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Uso de Simuladores para Treinamento de Prevenção de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde

Simulation Training for Prevention of Healthcare Associated-Infections

Resumos

Descrevem-se os resultados de treinamentos de estudantes de graduação e profissionais da saúde em prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde com uso de simuladores. O treinamento foi realizado em cinco módulos: higienização de mãos, prevenção de infecções de corrente sanguínea, prevenção de pneumonia associada a dispositivos respiratórios, prevenção de infecção urinária e biossegurança. Os treinamentos simulados foram aplicados a pequenos grupos de alunos de diferentes períodos da graduação e diversos cursos. Entre maio de 2012 e abril de 2013, 61 estudantes fizeram pelo menos um módulo do curso. O desempenho dos estudantes foi medido por um pré-teste e pós-teste aplicado antes e após cada módulo. O aproveitamento positivo nos módulos de I a V foi de 34,2%, 34%, 40,4%, 28,2% e 42,2%, respectivamente. Não houve diferença estatística significativa, em relação ao aproveitamento positivo, nos cinco módulos, quando analisados os estudantes dos diferentes cursos. Concluiu-se que treinamentos simulados em prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde foram efetivos para aumentar o conhecimento de alunos de graduação em saúde de diferentes cursos e períodos.

Educação Médica; Simulação; Ensino; Educação em Saúde; Infecção/ Prevenção e Controle


This article describes the results of training undergraduate students and health professionals about preventing healthcare-associated infections, with the use of simulators. The training consisted of five modules: hand washing, prevention of bloodstream infections, prevention of pneumonia associated to respiratory devices, prevention of urinary infection and biosecurity. The simulation training was performed with small groups of students at different stages of their degrees and from various courses. The course was taken from May 2012 to April 2013 by 61 students, each following at least one module of the course, and student performance was measured by tests applied before and after each module. The positive improvement rates reported in modules 1 to 5 were: 34.2%, 34%, 40.4%, 28.2% and 42.2% respectively. No statistical difference was found in relation to the positive improvement achieved in all five modules when analyzed in terms of students from different undergraduate programs. In conclusion, the simulation training proved effective in increasing the undergraduate students’ understanding of prevention of healthcare associated-infections.

Medical Education; Simulation; Teaching; Health Education; Infection/ Prevention and Control


INTRODUÇÃO

As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (Iras), principalmente as adquiridas no ambiente hospitalar, são consideradas, mundialmente, um problema de saúde pública e estão entre as principais causas de mortalidade, aumento no tempo de internações, elevação dos custos hospitalares e desconforto vivenciado pelo paciente e sua família, com estimativas de cerca de 1,7 milhão de casos por ano em 2002 nos Estados Unidos1Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios Diagnósticos de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília: Anvisa, 2013. [Série Segurança do Paciente e Qualidade dos Serviços de Saúde],2Klevens RM, Edwards JR, Richards CL, Horan TC, Gaynes RP, Pollock DA, et al. Public Health Reports- Center for Diseases for Control-USA 2007; 122:160-166..As Iras podem também ser relacionadas com procedimentos realizados em ambulatórios, consultórios e outras unidades de atendimento à saúde. Entre os tipos mais comuns, destacam-se as infecções relacionadas a cateteres intravasculares, pneumonias relacionadas a dispositivos inalatórios e ventilação mecânica, infecções do trato urinário (ITUs) associadas ao uso de cateteres vesicais e cuidados com ostomias1Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios Diagnósticos de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília: Anvisa, 2013. [Série Segurança do Paciente e Qualidade dos Serviços de Saúde],3Center for Diseases Control. Surveillance Definitions for Specific Types of Infections. USA; 2014.. Dados do Estado de São Paulo de 2008 indicam, por exemplo, uma mediana da incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica de 16,25 casos por mil dias de uso de ventilador em UTI de adultos1Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Critérios Diagnósticos de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília: Anvisa, 2013. [Série Segurança do Paciente e Qualidade dos Serviços de Saúde].

Várias medidas são relatadas com o intuito de reduzir as taxas de Iras nos diferentes tipos de instituição de saúde, por meio de recomendações específicas e guidelines4Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à assistência à saúde. Brasília: Anvisa, 2013. [Série Segurança do Paciente e Qualidade dos Serviços de Saúde],5Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L. Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee, 2007. Guideline for Isolation Precautions: Preventing Transmission of Infectious Agents in Healthcare Settings. [Acesso em: 08 jan. 2014]. Disponível em: http://www.cdc.gov/ncidod/dhqp/pdf/isolation2007.pdf.
http://www.cdc.gov/ncidod/dhqp/pdf/isola...
. De forma geral, são combinadas várias estratégias, como treinamento de equipes, implantação e manutenção de programas de controle de Iras, realização de checklists para inserção e manipulação de dispositivos invasivos, comunicação entre equipes por meio de mensagens eletrônicas e de redes de computadores internas, e adoção de pacotes de medidas para redução de Iras. Na maior parte das recomendações, destaca-se a higienização de mãos como um dos principais fatores de sucesso. Embora esse método tenha sido relatado há quase dois séculos, a adesão por profissionais de saúde ainda é baixa6Allegranzi B, Gayet-Ageron A, Damani N, Bengaly L, McLaws ML, Moro ML, et al. Global implementation of WHO’s multimodal strategy for improvement of hand hygiene: a quasi-experimental study. Lancet Infect Dis. 2013;13(10):843-51..

Dentre as estratégias empregadas no treinamento de equipes, o uso de simuladores na educação vem se destacando nos últimos anos. Em várias áreas do conhecimento, já é possível verificar bons resultados com sua utilização, pois esse método de ensino serve de meio motivacional, organizador prévio e facilitador de entendimento, muito mais significativamente do que as representações que se busca fazer no quadro-negro7Heckler V, Saraiva MD, Oliveira F. Uso de simuladores, imagens e animações como ferramentas auxiliares no ensino/aprendizagem de óptica. Revista Brasileira de Ensino de Física 2007; 29(2):267-273.,8Mendes MA. Ferramentas Virtuais na Educação Tecnológica à distância: o caso dos laboratórios virtuais e softwares de simulação. Florianópolis; 2001. Mestrado [Dissertação] - Universidade Federal de Santa Catarina.. Segundo revisão de literatura realizada por Lynagh et al.9Lynagh M, Burton R, Sanson-Fisher R. A systematic review of medical skills laboratory training: where to from here? Med Educ. 2007; 41(9):879-87., mais de 70% dos estudos mostraram que o treino com simuladores aumentou as habilidades e o desempenho nos procedimentos médicos, em comparação aos estudos em que não houve o treinamento. No ambiente protegido da simulação, o estudante tem a oportunidade de reconhecer as lacunas de seu conhecimento, desenvolver novas fundamentações cognitivas e aprimorar suas capacidades de intervenção1010 Varga CR, Almeida VC, Germano CMR, Melo DG, Chachá SGF, Souto BGA, et al. Relato de experiência: o uso de simulações no processo de ensino-aprendizagem em medicina. Revista Brasileira de Educação Médica 2009; 33(2):291-297.,1111 Elias FP, Schmidt A, Pazin-Filho A. Adherence and Perceptions Regarding Simulation Training in Undergraduate Health Sciences. Revista Brasileira de Educação Médica 2010; 34(4):549-553.. Além disso, pode experimentar novos conceitos e ideias que estariam além das possibilidades de se testar na prática; e verificar o funcionamento de algum sistema real em um ambiente similar, virtual ou não, considerando a variabilidade do sistema e demonstrando o que acontecerá na realidade de forma dinâmica8Mendes MA. Ferramentas Virtuais na Educação Tecnológica à distância: o caso dos laboratórios virtuais e softwares de simulação. Florianópolis; 2001. Mestrado [Dissertação] - Universidade Federal de Santa Catarina., como é o caso do uso de simuladores para ensino de técnicas cirúrgicas de videolaparoscopia. Isto auxilia na prevenção de futuros problemas ou perdas, possibilitando a interferência dos instrutores com maior agilidade e dinamismo, o que permite trabalhar tópicos críticos com mais facilidade.

Entretanto, poucos estudos na literatura médica discutem o uso de simuladores na assistência em saúde1212 Brailsford SC, Harper PR, Patel B, Pitt M. An Analysis of the Academic Literature on Simulation and Modelling in Health Care. Journal of Simulation 2009; 3(3):130-140.,1313 Eldabi T, Paul RJ, Young T. Simulation Modelling in Healthcare: Reviewing Legacies and Investigating Futures. Journal of the Operational Research Society 2007; 58 (2):262-270., especialmente em se tratando de prevenção de Iras1414 D’Alessandro D, Agodi A, Auxilia F, et al.Prevention of healthcare associated infections: Medical and nursing students’ knowledge in Italy, Nurse Educ Today 2014; 34(2):191-195.,1515 Hagtvedt R, Griffin PM, Keskonocak P. A Simulation Model to Compare Strategies for the Reduction of Health-Care-Associated Infections. Interface 2009; 39(3):256-270.,1616 Mikkelsen J, Reime MH, Harris AK. Nursing students learning of managing cross infections – Scenario-based simulation training versus study groups. Nurse Educ Today 2008; 28(6):664-671.. Ainda assim, essa pequena quantidade abrange, em geral, tópicos bem específicos, como cateteres intravasculares1717 Barsuk JH, Cohen ER, Feinglass J, McGaghie WC, Wayne DB. Use of simulation-based education to reduce catheter-related bloodstream infections. Arch Intern Med. 2009; 10;169(15):1420-3.

18 Burden AR, Torjman MC, Dy GE, Jaffe JD, Littman JJ, Nawar F, et al. Prevention of central venous catheter-related bloodstream infections: is it time to add simulation training to the prevention bundle? J Clin Anesth 2012; 24(7):555-60.

19 Cohen ER, Feinglass J, Barsuk JH, Barnard C, O’Donnell A, McGaghie WC, et al. Cost savings from reduced catheter-related bloodstream infection after simulation-based education for residents in a medical intensive care unit. Simul Healthc 2010; 5(2):98-102.
-2020 Ramritu P, Halton K, Cook D, et al. Catheter-related bloodstream infections in intensive care units: a systematic review with meta-analysis. J Adv Nurs 2008; 62(1):3-21., lavagem de mãos2121 Helder OK, Latour JM. Undergraduate nurse students’ education in infection prevention: is it effective to change the attitude and compliance with hand hygiene? (2010) Nursing in critical care 2010; 15(1):39-40. e cateteres vesicais2222 Fakih MG, Greene MT, Kennedy EH, et al. Introducing a population-based outcome measure to evaluate the effect of interventions to reduce catheter-associated urinary tract infection, American Journal of Infection Control 2012; 40(4): 359-364..

Avaliar de forma objetiva o aprendizado de medidas de prevenção e controle de Iras, abordando todos os seus aspectos e não apenas tópicos específicos, utilizando como metodologia o treinamento em simuladores, pode contribuir para reduzir as taxas de infecção, tornando-se, portanto tópico de extrema importância.

MATERIAL E MÉTODOS

Este é um estudo prospectivo, descritivo das atividades de ensino do Laboratório de Ensino em Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (LPEC Iras). O laboratório foi criado em setembro de 2011, sendo uma ação de extensão oficial da Universidade Federal Fluminense (UFF), vinculada à Faculdade de Medicina.

A proposta do laboratório é realizar treinamento de alunos da graduação em saúde de todos os períodos e profissionais de saúde, visando à prevenção e ao controle de Iras, utilizando simuladores, além de criar e fabricar equipamentos simuladores de baixo custo que possam ser usados em diferentes cenários da saúde (desde a Atenção Básica até a de alta complexidade).

Os treinamentos foram realizados da seguinte forma: grupos pequenos de alunos por módulo, de diferentes áreas da saúde, com realização de pré e pós-testes para nivelamento dos conhecimentos e dinâmica dos treinamentos direcionada para as especificidades dos alunos conforme sua área de atuação e trabalho. Os temas foram abordados em módulos semanais divididos em: (1) higienização das mãos e cuidado com ostomias; (2) prevenção de infecções relacionadas a cateteres intravasculares; (3) prevenção de pneumonias relacionadas à ventilação mecânica; (4) prevenção de ITU associadas a cateteres vesicais e Iras em ambientes não hospitalares; (5) biossegurança. Os alunos fizeram cinco pré e pós-testes antes e depois de cada módulo, e os resultados foram comparados em relação a variáveis como sexo, curso e período da graduação em que o aluno se encontrava no momento da realização de cada módulo, por meio do programa estatístico SPSS versão 21. Para fins de comparação dos dados obtidos pelo aproveitamento positivo nos testes, foi utilizado o teste de Wilcoxon Sum of Ranks (Mann Whitney) e considerado p < 0,05 como valor de significância estatística.

A divulgação do curso foi realizada através da página eletrônica oficial da UFF, por cartazes, e-mail e página de rede social do laboratório, criada para divulgação das atividades e inserção de conteúdo pertinente. O curso foi oferecido gratuitamente a estudantes de graduação em saúde de todos os períodos e aos profissionais de saúde pertencentes ou não à instituição. Foi enviado material didático para complementação teórica dos assuntos discutidos a todos os alunos, por via eletrônica. A elaboração e a criação do material ficaram a cargo dos alunos monitores sob a supervisão do professor responsável pelo LPEC Iras.

O estudo foi aprovado por comitê de ética em pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro, sob o parecer 447.136 de 1/11/2013.

RESULTADOS

Participaram dos treinamentos 61 alunos do módulo I, 52 do módulo II, 49 do módulo III, 47 do módulo IV e 46 do módulo V. No total, participaram 62 alunos diferentes, sendo 18 (29%) graduandos de Medicina, 37 (59,7%) graduandos de Enfermagem, 4 (6,5%) graduandos de Biomedicina, 1 (1,6%) graduanda de Medicina Veterinária. Dois (3,2%) eram profissionais formados em Enfermagem. Quanto à instituição de origem, 50 (80,6%) eram oriundos da UFF e 12 (19,4%) de outras instituições de ensino superior (todas particulares).

Os percentuais de acertos para o pré-teste nos módulos de I a V foram 55,3%, 50,8%, 51,1%, 66,5% e 53%, respectivamente. Após a realização do pós-teste, verificamos os seguintes percentuais de acertos para os mesmos módulos: 89,6%, 84,8%, 90,9%, 93,7% e 93,1%, respectivamente. Já em relação ao aproveitamento positivo (percentual de melhora após o pós-teste), verificamos os seguintes resultados: 34,3%, 34%, 40,5%, 28,2% e 42,2% para os módulos de I a V, respectivamente.

Os módulos foram analisados individualmente em relação ao aproveitamento conforme sexo, curso e período na graduação do aluno por ocasião da realização do módulo (Tabelas de 1 a 5).

TABELA 1
Aproveitamento positivo do módulo I – Higienização de mãos – LPEC-Iras-UFF (maio de 2012 a abril de 2013)

TABELA 5
Aproveitamento positivo do módulo V – Biossegurança –LPEC-Iras-UFF (maio de 2012 a abril de 2013)

DISCUSSÃO

A estratégia de utilizar situações simuladas ou simuladores como uma ferramenta de aprendizagem é empregada por diversas áreas do conhecimento, como indústrias aeroespaciais, organizações militares, empresas comerciais e medicina9Lynagh M, Burton R, Sanson-Fisher R. A systematic review of medical skills laboratory training: where to from here? Med Educ. 2007; 41(9):879-87.,2323 Issenberg SB, Gordon MS, Gordon DL, Safford RE, Hart IR. Simulation and new learning technologies. Med Teach 2001;16:16–23.. Na área médica, estudos seminais de Barrows2424 Barrows HS, Abrahamson S. The programmed patients: a technique for appraising student performance in clinical neurology. J Med Educ. 1964; 39: 802-5., usando simulações para o ensino de Neurologia, e de Denson e Abrahamson2525 Denson JS, Abrahamson S. A computer-controlled simulator. JAMA 1969;208:504-8., que utilizaram simuladores para o aprendizado de residentes em Neurologia, já mostravam o potencial desta técnica.

Desde então, diversas escolas médicas, nacionais e internacionais, vêm incorporando paulatinamente, ao longo dos últimos 40 anos, as simulações como parte dos currículos, para o treinamento tanto de graduandos, como de residentes e pós-graduandos1010 Varga CR, Almeida VC, Germano CMR, Melo DG, Chachá SGF, Souto BGA, et al. Relato de experiência: o uso de simulações no processo de ensino-aprendizagem em medicina. Revista Brasileira de Educação Médica 2009; 33(2):291-297.,1111 Elias FP, Schmidt A, Pazin-Filho A. Adherence and Perceptions Regarding Simulation Training in Undergraduate Health Sciences. Revista Brasileira de Educação Médica 2010; 34(4):549-553., 2626 Sam J, Pierse M, Al-Qahtani A, Cheng A. Implementation and evaluation of a simulation curriculum for pediatric residency programs including just-in-time in situ mock codes. Pediatric Child Health. 2012;17(2):e16-20.

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28 Mittal MK, Dhuper S, Sohal H. Simulation-based training to improve patient care. Arch Intern Med. 2010; 25;170(2):212-3.
-2929 Konia M, Yao A. Simulation-a new educational paradigm? J Biomed Res. 2013;27(2):75-80..

Em relação ao fundamento teórico, os treinamentos simulados permitem a troca de experiências entre os treinandos e a situação que vivenciam, possibilitando controlar fatores externos, repetir a situação em caso de insucesso inicial, verificar as oportunidades de melhora e trocar de experiência com o facilitador ou orientador. Também permitem que o treinando adquira confiança para a vivência real3030 Curran VR, Butler R, Duke P, Eaton WH, Moffatt SM, Sherman GP, Pottle M. Evaluation of the usefulness of simulated clinical examination in family-medicine residency program. Med Teach 2007;29(4):406-7..

Dentre as diversas áreas do conhecimento médico, os núcleos e programas de prevenção e controle de infecções relacionadas à assistência à saúde também vêm incorporando as simulações para melhorar a compreensão do assunto e contribuir para a redução de taxas de infecção. Barsuk et al.1717 Barsuk JH, Cohen ER, Feinglass J, McGaghie WC, Wayne DB. Use of simulation-based education to reduce catheter-related bloodstream infections. Arch Intern Med. 2009; 10;169(15):1420-3., a despeito da limitação do estudo, demonstraram resultados favoráveis para redução de taxas de infecções de corrente sanguínea relacionadas a cateter venoso central quando realizaram treinamento sistematizado com uso de simulações para internos e residentes de Medicina. Khouli et al.3131 Khouli H, Jahnes K, Shapiro J, Rose K, Mathew J, Gohil A, et al. Performance of medical residents in sterile techniques during central vein catheterization: randomized trial of efficacy of simulation-based training. Chest. 2011;139(1):80-7., que usaram treinamentos simulados com residentes objetivando reduzir taxas de infecção de corrente sanguínea associadas à inserção de cateteres, obtiveram resultados positivos na redução das taxas.Recentemente, o Departamento de Saúde e Serviço Humano do governo norte-americano disponibilizou, em sua página oficial, vídeos com simulações de situações relacionadas a temas como: trabalho em equipe, comunicação, higienização de mãos, vacinação contra a gripe e inserção de dispositivos invasivos3232 Farley JE, Doughman D, Jeeva R, Jeffries P, Stanley JM. Department of Health and Human Services releases new immersive simulation experience to improve infection control knowledge and practices among health care workers and students. Am J Infect Control. 2012;40(3):258-9..

O presente estudo é o primeiro em nível nacional que utilizou treinamentos simulados voltados para a prevenção e controle de infecções relacionadas à assistência à saúde, envolvendo os aspectos mais relevantes e de maneira global, não direcionada somente a temas específicos, como, por exemplo, aquisição de competência para realização de técnicas cirúrgicas3333 Singer BD, Corbridge TC, Schroedl CJ, Wilcox JE, Cohen ER, McGaghie WC, Wayne DB. First-year residents outperform third-year residents after simulation-based education in critical care medicine. Simul Healthc. 2013;8(2):67-71..

Verificamos que a estratégia utilizada pelo laboratório de ensino em treinar pequenos grupos de alunos, de diferentes períodos da graduação e de forma integrada, foi bem-sucedida, conforme os resultados de aproveitamento positivo verificados em todos os módulos.

A análise de cada módulo em relação às variáveis sexo, curso e período da graduação mostrou estatisticamente que a mistura dos alunos não comprometeu o bom aproveitamento verificado por meio do percentual de acerto nos pós-testes. As únicas associações estatisticamente positivas foram encontradas no módulo III – prevenção de pneumonias associadas a dispositivos inalatórios e à ventilação invasiva – em relação à variável sexo e período na graduação de realização do curso. Acreditamos que este resultado específico seja uma limitação do estudo, em virtude do número de alunos envolvidos. De qualquer forma, enfatiza a necessidade de abordar este tópico específico com maior intensidade em treinamentos futuros para alunos do sexo masculino e que estejam acima do quarto período da graduação. Em relação ao período da graduação, também verificamos estatisticamente melhor aproveitamento de alunos abaixo do quarto período para o módulo relacionado à prevenção de infecções urinárias associadas a cateter vesical.

Outro aspecto não abordado pelo estudo e que futuramente será objeto de análise é verificar a retenção do conhecimento em longo prazo. Quando nos referimos a Iras, este conhecimento deve necessariamente ser aplicado no dia a dia, sob risco de aumento das taxas de infecção e disseminação de doenças infecciosas nos serviços de assistência à saúde. Lynagh et al.9Lynagh M, Burton R, Sanson-Fisher R. A systematic review of medical skills laboratory training: where to from here? Med Educ. 2007; 41(9):879-87., em revisão sistemática sobre as habilidades médicas adquiridas em treinamentos simulados, mostraram que poucos estudos verificaram especificamente este item. Outra meta-análise, realizada por Cook et al.3434 Cook DA, Bryges R, Zendejas B. Technology-Enhanced Simulation to Assess Health Professionals: A Systematic Review of Validity Evidence, Research Methods, and Reporting Quality. Acad Med. 2013;88:872–883.,apontou que a maioria dos estudos sobre treinamentos simulados focaliza temas específicos, como cirurgia, anestesiologia ou endoscopias, reforçando a necessidade de realizar mais estudos e com melhor metodologia.

O aproveitamento semelhante dos alunos permite inferir que o treinamento pode ser replicado em outras instituições de ensino, com o objetivo de aprimorar a aquisição deste conhecimento específico e possivelmente de tema correlatos.

Outra característica dos treinamentos foi a possibilidade de adaptação turma a turma conforme o perfil dos alunos, levando-se em consideração as especificidades de cada grupo. Assim, apesar de haver um norte para cada módulo, esta flexibilidade é importante para permitir o máximo de aproveitamento de cada pessoa.

A estratégia de treinamentos simulados requer relativamente poucos recursos financeiros e pode ser empregada para a prática de diversos cenários de atenção à saúde (primária, secundária, terciária e reabilitação).

A intensa procura pelo curso também mostra a necessidade da inclusão do tema nos currículos da área da saúde, de forma a contemplar aspectos não abordados, como as infecções relacionadas à assistência à saúde.

CONCLUSÕES

Concluímos que os treinamentos sobre infecções relacionadas à assistência à saúde utilizando simuladores para pequenos grupos de alunos da graduação em saúde e de diferentes períodos apresentaram resultados positivos na aquisição de conhecimento imediatamente após sua realização. A estratégia pode ser uma ferramenta útil para a troca de saberes a respeito de infecções relacionadas à assistência à saúde, contribuindo para reduzir suas taxas nos diversos níveis de assistência.

TABELA 2
Aproveitamento positivo do módulo II – Prevenção de infecções relacionadas a cateteres venosos intravasculares – LPEC-Iras-UFF (maio de 2012 a abril de 2013)

TABELA 3
Aproveitamento positivo do módulo III – Prevenção de pneumonias associadas a dispositivos inalatórios e ventilação invasiva – LPEC-Iras-UFF (maio de 2012 a abril de 2013)

TABELA 4
Aproveitamento positivo do módulo IV – Prevenção de infecções urinárias associadas a cateter vesical– LPEC-Iras-UFF (maio de 2012 a abril de 2013)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2014
  • Aceito
    15 Out 2014
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