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Movimento “Carta Verde” como Transformador da Realidade da Formação em Saúde

The “Green Letter” Movement as a Transformative Agent for Health Care Training

RESUMO

Diante da necessidade da formação voltada para o trabalho em equipe e o desenvolvimento de discussões e construções coletivas nos campos de saberes, estudantes e docentes das diversas áreas da saúde da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul criaram uma proposta de mobilização em busca de uma formação interdisciplinar. O produto final dessa mobilização culminou na criação, pelos estudantes, de uma Carta de Intenções – denominada “Carta Verde” – para mudanças curriculares voltadas à formação interprofissional. Esse nome representa a liberdade e a saúde, no intuito de que, juntas, todas as profissões possam se complementar e produzir saúde desde sua formação. Além disso, horários “verdes” para a participação de projetos, criação de coletivos em saúde e discussões entre as diversas áreas do conhecimento são estratégias para otimizar a formação em equipe dos futuros profissionais. O produto dessa carta pode induzir mudanças curriculares mais efetivas e concretas no que diz respeito à formação interprofissional segundo as atuais necessidades do Sistema Único de Saúde do nosso país.

Ensino; Saúde; Prática Profissional; Educação Médica

ABSTRACT

Considering the need for teamwork-focused training and the development of discussions and collective constructions in the fields of knowledge, a proposal that seeks to mobilize interdisciplinary training was created by students and teachers from different health courses of the Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. The end product of this initiative culminated in the creation of a Letter of Intent for curricular changes focused on interprofessional education, called “Carta Verde” or “Green Letter”. This name represents freedom and health, with the intention that together all the professions can complement each other and produce health from training onwards. Furthermore, “green” schedules for participation in projects, creating collective health and discussions between the various areas of knowledge are strategies that can optimize the training of future professional staff. The product of this letter may lead to more effective and specific curricular changes to interprofessional education in accordance with the current needs of the Health System in Brazil.

Education; Health; Professional Practice; Medical Education

O TRABALHO EM EQUIPE NA REALIDADE ACADÊMICA

As exigências do mercado de trabalho, as diretrizes curriculares e a reorientação da assistência no âmbito da saúde exigem o aperfeiçoamento profissional frente ao processo de trabalho, por meio da qualificação de habilidades e competências para atender às necessidades da população11. Costa RKS, Miranda FAN. Formação profissional no SUS: oportunidades de mudanças na perspectiva da estratégia de saúde da família. Trab. educ. saúde [online]. 2008;6(3):503-518. ISSN 1981-7746..

No Brasil, o setor da saúde tem passado por constantes crises, e novos modelos assistenciais e de trabalho em equipe interdisciplinar têm sido implantados como propostas organizacionais das práticas de saúde para melhor atender às necessidades dos usuários, quanti e qualitativamente22. Araujo MBS, Rocha PM. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciência saúde coletiva [online]. 2007;12(2):455-464. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-T81232007000200022&lng=en&nrm=iso>.
http://www.scielosp.org/scielo.php?scrip...
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Atualmente, o Ensino Interprofissional em Saúde é a principal estratégia de formação para que profissionais se tornem aptos a desenvolver o trabalho em equipe, prática essencial à integralidade no cuidado em saúde, que é compreendida por uma visão sócio-histórico-cultural, que ressalta a integralidade do cuidado, com a equipe de saúde atuando de maneira interdisciplinar33. Peduzzi M, Carvalho B, Mandú ENT, Souza GC, Silva JAM. Trabalho em equipe na perspectiva da gerência de serviços de saúde: instrumentos para a construção da prática interprofissional. Physis: Revista de Saúde Coletiva 2011; 21(2):629-646.,44. Batista NA. Educação Interprofissional em Saúde: Concepções e Práticas. Caderno FNEPAS. 2012;2:25-28.. Com base neste conceito, que considera o processo saúde-doença e reconhece a importância da multiprofissionalidade no cuidado, percebe-se o rompimento da visão puramente biomédica da saúde, centrada na doença.

Nesta realidade, o Ministério da Educação, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), vem incentivando a reorganização dos cursos de graduação da área de saúde, oferecendo cooperação técnica, operacional e financeira, mediante projetos e programas, para que a academia possa fazer um trabalho articulado com a gestão e os serviços públicos de saúde55. Brasil. Ministério da Educação. Lei nº 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); 1996.. Com isso, há incentivo à integração conceituada e esperada no trabalho em equipe interprofissional. Graças a um cenário de troca de experiências, saberes e posição de respeito à diversidade, é possível exercitar práticas transformadoras e inovadoras, de cooperação, parcerias na construção de projetos, de diálogo e de interação dos membros44. Batista NA. Educação Interprofissional em Saúde: Concepções e Práticas. Caderno FNEPAS. 2012;2:25-28..

No âmbito da academia, as atividades que envolvem as diversas categorias profissionais muitas vezes se restringem a projetos e programas, sendo os momentos teórico-práticos da formação restritos á individualidade dos núcleos de saberes.

O MOVIMENTO CARTA VERDE

Mediante a necessidade de formação voltada ao trabalho em equipe e ao desenvolvimento de discussões e construções coletivas nos campos de saberes, uma proposta de mobilização em busca de uma formação interdisciplinar foi criada por estudantes e docentes das diversas áreas da saúde da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul durante o III Encontro Estadual do PET-Saúde, ocorrido em dezembro de 2012 naquele Estado.

O produto final desse evento culminou na criação, pelos estudantes, de uma Carta de Intenções – denominada “Carta Verde” – para mudanças curriculares voltadas à formação interprofissional. A Carta Verde tem esse nome justamente porque essa cor simboliza a liberdade e a saúde, no intuito de que, juntas, todas as profissões possam se complementar e produzir saúde desde sua formação. Além disso, horários “verdes” para a participação de projetos, criação de coletivos em saúde e discussões entre as diversas áreas do conhecimento são estratégias que podem otimizar a formação em equipe dos futuros profissionais.

O conteúdo dessa carta encontra-se a seguir.

A “Carta Verde”

Considerando:

  • – a necessidade da ampliação do olhar voltado ao processo saúde-doença e às demandas do usuário/paciente;

  • – a crescente fragmentação do conhecimento;

  • – a presença predominante da desatualizada metodologia de ensino baseada na transmissão do conhecimento;

  • – a formação universitária que muitas vezes aborda as políticas públicas como conteúdo teórico e descontextualizado, com pouca ou nenhuma discussão coletiva;

  • – os trâmites burocráticos como obstáculo às práticas interdisciplinares que fomentam o trabalho em equipe;

  • – o incentivo das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação da Saúde;

  • – as competências e habilidades profissionais necessárias à prática do cuidado integral e humanizado;

  • – o reconhecimento da importância da multiprofissionalidade no cuidado como caráter substitutivo da visão estritamente biomédica da saúde.

Nós, discentes dos cursos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, reconhecemos a necessidade e apresentamos o “Movimento Carta Verde”, que visa ao incentivo à integração de práticas interdisciplinares e de trabalho em equipe entre os cursos de graduação, priorizando os cenários de troca de experiências, de saberes e posição de respeito à diversidade.

Os objetivos desta integração visam exercitar práticas transformadoras e inovadoras, de cooperação, diálogo e parcerias na construção de projetos, além da interação dos membros a partir de um novo “agir em saúde”, na perspectiva da formação de profissionais aptos ao exercício da atenção integral e humanizada.

Reconhecemos que estar apto a trabalhar em equipe torna o indivíduo preparado a realizar discussão conjunta, onde os profissionais estabelecem relações horizontais e discutem condutas e a melhor maneira de praticar o cuidado no âmbito individual e coletivo.

Acreditamos que práticas interdisciplinares auxiliam na formação de profissionais comprometidos com novas metodologias de ensino e trabalho em saúde, resultando na quebra de paradigmas e preconceitos sociais ainda existentes. Além disso, o trabalho em equipe estimula o aprimoramento do senso comum e a formação profissionais alinhados às necessidades do SUS e de seus usuários.

Esta proposta se baseia na ideia de que o ensino interprofissional em saúde é, atualmente, a principal estratégia de formação para que profissionais se tornem aptos a desenvolver o trabalho em equipe, prática essencial para a integralidade no cuidado.

Nossa reivindicação se apoia no crescimento das práticas e construção do trabalho interdisciplinar, incitando nos acadêmicos e cidadãos o compromisso ético-político com o sistema de saúde e a reflexão sobre seus limites e potencialidades, a fim de protagonizar a construção e transformação das práticas sociais, além de discutir e integrar o ensino e o serviço.

Baseados nestes pressupostos, solicitamos mudanças curriculares que viabilizem projetos e horários para a integração multiprofissional. Esta medida visa aprimorar a formação voltada para o modelo generalista de atuar, protagonizar e produzir saúde, preconizado pelas políticas públicas e que corresponde às necessidades reais dos usuários.

Campo Grande, 6 de dezembro de 2012.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação acadêmica ainda peca por formar profissionais não aptos a trabalhar em equipe, pois, mesmo ensinando a teoria das políticas públicas de saúde, as práticas na academia não são integrativas, havendo pouca ou nenhuma discussão coletiva. Para que o trabalho em equipe dê certo, cada profissão deve se conscientizar dos deveres do grupo, saber traçar o perfil epidemiológico da população em questão, dividir responsabilidades, traçar metas, além da prática do respeito e horizontalização dos integrantes.

O produto dessa carta pode ser indutor de mudanças curriculares mais efetivas e concretas no que diz respeito à formação interprofissional, voltada à visão integral, ao trabalho em equipe e à construção e execução de saberes coletivos, segundo as atuais necessidades do Sistema Único de Saúde do nosso país.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Costa RKS, Miranda FAN. Formação profissional no SUS: oportunidades de mudanças na perspectiva da estratégia de saúde da família. Trab. educ. saúde [online]. 2008;6(3):503-518. ISSN 1981-7746.
  • 2
    Araujo MBS, Rocha PM. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciência saúde coletiva [online]. 2007;12(2):455-464. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-T81232007000200022&lng=en&nrm=iso>.
    » http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-T81232007000200022&lng=en&nrm=iso>
  • 3
    Peduzzi M, Carvalho B, Mandú ENT, Souza GC, Silva JAM. Trabalho em equipe na perspectiva da gerência de serviços de saúde: instrumentos para a construção da prática interprofissional. Physis: Revista de Saúde Coletiva 2011; 21(2):629-646.
  • 4
    Batista NA. Educação Interprofissional em Saúde: Concepções e Práticas. Caderno FNEPAS. 2012;2:25-28.
  • 5
    Brasil. Ministério da Educação. Lei nº 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2013
  • Aceito
    19 Ago 2014
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