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Preceptoria Médica em Serviço de Emergência e Urgência Hospitalar na Perspectiva de Médicos

Medical Preceptorship in Accident and Emergency Hospital Service from the Doctors’ Perspective

RESUMO

Este estudo analisa a preceptoria na perspectiva de médicos em um serviço de emergência e urgência de um hospital de ensino em Goiânia (GO). Teve abordagem qualitativa e participação de 15 médicos no período de janeiro a março de 2013, por meio de entrevista semiestruturada. Na análise dos dados foi utilizada a técnica de análise temática de conteúdo. Constatou-se que os médicos entrevistados consideraram a preceptoria fundamental para o processo ensino-aprendizagem e que ser preceptor significa transmitir conhecimentos e se responsabilizar pela formação profissional. As discussões de casos clínicos e cirúrgicos foram as atividades de preceptoria mais citadas. Os entrevistados relataram que a preceptoria contribuiu para o preceptor continuar aprendendo. Destacaram como facilidades o bom relacionamento com a equipe multiprofissional, o interesse do estudante e a boa formação teórica; como dificuldades, falta de infraestrutura e de tempo, pouca comunicação entre docentes e preceptores, e ausência de capacitação para a preceptoria. Concluiu-se, na perspectiva dos médicos, que a preceptoria contribuiu para a formação dos futuros profissionais e que os preceptores enfrentaram muitas dificuldades no exercício dessa função, razão pela qual sugeriram melhorias na infraestrutura, nas condições de trabalho e em capacitação.

Preceptoria; Educação Médica; Emergências; Hospitais de Ensino; Médicos

ABSTRACT

This study aims to analyze preceptorship, from the doctor’s perspective, in a school hospital urgency and emergency service in Goiânia, Goiás. The study used a qualitative approach and, through semi-structured interview, interviewed fifteen doctors from January to March 2013. It was developed a thematic content analysis, which concluded that the doctors interviewed consider preceptorship central to the teaching-learning process. They believe that being a preceptor means transferring knowledge and taking responsibility for vocational training. The discussion of clinical and surgical cases were the most cited activities. Participants reported that preceptorship helped the preceptor to keep learning. They highlighted the good relationship with the multidisciplinary team, the student’s interest and his/her good theoretical training as abilities. As difficulties, they mentioned the lack of infrastructure and time, little communication between professors and preceptors and low training to preceptorship. The research concluded that, from the doctor’s perspective, preceptorship contributed to the formation of future professionals. They also faced difficulties developing this task and therefore they suggested improvements in infrastructure, working conditions and training.

Preceptorship; Medical Education; Emergency; Teaching Hospitals; Physician

INTRODUÇÃO

A formação de profissionais da área da saúde tem sofrido uma série de reestruturações com o objetivo de suprir as carências relacionadas principalmente à capacidade efetiva de resolução dos problemas de saúde da população brasileira.

Em 2001, o Ministério da Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação na área da saúde (DCN)11. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº4, de 07 de novembro de 2001. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília, DF: CNE/CES, 2001. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES04.pdf>Acesso em 20 jun. de 2013.
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e estabeleceu as competências e habilidades gerais a serem desenvolvidas no processo de formação do médico – atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento, e educação permanente –, buscando romper com o modelo tradicional de formação.

Nesse mesmo ano, após a publicação das DCN, os ministérios da Saúde e da Educação lançaram o Programa de Incentivos às Mudanças Curriculares dos Cursos de Medicina (Promed)22. Brasil. PROMED. Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares das Escolas Médicas. Ministério da Saúde; 2001., que visa adequar a formação e o currículo dos médicos à realidade atual do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2005, foi implantado o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde)33. Brasil. PRÓ-SAÚDE. Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. e, em 2008, o Programa de Educação pelo Trabalho na Saúde (PET-SAÚDE)44. Brasil. PET-SAÚDE. Programa de educação pelo trabalho para a saúde. Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.. Todos esses programas objetivam fomentar as mudanças curriculares propostas nas DCN.

Nesse contexto, os hospitais universitários têm papel fundamental na formação e capacitação de todos os profissionais na área da saúde, e sua concepção se caracteriza, tradicionalmente, por ser a instituição que faz um prolongamento de um estabelecimento de ensino em saúde (de uma faculdade de Medicina, por exemplo)55. Medice AC. Hospitais universitários: passado, presente e futuro. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Washington, DC. Rev Ass Med Brasil 2001; 47(2):149-56..

Em vista da necessidade de reformular a orientação profissional nas instituições formadoras na área da saúde, o treinamento dos estudantes e residentes tornou-se um desafio. Daí a importância de entender o exercício da preceptoria, reconhecendo o papel do preceptor como mediador do processo ensino-aprendizagem e as inter-relações entre estudantes, docentes, usuários, gestores e equipe multiprofissional66. Wuillaume SM. O Processo ensino aprendizagem na residência médica em pediatria: uma análise. Rio de Janeiro; 2000. Doutorado [Tese] – Fundação Oswaldo Cruz..

Na maioria das unidades de saúde, a estrutura física é inadequada às atividades de ensino e ainda há atitudes indiferentes em relação à presença dos estudantes. Os preceptores não se sentem estimulados e capacitados para o exercício da preceptoria, o que dificulta a inserção dos estudantes na rede77. Barros LR, Soares LVB. A Realidade da atenção básica e as necessidades da escola médica são incompatíveis? Rev. Bras. Educ. Med. 2008; 32(3):434..

A capacitação de médicos e outros profissionais para as atividades de preceptoria realizadas durante a jornada cotidiana de trabalho, nas instituições de ensino, com atendimento às emergências e urgências, continua sendo um grande desafio devido à grande demanda e sobrecarga dos serviços disponibilizados para o recebimento da população com agravos e necessitados de assistência à saúde88. Perrenoud P. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed; 2002.,99. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2048 de 02 de novembro de 2002. Dispõe sobre o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência. Brasília: Ministério da Saúde; 2002..

Este estudo tem como objetivo descrever a preceptoria do Serviço de Emergência e Urgência Adulto (Seua) do maior hospital público federal de ensino do Estado de Goiás, na perspectiva dos médicos, o que permitirá compreender melhor quem são e o que pensam a respeito do significado de ser preceptor e das suas atividades.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo de caso com abordagem qualitativa. Aqui, o caso se relaciona à preceptoria, que é uma das atividades desempenhadas pelos profissionais investigados do Seua de uma instituição federal de ensino superior (Ifes) em Goiânia (GO) e que faz parte do processo de ensino-aprendizagem para a formação dos médicos. A descrição será construída sob a perspectiva dos preceptores médicos.

Os critérios de inclusão consideraram o fato de serem médicos efetivos na instituição, terem aceitado o convite para participar, atuarem no serviço há mais de um ano e atenderem às emergências e urgências clínicas e cirúrgicas durante o período diurno, desenvolverem atividades de preceptoria e terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os que recusaram participar e os que estavam de férias, de licença médica ou licença-maternidade.

O instrumento de coleta de dados foi elaborado pelas pesquisadoras, aplicado por meio de um teste piloto e reestruturado para atender aos objetivos da pesquisa. O critério utilizado para definir o total de sujeitos a ser entrevistado foi o de saturação teórica das informações1010. Denzin NK, Lincoln YS. Editors. Handbook of qualitative research. Thousand Oaks: Sage Publications; 1994..

Os dados foram coletados de janeiro a março de 2013. Do total de 23 preceptores médicos lotados no serviço, o grupo social foi constituído por 15 médicos. Foi utilizada a entrevista semiestruturada, guiada por um roteiro com perguntas abertas que abordaram questões norteadoras sobre a preceptoria desenvolvida naquele serviço. As entrevistas foram realizadas e gravadas pela primeira pesquisadora, após a assinatura do TCLE. Com duração total de cerca de 30 a 40 minutos, foram gravadas em MP3 com autorização dos participantes e depois ouvidas e transcritas na íntegra.

Uma vez transcritas. as entrevistas foram lidas, e os dados foram codificados e categorizados utilizando-se o programa Atlas-Ti 7.0.®.1111. Atlas.ti. Scientific Software: qualitative data analysis. Version 7.0.77. Berlin: Development GmbH; 2012., que auxiliou no agrupamento das informações e análise dos resultados. Devido à elevada quantidade de material obtido, foi necessário criar subcategorias com base nas falas dos entrevistados.

Para a análise dos dados, foi empregada a técnica da análise de conteúdo proposta por Bardin1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Tradução de Luis Antero Reto, Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70; 2011.. Na análise interpretativa das entrevistas, surgiram citações naturais, que contribuíram para a elaboração das categorias temáticas sobre a preceptoria no Seua investigado1313. Milles MB, Huberman AM. Qualitative data analysis: an expanded sourcebook. London: Sage; 1994..

Conforme preconizado pela Resolução 196/961414. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. Brasília: Ministério da Saúde; 1996., a pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), e, após a aprovação sob o protocolo nº 045/2012, teve início o trabalho de campo e as entrevistas.

RESULTADOS

Participaram do estudo 15 médicos, 93,4% (14/15) especialistas e 6,6% (1/15) mestre, 86,6% (13/15) do sexo masculino, com idade entre 30 e 58 anos. O tempo de trabalho variou entre 5 e mais de 20 anos. Todos referiram ter outra atividade de trabalho fora do Seua. A carga horária para 53,4% (8/15) foi de um plantão por semana; para 40% (6/15), dois plantões; e para 6,6% (1/15), três plantões.

Os preceptores médicos revelaram que dividem sua carga horária entre as atividades de assistência e ensino. A maioria (73,4%, 11/15) dedicava tempo integral às atividades de preceptoria, e uma minoria (26,6%, 4/15) referiu que a dedicação era esporádica ou parcial. Quanto à capacitação para a preceptoria, 80% (12/15) não foram capacitados. A maioria (86,6%, 13/15) considera que não foi remunerada para a função.

A análise interpretativa das entrevistas permitiu destacar sete categorias temáticas sobre a preceptoria desenvolvida no Seua do HC/UFG: (1) significados de ser preceptor; (2) atividades de preceptoria; (3) contribuições da preceptoria para o preceptor; (4) facilidades e dificuldades/limitações para o exercício da preceptoria; (5) causas de satisfação ou insatisfação; (6) influências da preceptoria para o discente; (7) sugestões para melhoria da preceptoria. O Quadro 1 apresenta as categorias e subcategorias resultantes da análise.

QUADRO 1
Categorias gerais e subcategorias emergentes das falas dos médicos participantes

SIGNIFICADOS DE SER PRECEPTOR

Entre os 15 médicos entrevistados, para 100% (15/15), ser preceptor significava ensinar, ensinar na prática, transmitir conhecimentos e orientar graduandos e residentes:

Significa usar da arte de ensinar. (M-15).

[...] ensinar a prática da medicina para os acadêmicos do curso de Medicina. (M-10).

Transmitir informação e conhecimento, principalmente para os estudantes e residentes do Hospital das Clínicas. (M-14).

Preceptor seria a orientação de pessoas em graduação, porque o preceptor é uma mola mestra do hospital. (M-3).

Para 60% (9/15) dos entrevistados, eles contribuíram e se responsabilizaram pela formação profissional, humana e ética e adquiriram experiência profissional:

É ajudá-los na formação ética e humana como profissional médico. (M-9).

Preceptor significa ajudar os alunos no conhecimento ao longo desse período de experiência na medicina. (M-12).

Para 13,4% (2/15) dos entrevistados, uma das funções do preceptor é apoiar o estudante:

Tirar suas dúvidas é o apoio que o aluno necessita durante esse aprendizado. (M-5).

ATIVIDADES DE PRECEPTORIA

Orientação das atividades da prática médica

As atividades de preceptoria foram relatadas como a orientação na discussão de casos clínicos e cirúrgicos para 86,6% (13/15) dos entrevistados; na discussão dos aspectos éticos para 20% (3/15); e na solicitação de exames complementares para 13,4% (2/15):

O que eu faço é discutir caso a caso com cada aluno. (M-6).

[...] discutimos aspectos éticos, profissionais, envolvidos na questão do atendimento do paciente. (M-10).

Ensinamos a realizar o exame físico, a gente discute o exame complementar, tomografias, raios X simples. (M-10).

A orientação na realização de procedimentos clínicos e cirúrgicos foi relatada por 80% (12/15):

Orientações na parte de condutas clínicas dos pacientes quanto à parte de procedimentos clínicos, emergência, urgência, reanimação e cirúrgicos. (M-11).

Outras atividades relatadas por 66,6% (10/15) dos entrevistados foram orientação na realização da admissão, anamnese, exame físico, raciocínio diagnóstico, prescrição e evolução médica:

São atividades que envolvem o atendimento ao paciente: anamnese e exame físico. (M-14).

Ensinamos prescrição, raciocínio diagnóstico, abordagem terapêutica, exames laboratoriais no tratamento do paciente. (M-10).

Fazer as evoluções de pacientes. (M-13).

As atividades de preceptoria relatadas na execução de atividades práticas da medicina foram citadas por 33,4% (5/15):

Atividade essencialmente prática, que é o exercício da medicina, você auxiliar o graduando ou o residente no sentido de fazer o atendimento ao paciente. (M-5).

Orientação pedagógica

As atividades de preceptoria em atividades de ensino (seminários, leitura de artigos) estavam em 20% (3/15):

[...] também a parte teórica, a gente reúne temas para a discussão de artigos e estudo em conjunto. (M-11).

Seminários de doenças específicas de tratamento de urgência e emergência. (M-7).

CONTRIBUIÇÕES DA PRECEPTORIA PARA O PRECEPTOR

Desenvolvimento profissional

A contribuição da preceptoria para o preceptor mais relatada foi o estímulo à continuidade da aprendizagem/ensino (73,4%, 11/15):

Ajuda-me a atualizar, ir a congressos, cada vez mais me especializando, contribui bastante na minha profissão de médico. (M-15).

Outra contribuição, para 66,6% (10/15), era a troca, busca e atualização de conhecimentos em conjunto (estudante/professor):

[...] o conhecimento da própria medicina e é gratificante também para a gente. (M-12).

É importante porque eu aprendo muito com os alunos da mesma forma que eu ensino, ter que estudar, ter que me manter atualizada. (M-9).

Para 20% (3/15), a contribuição estava no crescimento profissional:

Contribui muito, ajuda a manter-se sempre em constante atualização e conhecimento, a buscar uma forma de crescimento profissional posteriormente. (M-11).

Realização pessoal

Foi também mencionada a contribuição para a realização pessoal por 33,4% (5/15) dos entrevistados:

Crescer como pessoas, à medida que vai ensinando outras pessoas, a gente percebe as angústias, os anseios, a busca do outro pelo conhecimento. (M-11).

FACILIDADES E DIFICULDADES/LIMITAÇÕES PARA O EXERCÍCIO DA PRECEPTORIA

Facilidades

Como facilidades, 40% (6/15) dos médicos mencionaram estudantes interessados e boa formação teórica:

A facilidade de eles estarem interessados em aprender e estarem sempre perguntando. (M-8).

A única facilidade é que tem uma quantidade de estudantes com preparo teórico muito bom. (M-1).

O bom relacionamento com a equipe multiprofissional foi citado por 26,6% (4/15) dos médicos:

A convivência com os estudantes é muito boa, a facilidade com a equipe de enfermagem. (M-6).

A instituição ser um hospital de ensino foi declarada por 20% (3/15) dos médicos:

Num hospital-escola e fazer uns cursos, para orientar melhor os profissionais que estão na graduação. (M-3).

A diversidade de casos clínicos complexos e a facilidade de comunicação foram expostas por 13,4% (2/15), e a motivação da equipe por 6,6% (1/15):

O Hospital das Clínicas tem essa vantagem porque acaba recebendo pacientes com grandes doenças complexas. (M-14).

Facilidade de comunicação com os alunos, pela própria forma como a maioria deles se mantém disposta a aprender, a ouvir [...] (M-9).

A enfermagem, a fisioterapia, a fonoaudiologia, o próprio pessoal da nutrição, as assistentes sociais estão empenhados em ajudar o paciente. (M-9).

Todavia, a maioria 60% (9/15) referiu pouca ou nenhuma facilidade no exercício da preceptoria:

[...] então, tem que se desdobrar para que você possa fazer esse trabalho de preceptoria. (M-4).

Dificuldades/limitações

A dificuldade mais mencionada foi a falta de espaço físico adequado, por 80% (12/15):

Os consultórios são todos enfermarias, a sala de eletro é enfermaria, a sala de reanimação é uma UTI, eu tenho que fazer um exame físico abdominal com o paciente sentado. (M-10).

O excesso de trabalho foi relatado por 46,6% (7/15) como uma limitação vivenciada durante as atividades laborais:

Ter menos pacientes para você trabalhar e tempo para dedicar a eles e aos alunos dos quais você está sendo preceptor. (M-1).

A falta de tempo para a preceptoria também foi referida por 33,4% (5/15) dos médicos:

Dificuldade de tempo para realmente fazer esse trabalho, tem que pegar o plantão, passar o plantão, e o trabalho de estar ensinando. (M-6).

Falta de medicamentos, materiais e equipamentos, risco de infecção hospitalar, segurança do paciente e falta de privacidade foram referidos cada um por 33,4% (5/15) dos médicos:

Muitas vezes, não tem material para atender os pacientes, falta equipamento. (M-8).

[...] do ponto de vista de infecção, para você conversar com a família quando existe uma situação complicada, um óbito ou privacidade. (M-9).

Falta de apoio e comunicação entre docentes e preceptores foi relatada por 33,4% (5/15), e falta de colaboração e desmotivação (descompromisso) por 26,6% (4/15) dos médicos:

Falta da equipe de professores, pois se trabalha basicamente com médicos plantonistas que não têm vínculo institucional. (M-7).

Os outros colegas médicos não fazem quase nada, e, diante das urgências que vão aparecendo ao longo do dia, a gente tem que socorrer. (M-6).

Lentidão no resultado dos exames, burocracia dos serviços públicos e falta de normas, rotinas ou protocolos foram apontadas cada uma por 20% (3/15) dos médicos:

A demora na realização dos exames. (M-6).

As dificuldades são a burocracia muito grande, somente exame de alta complexidade, a lentidão do sistema. (M-15).

Fazer um protocolo estabelece uma rotina para os internos, melhora muito. (M-14).

O fato de não terem sido capacitados para o exercício da preceptoria foi relatado por 20% (3/15) dos médicos entrevistados:

Nunca fiz curso, simplesmente fiz especialização e sou médica aqui. (M-6).

Não temos um programa de preceptoria de pronto-socorro. (M-4).

Falta de apoio da direção do hospital foi referida por 13,4% (2/15%) dos médicos:

Eu acho que falta apoio da direção do hospital. (M-8).

E, finalmente, citadas cada uma por 6,6% (1/15), falta de avaliação docente e falta de cobrança aos preceptores:

Ter alguém a quem passar uma referência de pontualidade, interesse, evolução pessoal no estágio, a gente realmente falar assim, eu estou aqui para te avaliar! (M-6).

[...] também mesmo não sendo questionados, nem sendo valorizados em relação a isso. (M-11).

CAUSAS DE SATISFAÇÃO OU INSATISFAÇÃO

Satisfação profissional

O exercício da preceptoria foi considerado por 66,6% (10/15) como algo que traz muita satisfação; dentro do possível, ele transmite e também soma conhecimento. Além disso, é fundamental na formação dos estudantes:

Eu percebo de forma positiva, para somar, em relação aos novos colegas que estão surgindo por aí. (M-13).

A preceptoria é fundamental para o serviço de urgência e emergência, para auxiliar na formação dos alunos. (M-9).

A atividade de médico e preceptor é uma coisa muito gratificante. É muito bom você poder ajudar e ver os pacientes retribuindo, agradecendo. (M-14).

Insatisfação profissional

Entretanto, para 33,4% (5/15), o exercício da preceptoria gerou insatisfação, citando-se falta de tempo, desvalorização, frustração, sobrecarga, estresse e falhas na preceptoria. Por ser uma obrigação em um hospital de ensino, depende da boa vontade de alguns profissionais:

Nós chegamos ao ponto que nossa capacidade humana tem limite, nossa função deixa aquela sensação de frustração. (M-4).

Eu me sinto sobrecarregado, são duas funções. (M-8).

[...] aí acaba tendo essa função, até meio como uma obrigação, por ser um hospital-escola. (M-8).

Muito falha, não tem cobrança, curso, estímulo e capacitação, a gente faz de vontade pessoal. (M-6).

INFLUÊNCIAS DA PRECEPTORIA PARA O DISCENTE

Positivas

A influência positiva para o discente foi, para 60% (9/15), formar profissionais qualificados:

Para o aluno também ajuda a orientar, formar novos profissionais mais qualificados. (M-15).

Outra influência, para 60% (9/15), estava em exercer a prática e aprender, por meio da reflexão, sobre a mesma com fundamento científico:

Pôr em prática o que você estudou no livro é de extrema importância para a formação do indivíduo. (M-8).

Para 33,4% (5/15), o relacionamento multiprofissional proporciona bons vínculos entre as equipes, assim como a gratidão dos estudantes/egressos:

[...] cria um vínculo para o plantonista, sendo um preceptor de fato, ligado à universidade, o atendimento ao estudante ficará muito melhor. (M-14).

A gente os encontra em outros lugares e eles vêm agradecer todo o empenho que fazemos por eles. (M-3).

Negativas

Para 80% (12/15), a influência negativa para o discente tem a ver com os prejuízos causados em sua formação pela falta de experiência:

Com relação à preceptoria, os estudantes acabam sendo um pouco prejudicados para o aprendizado deles. (M-14).

Desmotivação, falta de compromisso, frustração, ansiedade e rebeldia dos estudantes, assim como aprendizagem de forma incorreta e sem atendimento às normas foram citadas por 46,6% (7/15) dos médicos. Para eles, isso acarreta constrangimento tanto para os estudantes quanto para preceptores:

Porque alguns alunos são rebeldes. Pela própria dificuldade de atendimento, muitos saem daqui até um pouco frustrados. (M-1).

Eu tenho que fazer exame físico abdominal com o paciente sentado, é extremamente constrangedor para o paciente, para mim enquanto médico e para o aluno que assiste a esta situação dentro da sua escola. (M-10).

SUGESTÕES PARA MELHORIA DA PRECEPTORIA

Adequação na infraestrutura

Quanto às sugestões para melhoria da preceptoria, 60% (9/15) relataram a necessidade de melhorar a estrutura, a infraestrutura e as condições de trabalho:

Melhorar a estrutura, melhorar a infraestrutura, construir novas áreas. (M-15).

Outras sugestões, para 13,4% (2/15), são melhorar a qualidade e aumentar a rapidez nos resultados dos exames, adquirir materiais e equipamentos de ponta, construir um centro de estudos:

Melhorar a qualidade dos exames, para ser um serviço de ponta. (M-15).

A melhoria nos equipamentos e nos materiais de urgência e emergência. (M-11).

Ter sala de estudo, uma biblioteca para pesquisar junto com os internos e residentes. (M-13).

Organização administrativa

Outra sugestão, apontada por 33,4% (5/15), é que preceptores tenham mais tempo para poder se dedicar aos estudantes e pacientes:

O tempo é que é o limitador. (M-6).

O nosso tempo é escasso para ensinar os alunos. (M-8).

Elaborar rotinas e protocolos, e aumentar o número de funcionários foram as sugestões apresentadas, cada uma delas, por 20% (3/15); e atender menos pacientes e dividir as atividades por 13,4% (2/15):

Fazer um protocolo, estabelecer rotina para os internos. (M-14).

Aumento no número de funcionários, sem isso é impossível melhorar o serviço de preceptoria. (M-9).

Ter menos pacientes, ter tempo para dedicar a esse paciente e aos alunos dos quais você está sendo preceptor. (M-1).

Se tivesse uma coisa mais dividida. (M-6).

Organização pedagógica

Dedicação em tempo integral e exclusivo à preceptoria foi a sugestão de 33,4% (5/15) dos médicos:

Definir o médico que é preceptor apenas como preceptor e não como plantonista. (M-9).

Vinte por cento (3/15) sugeriram aumentar o tempo do estágio curricular:

Que fosse colocado na grade curricular um espaço maior dedicado a isso. (M-2).

Comunicação

A sugestão de 33,4% (5/15) considerou ser necessário melhorar o relacionamento, por meio da comunicação entre docentes, preceptores e estudantes:

São vários plantonistas, a conduta acaba sendo mudada, criar um vínculo para o plantonista, sendo um preceptor de fato, ligado à universidade. (M-13).

Médicos plantonistas que tivessem vínculo com a instituição e que fossem também professores. (M-7).

Melhorar esse relacionamento por parte da direção da faculdade de Medicina. (M-5).

Reconhecimento

A proposta de serem reconhecidos pelo exercício da preceptoria foi relatada por 26,6% (4/15) dos médicos, do ponto de vista tanto financeiro como de respeito pelos superiores:

Um incentivo maior, inclusive financeiro, através de bolsas e aumento nos salários. (M-11).

Eu gostaria que os chefes de cada residência médica tratassem com mais respeito os colegas desse pronto-socorro. (M-10).

Capacitação

Elaborar cursos de capacitação pedagógica em preceptoria foi sugerido por 20% (3/15), e capacitação em emergência e urgência por 6,6% (1/15) dos entrevistados:

Deveria ter um curso de formação de preceptores, a maioria não tem formação, não estudou para ser preceptor, estudou para ser médico. (M-8).

Engajar não só os médicos, mas o pessoal das outras especialidades, enfermagem, multidisciplinar, num programa de emergência. (M-4).

DISCUSSÃO

De nosso conhecimento, este é o primeiro estudo brasileiro que avalia a perspectiva de preceptores médicos acerca da preceptoria realizada em um serviço de emergência e urgência de um hospital universitário de ensino. Ele possibilitou conhecer as características demográficas, o regime de trabalho e as percepções dos entrevistados acerca dessa função, que pode contribuir para o ensino-aprendizagem nesse ambiente de trabalho.

Os resultados mostraram que o gênero dos profissionais, na maioria (86,6%, 13/15), era do sexo masculino, o que pode ser confirmado por Santos1515. Santos TS. Relações de gênero na medicina: características do trabalho profissional e as interfaces com a vida doméstica. Anais do 8. Simpósio Fazendo Gênero: Corpo, Violência e Poder; 2008 ago. 25-28; Florianópolis, Brasil. Florianópolis: UFRGS; 2008.ao se tratar do Seua, no qual o trabalho é longo, árduo e estressante.

Quanto às formas de inserção no mercado de trabalho, além do trabalho no Seua, todos os médicos (100%, 15/15) mencionaram outros vínculos ocupacionais. Dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) comprovaram que, no Brasil, os baixos salários da grande maioria dos médicos brasileiros e a precariedade das condições de trabalho os obrigam a ter múltiplos empregos necessários para elevar a renda1616. Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Salários aviltantes. Jornal do Cremesp [São Paulo]. 2008; 2 (245)..

A maioria dos médicos não tinha capacitação para a preceptoria, o que corrobora o estudo de Costa1717. Costa NMSC. Formação pedagógica de professores de medicina. Rev. Latino-Am. Enfermagem [Internet]. 2010. 18(1) [capturado em: 15 jan. 2014]; 1-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n1/pt_16.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n1/pt_1...
, que identificou esta como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos professores de Medicina.

SIGNIFICADOS DE SER PRECEPTOR

Diferentes significados de ser preceptor foram relacionados, destacando-se o ensino, a transmissão de conhecimentos e a formação dos futuros médicos, apoiando e proporcionando experiência aos estudantes. Tais resultados são semelhantes aos descritos por Botti e Rego1818. Botti SHO, Rego S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são seus papeis? Rev. Bras. Educ. Med. 2008;32 (3):363-373., em que o preceptor é a figura de um profissional experiente, que tem papel destacado e que auxilia na formação dos estudantes de graduação e pós-graduação em saúde e apresenta como principais requisitos conhecimentos e habilidades em desempenhar procedimentos clínicos e competência pedagógica.

Neste estudo, os entrevistados compreenderam o seu papel como docentes, embora não se sentissem valorizados e capacitados para essa função. Para Zabalza1919. Zabalza MA. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed; 2004., a competência docente não se baseia tão somente no domínio dos conteúdos científicos, mas também em poder atuar para que os estudantes aprendam o que se pretende ensinar, assim como estimular o desenvolvimento e a maturidade para torná-los pessoas mais cultas, competentes e críticas dos pontos de vista pessoal, profissional e social.

Para a maioria, o significado de ser preceptor se relaciona ao ensino, embora muitas vezes este seja desenvolvido de maneira tradicional, apresentando-se sob a forma de transmissão de conhecimentos.

ATIVIDADES DE PRECEPTORIA

As atividades de preceptoria mais frequentes foram aquelas desenvolvidas em situações clínicas reais no ambiente de trabalho, como o atendimento e discussão de casos clínicos e cirúrgicos. Assim, os preceptores interagiram com estudantes e residentes, e a aprendizagem aconteceu, com a aquisição das competências, habilidades, valores e atitudes necessários à formação. Ryan-nicholls2020. Ryan-nicholls K. Preceptor recruitment and retention. Can Nurse. 2004; 100(6):19-22. ressalta que o preceptor tem importante papel na inclusão e socialização do recém-graduado no ambiente de trabalho, pois é o professor que ensina a um pequeno grupo de estudantes ou residentes, com destaque no desenvolvimento de habilidades práticas.

Nesse sentido, apesar das limitações de infraestrutura, o Seua do HC/UFG oferece um cenário adequado às atividades práticas da preceptoria.

CONTRIBUIÇÕES DA PRECEPTORIA PARA O PRECEPTOR

A preceptoria traz contribuições/benefícios pessoais, sobressaindo o aprendizado e atualização contínua, o estímulo e a troca para a aquisição de conhecimentos, levando ao desenvolvimento profissional e à realização pessoal – similar ao descrito por Botti e Rego2121. Botti SHO, Rego STA. Docente-clínico: o complexo papel do preceptor na residência médica. Rio de Janeiro, Rev Saúde Coletiva 2011; 21 (1) 65-85., segundo os quais a contribuição da preceptoria para os preceptores é fundamental, pois é na troca dos conhecimentos que se constrói e se reconstrói um caminho para formar pessoas ativas na sociedade contemporânea, comprometidas e que percebam a importância de suas funções profissionais na construção de cidadania.

A preceptoria também proporciona reconhecimento da instituição, população, usuários do serviço, estudantes e egressos.

FACILIDADES E DIFICULDADES/LIMITAÇÕES PARA O EXERCÍCIO DA PRECEPTORIA

Facilidades

Muitos referiram que existe pouca ou nenhuma facilidade para o exercício da preceptoria. Entre as poucas facilidades relatadas, o interesse dos estudantes, a boa formação teórica, o bom relacionamento interpessoal com os estudantes e a equipe multiprofissional favoreceram as atividades de preceptoria, como observado nesta pesquisa e proposto por Feuerwerker2222. Feuerwerker L. As identidades do preceptor: assistência, ensino, orientação. Juiz de Fora: Editora UFJF; 2011., para quem o trabalho em saúde é único devido aos vários encontros que acontecem entre trabalhadores, usuários e estudantes. Os inúmeros vínculos que se estabelecem entre toda a equipe de saúde são fundamentais para que os estudantes se integrem ao processo de produção do cuidado.

Dificuldades/limitações

As dificuldades de infraestrutura, comunicação e recursos humanos, bem como excesso de trabalho, desmotivação e despreparo estão de acordo com as encontradas na maioria das unidades de emergências e urgências do País. Isto porque a estrutura física e tecnológica inadequada, insuficiência de equipamentos e recursos humanos, falta de capacitação, baixa cobertura do atendimento pré-hospitalar móvel, unidades de pronto atendimento insuficientes e retaguarda insuficiente para transferência de doentes dificultam o trabalho2323. Brasil. Política Nacional de atenção às urgências. 3ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

A dificuldade com a dupla atividade de assistência e ensino resultava da falta de tempo, da sobrecarga de trabalho e do estresse, o que está em consonância com o encontrado por Missaka e Brant2424. Missaka H, Brant VMB. A prática pedagógica dos preceptores do internato em emergência e medicina intensiva de um serviço público não universitário. Rio de Janeiro: UFRJ; 2010., segundo os quais a superposição das atividades assistenciais e de ensino sobrecarregava os profissionais que atuavam na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do serviço de emergência.

A complexidade de um ambiente como o Seua demonstra a necessidade de aprender a trabalhar e a ensinar nesse cenário. Segundo Dubar2525. Dubar C. Formação dos médicos generalistas: transmissão e construção dos saberes profissionais. Juiz de Fora: Editora UFJF; 2011., nada é mais importante e difícil do que formar profissionais capazes de ligar conhecimentos teóricos, necessariamente abstratos, a saberes técnicos e práticos nascidos da experiência, sempre concreta. Portanto, o desafio de ensinar nesse ambiente pode ser enriquecedor para ambos, preceptores e estudantes.

CAUSAS DE SATISFAÇÃO OU INSATISFAÇÃO

O trabalho executado pelos preceptores dependia do envolvimento de cada servidor com a atividade, das suas vivências cotidianas, e trazia duas vertentes, pois, ao mesmo tempo em que para muitos era satisfatório, para outros resultava em desvalorização e frustração, propiciando insatisfação.

Como satisfação profissional, eles acreditavam que a preceptoria trazia felicidade, orgulho, gratidão dos estudantes, pois ensinar era gratificante, somava, transmitia conhecimentos e era fundamental à formação dos futuros médicos. Esta diferença de perspectiva acerca da preceptoria é sugerida por Cardoso et al.2626. Cardoso MM, Loula IG, Silva JLFRF, Wuillaume SM, Pombo R. Reconhecimento do preceptor, visibilidade e apoio para o exercício desta função. Rev Bras Educ Med 2009; 33(4): 420., segundo os quais as qualidades requeridas para o exercício da preceptoria – “responsabilidade, assiduidade, comprometimento, disponibilidade, entusiasmo, pontualidade, relacionamento, acessibilidade, flexibilidade” – vão além do conhecimento técnico.

Alguns preceptores acreditavam que exerciam a preceptoria de forma improvisada, aleatória, por conta de a instituição ser de ensino, por boa vontade ou obrigação. Identificaram falhas e possivelmente comprometimento do ensino-aprendizagem naquele ambiente, pois a formação pedagógica requer currículos que produzam nos futuros profissionais a competência técnica e outras que contemplem a participação crítico-reflexiva2727. Mohr A. A formação pedagógica dos profissionais da área da saúde. Juiz de Fora: Editora UFJF; 2011.,2828. Batista N, Batista SH, Goldenberg P, Seiffert OE, Sonzogno MC. O enfoque problematizador na formação de profissionais da saúde. São Paulo: UFSP; 2005..

Nesse contexto, uma visão ampliada dos sistemas e das organizações poderá contribuir para uma reflexão transformadora do mundo em que se vive rumo à transdisciplinaridade2929. Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo, Cortez; Brasília, DF: UNESCO; 2001.. É necessário reformular currículos e ensinar aos estudantes a contextualizar sob uma visão global3030. Morin E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2000.,3131. Costa NMSC. Docência no ensino médico: por que é tão difícil mudar. Rev Bras Educ Med 2007; 31(1): 21-30..

Os preceptores começaram a perceber a importância da formação pedagógica para o exercício da preceptoria, como sugerido e enfatizado por Masetto3232. Masetto MT. Professor universitário: um profissional da educação na atividade docente. Docência na Universidade. Campinas: Papirus; 1998. p.9-26. e Irby3333. Irby DM. What clinical teachers in medicine need to know. Acad Med 1994; 69:333-342.. Portanto, numa Ifes, harmonia e consonância são necessárias nestas duas áreas de atuação, tanto de assistência, como de ensino.

INFLUÊNCIAS DA PRECEPTORIA PARA O DISCENTE

Positivas

Entre as influências positivas, o que mais se destacou foi o valor dado ao conhecimento prático da medicina no local de trabalho e a formação humana e ética, para formar profissionais qualificados.

Diante das relações sociais da prática em saúde e dos dilemas do cotidiano, o melhor cenário para ensino das habilidades éticas é o próprio local de trabalho, por meio da observação e discussão dos comportamentos e atitudes e do oferecimento de feedback pelos preceptores3434. Rego S. A formação ética dos médicos: saindo da adolescência com a vida (dos outros) nas mãos. Rio de Janeiro:Fiocruz; 2003. p.169.,3535. Patey RE. Identifying and assessing non-technical skills. The Clinical Teacher 2008; 5:40-44.,3636. Whitman NA, Schwenk TL. Preceptors as teachers: a guide to clinical teaching. Department of Family Practice University of Michigan Medical Center, Utah Univ., Salt Lake City, School of Medicine; 1984..

Pimenta e Anastasiou3737. Pimenta SG, Anastasiou LG. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez; 2002. destacam o professor/preceptor como responsável pelo ensino e fundamental na formação humana.

A proximidade do preceptor com o estudante cria maior influência e confere aos preceptores mais qualidades do que aos próprios professores2424. Missaka H, Brant VMB. A prática pedagógica dos preceptores do internato em emergência e medicina intensiva de um serviço público não universitário. Rio de Janeiro: UFRJ; 2010..

Este estudo verificou que a interação entre a equipe de saúde tem contribuído para o desenvolvimento da preceptoria, tornando os estudantes conscientes das suas necessidades e direcionando seu aprendizado futuro.

Negativas

As influências negativas estavam no prejuízo na formação do estudante, levando-o a ter má impressão dos profissionais e dos serviços de saúde.

Atualmente no Seua, a maioria dos preceptores lotados não é capacitada formalmente, o que corrobora os achados de Missaka e Brant2424. Missaka H, Brant VMB. A prática pedagógica dos preceptores do internato em emergência e medicina intensiva de um serviço público não universitário. Rio de Janeiro: UFRJ; 2010., segundo os quais não existe habilitação específica e nem compromisso formal com a formação. Por isto, muitas vezes, os estudantes ficam sozinhos nos campos de estágio, expostos a má prática e acabam frustrados quanto ao trabalho na saúde e à realização das diretrizes do SUS2424. Missaka H, Brant VMB. A prática pedagógica dos preceptores do internato em emergência e medicina intensiva de um serviço público não universitário. Rio de Janeiro: UFRJ; 2010..

A preceptoria mal estruturada e mal desempenhada poderá causar uma redução na aprendizagem e, consequentemente, grande prejuízo na formação prática, humana e ética dos futuros profissionais de saúde.

SUGESTÕES PARA MELHORIA DA PRECEPTORIA

Foram oferecidas várias sugestões para melhoria da preceptoria no Seua, em especial melhorias na infraestrutura, no relacionamento com a Ifes, dedicação exclusiva à preceptoria e capacitação pedagógica, para dispensar mais tempo e dedicação aos estudantes.

Estudos apontam que as condições de estrutura e infraestrutura dos serviços de emergência e urgência atuais – espaço físico inadequado, falta de recursos materiais e humanos e de equipamentos – dificultam o trabalho de assistência e preceptoria, e propiciam tensões e conflitos que se manifestam de forma intensa e estressante sobre os profissionais dessas unidades3838. Jacquemot AG. Urgências e emergências em saúde: perspectivas de profissionais e usuários. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.,3939. Melo EMC, Assunção AA, Ferreira RA. O trabalho dos pediatras em um serviço público de urgências: fatores intervenientes no atendimento. Cad Saúde Pública 2007; 23(12):3000-10.,4040. Garlet ER, Lima MADS, Santos JLG, Marques GQ. Organização do trabalho de uma equipe de saúde no atendimento ao usuário em situações de Urgência e Emergência. Florianópolis, Texto Contexto Enferm 2009;18(2): 266-72., o que corrobora os dados desta pesquisa.

Um estudo realizado em Estocolmo, na Suécia, mostrou que os pré-requisitos fundamentais para a supervisão ao introduzir os estudantes na prática profissional são estar presente em tempo integral, não ter que se preocupar com outras funções clínicas e ser um catalisador da aprendizagem4141. Silén C, Kiessling A, Spaak J, Henriksson P. The experience of physician supervison with clerkship students: a qualitative study. Suecia, International Journalof Medical Education; 2011; 2:56- 63..

A capacitação pedagógica e em emergência/urgência sugerida vem ao encontro da ideia de que todo profissional competente precisa de renovação constante e de estudo contínuo, que são os maiores desafios de toda profissão4242. Demo P. A educação do futuro e o futuro da educação. Campinas: Autores Associados; 2005.. Quanto ao reconhecimento da necessidade de capacitação pedagógica do preceptor, já é um aspecto positivo, uma vez que tanto docentes como preceptores médicos não declaram essa formação1717. Costa NMSC. Formação pedagógica de professores de medicina. Rev. Latino-Am. Enfermagem [Internet]. 2010. 18(1) [capturado em: 15 jan. 2014]; 1-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n1/pt_16.pdf
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. Portanto, a capacitação poderá ser direcionada ao potencial já existente nos preceptores4343. Pereira ERS, Moreira MAC. Estratégias para implantação do ensino de clínica médica e pediatria na unidade básica de saúde. Rev Bras Educ Med. 2007; 31(2; Supl.1):261., na perspectiva de contribuir para a formação de médicos mais adequados às necessidades de saúde brasileiras.

CONCLUSÕES

Este estudo qualitativo permitiu conhecer a perspectiva de médicos do Seua de um hospital universitário de uma Ifes acerca da preceptoria exercida nesse ambiente de trabalho e ensino. Constatou-se que os preceptores compreendem o seu papel pedagógico na formação profissional do estudante de Medicina e do residente, reconhecem suas limitações de formação pedagógica, identificam as contribuições pessoais proporcionadas pela preceptoria, relacionam as facilidades e dificuldades no exercício da dupla função e oferecem sugestões pertinentes para a melhoria da preceptoria no Seua.

Os resultados apontam a necessidade de melhoria na infraestrutura do Seua e elaboração de projetos para capacitação pedagógica dos preceptores, em articulação com as instituições formadoras de ensino superior e o serviço de saúde.

Espera-se, ainda, poder contribuir na construção de um ambiente que favoreça a efetivação das estratégias de ensino-aprendizagem nos Seua e, consequentemente, prevenir os possíveis prejuízos ao processo de formação dos estudantes e residentes que necessitam desse tipo de orientação.

LIMITAÇÕES

Este estudo apresenta como limitação revelar apenas a perspectiva do preceptor. Sugere-se realizar estudos que busquem avaliar a percepção de discentes, gestores educacionais e do serviço, para soluções mais amplas e acordadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2013
  • Revisado
    11 Dez 2015
  • Aceito
    05 Abr 2016
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