipo de medicação. Além disso, essa consciência deve vir desde a graduação, na qual os alunos têm oportunidade de manter contato precoce com os pacientes, podendo, assim, desenvolver suas habilidades empáticas.

OBJETIVOS

O objetivo deste estudo é avaliar a empatia dos alunos do quarto ano da graduação em Medicina em 2012 a fim de comparar os resultados com os de outro estudo anterior, quando tais alunos se encontravam na condição de recém-ingressos na Unifesp.

MÉTODOS

Este trabalho foi aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — protocolo 156371/2012-0 —, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo — parecer consubstanciado 26.785 — e pelo Sistema Nacional de Ética em Pesquisa (Sisnep): CAAE 01010012.1.0000.5505.

Esta pesquisa consiste num estudo de corte transversal com amostra de 80 alunos do quarto ano do curso de Medicina da Unifesp em 2012, aos quais foi aplicado o Inventário de Empatia, criado por Falcone et al.5. A aplicação do Inventário de Empatia (IE) foi feita de forma coletiva, em sala de aula. Os aplicadores apresentaram os objetivos da pesquisa, assim como uma explicação prévia de como responder ao inventário. Os alunos foram esclarecidos sobre a finalidade de tal prática e de possíveis perguntas a respeito da mesma. A participação dos alunos foi voluntária, sendo os resultados tratados de forma confidencial e em regime de anonimato. Embora sem limite de tempo preestabelecido, estima-se que o inventário tenha sido respondido entre 10 e 15 minutos.

O Inventário de Empatia foi construído e validado no Brasil com o propósito de medir a habilidade empática de indivíduos adultos. Suas 40 questões avaliam os quatro fatores que compõem a habilidade empática:

1) Tomada de Perspectiva (TP): ilustrado por 12 itens (6, 10, 11, 12, 17, 18, 21, 23, 25, 28, 31 e 33), refere-se à capacidade de entender a perspectiva e os sentimentos da outra pessoa mesmo em situações que envolvam conflito de interesses, as quais demandam esforço para compreender as razões do outro antes de expressar as próprias perspectivas. Um escore baixo neste fator denota uma dificuldade para compreender as perspectivas e sentimentos da outra pessoa, especialmente em situações de conflito de interesses (exemplo: questão 10 — Antes de pedir a uma pessoa para mudar um comportamento que me incomoda, procuro me colocar no lugar dela para entender o que a leva a ter tal atitude).

2) Flexibilidade Interpessoal (FI): composto por dez itens (4, 5, 8, 9, 13, 19, 24, 30, 32 e 35), este fator expressa a capacidade para tolerar comportamentos, atitudes e pensamentos dos outros quando são muito diferentes ou provocadores de frustração. Um escore baixo neste fator indica dificuldade em aceitar pontos de vista diferentes e tendência a se aborrecer facilmente em situações de conflito de interesses ou de frustração interpessoal (exemplo: questão 5 — Quando alguém está me confidenciando um problema, exponho minha opinião objetivamente, apontando os seus erros e acertos).

3) Altruísmo (AL): composto por nove itens (2, 3, 16, 20, 22, 26, 36, 38 e 40), reflete capacidade para sacrificar os próprios interesses com a finalidade de beneficiar ou ajudar alguém. Um escore baixo neste fator revela tendência egoísta (exemplo: questão 2 — Eu adiaria a decisão de terminar um relacionamento se percebesse que o meu par está com problemas).

4) Sensibilidade Afetiva (SA): composto também por nove itens (1, 7, 14, 15, 27, 29, 34, 37 e 39), reflete sentimentos de compaixão e de interesse pelo estado emocional do outro. Um escore baixo na Sensibilidade Afetiva reflete pouca atenção ou cuidado em relação às necessidades dos outros (exemplo: questão 39 — Deixo de revelar uma experiência de sucesso se percebo que a outra pessoa está triste ou com problemas).

As respostas de cada item foram numeradas de 1 a 5, numa escala do tipo Likert, de acordo com as frequências dos comportamentos descritos, variando desde nunca (1) até sempre (5). Há itens nos quais quanto maior a pontuação, maior a empatia, e itens reversos, nos quais quanto mais altos, menor a empatia e que devem ter sua pontuação invertida para a obtenção do escore. Dentre estes, estão os itens: 3, 4, 5, 8, 9, 13, 16, 19, 20, 22, 24, 26, 30, 32, 35, 38 e 40.

Após a coleta, os dados foram analisados pelo software SPSS. Foram aplicados os testes de Qui-Quadrado e o Teste T para análise da amostra, e os resultados foram comparados com o obtido no estudo anterior, em 2009, e com o obtido pela análise de 715 universitários da Uerj5. Concomitantemente a tal procedimento, iniciamos o estudo na literatura e discussões com docentes sobre empatia e sua evolução no decorrer da graduação médica, a fim de elaborar bases sólidas para futuros projetos e discussões.

RESULTADOS

Foram entrevistados 80 alunos do quarto ano da graduação, sendo 53,75% (n = 43) do sexo masculino, com idade média de 22,62 anos [mín. 20 — máx. 29 anos e DP = 4,14], 45% (n = 36) do sexo feminino, com idade média de 22,65 anos [mín. 21 — máx. 26 anos e DP = 1,49] e 1,25% (n = 1) não informado.

Destes 80 alunos, um deles foi considerado como outlier (valor atípico), já que apresentou resultados totalmente discrepantes em relação aos demais, interferindo assim na análise estatística dos dados, baseada em padrões normais. Desta forma, consideraremos, a partir de então, n = 79.

A média encontrada para cada um dos fatores do Inventário foi: FI = 32,13 (percentil 60 dos dados normativos do Inventário); SA = 35,34 e TP = 41,70 (ambos no percentil 50) e AL = 32,87 (percentil 99).

Foi feita uma comparação entre nossos dados, que aparecem nos Gráficos de 1 a 4 como Unifesp/2012, os dados obtidos em 2009 com os alunos em questão, apresentados nesses gráficos como Unifesp/2009, e os dados normativos do Inventário de Empatia, conforme proposto por Falcone5, que aparecem como Uerj.

No fator flexibilidade interpessoal (Gráfico 1), a amostra de 2009 está no percentil 50, e a amostra de 2012 está no percentil 60 quando comparadas aos dados normativos.


No fator sensibilidade afetiva (Gráfico 2), as duas amostras estão no percentil 50 quando comparadas aos dados normativos.


No fator tomada de perspectiva (Gráfico 3), a amostra de 2009 está no percentil 60, e a amostra de 2012 está no percentil 50 quando comparadas aos dados normativos.


No fator altruísmo (Gráfico 4), as duas amostras estão no percentil 99 quando comparadas aos dados normativos.


Não houve relação estatisticamente significante entre os itens FI, SA, TP e AL e os dados sociodemográficos levantados quando analisados pelo teste T, exceto o item SA, no qual o índice foi estatisticamente maior para aqueles que não possuem pai e/ou mãe médicos.

Os resultados obtidos apontam que os estudantes apresentaram escores compatíveis com as médias dos dados normativos do IE. Os alunos permaneceram com uma capacidade mediana de enxergar o mundo pelos olhos do outro, colocando-se no lugar dele, percebendo e compreendendo seu modo de pensar e sentir, sendo flexível e aceitando sem julgar crenças e valores diferentes dos seus próprios. Entretanto, em um dos componentes afetivos da empatia, o Altruísmo, o grupo estudado continuou apresentando um escore bastante acima da média da população (percentil 99). Isto sugere que a capacidade mais pronunciada de suspender temporariamente as próprias necessidades para atender às demandas alheias nesse grupo não se perdeu no decorrer da graduação. Dessa forma, a empatia, que pode ser definida como o somatório das médias dos quatro itens que a compõem, não apresentou variação estatística significativa (em 2009: 142,07; em 2012: 142,04).

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Após comparação dos dados de 2012 com os de 2009, notamos que a empatia dos alunos do curso de Medicina da Unifesp não apresentou variação significativa, como era esperado com base na análise de outros trabalhos9,22,23.

Estudos em universidades norte-americanas22,23 demonstraram um declínio significativo da empatia principalmente a partir do terceiro ano do curso médico. O curso de Medicina nos locais de estudo (Boston e Filadélfia) tem duração de quatro anos, sendo os dois primeiros com contato limitado com o paciente, e os dois restantes com estágios clínicos. A falta de interação com o paciente nos primeiros anos da graduação limita o desenvolvimento da empatia, e vários outros aspectos da educação médica — longas horas de trabalho, privação de sono, dependência da tecnologia para diagnósticos e limitadas interações com o paciente à beira do leito — contribuem para diminuir a empatia no decorrer da graduação22.

Embora alguns desses aspectos sabidamente façam parte da carreira médica (longas jornadas de trabalho, privação de sono), na Unifesp a abordagem é um pouco diferente. Busca-se, cada vez mais, uma humanização da prática médica, com observação da conduta ética, respeito aos direitos dos pacientes e tratamentos destinados às pessoas, e não às doenças.

No primeiro ano da graduação, nas aulas de Observação à Prática Médica, os alunos têm o contato inicial com os pacientes e os serviços. Desde então, já é cobrada uma postura ética e respeitosa dos alunos perante os pacientes e em ambiente hospitalar. Posteriormente, na Psicologia Médica, inúmeras discussões são feitas em pequenos grupos. Relação médico-paciente, vida, morte, influência de culturas diversas são alguns dos tópicos abordados. Nesse ponto do curso, os alunos não interagem com os pacientes, mas aprendem, em sala de aula, sobre temas importantes para a formação médica. Aprendem também a interagir com o próprio colega de turma, a respeitar opiniões e a agregar conhecimentos e experiências alheios.

No segundo ano, as aulas de Psicologia Médica apresentam uma abordagem diferente, com aulas sobre desenvolvimento, características e necessidades de cada faixa etária. Nesta etapa, os alunos voltam a ter contato com os pacientes, realizando entrevistas de abordagem mais psicológica do que patológica. São investigadas as angústias do paciente, sua forma de encarar a doença, o apoio que está ou não recebendo de amigos e familiares, sua história de vida, para posterior discussão em sala e apresentação de seminários. Há também o chamado Laboratório de Comunicação23, no qual os alunos, por meio de role-playing e filmagem, têm a oportunidade de visualizar sua atuação como médicos e pacientes. Este método já foi citado como um dos contribuidores para o desenvolvimento da empatia24. É por meio dele que os alunos podem se observar e observar o outro, identificando atitudes adequadas e inadequadas perante o paciente fictício. Tudo isso contribui para uma postura melhor diante do paciente real. Ainda no segundo ano, há o curso de Semiologia Integrada, dividido em grandes áreas, como Clínica Médica, Obstetrícia e Ginecologia, Pediatria e Geriatria, com o início de uma entrevista mais técnica, a anamnese, com um pouco menos de abordagem psicológica.

No terceiro ano, grande parte do curso é tomada pela Semiologia Médica. Inicia-se aí o maior contato com os pacientes. Após as aulas teóricas, os alunos dirigem-se ao hospital. Após dois anos de matérias voltadas para um caráter mais humanizado da Medicina, os alunos são capazes de ser mais técnicos na prática, sem deixar de focar o mais importante: o ser humano. As angústias dos pacientes não precisam mais ser escritas, bem como sua história de vida; apesar disso, não são itens esquecidos pelos alunos, pois estes sabem da importância desses dados para uma boa relação médico-paciente, para maior aproximação durante a anamnese e para a coleta de dados mais precisos.

A partir do final do terceiro ano, o contato com o paciente vai ficando mais intenso. O aluno vai sedimentando cada vez mais informações técnicas, aliando o caráter humanista de sua formação ao conhecimento gradativamente adquirido.

Adquirir os conhecimentos técnicos necessários para diagnosticar uma doença e prescrever um tratamento é uma tarefa indispensável para ser um bom médico. Entretanto, há que considerar outros elementos que escapam à objetividade da ciência. Colocar-se à frente de um paciente aflito exige que o médico compreenda as diversas demandas do paciente, que se coloque como suporte e como um facilitador de descarga e elaboração de tensões25.

Enfim, nossa hipótese é que o caráter mais humanizado do ensino da Medicina na Unifesp é um grande contribuidor para a estabilidade do nível de empatia dos alunos. Outros estudos são necessários para confirmar os resultados e analisar melhor os fatores que podem contribuir para manter ou aumentar o nível da empatia. Entrevistas individuais com perguntas mais objetivas, acompanhamento dos alunos durante o quinto e sexto anos são outras abordagens possíveis para corroborar tal resultado e identificar os fatores que contribuem para a neutralização da queda ou para o incremento da empatia.

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Recebido em: 12/09/2013

Aprovado em: 13/10/2013

CONFLITO DE INTERESSES: Declarou não haver conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Lívia Thomazi: Elaboração da estrutura do trabalho, aplicação dos questionários, avaliação dos resultados, redação do artigo.

Fernanda Gonçalves Moreira: Orientação para a análise estatística dos dados coletados nos questionários, correção e confecção do artigo.

Mario Alfredo De Marco: Elaboração da estrutura do trabalho, orientação principal, correção e confecção do artigo.

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  • ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Recebido
      12 Set 2013
    • Aceito
      13 Out 2013
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