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Interesse de estudantes de medicina na produção científica em saúde pública

Interest of medical students in scientific production in public health

Resumos

INTRODUÇÃO: Poucas pesquisas abordam o ensino de Saúde Pública nos cursos de graduação.O objetivo deste trabalho foi investigar o interesse dos estudantes de Medicina nesta área. MÉTODOS: Foram feitos inquéritos, em semestres consecutivos, com alunos de Medicina, com aplicação de questionário estruturado. Entre os inquéritos foi feita a divulgação de uma página na internet com resumos comentados de artigos publicados em revistas de Saúde Pública. RESULTADOS: Dos entrevistados, 59,8% no primeiro inquérito e 46,5% no segundo relataram maior interesse em Saúde Pública. Estes fazem mais leitura de periódicos da área (47,5% x 25,4%; p<0,001), geralmente com frequência mensal. O meio de comunicação preferido para buscar informações sobre o tema foi a internet. Não houve aumento no interesse dos alunos após a divulgação da página na internet, que foi pouco acessada. CONCLUSÕES: Cerca de metadedos estudantes relataram maior interesse em Saúde Pública, e uma proporção menor tem o hábito da leitura de artigos com essa temática. A internet pode ser um canal interessante de divulgação de pesquisas sobre Saúde Pública,mas necessita de uma intervenção mais estruturada para alcançar um público maior.

Saúde Pública; Comunicação e Divulgação Científica; Estudantes de Medicina; Educação Médica


INTRODUCTION: Few studies address public health teaching in undergraduate courses. The aim of this study was to investigate the interest of medical students in this area. METHODS: Surveys were made in consecutive semesters among medical students with a structured questionnaire. The investigations included the promotion of a website with commented summaries of articles published in public health journals. RESULTS: Of the respondents, 59.8% in the first survey and 46.5% in the second reported a greater interest in Public Health. These students do more reading of journals in the field (47.5% vs. 25.4%; p<0,001), usually on amonthly basis. It was found that the favorite way to seek information on the subject was via the internet.Student interest did not increase after promotion of the website, whichwas scarcely accessed. CONCLUSIONS: About half of the students reported a greater interest in Public Health and a smaller proportion have the habit of reading articles on this topic. The internet can be a channel of communication for public health information, but a more structured intervention is required to reach a broader audience.

Public Health; Scientific Communication and Diffusion; Medical Students; Medical Education


PESQUISA

Interesse de estudantes de medicina na produção científica em saúde pública

Interest of medical students in scientific production in public health

Mauro Junqueira de SouzaI; Bianca Tabet Gonzalez SampaioI; Letícia de Castro Martins FerreiraII; Mário Círio NogueiraII

IUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

Endereço para correspondência ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Mauro Junqueira de Souza Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora Alameda Salvaterra, 200 Salvaterra – Juiz de Fora CEP 36033-003 – MG E-mail: maurojs_@hotmail.com ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Mauro Junqueira de Souza Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora Alameda Salvaterra, 200 Salvaterra – Juiz de Fora CEP 36033-003 – MG E-mail: maurojs_@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Poucas pesquisas abordam o ensino de Saúde Pública nos cursos de graduação.O objetivo deste trabalho foi investigar o interesse dos estudantes de Medicina nesta área.

MÉTODOS: Foram feitos inquéritos, em semestres consecutivos, com alunos de Medicina, com aplicação de questionário estruturado. Entre os inquéritos foi feita a divulgação de uma página na internet com resumos comentados de artigos publicados em revistas de Saúde Pública.

RESULTADOS: Dos entrevistados, 59,8% no primeiro inquérito e 46,5% no segundo relataram maior interesse em Saúde Pública. Estes fazem mais leitura de periódicos da área (47,5% x 25,4%; p<0,001), geralmente com frequência mensal. O meio de comunicação preferido para buscar informações sobre o tema foi a internet. Não houve aumento no interesse dos alunos após a divulgação da página na internet, que foi pouco acessada.

CONCLUSÕES: Cerca de metadedos estudantes relataram maior interesse em Saúde Pública, e uma proporção menor tem o hábito da leitura de artigos com essa temática. A internet pode ser um canal interessante de divulgação de pesquisas sobre Saúde Pública,mas necessita de uma intervenção mais estruturada para alcançar um público maior.

Palavras-chave: Saúde Pública; Comunicação e Divulgação Científica; Estudantes de Medicina; Educação Médica.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Few studies address public health teaching in undergraduate courses. The aim of this study was to investigate the interest of medical students in this area.

METHODS: Surveys were made in consecutive semesters among medical students with a structured questionnaire. The investigations included the promotion of a website with commented summaries of articles published in public health journals.

RESULTS: Of the respondents, 59.8% in the first survey and 46.5% in the second reported a greater interest in Public Health. These students do more reading of journals in the field (47.5% vs. 25.4%; p<0,001), usually on amonthly basis. It was found that the favorite way to seek information on the subject was via the internet.Student interest did not increase after promotion of the website, whichwas scarcely accessed.

CONCLUSIONS: About half of the students reported a greater interest in Public Health and a smaller proportion have the habit of reading articles on this topic. The internet can be a channel of communication for public health information, but a more structured intervention is required to reach a broader audience.

Keywords: Public Health; Scientific Communication and Diffusion; Medical Students; Medical Education.

INTRODUÇÃO

Podemos situar a origem da Saúde Pública nas mudanças sociais e econômicas por que passaram alguns países da Europa a partir do século XVIII, especialmente Inglaterra, França e Alemanha, com o desenvolvimento do capitalismo decorrente da industrialização1. Inicialmente, a Saúde Pública tinha como foco manter a capacidade produtiva da força de trabalho, mas o contexto político revolucionário europeu do século XIX permitiu o surgimento de um discurso que podemos denominar sanitarista, vinculado ao movimento da Medicina Social. Este identificava que o processo saúde-doença tinha uma determinação social e, portanto, havia uma responsabilidade da sociedade para com a saúde dos indivíduos, e propunhaa adoção de medidas sociais para a proteção e a promoção da saúde.

No final do século XIX, com a derrota dos movimentos revolucionários e a identificação de bactérias como agentes etiológicos de doenças prevalentes, teve início um período de hegemonia do discurso biologicista, chamado de modelo biomédico, não só na Medicina, mas também na Saúde Pública. O modelo preventivista, surgido nos Estados Unidos na década de 1940, embora procurasse superar a exclusividade da explicação biologicista do processo saúde-doença, manteve o foco no indivíduo e nas doenças, propondo incorporar ações preventivas à prática clínica liberal2. Este modelo foi exportado para o Brasil na década de 1960, com a criação nas faculdades de Medicina dos departamentos de medicina preventiva e social, com disciplinas como Medicina Preventiva, Epidemiologia, Ciências da Conduta e outras correlatas.

Na década de 1970, no movimento pela redemocratização do Brasil, surgiu um movimento pela reforma sanitária brasileira, que propôs amplas mudanças no sistema de saúde, desde suas leis e organização até o modelo assistencial3. Nesse contexto, os participantes do movimento pela reforma sanitária passaram a usar o termo Saúde Coletiva a partir de 1979, representando uma concepção de Saúde Pública que privilegiava o social como categoria de análise e propunha o estudo e abordagem dos determinantes sociais do processo saúde-doença4. Embora em seu início o discurso da Saúde Coletiva tenha tido a pretensão de explicar todo o processo saúde-doença, desvalorizando o discurso clínico ou não reconhecendo a importância de aspectos subjetivos dos sujeitos envolvidos, houve com o passar do tempo um amadurecimento de suas formulações, com o reconhecimento de outros saberes e práticas, que se influenciam mutuamente. Os modelos de atenção à saúde são uma das áreas de formulação teórica e prática em que os conhecimentos clínicos e da Saúde Coletiva são necessários para conformar uma nova realidade assistencial, que possa facilitar a concretização dos princípios do SUS, integrando atenção individual e ações de promoção da saúde, entendida numa concepção mais ampla, que promova também a autonomia dos sujeitos individuais e coletivos.

Dada a importância dos conhecimentosrelativos à área da Saúde Pública, seu estudo é fundamental para que os profissionais da saúde ampliem seus olhares e práticas5. Apesar disso, a realidade médica atual faz com que os profissionais procurem um conhecimento aprofundado na área em que se especializaram, relegando a segundo plano outros temas6,7.Mesmo os alunos de Medicina já seguem esta tendência precocemente. Vale ressaltar que, em algum momento de suas vidas profissionais e/ou acadêmicas, irão trabalhar ou fazer estágios no Sistema Único de Saúde (SUS), e o conhecimento de assuntos na área de Saúde Pública poderia tornar esse encontro bem mais fácil e até mesmo mais produtivo.Existe uma subestimação da necessidade de incorporar conhecimento relacionado à Saúde Pública para se exercer uma boa clínica e uma boa medicina, por parte tanto dos alunos, quanto dos professores8. Além do mais, a formação fragmentada, tecnicista e centrada na doença, que os profissionais da saúde têm recebido, é um obstáculo para a consolidação do SUS e para o adequado atendimento à população brasileira. Por isso, é fundamental que os alunos do curso de Medicina recebam uma educação que vise à saúde do indivíduo como produto social da união das condições de vida da sociedade, das famílias e dos indivíduos, e não mais como apenas a ausência de doença9,10.

Os próprios conteúdos curriculares dos cursos de Medicina, em geral, dão maior prioridade aos problemas de saúde individuais do que aos coletivos e,na maior parte das vezes,desconsideram fatores psíquicos, afetivos, históricos e culturais do adoecer humano. Os profissionais formados, que têm maior vivência e conhecimento sobre o SUS e as políticas de saúde, frequentemente adquirem na sua atuação uma postura de compromisso diante das necessidades do SUS,o que é importante para o seu efetivo engajamento nas propostas de transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho. Tal constatação comprova a crescente necessidade do conhecimento de temas relacionados à Saúde Pública para que possam ser formados profissionais de saúde sob a perspectiva da integralidade, com um olhar mais abrangente6.

No campo da atenção à saúde, todos os profissionais desta área devem estar aptos a desenvolver ações de promoção, prevenção, proteção e reabilitação nos níveis individual e coletivo, bem comoassegurar que sua prática se realize de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde11. Para se chegar a esse padrão de conhecimento, é necessário ampliar o olhar do estudante para assuntos que envolvem a Saúde Pública.

Para verificar qual o grau de interesse na busca de informações sobre Saúde Pública e se é possível aumentá-lo mediante estratégias de comunicação, pensou-se em realizar uma divulgação desse tema perante a comunidade acadêmica de determinada faculdade e observar seu impacto.Este estudo propõe investigar o interesse dos estudantes de Medicina na produção científica sobre Saúde Pública e analisar o impacto de algumas estratégias de divulgação sobre este interesse.

MÉTODOS

Foram feitos dois inquéritos, em semestres consecutivos (segundo semestre de 2011 e primeiro semestre de 2012), com alunos do primeiro ao oitavo ano do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (FCMS/JF) – Suprema. Entre os inquéritos foi feita uma intervenção: a divulgação, para o conjunto dos alunos, de uma página na internet com resumos comentados de artigos publicados em revistas de Saúde Pública.O critério de inclusão foi estar matriculado nesses períodos na instituição e consentir em participar do estudo, por intermédio da assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Não houve critério de exclusão. Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa, os alunos foram convidados a participar do estudo por meio de instrumento impresso, durante uma aula. Este projeto foi elaborado como parte das atividades de monitoria da disciplina de Saúde Coletiva e Contexto Social da instituição.

O instrumento de coleta de dados foi um questionário estruturado com questões sociodemográficas e perguntas de múltipla escolha pertinentes à pesquisa.

O projeto de intervenção constou da divulgação periódica (quinzenal) de dois resumos de artigos sobre Saúde Pública considerados relevantes pelos pesquisadores e publicados em algumas das revistas importantes da área (Bulletinofthe World Health Organization, Cadernos de Saúde Pública, Ciência e Saúde Coletiva, Revista Brasileira de Epidemiologia, Revista de Saúde Pública e Revista Pan-Americana de Saúde Pública). Estes resumos foram divulgados por meio do site da instituição (www.suprema.edu.br) e do site do hospital-escola da faculdade (www.hmtj.org.br). Os alunos recebiam via e-mail o link para acessar esta página, contendo os resumos e links para os artigos na íntegra. Os temas abordados foram: "associação entre depressão materna e desenvolvimento infantil inadequado em países em desenvolvimento"; "relação entre a emancipação feminina e maior uso do cigarro"; "necessidade de maior atenção farmacêutica com o paciente"; "como prevenir perda funcional em idosos"; "exposições ocupacionais em pintores são associadas com o risco de câncer de pulmão"; "álcool e tabaco são os principais fatores de risco para câncer de cabeça e pescoço"; "organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus malefícios aos seres humanos"; "perigos e facilitadores da automedicação e da polifarmácia doméstica" e"soja como alimento saudável: benefícios e malefícios".

Os pesquisadores passaram por todas as salas envolvidas na pesquisa para avisar aos alunos que a divulgação nos sites iria começar e solicitaram que todos lessem os resumos e artigos.

Após essa divulgação por três meses, foi aplicado um novo questionário com o objetivo de avaliar o impacto dessa intervenção no interesse em Saúde Pública pelos alunos. Esse novo questionário tinha as mesmas perguntas do primeiro, acrescidas de questões sobre a leitura dos resumos elaborados pela equipe de pesquisa.

Os dados dos questionários foram digitados no programa Excel 2007 e analisados no Epi Info (TM) 3.5.1, que é um programa de domínio público disponível gratuitamente na internet. Foram comparadas as proporções de respostas às questões por período e características demográficas, utilizando o teste qui-quadrado para avaliar a significância estatística das diferenças, considerado como significativo p-valor ≤ 0,05. Nestas comparações, as respostas quanto ao grau de interesse foram agregadas em maior (regular + muito) e menor (nenhum + muito pouco + pouco).

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição à qual pertencem os pesquisadores e que é também o local de realização da mesma, com o parecer de nº 241/2011. Todos os participantes assinaram declaração de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

No primeiro inquérito, houve a participação de 303 alunos (68,4% do total matriculado), sendo a maioria do sexo feminino (61,1%). O segundo teve a participação de 301 alunos (68,1% do total matriculado), novamente com maioria de mulheres (58,8%). A participação variou entre os períodos, de 55,6% a 88,3% no primeiro inquérito e de 45,3% a 85,5% no segundo.

Em relação aograu de interesse em pesquisar e obter informações sobre Saúde Pública, a proporção que respondeu muito ou regular foi de 59,8% no primeiro inquérito e de 46,5% no segundo (Tabela 1), diferença estatisticamente significativa (p<0,001). Esta diminuição no interesse geral ocorreu principalmente pela redução nos períodos que participaram de apenas uma das pesquisas (pela mudança nas turmas de um semestre para o outro): o primeiro período relatou 78% de interesse na primeira e 64% na segunda, enquanto ooitavoperíodo relatou 84% de interesse na primeira e 29% na segunda. Não houve diferenças no grau de interesse entre homens e mulheresnem no primeiro inquérito (p=0,976), nem no segundo (p=0,211), mas houve por períodos tanto no primeiro (p<0,001), quanto no segundo inquérito (p<0,001), embora sem um padrão de aumento ou diminuição do interesse ao longo do tempo.

Em relação aos meios de comunicação que os estudantes preferem para buscar informações sobre Saúde Pública, em ambos os inquéritos a internet foi o mais citado, tanto através de bases de dados de Ciências da Saúde (Lilacs e Medline), quanto por endereços eletrônicos leigos. Nesta questão,os estudantes podiam selecionar mais de umaopção (Tabela 2).

A fim de observar se os estudantes utilizam boas fontes de informação para a obtenção de conhecimento sobre Saúde Pública, foi questionado se eles realizavam a leitura de periódicos específicos da área. Verificou-se que apenas a minoria mantinha tal prática (38,6% no primeiro e 28,0% no segundo inquérito); dentre estes, a frequência predominante foi de periodicidade mensal (Tabela 3). Os que relataram maior interesse em Saúde Pública tiveram maior percentual de leitura em comparação aos com menor interesse (47,5% x 25,4%; p<0,001).

Para verificar a intensidade com que a intervenção realizada atingiu os alunos, foi perguntado no segundo questionário se estes ficaram sabendo da realização desta intervenção. Dos 301 alunos que responderam ao segundo inquérito, 49 (16,3%) afirmaram ter tido conhecimento sobre a divulgação, 14 (4,7%) leram os resumos publicados e apenas 3 (1,0%) leram os artigos na íntegra.

DISCUSSÃO

Neste estudo, aproximadamente metade dos estudantes de Medicina teve de regular a grande interesse em temas de Saúde Pública, e este grau de interesse esteve associado a uma frequência maior de leitura de textos sobre o tema, principalmente usando o acesso pela internet, seja a bases de dados em Ciências da Saúde, seja a outras páginas com conteúdos de saúde. Embora estes resultados pareçam indicar que estratégias que utilizem as tecnologias da informação no apoio à divulgação científica em Saúde Pública possam ter grande impacto no acesso à produção da área, não foi o que encontramos nesta pesquisa, provavelmente pelo pouco alcance das estratégias empregadas.

Embora os estudantes de Medicina em geral vejam os conteúdos da Saúde Pública como importantes e relevantes para a área da saúde, eles não costumam considerá-los dentro de seus futuros campos de atuação, por eles percebidos como mais restritos ao diagnóstico e tratamento de doenças12. Eles têm sua visão muito voltada para áreas específicas, preocupando-se mais com disciplinas prioritariamente clínicas. Esse fato acaba tornando o aluno mais focado em aspectos biológicos do processo saúde-doença, sem atentar para o contexto social no qual os pacientes estão inseridos. Essa formação fragmentada é um obstáculo para a consolidação do SUS e para o adequado atendimento à população brasileira9.Os profissionais da saúde devem estar aptos a desenvolver ações de promoção, prevenção, proteção e reabilitação nos níveis individual e coletivo11. Para atingir esse objetivo, o aluno em sua graduação deve perceber a importância da Saúde Pública na construção desse novo olhar.

Atualmente, todos concordam em que os profissionais da saúde devemreconhecer os contextos sociais envolvidos na gênese das doenças,pensando e atuando em seu meio de forma mais crítica e reflexiva, características essas que as várias disciplinas da Saúde Pública costumam valorizar, o que é percebido inclusive pelos próprios estudantes de Medicina13. Portanto,carece de explicações a distância entre sua importância na formação dos futuros profissionais e o interesse e o tempo que estes costumam devotar a seu estudo. Pode-se relacionar o relativamente baixo interesse destes com a abordagem pedagógica tradicional que costuma ser empregada. Embora a maioria não demonstre resistência às disciplinas da área, percebe-se a necessidade de pensar a reformulação curricular e introduzir mudanças de atitudes dos docentes em relação aos processos teórico-reflexivo e crítico desses conteúdos, tendo em vista a eficácia e a eficiência do trabalho dos médicos como acadêmicos e profissionais.Os projetos pedagógicos que incluem metodologias ativas de ensino-aprendizagem podem facilitar esta integração entre a clínica e a Saúde Coletiva, ao enfatizarem a necessidade de incorporação do enfoque epidemiológico, populacional, na compreensão dos vários determinantes do processo saúde-doença, estabelecendo um olhar mais generalista por parte do estudante, despertando, assim, maior familiarização com a Saúde Pública14.

O médico do futuro deve ser capaz de ver a sua profissão em seu verdadeiro contexto sociopolítico,deve ser profissionalmente curioso, investigativo e crítico. Essa capacidade pode ser atingida por meio de um devido conhecimento sobre Saúde Pública. O conhecimento desse tema e seu papel na educação médica parecem particularmente relevantes no contexto político e acadêmico brasileiro, em que as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Medicina permanecem em discussão. Esta abordagem é coerente com os princípios e as inovações do SUS, uma vez que, mesmo 20 anos após sua criação, ainda existe uma discussão antiga entre o favorecimento de excelência técnica em relação à relevância social15.

Uma possível limitação deste estudo diz respeito ao pouco acesso dos estudantes à página da internet utilizada para divulgação dos temas de Saúde Pública. Como apenas 5% deles relataram ter lido os resumos divulgados, a intervenção proposta não foi efetiva, e realmente não houve melhora nos percentuais de interesse.Uma possível explicação para a falta de leitura das divulgações é que, para ter acesso ao artigo divulgado, o aluno teria que percorrer várias etapas: ele recebia em seu e-mail um link para a página, onde havia apenas o resumo, e outro link para o artigo na íntegra.A maior parte dos estudantes relatou utilizar a internet, através de endereços eletrônicos leigos, para buscar informações sobre Saúde Pública. Talvez por esse meio o acesso seja mais prático, e os estudantes costumam dar prioridade à facilidade da busca de informações em detrimento de sua qualidade e validade de suas fontes. Diariamente surgem novas páginas com conteúdos sobre saúde na internet – de indivíduos, instituições, grupos de interesse, associações–, e talvez a maioria das informações não tenha caráter científico.Existem hoje vários conjuntos de critérios nacionais e internacionais para avaliar a qualidade das páginas disponíveis na internet sobre temas de saúde16. A acurácia e a atualidade da informação, juntamente com a credibilidade da fonte, são alguns dos principais critérios.Entretanto,existem outros –como acessibilidade, navegabilidade, arquitetura e interatividade da página –, que, embora não tão importantes quanto os primeiros, podem ser mais valorizados pelos estudantes e outras pessoas em suas escolhas de fontes de informação. Um estudo feito em Lima com estudantes de Medicina mostrou que, embora todos fizessem uso da internet, o tempo destinado para fins acadêmicos era pequeno, e menos da metade o utilizava para acessar as bases de dados em Ciências da Saúde17. A baixa qualidade da maioria dos sites sobre saúde disponíveis na internet, acessados não só por estudantes, mas principalmente pela população em geral, vem levando a propostas de certificação destas páginas, mediante uso de critérios de qualidade18.

Outra possível explicação para o baixo acesso à página da pesquisa na internet é que os temas divulgados talvez não tenham despertado muito interesse nos alunos.Os teóricos das ciências da informação reconhecem que várias barreiras podem dificultar o acesso e a assimilação de informações pelos usuários das tecnologias de informação, cabendo aos divulgadores das informações científicas buscar estratégias que minimizem estas dificuldades – por exemplo, verificando o contexto de uso da informação e a competência cognitiva dos usuários19.Como o valor da informação se vincula a uma realidade específica, ao trabalhar a divulgação de informações em Saúde Pública no contexto de elaboração de projetos de intervenção social, focados em necessidades de saúde de populações reais, poderíamos ampliar simultaneamente a aquisição de conhecimentos pelos profissionais e estudantes envolvidos e o embasamento científico das intervenções propostas.

Outra limitação deste estudo é o percentual de não respondentes, que em alguns períodos chegou a 40%. Não houve recusas a participar da pesquisa: os não respondentes estavam ausentesda sala no momento da aplicação do questionário. As diferenças de participação por período podem ter sido responsáveis pelas diferenças nas respostas a algumas questões. A diferença no interesse relatado entre o primeiro e o segundo inquérito, com redução das respostas de maior interesse, ocorreu por mudanças nas turmas entrevistadas: o primeiro período da segunda pesquisa relatou menor interesse que o da primeira, e o oitavo período da segunda pesquisa também (o primeiro e o oitavo períodos são os que participaram apenas de uma das versões do inquérito). Por outro lado, quase 70% dos estudantes do primeiroaooitavoperíodo participaram da pesquisa, uma população de estudo bastante abrangente e pelo menos quantitativamente representativa do conjunto, e não há razões para supor que os não participantes tenham diferenças importantes em comparação com os participantes em relação ao tema desta pesquisa, já que a não participação foi involuntária.

CONCLUSÃO

A frequência de leitura de textos e artigos sobre Saúde Pública está associada ao interesse que o tema desperta nos estudantes de Medicina. Como cerca de metadedestes estudantes ainda relata pouco interesse na área, existe um grande potencial para aumentar a busca por informações e conhecimentos em Saúde Pública. Dado o domínio que as novas gerações têm das tecnologias de informação e o uso frequente que fazem delas, estratégias que as utilizem poderiam ter eficácia em aumentar a leitura destes conteúdos.

Por outro lado, devem-se utilizar estratégias que facilitem o acesso direto dos alunos às informações que se quer divulgar. Além disso, avaliar os temas de maior interesse dos alunos, pautando-se no potencial de uso efetivo da informação em contextos clínicos ou populacionais, para conseguir maior efetividade emsua divulgação.

O aumento do interesse dos estudantes de Medicinapor temas relacionados à Saúde Pública é de grande importância,uma vez que amplia os conhecimentos dos alunos e torna a sua prática mais voltada para a integralidade, a equidade e as necessidades de saúde da população.

AGRADECIMENTOS

A todos os estudantes que participaram voluntariamente deste estudo e à Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora pelo apoio e financiamento à pesquisa por intermédio dabolsa de monitoria.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Mauro Junqueira de Souza e Bianca Tabet Gonzalez Sampaioparticiparam da elaboração do projeto de pesquisa, aplicação do instrumento de coleta de dados, da construção do banco de informações, da revisão da literatura, da análise e discussão dos resultados e da redação do artigo. Letícia de Castro Martins Ferreira e Mário Círio Nogueira participaram da elaboração do projeto de pesquisa, revisão da literatura, da análise e discussão dos resultados e da redação do artigo.

CONFLITO DE INTERESSES

Declarou não haver.

Recebido em: 17/07/2013

Reencaminhado em: 15/07/2014

Aprovado em: 31/08/2014

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  • ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
    Mauro Junqueira de Souza
    Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora
    Alameda Salvaterra, 200
    Salvaterra – Juiz de Fora
    CEP 36033-003 – MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 2014

    Histórico

    • Aceito
      31 Ago 2014
    • Recebido
      17 Jul 2013
    • Revisado
      15 Jul 2014
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