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Literatura e Humanização: uma Experiência Didática de Educação Humanística em Saúde

Literature and Humanization: a Didatic Experience of Humanistic Education in Health Care

RESUMO

Considerando a fundamental importância do debate sobre a humanização na área da saúde, apresentamos resultados de uma experiência didática de formação humanística com base na experiência estética causada pela literatura do romance “Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister”, de Goethe, com base numa atividade acadêmica oferecida a estudantes e profissionais da área da saúde. Investigamos o potencial desta experiência como meio de fomentar a formação humanística e a humanização. Na coleta dos dados utilizamos metodologias qualitativas, partindo da observação participante e da história oral de vida. Os dados foram analisados com base na Fenomenologia Hermenêutica. Inspirados na filosofia estética de Friedrich Schiller e Immanuel Kant, verificamos que a leitura do romance, com apoio da metodologia utilizada na atividade, proporcionou o que entendemos ser uma educação humanizadora, por meio da “ampliação da experiência da arte” e do “despertar lúdico”.

Humanização da Assistência; Capacitação de Recursos Humanos em Saúde; Estética; Educação Médica

ABSTRACT

Considering the importance of the debate on humanization in health care, this paper presents results relevant to a teaching experience of humanistic education with students and health professionals based on aesthetic and reflective experience caused by the reading of the novel “Wilhelm Meister’s Apprenticeship” by J. W. V. Goethe. Using qualitative methodology, which combined participant observation and verbal life history, we investigated the potential of this experience as a means of fostering humanistic training and humanization. Data were analyzed based on Hermeneutic Phenomenology. Inspired by the aesthetic philosophy of Friedrich Schiller and Immanuel Kant, it was observed that reading the novel, with the support of the methodology used in the activity, provided what we believe to be a humanizing education through the “expansion of the art experience” and “ludic awakening”.

Humanization of Assistance; Health Human Resource Training; Aesthetic; Medical Education

INTRODUÇÃO

A literatura pode proporcionar, de forma prazerosa e relevante, contato com valores e reflexões humanísticas. Logo, não somente apresenta fatos acerca da vida, mas também nos sugere sentido. Desta forma, a experiência estética propiciada pela literatura pode tornar compreensível o mundo real com base nas histórias dos personagens, pois nelas “[...] as nossas forças emotivas participam de maneira mais variada e mais rica”11. Logstrup KE. Experiência estética na literatura e nas artes plásticas. In: Gadamer H, Vogler P (org.). Nova Antropologia: o homem em sua existência biológica, social e cultural. São Paulo: EPU, Ed. Da Universidade de São Paulo;1977. p. 197-219. v.7. (p. 205). Uma obra literária clássica não somente nos apresenta particularidades culturais de uma época, mas também introduz valores conceituais ou morais que envolvem anseios, emoções, sentimentos e afinidades comuns à vida humana.

Partimos dos resultados de uma pesquisa cuja intenção foi observar em que medida a leitura e a discussão do romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Johann Wolfgang Von Goethe, no contexto de uma atividade educacional de âmbito universitário na área da saúde, puderam contribuir para a compreensão dos conceitos de formação humanística e humanização do formando e do profissional desta área. Por meio de uma experiência empírica concreta, amparados teoricamente na filosofia estética de Immanuel Kant e Friedrich Schiller, discutimos em que medida esta atividade pode proporcionar uma experiência de humanização na área da saúde.

HUMANIDADES EM SAÚDE: UMA PROPOSTA DIDÁTICA PARA HUMANIZAÇÃO EM SAÚDE

Alguns autores já sugerem a inclusão das humanidades no currículo dos estudantes das áreas médicas como forma de promover reflexão e humanização na área da saúde22. Kottow M. Humanidades médicas: ¿Decorativas o substantivas? El caso de literatura y medicina. Revista Brasileira de Educação Médica 2014; 38(3):293-298.,33. Rios IC. A integração das disciplinas de humanidades médicas na Faculdade de Medicina da USP: um caminho para o ensino. Revista Brasileira de Educação Médica 2008; 32(1):112-121.,44. Ayres JRCM. Humanidades como disciplina da graduação em Medicina. Revista Brasileira de Educação Médica 2013; 37(3): 455-463. A atividade-base de nossa pesquisa segue estas propostas, porém, ao invés de usarmos a filosofia, a história, etc., recorremos à literatura clássica universal.

Atualmente, nossa atividade é disciplina eletiva para cursos de graduação e pós-graduação da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Além dos estudantes, muitos profissionais da área também participam da atividade, mesmo que não tenham vínculo com a universidade. A disciplina é oferecida semestralmente em encontros semanais com a duração de 90 minutos.

No primeiro encontro, o coordenador faz uma explanação sobre nossos objetivos e metodologia. Após a apresentação, iniciam-se o que chamamos de histórias de leitura, em que os participantes são convidados a falar sobre suas percepções, sentimentos, afetos, ideias e questionamentos que surgiram a partir da leitura.

Chamamos a segunda etapa da metodologia de itinerário de discussão, no qual se desenvolvem as discussões com foco no enredo do texto propriamente dito. Neste momento, o grupo discute profundamente a história e suas nuances.

Terminando o itinerário de discussão, encerramos o ciclo de discussão com as histórias de convivência, em que é solicitado que cada participante faça uma análise sobre a experiência que vivenciou durante a realização da atividade, considerando as perspectivas dos outros participantes e toda a dinâmica em grupo.

Neste trabalho, cooperando com os estudos realizados pelo nosso grupo de pesquisa, que apontam o potencial humanizador da atividade, conforme Bittar55. Bittar Y, Sousa MAS, Gallian DMC. A experiência estética da literatura como meio de humanização em saúde: o Laboratório de Humanidades da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. Interface (Botucatu). 2013; 17(44):171-86 e Lima et al.66. Lima CC, Guzman SM, Benedetto MAC, Gallian DMC. Humanities and humanization in healthcare: the literature as a humanizing element for health science undergraduates. Interface (Botucatu) 2014; 18(48):139-150., contribuímos especificamente a partir da leitura do romance proposto, apresentando uma interpretação teórica da nossa metodologia como proposta didática para a formação humanística e humanização na área da saúde.

METODOLOGIA

Nossa pesquisa ocorreu no primeiro semestre de 2012. Foram duas turmas com encontros semanais, às terças-feiras e às sextas-feiras. Tivemos nove encontros com uma hora e meia de duração para cada grupo.

A coleta de dados deu-se a partir de três fontes: observação participante77. Geertz C. Obras e vidas: o antropólogo como autor. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; 2011., história oral de vida88. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto; 2007. e relatórios entregues pelos participantes ao final do curso.

Observação participante

Optamos pela observação participante como forma de observar o fenômeno em si de modo tal que as falas dos envolvidos constituíssem a fonte primária de produção de sentido da experiência coletiva na atividade:

[...] trata-se de como introduzir um autor testemunha ocular numa história de retrato deles. Comprometer-se com uma concepção essencialmente biográfica do Estar Lá, em vez de uma concepção reflexiva, aventureira ou observacional, é comprometer-se com uma abordagem confessional da construção do texto.77. Geertz C. Obras e vidas: o antropólogo como autor. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; 2011. (p.112).

Todas as reuniões foram registradas digitalmente, e algumas foram filmadas. Tais registros foram parcialmente transcritos, levando-se em consideração os focos escolhidos para interpretação. As anotações são adequadas para se obter uma organização lógica das ideias.

Além das gravações, nos baseamos nas anotações do caderno de campo feitas durante as reuniões. Tal registro foi fundamental para a recordação posterior de percepções que emergiram no momento da leitura.

Relatórios

Os relatórios são exigidos para a avaliação e validação de créditos dos alunos matriculados na disciplina. Embora nem todos os participantes sejam formalmente vinculados à universidade ou necessitem de créditos, lhes é pedido que, de forma voluntária, redijam também seus relatórios, nos quais expõem suas experiências em forma de narrativa. Por se tratar de material de pesquisa, o objetivo é que se expressem com liberdade a respeito de sua experiência, pois a possibilidade de escrita do relatório também é vista como um momento de reflexão e de experiência de produção de afetos.

História oral de vida

Para uma compreensão mais profunda da importância individual de nossa atividade como meio de formação humanística e humanização, optamos pela história oral de vida88. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto; 2007., o que tornou possível a análise a partir de uma perspectiva pessoal sobre os efeitos e significados da participação do colaborador na disciplina.

Foram selecionados quatro colaboradores, que foram entrevistados após aceitarem o convite e assinarem o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), segundo as exigências do Comitê de Ética e Pesquisa da Unifesp, aprovado de acordo com o processo 1399/1. Eis o perfil desses colaboradores, identificados por pseudônimos: Joseleine: enfermeira de formação e doutoranda na Unifesp; Lucas: advogado do Cremesp; Elizeth: dermatologista em consultório particular; Julieta: médica e professora na Unifesp.

Os colaboradores narraram suas histórias de vida tendo por fim a compreensão particular da significação da experiência efetiva na atividade99. Rocha SP, Benedetto MAC, Fernandez FHB, Gallian DMC. A trajetória da introdução e regulamentação da acupuntura no Brasil: memórias de desafios e lutas. Ciênc. saúde coletiva [Internet]. 2015 Jan [citado 2015 Jun 09]; 20(1):155-164. Com base em questões específicas, chamadas “perguntas de corte”, foi possível aprofundar a narrativa com a finalidade de perceber o que o próprio colaborador refletiu e sentiu a respeito de sua participação. Tais perguntas foram: como a participação o influenciou pessoal e profissionalmente? As sensações, ideias, emoções, percepções, etc. compartilhadas durante as reuniões afetaram sua vida profissional e pessoal? Os saberes compartilhados influenciaram efetivamente a prática profissional e social? O que a leitura sugeriu conceitualmente no que tange à humanização? E como essa concepção influenciou a própria formação? Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas integralmente e posteriormente “transcriadas”88. Holanda F, Meihy JCSB. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto; 2007..

Interpretação dos dados

O material produzido foi interpretado por meio da imersão/cristalização, de acordo com a Fenomenologia Hermenêutica de Borkan1010. Borkan J. Immersion/Crystallization. In: Miller WC, Crabtree BF, editors. Doing qualitative research. Thousand Oaks: Sage Publications; 1999. p. 179-194.. No processo de imersão, examinamos alguns dos dados detalhadamente. A cristalização é o processo de suspender o exame dos dados a fim de identificar e articular padrões ou temas observados durante a imersão. De acordo com a concepção interpretativo-hermenêutica, analisamos os dados fragmentando e reorganizando os fragmentos. As falas dos colaboradores foram, assim, divididas de forma a possibilitar um procedimento minucioso de interpretação de seus significados, articulando-as entre si para formular hipóteses explicativas do universo estudado1111. Duarte R. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Curitiba. Educar, Editora UFPR. 2004. n. 24. p. 213-225.. Assim, com base na análise profunda e exaustiva das falas resultantes dos métodos de coleta, buscamos responder à questão fundamental deste estudo, ou seja, se a experiência da arte pode ou não humanizar, à luz da experiência pessoal com foco na dimensão da afetividade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nossos resultados apontam a possibilidade de humanização dos estudantes e profissionais da área da saúde por meio da experiência estética da literatura em nossa atividade. Neste sentido, abordaremos tanto as características teóricas sobre a metodologia que empregamos, quanto os conceitos de humanização suscitados pelos participantes. Os eixos de análise não foram previamente concebidos, isto é, surgiram do material empírico colhido durante a pesquisa.

Partindo da própria experiência dos participantes e apoiando-nos na filosofia estética de Kant e Schiller, o sentido em que levamos nossa exposição busca mostrar como a experiência da arte, com base na metodologia de nossa disciplina, pode proporcionar uma experiência humanizadora.

“Complacência” na experiência da arte

Logo nos primeiros dias de atividade, observando a que altura da leitura cada participante estava, percebemos que muitos não tinham lido todo o livro ainda, sendo muito variado o desenvolvimento da leitura entre os participantes. Esse fator é importante para notarmos se a metodologia de discussão adotada motiva os participantes à leitura, o que acabou por se mostrar efetivo.

No momento em que cada participante se apresentava no primeiro encontro, no qual contaram suas “histórias de leitura”, alguns revelaram suas impressões tendo ou não terminado a leitura, e, nesse momento, muitos assumiram que estavam desanimados com o texto. Porém, ficou claro na fala de alguns que eram conhecedores da metodologia, que a discussão motivaria a leitura. Um deles chegou a dizer que, se não fosse pela dinâmica da atividade, não teria lido o livro.

Nossa metodologia proporciona uma sensação de liberdade diferenciada na leitura, pois não se limita à necessidade de entender o livro de uma forma considerada correta; antes, o participante vivencia uma “experiência desinteressada da arte”. Essa ideia aparece em Schiller quando, em carta ao seu amigo Körner, diz: “pois bem, Kant está manifestamente correto ao dizer que o belo apraz sem conceito”1212. Schiller F. Kallias ou Sobre a Beleza. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor; 2002. (p. 54). Claramente, Schiller se inspira em Kant para entender que a percepção estética da arte está ligada ao gosto, como disse Kant: “Gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse. O objeto de uma tal complacência chama-se belo”1313. Kant I. Crítica da Faculdade do Juízo. 3.ed. São Paulo: Forense Universitária; 2012. (p. 47). Esta percepção é fundamental para entendermos a importância da metodologia da atividade como possível geradora dessa experiência, que é a ideia de “complacência”.

Afirmando que o juízo do gosto não requer conhecimento prévio de algo, por ser estético1313. Kant I. Crítica da Faculdade do Juízo. 3.ed. São Paulo: Forense Universitária; 2012., Kant sugere que o gosto pelo belo é verdadeiramente estético por ser desinteressado, contemplativo. A contemplação está relacionada ao sentimento de prazer, mas não com base em conceitos, tornando essa experiência desinteressada e livre1313. Kant I. Crítica da Faculdade do Juízo. 3.ed. São Paulo: Forense Universitária; 2012.. A importância de Kant para entender a experiência de leitura como “complacente” está na afirmação de que, apesar de desinteressada, o verdadeiro juízo estético do belo gera interesse. Em nota ao terceiro aforismo da Crítica da faculdade do juízo, Kant afirma: “[...] um juízo estético sobre um objeto de complacência pode ser totalmente desinteressado e ser contudo muito interessante, isto é, ele não se funda em nenhum interesse, mas produz um interesse [...]” e completa a nota dizendo que “[...] somente em sociedade torna-se interessante ter gosto [...]”1313. Kant I. Crítica da Faculdade do Juízo. 3.ed. São Paulo: Forense Universitária; 2012. (p. 41).Compreendemos a fundamental necessidade de que a experiência da arte seja desinteressada e, mais do que isso, de que ela tenha “validade universal subjetiva”1313. Kant I. Crítica da Faculdade do Juízo. 3.ed. São Paulo: Forense Universitária; 2012. (p.51), ou seja, estética, pois a validade da leitura não se deve aos conhecimentos adquiridos, mas, sim, às percepções tidas pelos participantes.

Mesmo não ficando empolgado com a leitura, o leitor assume que muitos conteúdos são “incorporados”. Esse fato é explicado em razão de a metodologia levar à leitura conjunta da obra. Como dito por Julieta:

“Se fosse só ler o livro em casa sozinha, não teria, provavelmente, causado tanta coisa assim, seria diferente. Eu acho que até porque eu não vivi essa experiência solitária com esse livro, mas eu fico pensando que sim, porque, como o personagem de cara me desagradou, e eu não gosto de deixar livro sem ler, eu ia ler até o final, mas seria diferente. Como já disse, de início eu não gostei, mas depois eu mudei de ideia. E eu nem sei se é do livro que eu gosto, eu acho que eu acabei gostando do livro, não sei, porque assim eu consegui entrar no livro de verdade, sabe? Com a ajuda das observações de cada um. Então, se fosse ler sozinha, eu ia apenas cumprir um protocolo e talvez não tivesse feito tanta reflexão.

Em outro momento da entrevista, Julieta afirma:

“[...] essa leitura conjunta também facilita nisso, isso é muito comentado nas reuniões e eu nunca passei por essa experiência. De repente você fala: “olha, o indivíduo disse isso aqui, tal personagem disse aquilo”, e faz toda discussão em cima de uma fala, que para mim tinha passado completamente longe daqui, eu ainda não tinha entendido, sabe? Então, o Laboratório de Humanidades com essa obra me despertou o seguinte olhar: o que o outro traz. Quer dizer, as coisas importantes de um olhar direcionado, objetivo. O outro também tem um olhar objetivo, só que de outra forma. Ele vê com outra lente, temos que ver com a lente do outro, eu não estava atenta a isso, entendeu? Vou olhar para o mesmo lugar, só que minha lente é azul, a dele é rosa e, no final, você vai crescendo. Por isso até comentei que não gostaria mais de ler sozinha, porque é muito solitário mesmo. O que é muito legal também, só que, quando você divide com outro, você não divide, você multiplica, acho que o papo fica até mais leve, tem coisa que a gente não percebe. Isso é que é muito mais louco! Tem algumas falas que faz parecer que o outro está lendo um livro diferente, e eu acho que isso também tem a ver com a história de vida de cada um, o percurso de vida mesmo, sabe?”

Essa mesma questão apareceu diversas vezes nos relatórios, tendo-se afirmando que, ao ouvir outras interpretações do texto, a leitura fica mais interessante. A experiência estética é complacente ao gerar esse interesse, fruto da contemplação livre do belo na arte. Como sustenta Kant: “[...] a universalidade estética, que é conferida a um juízo, também tem de ser de índole peculiar, porque ela não conecta o predicado da beleza ao conceito do objeto, considerando sua inteira esfera lógica, e no entanto entende o mesmo sobre a esfera inteira dos que julgam”1313. Kant I. Crítica da Faculdade do Juízo. 3.ed. São Paulo: Forense Universitária; 2012. (p. 52).

Daí a fundamental importância de que essa experiência seja singular e compartilhada, para que os olhares ampliem essa contemplação desinteressada, bem como através da troca de significados com os outros, por meio da razão, as percepções estéticas ganhem nomes. Desta forma, uma experiência “complacente” da arte é compreendida como um fator que possibilita uma experiência formativa humanizadora, pois aumenta as possibilidades de ampliação da presença da esfera do ser1414. Coelho T. A cultura como experiência. In: Ribeiro R. Humanidades: um novo curso para a USP. São Paulo: EDUSP; 2001. p. 65-101. ou o que podemos chamar de humanização.

Ampliação da experiência da arte

Sugerimos também que, além de motivadora, nossa metodologia pode proporcionar uma ampliação da experiência da arte.

Em um dos encontros, um dos participantes disse que a arte tem o potencial de nos fazer entrar em contato com nossa íntima “natureza moral”. Isto é, por meio da relação com as crises geradas pela leitura e com as sensações de prazer e de afetos, a experiência da arte aprofunda a percepção da existência. Além disso, quando a experiência é compartilhada, esse encontro pode ampliar esse efeito tanto em nós como nos outros. Logo, as impressões da leitura são tanto individuais quanto coletivas, resultando no que foi chamado diversas vezes de “ampliação de consciência”, em razão da “escuta do outro”. Nesse sentido, nossa colaboradora Julieta diz:

“Eu estou pensando uma coisa aqui, porque na verdade, como você vê, eu nem gostei da obra no começo; quando li, achei um “porre”. No entanto, a arte é modificadora mesmo, porque, mesmo não gostando, provocou alguma coisa em mim, provocou reflexões e, a partir das reflexões conjuntas, eu pude me modificar, trazer coisas para o trabalho. Então, de fato, a arte é, eu acho, muito importante mesmo”.

No caderno de campo, a esse respeito, foi apontada a importância das “histórias de leitura”, pois a diversidade de opiniões é como um complemento da história, em que até mesmo os comentários contrários ao livro não são tidos como negativos, mas como provocadores. Essa divergência de leituras promove contato com diversas maneiras de pensar, proporcionando reavaliação dos julgamentos. Observamos que muitos participantes mudaram de ideia sobre o livro durante o ciclo de leitura. Portanto, a metodologia de nossa atividade é caracterizada por valorizar as falas dos outros e a construção coletiva da experiência de leitura, levando em consideração as individualidades de cada participante.

As discussões não têm caráter passivo, mas de ação crítica sobre todo o conteúdo, tanto do romance quanto dos debates. Nesse sentido, um dos participantes citou um trecho do romance: O que não se discute, não se pensa com precisão1515. Goethe YWV. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. 2.ed. Trad. Nicolino Simone Neto. São Paulo: Editora 34; 2006. (p. 432-433). Essa concepção aparece não apenas no campo de crítica conceitual, mas no de prática na vida, pois, como apontado por outro participante, a formação aparece como ação no mundo. Ou seja, não é um movimento passivo apenas de reflexão; a formação sugere ação para transformação. Nesse sentindo, referindo-se ao tema da “complacência”, Schiller nos diz que: “na contemplação do fenômeno, nos comportamos passivamente enquanto sentimos suas impressões; ativamente enquanto submetemos essas impressões às nossas formas de razão [...]”1212. Schiller F. Kallias ou Sobre a Beleza. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor; 2002. (p. 54).

Ainda considerando as falas expressas durante a leitura conjunta e a atenção à sua diversidade, a atividade aparece com o potencial de gerar encontro com o outro e consigo mesmo, uma oportunidade de autoconhecimento, pois “ao falar sobre a obra, falamos sobre nós distraidamente”, diz uma das participantes, de acordo com o registro de caderno de campo.

A leitura pode nos fazer mergulhar em questões fundamentais da vida. e essa experiência, quando compartilhada, faz com que reconheçamos que “temos questões que não sabemos”, como foi dito por outro participante em seu relatório. Tais falas reforçam o poder da leitura conjunta,que possibilita esse olhar para si mesmo ouvindo o outro, pois a diversidade de opiniões é vista como fator de crescimento, gerando ampliação da sensibilidade.

O depoimento de outra colaboradora aponta o impacto e o potencial estético desse método. Ela fala sobre a percepção que teve de seu próprio endurecimento diante da percepção da beleza da história e ficou chocada consigo mesma ao perceber isso. Essa percepção veio em razão dos depoimentos dos colegas do grupo. Como diz a colaboradora Joseleine:

“Este ano, até quando eu li o livro que estava sendo discutido no Laboratório, eu estava sem perceber as riquezas das coisas, porque estava habituada com uma leitura muito técnica. [...] Então, eu fiquei tão técnica que eu li o Wilhelm Meister dessa forma. A história é bonita, mas não consegui me deixar comover. Talvez por essa ânsia de estar com muitas atividades. Então eu fiquei meio gélida. [...] E fiquei meio chocada comigo mesma. E percebi isso enquanto ouvia os depoimentos do pessoal da classe. Teve gente que leu muito pouco do livro, que ficou nas primeiras páginas e conseguiu tirar muito mais coisas do livro do que eu, mais profundidade. Ler curtindo o livro, coisa que eu não fiz com o Wilhelm Meister. Eu li correndo, no ritmo do frenesi de São Paulo. Isso tem a ver com o que eu estou vivendo hoje, não é?”

Percebemos que tal aspecto aparece como proporcionador de determinado impulso por uma busca interna, como diz o colaborador Lucas ao afirmar: (O trecho questionado foi retirado)

“Engraçado que essa influência da literatura é sutil. Não é algo que você pensa e fala “agora li Goethe, vou mudar de vida”. É uma mudança que acontece à medida que você vai lendo o livro, essas coisas parecem que ficam no seu subconsciente e vamos pondo em prática depois, no dia a dia. Então, eu não sei dizer se houve uma mudança pontual, mas há uma mudança de comportamento, isso ficou claro. Eu costumo fazer muita autorreflexão e pude perceber isso, quer dizer, houve uma mudança de comportamento da minha parte, mas uma mudança sutil, que se reflete no dia a dia, percebendo situações em que agiria de determinada maneira e percebo que reagi diferente e só depois é que me dou conta disso”.

A mesma percepção aparece em outro comentário, feito pela colaboradora Joseleine:

“Enfim, foi muito bom participar do Laboratório de Humanidades, adorei estar aqui às sextas-feiras. Era uma parte do dia em que não era uma peça de teatro em que eu ia e comprava o ingresso. Somos humanos e temos experiências diferentes, diversas, e, nesse contexto, isso é bom demais. É ótimo! É a relação humana que deveríamos ter mais fora daqui, talvez. Isso é ótimo! As sutilezas, o comovente, isso é humano, é bom. Mesmo eu estando atravancada com a leitura do Wilhelm Meister, não tendo aproveitado muito, o efeito foi muito sutil”.

Nesta fala, podemos perceber a importância dos “outros” para que haja esse “efeito sutil”:

“Eu acho que o Laboratório de Humanidades tem um método que educa isso. O exercício da leitura educa, com certeza. Porque é o que o tempo inteiro a gente faz aqui. Às vezes a pessoa está falando uma coisa e já queremos levantar e debater, mas o coordenador diz: “espera, que ainda não é a sua vez, não é a sua hora”. Tem que se segurar porque você sabe que você já falou e que você não vai falar naquele momento, até porque tem outras pessoas. E também tem o respeito à opinião. Antes, a primeira coisa que eu falava era: “não, isso aí não tem nada a ver”. Agora não, agora já penso: “será que ela tem razão?”. Já começo a tentar olhar o que o outro está falando e se colocar no lugar do outro para entender. Então, eu acho a metodologia da discussão muito legal. E essa coisa de ter seu tempo, de você já falou, então agora vamos ouvir. Aprende a controlar a ansiedade”. (Elizeth)

O participante não é coagido a ouvir, ele é “educado”, passa a ter paciência. Assim, podemos perceber um claro sentido pedagógico e ético na metodologia, que cria um lugar de vínculos e escuta. E isto se torna possível por haver um tempo para o outro se mostrar, e é necessária a geração de atenção e paciência ao olhar deste outro:

“No Laboratório de Humanidades, por exemplo, um diz uma coisa e de repente o outro divaga, fala, e às vezes eu dizia: “ai, meu Deus, isso aqui não vai pra frente”. No início eu não tinha muita paciência. Só que, realmente, depois eu parei pra pensar e percebi que eu só precisava ter tempo interno pra deixar o outro refletir para que eu pudesse refletir também. Não pode ser tudo tão imediato. Isso porque na linearidade a gente consegue perceber as coisas, mas realmente numa forma mais pobre, principalmente nas relações, porque você pensa que conhece o outro na objetividade, mas você não dá o tempo do outro se mostrar. Isso acontece muito no Laboratório de Humanidades. No começo, eu era muito impaciente, porque tinha muita divagação, e eu não queria fazer divagação”. (Julieta)

Neste ponto, devemos realçar uma dúvida apontada pelos colaboradores e que apareceu diversas vezes durante as discussões. É necessário já estar pronto e flexível para ser afetado pela leitura? É necessária uma busca anterior ou, como diz uma participante em seu relatório, “a arte é invasiva?”. Sobre isso, temos a seguinte consideração:

“Mas eu acho que não é só o Laboratório de Humanidades, é um contexto, porque a pessoa também tem que já vir com o espírito disposto, porque às vezes você pode pegar uma pessoa que vem aqui, faz duas ou três aulas e não aparece mais. Pensam: “o que tem de bom em ficar discutindo?”. É algo que a pessoa já tem buscado, eu acho. E se você já está buscando, você consegue se desenvolver”. (Elizeth)

Será necessário estar “pronto para ler?” É uma inquietação manifesta, como podemos conferir a seguir:

“Talvez por isso alguns livros e alguns personagens mexam mais com a gente, porque tem a ver com aquilo que somos. Você não sabe disso quando lê, mas ele está fazendo uma leitura de você, então bate naquela coisa e você se identifica, se vê. Talvez por isso as pessoas tenham resistência, porque não é o que estão lendo, que é o que eu comecei falando, às vezes a gente não está pronta para determinadas coisas. Então, naquele momento, eu achava que era a pressa e, na verdade, eu não estava pronta para ver algumas coisas”. (Julieta)

Neste ponto, é necessário considerar que, se for preciso “estar preparado”, a educação estética se torna primordial, pois tem o potencial de gerar essa sensibilidade. Porém, pode-se perceber que, por apresentar, como parte da narrativa, questões sobre a formação humana, o romance pode ser compreendido também de forma didática, para além de um material de fonte de reflexão filosófica. Nesse caso, como resultado da metodologia, o romance aparece como fonte teórica sobre formação, de modo que o ensino surge junto ao deleite da leitura, para além de um conhecimento formal, podendo gerara sensibilidade necessária para que haja o efeito humanizador1616. Compagnon A. Literatura para quê? BeloHorizonte: Ed. UFMG; 2006. Logo, claramente, existe a necessidade de disposição pessoal do participante para que seja afetado de algum modo. Porém, é possível que essa vontade, ou sensibilidade, seja gerada em função da metodologia.

Humanização como “despertar lúdico”

Concluiremos esta análise buscando compreender como a metodologia interfere não somente no que se refere à formação afetiva, mas também no que tange à razão, tendo em vista que a educação estética pressupõe a união do “impulso sensível” com o “impulso formal”1717. Schiller F. A educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras; 2011., que, gerada pela contemplação estética, pode resultar no que Schiller chamou de “impulso lúdico”, conceito que está completamente ligado à ideia de humanização que temos neste trabalho. Como diz Schiller:

Esta relação de reciprocidade entre os dois impulsos é meramente uma tarefa da razão, que o homem só está em condição de solucionar plenamente na perfeição de sua existência. É a ideia de sua humanidade, no sentido mais próprio da palavra, um infinito, portanto, do qual pode aproximar-se mais a mais no curso do tempo sem jamais alcançá-lo1717. Schiller F. A educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras; 2011.. (p. 69)

Deve ficar claro que tratamos de um ideal estético de humanização, ou seja, não é algo que se conclui, mas é fruto de uma experiência inconclusiva.

Schiller sugere que o ser humano nunca será completo enquanto buscar saciar apenas uma dessas esferas. Portanto, a educação estética tem por fim causar essa “dupla experiência” de forma simultânea, que pode gerar, em suas palavras, “[...] uma experiência plena de sua humanidade”1717. Schiller F. A educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras; 2011. (p. 69). Essa experiência de ampliação da humanidade é o que entendemos ser a humanização.

Acreditamos que, com a experiência possível na atividade estudada, a teoria passa a ser verificada em prática por possibilitar ao participante a experiência estética do “impulso lúdico”, quando: “Na mesma medida em que toma às sensações e aos afetos a influência dinâmica, ele os harmoniza com as ideias da razão, e na medida em que despe as leis da razão de seu constrangimento moral, ele as amplia e as compatibiliza com o interesse dos sentidos”.1717. Schiller F. A educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras; 2011. (p. 71).

Em sua XV carta sobre a educação estética do homem, Schiller mostra que o objeto do “impulso sensível” é a própria vida, ou seja, tudo que se relaciona aos sentidos. O do “impulso formal” se refere à forma, ou seja, se relaciona a toda faculdade do pensamento. Seu objeto é formal, racional. Já o “impulso lúdico” representa o que é chamado de “forma viva”, pois se refere à liberdade gerada pelo fenômeno da experiência estética1717. Schiller F. A educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras; 2011..

Mais especificamente sobre o antagonismo entre humanização e metas, foi dito:

“Então, eu acho que o Laboratório de Humanidades, no ciclo do Wilhelm Meister, quebrou essa coisa da técnica da hora de ler. Nunca foi imposto nada, mas eu me cobrava. Tinha gente que não havia lido uma folha, mas chegava e discutia, saía e entrava, e eu percebia que eles eram muito mais livres! E eu não, eu estava presa a essas teorias aí, que amarram a gente, presa em cumprir as metas. Vamos supor assim, você vai colocar mais humanidade numa ala hospitalar se você obrigar os seus funcionários a conquistarem um ISO 9000? Nunca! Jamais! Esquece! Você não vai conseguir humanização assim, não vai! Os caras vão cumprir metas, humanidade eles não vão ter, não! Ele vai conseguir o selo, maravilha! Mas quem ele estará enganando? O diretor do hospital que quer isso?” (Joseleine)

A ideia de formação suscitada, em todas as fontes, sugere que esta vai muito além de conteúdos intelectuais, é como uma preparação para a vida real. Porém, para tanto, a educação estética e afetiva pode nos levar a valorizar vivências, sentimentos e emoções. Do ponto de vista estético, a formação e a humanização têm a ver com esse processo de busca por identidade.

A formação também foi pensada como harmonização entre a “realidade interior” e a “realidade exterior”. E isso foi relacionado a “encontrar a vocação”, ou seja, identificar e descobrir o que está dentro de si mesmo. Logo, a formação aparece como a construção dessa harmonia. A “organização externa”, ou seja, o mundo real, antagonizado ao “desencontro interno”. Em outras palavras, estar desarmonizado consigo mesmo. O papel formativo da arte surge por representar a vida como um caminho de harmonização entre a realidade e o “si mesmo”, ao passo que o gosto se constrói e se expande em nós mesmos.

Percebe-se, também, o potencial da educação dos sentimentos pela representação artística, pois esta pode intermediar o que somos com a representação da vida feita pela arte. A partir deste entendimento, a formação ganha uma nova característica: a da responsabilidade pelo outro.

A desumanização, principalmente em função do sofrimento encarado no cotidiano do agir profissional da área da saúde, aparece como “proteção” e é endossada pelo ensino técnico, que parece tornar esse profissional distante da vida real, na medida em que lhe permite fugir do sofrimento1818. Gallian DMC; Ponde LF, Ruiz R. Humanização, humanismos e humanidades: Problematizando conceitos e práticas no contexto da saúde no Brasil. Revista Internacional de Humanidades Médicas. Madrid.2012;1(1).. Por outro lado, a “formação”, tal como se realiza na atividade estudada, parece “flexibilizar” as sensações, colocando-o novamente em contato com a realidade da vida, agora “sem proteção”. Nesse sentido, a desumanização representaria essa defesa dos riscos da vida, uma busca ingênua por segurança, ao passo que a educação para a formação parece “sensibilizar” para a realidade do sofrimento.

Essa formação afetiva por meio da experiência da arte é compreendida como necessária na educação do profissional de saúde, pois: “você não impõe humanização, isso tem que ser despertado, não tem jeito” (Lucas). Depois, Lucas continua afirmando:

“A medicina está muito mecanizada. Quer dizer, você tem um plano de saúde, e o médico já não tem relação nenhuma com o paciente; a relação dele é com o convênio. O paciente que ele recebe não vem porque procurou um médico específico, mas sim porque o plano de saúde disponibilizou ou indicou aquele médico. Então, isso tudo vai esfriando a relação entre médico e paciente. E acho que reverter isso é um trabalho necessário”.

Concluímos que é devido à “liberdade no fenômeno”, sua definição categórica de belo1212. Schiller F. Kallias ou Sobre a Beleza. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor; 2002., que a arte tem o potencial de ampliar a nossa humanidade, ou seja, humanizar, tornando-nos “forma viva”. E esse “jogo”, como também é chamado, nos humaniza, ao passo que: “[...] na unidade estética se dá a unificação real e uma alternância da matéria com a forma, da passividade com a atividade, por isso mesmo se prova a unificabilidade das duas naturezas, a exequibilidade do infinito no finito, portanto a possibilidade da humanidade mais sublime1717. Schiller F. A educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras; 2011. (p. 122).

Como nos mostra Schiller, essa “união dos impulsos” é o papel da cultura estética, em que:

quanto mais facetada se cultiva a receptividade, quanto mais móvel é, quanto mais superfície oferece aos fenômenos, tanto mais mundo o homem capta, tanto mais disposição ele desenvolve em si; quanto mais força e profundeza ganha sua personalidade, quanto mais liberdade ganha sua razão, tanto mais mundo o homem concebe, tanto mais forma cria fora de si.1717. Schiller F. A educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras; 2011. (p. 64)

CONCLUSÃO

Considerando a importância das humanidades no que se refere à formação do profissional de saúde, sugerimos, neste estudo, que a metodologia aplicada em nossa atividade, somada à experiência de leitura do romance proposto, possibilitou uma experiência coletiva e estética de reflexão e humanização entre os participantes, podendo contribuir com o tema da formação humanística na área da saúde.

Partimos de uma abordagem metodológica qualitativa para obter o material empírico referente às percepções dos participantes da disciplina, o que possibilitou compreender, com base em suas falas, como nossa atividade tem um potencial didático humanizador.

Para compreender o potencial da arte como forma de proporcionar uma educação humanizadora, nos inspiramos principalmente na filosofia estética de Friedrich Schiller e Immanuel Kant. Desta forma, sugerimos que a metodologia utilizada em nossa disciplina pode proporcionar uma experiência de “ampliação da humanidade”1212. Schiller F. Kallias ou Sobre a Beleza. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor; 2002., ao passo que a experiência da arte pode despertar o “impulso lúdico”1717. Schiller F. A educação Estética do Homem. São Paulo: Editora Iluminuras; 2011., responsável pela geração da liberdade estética necessária a uma ampliação das potencialidades afetivas.

Acreditamos que nossa experiência pode colaborar com o debate a respeito da importância do uso das Humanidades para a formação e humanização na área da saúde, ampliando as possibilidades de desenvolvimento de métodos didático-pedagógicos que buscam uma formação humanizadora em saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2015
  • Revisado
    26 Out 2015
  • Aceito
    07 Dez 2015
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