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Aprendizagem Híbrida na Educação Médica: uma Revisão Sistemática

Blended Learning in Medical Education: a Systematic Review

RESUMO

A Aprendizagem Híbrida vem sendo considerada importante na educação médica, mas ainda não está estabelecido quando e qual a melhor forma de incorporá-la. Realizamos uma revisão sistemática sobre o tema, do período de janeiro de 2000 a outubro de 2013. A maioria dos artigos foi publicada nos últimos cinco anos e constitui relatos de experiências de curta duração, na graduação, em áreas clínicas, apresentando ampla diversidade de métodos instrucionais e apresentações, bem como de processos de avaliação de eficácia e de resultados, em geral, limitados à avaliação da reação dos alunos e da aprendizagem. Até o momento, não se pode afirmar que a Aprendizagem Híbrida supere o ensino presencial, assim como não é possível esclarecer muitas das questões ainda em aberto sobre o seu uso na educação médica. É necessário difundir o conceito de Aprendizagem Híbrida para além da simples incorporação de tecnologias no ensino presencial, bem com desenvolver agendas de pesquisa especificamente para esta modalidade de ensino, no sentido de definir sua real contribuição, assim como métodos instrucionais mais adequados aos diversos cenários e demandas do ensino médico.

Aprendizagem Híbrida; Educação Médica; Revisão Sistemática

ABSTRACT

Blended learning has been increasingly considered as important in medical education, however, it has not yet been established when and how best to incorporate it. We performed a systematic review on the topic, in the period from January 2000 to October 2013. Most of the articles were published in the last five years and are reports of short term experiences in clinical areas of medical courses, showing a wide variety of instructional methods and presentations, as well as of evaluation processes of efficacy and results, mostly limited to the evaluation of student reaction and learning. It is not yet possible to say whether Blended Learning is better than face-to-face education, neither is it possible to clarify many of the issues still open about its use in medical education. It is necessary to spread the concept of Blended Learning, beyond the simple incorporation of technologies into face-to-face education. We also need to develop research agendas specifically for this learning modality in order to define its real contribution, as well as the most appropriate instructional methods for the various scenarios and demands of medical education.

Blended Learning; Medical Education; Systematic Review

INTRODUÇÃO

Em função da natureza da prática médica e das competências a serem adquiridas pelos alunos, não é possível pensar em um ensino exclusivamente a distância11. Ellaway R, Masters K. AMEE Guide 32: e-Learning in medical education. Part1. Medical Teacher.2008;30:455-473.. Além disso, os alunos costumam encarar as tecnologias da informação e comunicação (TIC) como complemento e não como substitutas do ensino presencial22. Sandars J. It appeared to be a good idea at the time but...Med Teacher.2011;33:265-267.. No entanto, introduzir atividades a distância no ensino médico pode ser adequado em muitas situações, tais como quando o aluno estiver fora do campus da universidade, em ambientes de Atenção Primária11. Ellaway R, Masters K. AMEE Guide 32: e-Learning in medical education. Part1. Medical Teacher.2008;30:455-473., ou para integrar disciplinas dos ciclos básico e clínico33. Stern S. Computer-Assisted Medical Education. Perspect Biol Med.2008;51(1):22-30. ou, ainda, para integrar teoria e prática44. Choules AP. The use of eLearning in medical education. Post grad Med J. 2007; 83:212-216..

Além disso, o ensino de muitas disciplinas, tais como Anatomia e Histologia, enfrenta dificuldades, com a indisponibilidade de material in vivo55. Shaffer K. Becoming a Physician. New Engl J Med. 2004; 351(13):1279-1281., assim como, por questões éticas, não mais se admite treinamento de procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos invasivos em pacientes66. Buhre W. Technology, education, training and information systems. Curr Opin Anesthesiol.2011;24:649-650., ou existem dificuldades para realizar treinamento em procedimentos clínicos (anamnese e exame físico) pelo grande volume de alunos77. Lim ECH, Oh VMS, Koh DR, Seet RCS. Harnessing the IT Factor in Medical Education. Am AcadMed Singapore.2008; 37:1051-1054.. Nem sempre o cenário prático adequado para o ensino do raciocínio clínico está disponível no momento em que se faz necessário no currículo88. Debolt D. Can Virtual Patients Help Real Professors Teach Medicine? The Chron Higher Educ.2008; 55:16., além de requerer contato estreito e frequente do professor com vários pequenos grupos de alunos. Neste contexto, ferramentas digitais podem ser úteis, oferecendo conteúdo a ser estudado, bem como promovendo a comunicação entre professores e alunos em horário e lugar da conveniência de cada um, ou seja, permitindo simultaneamente estudo independente e comunicação assíncrona, respeitando a individualidade e a disponibilidade dos envolvidos99. Doherty I, Mc Kimm J. E-Learning in clinical teaching. British J Hospital Med. 2010;71(1):44-47..

Electronic Learning (e-Learning) se refere ao uso de tecnologias da informação e comunicação em atividades educativas1010. Ellaway R. E-Learning: Is the revolution over? Medical Teacher.2011;33:297-302.. O termo Blended Learning (b-Learning) passou a ser utilizado no início do século XXI e foi traduzido para o português como Aprendizagem Híbrida1111. Lima JR, Capitão Z. E-Learning e e-Conteúdos. Lisboa: Centro Atlântico;2003.76p.. Entretanto, a terminologia em inglês é bastante usada na literatura nacional e, por isso, utilizamos os termos indistintamente. Alguns autores conceituam esta modalidade de ensino como a incorporação de atividades a distância no ensino presencial, diferenciando-se do ensino a distância e do ensino apoiado pelo computador pela proporção de atividades online: até 29% neste, entre 30 e 79% no blended, e acima de 80% no ensino a distância1212. Allen IE, Seaman J, Garrett R. Blending in-The Extent and Promise of Blended Education in United States. EUA: Sloan Consortium; 2007. 30p.. Outros autores apontam a complexidade da modalidade híbrida, ressaltando que esta não consiste tão somente em incluir atividades mediadas pelo computador no contexto presencial, mas abrange uma reorganização do processo de ensino-aprendizagem1313. Garrison, DR, Kanuka, H. Blended learning. Internet and Higher Education.2004;7:95-105., combinando tecnologias, teorias de aprendizagem e métodos de ensino, e que implica mudança curricular, com redução de carga horária presencial e integração coerente às atividades presenciais e ao currículo1414. Bonk CJ, Graham CR. Handbook of blended learning: Global perspectives, local designs. San Francisco, CA: Pfeiffer, c2005. Chapter 1.1,Blended learning systems;p. 3-21.. Além disso, o direcionamento a um problema do cotidiano de ensino aparentemente favorece que o uso da tecnologia seja mais apropriado e bem-sucedido1515. Laurillard D. The teacher as action researcher. Studies Higher Educ. 2008;33(2):139-154..

É preciso, portanto, que haja uma clara proposta pedagógica1616. McCown LJ. Blended courses. ClinLabSci.2010; 23(4):205-211., sendo que muitas abordagens são possíveis, ao integrar diferentes atividades presenciais (aulas expositivas, discussões em grupo, atividades práticas) com múltiplas atividades desenvolvidas no computador (pequenos grupos de discussão, produções coletivas usando wiki, disponibilização de conteúdo, apresentações em videoconferência com tutoriais, animações e simulações1717. Albarrak AI. E-learning in Medical Education and Blended Learning Approach.Learning.2011;13:14-20.), o que permite lidar com a diversidade dos alunos (prioridades, estilos de aprendizagem e de vida)1818. Molina PG. Pioneering: New Territory and Technologies. Edu cause Review [Internet]. 2006 [capturado em 28 maio 2014]. Disponível em: https://net.educause.edu/ir/library/pdf/erm0659.pdf
https://net.educause.edu/ir/library/pdf/...
.

Uma metanálise realizada de 1996 a 2008 evidenciou que a Aprendizagem Híbrida, em diferentes níveis educacionais nos EUA, foi mais eficiente do que o ensino presencial e o ensino totalmente a distância1919. US Department of Education. Evaluation of Evidence-Based Practices in Online Learning [Internet].2010. [captado em 28 maio 2014]. Disponível em: http://www2.ed.gov/rschstat/eval/tech/evidence-based-practices/finalreport.pdf
http://www2.ed.gov/rschstat/eval/tech/ev...
. Desse modo, esta modalidade de ensino tem sido descrita como uma importante inovação na educação médica2020. Mohanna K. The use of eLearning in medical education. Post grad Med J.2007;83:211.. Apesar disto, há algumas questões a esclarecer sobre o seu uso neste contexto2121. Kim S. The future of e-Learning in Medical Education. J EducEval Health Prof. 2006; 3:3-10..

O objetivo do presente artigo é realizar uma revisão da literatura sobre o uso da Aprendizagem Híbrida na educação médica. Que tipos de artigos têm sido publicados a esse respeito, de onde se originam e a que nível e área da educação médica se destinam? Como esta modalidade de ensino tem sido implementada? Tem demonstrado contribuir para a solução de problemas pedagógicos? Existem estudos propondo modelos de criação, implementação e avaliação desta modalidade no ensino médico? Os artigos que vêm sendo publicados têm procurado esclarecer qual a melhor forma de combinar atividades presenciais e mediadas pelo computador nos diversos cenários e níveis de ensino médico? Há propostas de agendas de pesquisa, definindo o quê e como estudar, de modo a esclarecer estas questões?

METODOLOGIA

Realizou-se uma revisão sistemática de artigos referentes à Aprendizagem Híbrida, no período de janeiro de 2000 a outubro de 2013. A metodologia da revisão sistemática objetiva identificar e sintetizar trabalhos publicados acerca de determinado tópico, indicando conclusões existentes e temas a serem mais bem esclarecidos2222. Cook DA, West CP. Reconsidering the Focus on “Outcomes Research” in Medical Education. Med Educ.2012;46:943-952.. Além de adotar padrões de qualidade desta metodologia2323. Moher D, Liberati A, Tetlaff J, Altman DG, PRISMA Group. Preferred Reported Items for Systematic Reviews and meta-Analyses. Ann Int Med. 2009;151(4):264-269., optamos pelo modelo de Cook e West para conduzir este tipo de estudo na educação médica2222. Cook DA, West CP. Reconsidering the Focus on “Outcomes Research” in Medical Education. Med Educ.2012;46:943-952..

Para acessar artigos nacionais e da América Latina, utilizamos a base SciELO. A busca por artigos internacionais foi realizada nas bases do Pubmed e do portal da Capes. Os termos utilizados na busca foram: blended learning and medical education; blended learning and systematic review and medical education; hybrid learning and medical education e e-Learning and medical education.

Foram incluídos em nosso estudo os artigos que continham as palavras Blended Learning, referentes à educação médica em nível de graduação, pós-graduação e educação permanente, em português, inglês, francês, alemão ou espanhol, com texto completo disponível.

Artigos em outros idiomas ou aqueles em que tivemos acesso somente aos resumos foram descartados. Também excluímos os artigos que tratam do ensino em outras áreas da saúde (como Enfermagem ou Odontologia) ou que tratam de currículo híbrido de ensino tradicional e baseado em problemas.

De modo a delinear um panorama dos artigos selecionados, os seguintes dados gerais foram levantados: país de origem; data de publicação; área de conhecimento; nível de ensino. Todos os artigos foram analisados quanto a seu tema central e conteúdo.

Após a caracterização inicial dos artigos obtidos, estes foram categorizados em dois grupos: trabalhos conceituais (estudos teóricos sobre o tema) e trabalhos empíricos (com um procedimento de coleta de dados de pesquisa). Esta última categoria foi subdividida em três subcategorias: revisões da literatura, análises das perspectivas de alunos e/ou professores e relatos de experiências.

A análise dos relatos de experiências baseou-se no modelo proposto por Cook2424. Cook DA. The Research We Still Are Not Doing. Acad Med.2005; 80:541-548. para estudos sobre a aprendizagem assistida pela web. Esse modelo define os elementos de design instrucional em configuração, método instrucional e apresentação, respectivamente, meio de comunicação utilizado (CD, web, blended), estratégias educacionais (casos, questões de autoavaliação, etc.) e elementos do meio de comunicação utilizados nestas estratégias (hipermídia, multimídia, simulações, etc.). No item método instrucional, acrescentamos a caracterização quanto à metodologia de ensino (tradicional, metodologias ativas). Além disso, na análise dos relatos de experiências, adotamos o modelo de Kirkpatrick2525. Craig R, Bittel L, Eds. Training and Development Handbook. New York: McGraw Hill; c1967. Chapter, Evaluation of training. p. 87-112. para a avaliação de resultados de programas educacionais, composto por uma classificação em quatro níveis, crescentes em complexidade e capacidade para avaliar seu impacto: reação dos alunos, aprendizagem, comportamento e efeitos no ambiente.

Desse modo, analisamos os artigos de relatos de experiências utilizando os seguintes indicadores: ambiente institucional, duração da intervenção pedagógica, área do conhecimento, tema problematizado, configuração pedagógica e justificativa para seu uso, método instrucional e apresentação, forma de avaliação, resultados e grupo controle.

RESULTADOS

CARACTERIZAÇÃO DOS ARTIGOS

Nossa seleção resultou em um total de 132 artigos, 12 (9%) na base SciELO e 120 (91%) nas bases Pubmed/Capes. Entre os 132 artigos selecionados, encontramos a seguinte distribuição ao longo dos anos: quatro (3%) artigos entre 2000 e 2003; 32 (24%) no período de 2004 a 2008; e 96 (73%) no período de 2009 a 2013 (Gráfico 1).

GRÁFICO 1
Distribuição dos artigos segundo a data de publicação

A distribuição dos 132 artigos por país de origem foi a seguinte: 29 artigos dos EUA; 22 da Alemanha; 21 do Reino Unido; 9 do Brasil; 8 da Austrália; 7 do Canadá; e 7 em colaboração entre 2 ou mais destes países. Outros países contribuíram com número menor de artigos: Taiwan com 3; Colômbia, Espanha, Irlanda, Itália, México, Nova Zelândia e Polônia com 2 artigos cada um; África do Sul, Croácia, Cuba, Gana, Holanda, Japão, Índia, Irã, Malásia, Suíça e Uruguai, com 1 artigo cada um (Gráfico 2).

GRÁFICO 2
Distribuição dos artigos segundo o continente de origem

Em relação à área do conhecimento envolvida, encontramos 82 (62%) artigos relacionados às áreas clínicas, 19 (14,5%) às ciências básicas e 19 (14,5%) à educação médica em geral. Outros 12 (9%) artigos estão relacionados a áreas relevantes para a educação médica, tais como tecnologia da informação (n = 5), ética e humanidades (n = 2), treinamento didático (n = 2), trabalho em equipe multiprofissional (n = 2) e pesquisa clínica (n = 1).

Em relação ao nível de ensino, 81 (61,5%) artigos estão relacionados à graduação, 21 (16%) se referem à educação permanente, 13 (10%) à pós-graduação, enquanto 17 (12,5%) estão relacionados a todos os níveis de ensino ou a combinações de dois níveis.

Análise por tipo de estudo

Entre os 132 artigos selecionados, 15 (11%) foram categorizados como conceituais e 117 (89%) como trabalhos empíricos: 103 (78%) relatos de experiência, 9 (7%) revisões da literatura e 5 (4%) análises de perspectivas de alunos e/ou professores (Gráfico 3).

GRÁFICO 3
Distribuição dos artigos segundo sua categoria

Artigos conceituais

Entre os 15 artigos conceituais, em 6 (40%), a modalidade b-Learning é o tema central, enquanto, na maioria deles (n = 9, 60%), a modalidade híbrida é discutida, mas o uso de e-Learning pode ser considerado a principal temática.

Estes artigos tratam principalmente das vantagens pedagógicas do uso de ferramentas de e-Learning em relação à possibilidade de aplicar uma diversidade de técnicas e mídias educacionais presenciais e não presenciais, com a finalidade de garantir a segurança dos pacientes, bem como acomodar diferentes estilos de aprendizagem e promover a autonomia do aluno na gestão do processo de ensino-aprendizagem, preparando-o para a aprendizagem continuada. Outro aspecto pedagógico salientado nestes artigos se refere à possibilidade de integrar estratégias de aprendizagem baseadas na resolução de problemas e tarefas, de forma colaborativa, inclusive com alunos de outras áreas da saúde, promovendo formação para o trabalho em equipe multiprofissional.

Barreiras, desafios e/ou desvantagens são abordados em quatro destes artigos e referem-se ao uso de ferramentas de e-Learning não apenas na Aprendizagem Hibrida. As principais questões levantadas são: resistência a mudança, custos, aumento da carga de trabalho do professor na elaboração do material, bem como no monitoramento e feedback online dos alunos; dificuldades técnicas vivenciadas por professores e/ou alunos, problemas específicos com as atividades online, tais como excesso de informação, design instrucional inadequado, ausência de regras claras, dificuldades com o fluxo de comunicação, por excessivas rapidez ou lentidão, e questões éticas em processos de avaliação online.

Três destes artigos apresentam propostas de modelos e/ou recomendações de boas práticas para a implementação de b-Learning na educação médica. Os principais itens discutidos referem-se a suporte institucional com planejamento estratégico para a implementação e estímulo ao docente, acesso facilitado a computadores/internet, suporte técnico para alunos e professores, uso de plataforma de fácil navegação, evitando-se variedade excessiva de atividades online e priorizando atividades que demandem pesquisa, reflexão e colaboração dos alunos, que estejam integradas ao currículo, às atividades presenciais, bem como apresentando coerência em relação aos objetivos de aprendizagem. Está incluída nestas recomendações a incorporação de ferramentas de comunicação entre alunos, destes com os professores, com pronto feedback e contínuo monitoramento das atividades online, estabelecendo-se regras claras e expectativas reais quanto às avaliações, além de início e finalização sempre presenciais. Portanto, trata-se de recomendações mais centradas no uso de ferramentas de e-Learning, com pouco aprofundamento nas questões pedagógicas envolvidas na integração de atividades presenciais e online. Estes artigos fundamentam-se em literatura oriunda do campo da educação em geral1919. US Department of Education. Evaluation of Evidence-Based Practices in Online Learning [Internet].2010. [captado em 28 maio 2014]. Disponível em: http://www2.ed.gov/rschstat/eval/tech/evidence-based-practices/finalreport.pdf
http://www2.ed.gov/rschstat/eval/tech/ev...
,2626. Laurillard D. Rethinking Teaching for the Knowledge Society. Educausereview [Internet]. 2002. [captado em 28 maio 2014]. Disponível em: https://net.educause.edu/ir/library/pdf/erm0201.pdf
https://net.educause.edu/ir/library/pdf/...
,2727. Rossett A. The ASTD E-Learning Handbook. New York: McGraw-Hill; c2002. Part1, Chapter Blended learning: the magic is in the mix, p. 58–63.,2828. Salmon G. E-tivities. Turkish Online J DistEduc [Internet].2002. [captado em 28 maio 2014]. Disponível em: https://tojde.anadolu.edu.tr/tojde8/reviews/etivities.htm
https://tojde.anadolu.edu.tr/tojde8/revi...
ou em estudos sobre a incorporação de e-Learning (e não b-Learning) na educação médica2929. Chumley-Jones HS, Dobbie A, Alford CL. Web-based Learning. Acad Med. 2002;77 (10suppl):S86-S93.,3030. Cook DA, Levinson AJ, Garside S, Dupras DM, Erwin PJ, Montori VM. Internet-based Learning in the Health Professions. JAMA .2008; 300(10):1181-1196..

Artigos empíricos – revisão da literatura

Em nove artigos encontramos trabalhos de revisão de literatura. Quatro deles tratam de iniciativas de e-Learning na educação médica ou na área da saúde. Estas revisões demonstram a ampla variabilidade de configurações e combinações possíveis de métodos instrucionais, envolvendo e-Learning, na modalidade híbrida ou não. Outros três artigos tratam do novo e relevante papel dos bibliotecários como suporte e formadores em tecnologia da informação, tanto para alunos como para professores. Um dos artigos traz uma revisão sobre o uso de jogos ambientados no computador na formação em áreas cirúrgicas.

Nestas oito revisões, a modalidade híbrida, embora não seja o tema central, aparece como a mais utilizada ou sugere-se que seja a mais adequada e/ou eficaz, com base em relatos promissores de uso, em geral comparando-se aos métodos tradicionais e presenciais de ensino.

Somente um destes artigos trata especificamente do impacto de iniciativas de b-Learning, abordando o treinamento clínico na área da saúde. Esse trabalho conclui que foram encontrados poucos estudos de alta qualidade e que existem evidências rudimentares de que a incorporação desta modalidade de ensino seja vantajosa em relação ao ensino tradicional, no sentido de aprimorar as competências clínicas dos alunos. Não encontramos revisões da literatura sobre o uso de b-Learning em outros cenários do ensino médico.

Artigos empíricos – análise da perspectiva de alunos e/ou professores

Cinco artigos apresentam estudos empíricos que tratam da opinião de alunos e/ou professores a respeito de iniciativas de e-Learning em situações diversas no campo do ensino médico. Estes estudos evidenciam a valorização do grau de satisfação dos alunos e da maior interatividade entre alunos e professores, assim como a necessidade de priorizar o treinamento em habilidades relevantes para a prática profissional.

Nestes cinco artigos, o b-Learning aparece como modalidade de ensino preferida, bem aceita ou apresentada como solução para desafios do ensino médico. Em dois artigos desta categoria, salienta-se que as atividades presenciais são preferidas ou consideradas fundamentais.

Artigos empíricos – relatos de experiências

Cento e três artigos (78%) da amostra selecionada apresentam trabalhos empíricos com relatos de experiências com Aprendizagem Híbrida.

Em 70 (68%) destes relatos, a experiência de uso foi ambientada no campus universitário, sendo que em 64 (62%) em apenas um campus, em 4 (4%) em mais de um campus, e em 2 (2%), simultaneamente em campi e serviços de saúde. Em 23 relatos (22%), as experiências foram ambientadas em serviços de saúde, comunitários ou em hospitais fora do campus universitário. O ambiente onde a experiência foi desenvolvida não está descrito em 10 (10%) dos relatos.

A duração dos cursos não está especificada em 49 (48%) relatos, e nos demais (n = 54, 52%) varia desde um dia a um ano, sendo que em 26 (25%) cursos a duração foi entre 4 e 16 semanas, em 14 (13,5%) a duração foi menor que 4 semanas, e em 14 (13,5%), maior que 16 semanas.

A configuração pedagógica das experiências relatadas nos 103 artigos é a do b-Learning. A maioria dos relatos (n = 91, 88%) inclui justificativas para a escolha desta modalidade de ensino. Entretanto, as justificativas apresentadas em 56 (61,5%) destes artigos procuram ressaltar os benefícios do uso de ferramentas oferecidas pelas TIC mais do que os benefícios da integração entre atividades presenciais e a distância. As principais justificativas apresentadas nestes artigos se referem, principalmente, à possibilidade de utilizar novas estratégias pedagógicas que facilitem a compreensão de conceitos complexos (n = 18, 32%); a flexibilidade de acesso ao material didático em relação a horário e local (n = 16, 28,5%); a possibilidade de adaptação aos diversos estilos e ritmos de aprendizagem (n = 16, 28,5%); e maior interatividade entre alunos e professores (n = 16, 28,5%). Outras justificativas, abordadas em menor número, são: disponibilização de maior quantidade de conteúdo (n = 5, 9%); motivação dos alunos (n = 5, 9%); redução de custos (n = 4, 7%); realização de avaliações objetivas (n = 3, 5,5%); possibilidade de alcançar maior número de alunos (n = 2, 4%); e padronização do conteúdo oferecido a diferentes grupos de alunos (n = 2, 4%). Justificativas tais como demanda de um número menor de professores, possibilidade de treinar uso do computador, disponibilidade de ferramentas administrativas, substituição de aulas presenciais ou simplesmente o fato de a infraestrutura tecnológica estar disponível aparecem em apenas um artigo cada. Em 35 relatos (38,5%) encontramos justificativas para o uso da modalidade híbrida, que incluem a proposta de integrar diversas estratégias pedagógicas para aprimorar o processo ensino-aprendizagem (n = 24 – 69%) ou ressaltam as vantagens de usar e-Learning junto com atividades presenciais, com os argumentos de não ser possível descartar as atividades presenciais (n = 11, 31%), para permitir a homogeneização da oferta de conteúdo para alunos alocados em diferentes locais de treinamento (n = 3, 9%) ou, ainda, por não se ter segurança da eficácia do ensino exclusivamente online (n = 2, 6%).

No texto de introdução de 92 (90%) destes 103 relatos, encontramos a problematização de uma ou mais questões relacionadas à educação médica que se pretendia solucionar ou aprimorar. Entre estes, 22 (24%) abordam como problema central o treinamento de habilidades clínicas, e 5 (5%) tratam de habilidades cirúrgicas, de modo a melhorar o desempenho ou aumentar a autoconfiança dos alunos, ou proteger os pacientes. Outra questão levantada foi a necessidade de aprimorar o ensino de determinado conteúdo (n = 16, 17%); de mudar os métodos de ensino, principalmente no sentido de promover a aprendizagem centrada no aluno (n = 9, 10%); de lidar com um número reduzido de professores (n = 13, 14%) ou com o aumento do conteúdo a ser incorporado no currículo (n = 7, 22%). A necessidade de motivar os alunos foi relatada em apenas um artigo (1%).

Em 92 (90%) dos 103 artigos, o foco da descrição do relato de experiência em Aprendizagem Híbrida está centrado no método instrucional, quer seja em seus aspectos pedagógicos, em detalhes técnicos da ferramenta, quer seja em detalhes do formato do curso. Em 11 destes artigos (10%) o conteúdo assumiu maior relevância na discussão.

Os estudos apresentam grande variabilidade de métodos instrucionais (estratégias educacionais) e apresentações (elementos do meio de comunicação utilizado) adotados nas experiências relatadas. No caso de atividades presenciais, há descrição de aulas tradicionais, seminários ou discussões em torno de casos e/ou situações-problema, em pequenos grupos, atividades em laboratório ou práticas em atendimento, simulações e dramatizações. Em relação às atividades mediadas pelo computador, são descritos: pacientes virtuais ou casos multimídia interativos, com perguntas e respostas, tutoriais interativos, simulações, portfólio, trabalhos colaborativos, avaliações formativas e somativas, textos, imagens, vídeos, links, espaços de discussão assíncrona ou síncrona e aulas tradicionais gravadas em vídeo ou áudio.

A respeito das combinações de métodos instrucionais em atividades presenciais e a distância, na maioria (n = 52, 50%) dos relatos, identificou-se a integração de metodologias ativas (ensino baseado em problemas, problematização) com tradicionais, tanto presencialmente, quanto online. Outro número relevante de artigos (n = 42, 42%) traz relatos de metodologias ativas envolvendo experiências colaborativas online e métodos tradicionais presencialmente. Poucos artigos (n = 3, 3%), ao contrário, relatam atividades tradicionais realizadas online e metodologias ativas de aprendizagem realizadas presencialmente. Há ainda aqueles (n = 5, 5%) que descrevem o uso de métodos tradicionais tanto online, quanto presencialmente.

Em 14 (14%) relatos não há nenhum tipo de avaliação da intervenção pedagógica realizada, enquanto em 40 (38%) identificamos avaliações de nível 1 e 2, respectivamente, avaliações da percepção do aluno (por meio de questionários, entrevistas ou grupos focais) e avaliação da aprendizagem (por meio de pré e pós-testes ou avaliação da aquisição de habilidades). Avaliações apenas do nível 1 (percepção dos alunos) acontecem em 29 relatos (29%), e somente do nível 2 (aprendizagem), em 7 relatos (7%). Identificamos avaliações de nível 1 e 3 (percepção do aluno e comportamento) em 5 (5%) artigos; de níveis 2 e 3 (aprendizagem e comportamento) em 3 (3%) relatos; e de níveis 2 e 4 (aprendizagem e repercussão no atendimento) em 4 (4%), sendo que em 2 destes a avaliação de nível 4 ainda não havia sido concluída no momento da publicação do artigo. Há avaliação somente de nível 4 em 1 artigo (1%), e somente de nível 3 em nenhum deles.

Ainda em relação ao processo de avaliação das intervenções pedagógicas, detectamos que em 69 (67%) relatos não há comparação dos resultados com nenhum grupo controle. Em 30 (29%), a comparação se faz com grupos controle submetidos a intervenções presenciais, e em três (3%), com alunos que cursaram um modelo presencial anteriormente. Comparação com um grupo de alunos submetido a outro curso híbrido está descrita em apenas um artigo (1%).

A respeito dos resultados encontrados nestas avaliações, identificamos que todos os estudos que analisaram a percepção de alunos (n = 74, 72%) revelaram uma atitude positiva em relação à experiência, em geral com percepção de ganho de conhecimentos ou habilidades.

Em relação à avaliação da aprendizagem (realizada em 54 artigos, 52%), a maioria (n = 43, 80%) dos artigos aponta melhores resultados nas avaliações de conhecimentos e habilidades, enquanto em 11 (20%) não se observou melhor desempenho.

Nos poucos estudos nos quais os níveis 3 e 4 foram avaliados (n = 8,8%), os resultados indicam que houve modificações no comportamento e repercussão no serviço de saúde no sentido de incorporar o conteúdo.

DISCUSSÃO

Têm-se multiplicado na literatura relatos de experiências que utilizam diversas abordagens pedagógicas simultaneamente, com TIC e atividades presenciais1717. Albarrak AI. E-learning in Medical Education and Blended Learning Approach.Learning.2011;13:14-20.,3131. Ruiz JG, Mintzer MJ, Iseenberg B. Learning objects in medical education. Med Teacher.2006;28(7):599-605., de modo a compor experiências de aprendizagem com o melhor do presencial e o melhor do virtual1616. McCown LJ. Blended courses. ClinLabSci.2010; 23(4):205-211.. Os termos Blended ou Hybrid Learning passaram a ser utilizados no início do século XXI, o que explica o fato de a grande maioria dos artigos por nós selecionados ter sido publicada nos últimos cinco anos.

A grande maioria dos artigos selecionados (78%) se refere a relatos de experiências, em geral (90%) centrados em detalhes técnicos e pedagógicos do método instrucional. Outros autores descrevem que a maioria dos estudos que tratam da introdução de ferramentas de e-Learning na educação médica são descritivos, relatando seus processos de desenvolvimento e implementação2121. Kim S. The future of e-Learning in Medical Education. J EducEval Health Prof. 2006; 3:3-10.,3232. Letterie GS. Medical education as science. Am J Obstet Gynecol.2003;188(3):849-853..

A maioria dos artigos (62%) se refere a relatos de experiências de uso no ensino de áreas clínicas na graduação (61,5%). O maior uso de TIC no ensino de ciências básicas foi descrito anteriormente3333. Masic I. E-Learning as New Method in Medical Education. Acta Inform Med.2008;16(2):102117.. Entretanto, a utilização no ensino clínico tem sido cada vez mais relatada99. Doherty I, Mc Kimm J. E-Learning in clinical teaching. British J Hospital Med. 2010;71(1):44-47.,2121. Kim S. The future of e-Learning in Medical Education. J EducEval Health Prof. 2006; 3:3-10.. Uma revisão da literatura3434. Jwayyed S, Stiffler KA, Wilber ST, Southern A, Wiegang J, Bare R, Gerson LW. Technology-Assisted education in graduate medical education. J Emerg Med.2011;5:51-63. demonstrou que 68% das experiências de uso de TIC na educação médica estavam relacionadas à área clínica, sendo que 60% se destinavam à graduação, à semelhança do que evidenciamos. É possível entender estes dados se considerarmos as questões que vêm desafiando o ensino médico e a relevância do treinamento de habilidades práticas no ensino de graduação.

Além disso, estes relatos, em sua maioria (66%), foram originários do ambiente universitário. Entretanto, em boa parcela deles (24%) estavam envolvidos serviços de saúde (hospitais ou centros de saúde), o que revela a importância desta modalidade na graduação, quando os alunos se encontram em treinamento em unidades de atendimento primário/rural, assim como na pós-graduação e na educação permanente.

Os artigos que apresentam pesquisas sobre as perspectivas de alunos e professores demonstram que os usuários são receptivos e aprovam essa modalidade de ensino, bem como confiam em seu potencial para enfrentar muitos dos desafios que se impõem à educação médica. Esse dado está de acordo com revisões da literatura sobre pesquisas de satisfação, que revelam que os alunos aprovam as atividades mediadas pelas TIC, particularmente quando existe feedback e interatividade3535. Cook DA. Where are we with Web-based learning in medical education? Med Teacher.2006;28(7):594-598., considerando-as válidas, mas não indispensáveis ou que possam substituir atividades presenciais3636. Silveira CO, P Neto AM, Pinto DSR, Bezerra FMT, Moura JRSA. Anatomia Humana por Meio de Vídeo-aulas. Rev Bras Educ Méd.2010;34(3 Supl.1):114..

Nos artigos conceituais e de revisão da literatura, predominam as discussões sobre vantagens pedagógicas, barreiras, desvantagens e desafios, bem como modelos de boas práticas. No entanto, elas nem sempre estão verdadeiramente relacionadas ao b-Learning, no sentido de integração entre diversas tecnologias, teorias de aprendizagem e métodos de ensino, mas, sim, relacionadas à incorporação de ferramentas de e-Learning no ensino presencial. É também relevante ressaltar a ausência de propostas de modelos para criação, implementação ou avaliação específicos para b-Learning.

Da mesma forma, nos artigos referentes a relatos de experiências, as justificativas apresentadas para a escolha da modalidade de ensino híbrido estão, em sua maioria, relacionadas às vantagens da introdução de e-Learning. Alunos22. Sandars J. It appeared to be a good idea at the time but...Med Teacher.2011;33:265-267. e professores demonstram confiar nas atividades presenciais e expressam o desejo de mantê-las, o que torna o ensino presencial, de certa maneira, incontestável. Este fato, aliado à concepção ainda prevalente de b-Learning como a simples incorporação de atividades a distância no ensino presencial, poderia explicar que o foco dos estudos esteja no uso das ferramentas de e-Learning. No entanto, é preciso ressaltar que a Aprendizagem Híbrida representa mais do que simplesmente alternar atividades presenciais com atividades online1313. Garrison, DR, Kanuka, H. Blended learning. Internet and Higher Education.2004;7:95-105.,1414. Bonk CJ, Graham CR. Handbook of blended learning: Global perspectives, local designs. San Francisco, CA: Pfeiffer, c2005. Chapter 1.1,Blended learning systems;p. 3-21., apresentando especificidades que merecem ser analisadas.

Tem-se sugerido, na literatura, que a maioria das iniciativas de uso de ferramentas de e-Learning no ensino médico é originada pelo desejo de inovar ou pode decorrer de pressão exercida pelos alunos3737. Cook DA. Web-based learning. Clin Med.2007;7:37-42.. Ao contrário disto, o desejo de motivar ou atrair alunos foi descrito como motivação em somente cinco dos relatos de nossa revisão, e o desejo de inovar, em nenhum deles. Também pudemos observar que os relatos selecionados procuram dar conta de muitos dos desafios decorrentes de questões do cotidiano de ensino ou de mudanças no atendimento em saúde e/ou avanços tecnológicos e científicos da medicina, bem como de novos conceitos sobre o processo ensino-aprendizagem.

A utilização de ampla variedade de métodos instrucionais e apresentações documentada nos artigos selecionados, com predomínio de metodologias ativas de aprendizagem, tanto presencialmente como online, distancia-se dos achados de outros autores3838. Cook J. Review of Virtual Learning Environment in UK Medical, Dental and Veterinary Education. Newcastle upon Tyne: The Higher Education Academy; 2005. 85p.,3939. Cook DA, Garside S, Levinson AJ, Dupras DM, Montori VM. What do wemeanby web-based learning? Med Educ.2010;44:765-774.,4040. Goudouris ES, Giannella TR, Struchiner, M. Tecnologias de Informação e Comunicação e Ensino Semipresencial na Educacão Médica. Rev Bras Educ Méd.2013; 37(3):396-407., que indicaram predomínio de métodos tradicionais de ensino no uso de ambientes virtuais de aprendizagem. Foi possível identificar este dado, uma vez que incluímos em nosso estudo, no item avaliação de método instrucional, preconizado no modelo utilizado2424. Cook DA. The Research We Still Are Not Doing. Acad Med.2005; 80:541-548., a caracterização quanto à metodologia de ensino (tradicional, metodologias ativas).

A maioria dos estudos de nossa revisão demonstra que as intervenções pedagógicas são descritas como eficazes, mas a maioria deles realiza análises somente de nível 1 e 2, com resultados restritos à visão dos usuários e à aquisição de conhecimentos e habilidades, tal como encontramos relatado na literatura2121. Kim S. The future of e-Learning in Medical Education. J EducEval Health Prof. 2006; 3:3-10.,3232. Letterie GS. Medical education as science. Am J Obstet Gynecol.2003;188(3):849-853.,3434. Jwayyed S, Stiffler KA, Wilber ST, Southern A, Wiegang J, Bare R, Gerson LW. Technology-Assisted education in graduate medical education. J Emerg Med.2011;5:51-63..

É relevante considerar também que o curto tempo de duração da maioria destas experiências pode interferir nos resultados das avaliações, tendendo a promover uma visão positiva de alunos e/ou professores sobre a intervenção pedagógica, uma vez que alguns estudos revelam que o entusiasmo dos alunos tende a diminuir ao longo do tempo3535. Cook DA. Where are we with Web-based learning in medical education? Med Teacher.2006;28(7):594-598.. Além disso, a diversidade de combinações de estratégias pedagógicas, critérios e ferramentas de avaliação, bem como de desenhos de estudos dificulta a análise comparativa Talvez se possa afirmar a partir destes relatos que o ensino mediado pelo computador não é pior que o presencial, como sugerido na literatura1010. Ellaway R. E-Learning: Is the revolution over? Medical Teacher.2011;33:297-302..

De qualquer modo, também está descrito que a questão mais importante não parece ser se e-Learning ou b-Learning funcionam ou não, mas, sim, como usar estas ferramentas de modo mais produtivo3535. Cook DA. Where are we with Web-based learning in medical education? Med Teacher.2006;28(7):594-598.. As possibilidades de combinação de métodos instrucionais é bastante vasta, sendo necessário estabelecer “o que funciona, para quem e em que circunstâncias”4141. Cook DA. Randomized controlled trials and meta-analysis in medical education. Med Teacher.2012; 34:468-473.. Entretanto, há descrição de que a maior parte dos artigos sobre a incorporação de TIC no ensino médico se refere a comparações com atividades presenciais3434. Jwayyed S, Stiffler KA, Wilber ST, Southern A, Wiegang J, Bare R, Gerson LW. Technology-Assisted education in graduate medical education. J Emerg Med.2011;5:51-63.. Assim como está relatado na literatura que não há estudos que comparem diferentes intervenções utilizando TIC ou TIC combinadas a atividades presenciais em diferentes contextos do ensino médico3030. Cook DA, Levinson AJ, Garside S, Dupras DM, Erwin PJ, Montori VM. Internet-based Learning in the Health Professions. JAMA .2008; 300(10):1181-1196.,3434. Jwayyed S, Stiffler KA, Wilber ST, Southern A, Wiegang J, Bare R, Gerson LW. Technology-Assisted education in graduate medical education. J Emerg Med.2011;5:51-63..

Cenário semelhante foi encontrado no presente trabalho, em que a maioria dos estudos não apresenta grupo controle ou, quando o faz, este é um grupo em que há intervenção presencial e no qual não evidenciamos estudos que apresentem comparações entre diferentes formas de uso de b-Learning, comparando o uso de diferentes métodos instrucionais nos diversos contextos do ensino médico. A validade do tipo de estudo que encontramos em nossa revisão é questionada por muitos autores3535. Cook DA. Where are we with Web-based learning in medical education? Med Teacher.2006;28(7):594-598.,4242. Cook DA. Avoiding confounding comparisons in educational research. Med Educ.2009;43:102-104., pois não é possível comparar modalidades de ensino tão diversas. Além disso, é importante considerar que nenhuma metodologia ou método de ensino pode ser considerado superior a outro, mas, sim, mais adequado a determinado problema, cenário e/ou contexto4343. Struchiner M, Ricciardi RMV. Princípios, Modelos e Tecnologias de Informação e Comunicação em Processos Educativos das Ciências Biomédicas e da Saúde. Revista Rio de Janeiro 2003. [captado em: 19 junho 2014]. Disponível em: http://www.forumrio.uerj.br/documentos/revista_11/11-Struchiner.pdf
http://www.forumrio.uerj.br/documentos/r...
.

Como foi abordado neste artigo, afirma-se que a medicina não pode ser ensinada somente a distância ou usando simulações, e há artigos que sugerem que muitos dos problemas do ensino médico podem ser minimizados com a adoção da Aprendizagem Híbrida1010. Ellaway R. E-Learning: Is the revolution over? Medical Teacher.2011;33:297-302.. No entanto, a escolha desta modalidade de ensino deve ser consciente e não se restringir à mera inserção de atividades online em cursos presenciais, de forma que seja possível nos valer das potencialidades de ambos, o presencial e o virtual.

A “necessidade de deslocar-se da educação baseada na opinião para a educação baseada em evidências” foi apresentada por Harden4444. Harden RM, Grant J, Buckley G, Hart IR. BEME Guide nº 1. Med Teacher.1999; 21(6):553-562. no primeiro guia de Best Evidence Medical Education (Beme). A partir deste modelo, de modo que se conheça qual é, de fato, o papel das TIC no ensino médico, bem como em que situações e que formas de uso seriam mais úteis4545. Cook DA, McDonald FS. E-Learning: is there anything special about the “E”? Perspec Biol Med.2008;51(1):5-21., tem-se defendido a geração de conhecimentos empíricos nesta área por meio de ensaios randomizados e controlados e estudos de metanálise2222. Cook DA, West CP. Reconsidering the Focus on “Outcomes Research” in Medical Education. Med Educ.2012;46:943-952..

Por outro lado, é pouco provável que este tipo de estudo consiga dar conta da complexidade do processo de ensino-aprendizagem. Tem-se sugerido que é preciso avançar na pesquisa sobre o uso de TIC no ensino médico no sentido de estudar as experiências, seu impacto e valor nos diversos cenários1010. Ellaway R. E-Learning: Is the revolution over? Medical Teacher.2011;33:297-302.. Também se tem argumentado a favor do uso de métodos qualitativos, de modo a abranger a complexidade do ambiente educacional, sem, contudo, descartar completamente as evidências obtidas pelos métodos quantitativos4141. Cook DA. Randomized controlled trials and meta-analysis in medical education. Med Teacher.2012; 34:468-473..

Limitações de nosso estudo: os termos utilizados nas buscas são de uso recente na literatura, e a pesquisa foi realizada em bases que contêm publicações revisadas por pares. Portanto, é possível que não tenham sido incluídos muitos artigos que, embora não contenham o termo b-Learning, tratem da incorporação de TIC no ensino médico na modalidade híbrida ou relatos de experiências presentes em publicações não revisadas por pares ou anais de eventos.

CONCLUSÕES

A maioria dos artigos sobre Aprendizagem Híbrida na educação médica foi publicada nos últimos cinco anos e são relatos de experiências na graduação, em áreas clínicas, ambientadas em campi universitários, principalmente em países desenvolvidos.

A maior parte dos estudos que identificamos se refere a relatos de experiências de curta duração, apresentando ampla diversidade de métodos instrucionais e apresentações, bem como de processos de avaliação de eficácia e resultados, no sentido de comprovar a utilidade desta modalidade de ensino e, em geral, limitadas à avaliação da reação dos alunos e da aprendizagem. Evidenciamos poucos estudos sobre mudanças no comportamento ou efeitos no ambiente, bem como ausência de estudos que comparem diferentes combinações de modelos instrucionais nos diversos cenários do ensino médico. Além disso, observamos que os artigos habitualmente apresentam questões relevantes referentes aos desafios do ensino médico, mas sem evidenciar a real capacidade da intervenção pedagógica proposta para auxiliar na resolução dos problemas levantados. É preciso, portanto, interpretar com reservas os resultados positivos obtidos.

Os artigos conceituais, de revisão da literatura e aqueles que analisam a perspectiva de alunos e/ou professores referem-se, em sua maioria, ao uso de ferramentas de e-Learning e não apresentam discussões sobre a combinação de tecnologias, teorias de aprendizagem e métodos de ensino no presencial e no virtual, que caracterizam o conceito mais amplo de b-Learning. O mesmo acontece com os relatos de experiências, que, apesar de terem configuração pedagógica de b-Learning, em sua maioria trazem como justificativas para sua implementação uma série de potenciais vantagens do uso de TIC no ensino.

Desse modo, os artigos que vêm sendo publicados não permitem afirmar que a Aprendizagem Híbrida apresente vantagens sobre o ensino presencial, assim como não têm auxiliado no esclarecimento da melhor abordagem a ser desenvolvida nos diferentes cenários da educação médica. Além disso, não encontramos, em nossa revisão, propostas de agenda de pesquisa específicas ou estudos que proponham modelos de criação, implementação e avaliação desta modalidade para o ensino médico.

É necessário discutir e difundir mais amplamente o conceito de Aprendizagem Híbrida, para além da simples incorporação de TIC no ensino presencial, além de desenvolver agendas de pesquisa especificamente para esta modalidade de ensino, envolvendo métodos quali e quantitativos, para contemplar sua complexidade e definir sua real contribuição, bem como os métodos instrucionais mais apropriados aos diversos cenários e demandas do ensino médico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2014
  • Aceito
    14 Jul 2015
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