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Avaliação dos Atributos em Atenção Primária à Saúde no Estágio em Saúde da Família

Evaluation of the Attributes of Primary Healthcare during an Internship in Family Health

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar os atributos da APS desenvolvidos durante o estágio de internato em Saúde da Família do curso médico da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Trata-se de um estudo transversalp, em que os dados foram coletados por meio do questionário PCATool-Brasil aplicado aos preceptores médicos das Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF) e discentes que já haviam cursado o estágio em Saúde da Família. As médias dos escores para ambos, preceptores e discentes, foram consideradas boas: o escore essencial foi 6,71 e 6,78; o escore derivado, 7,35 e 7,67; e o escore geral, 6,88 e 6,91, para preceptores e discentes, respectivamente. No entanto, evidenciaram-se fragilidades nos atributos de acesso (5,94 e 5,91), coordenação do cuidado (5,33 e 5,00) e integralidade e serviços complementares disponíveis (6,36 e 5,99). Foi evidenciado que as UBSF de ensino da Ufal apresentam, em sua maioria, escores satisfatórios dos atributos da APS de maneira a contribuir para uma formação adequada às necessidades de saúde da população, e o seu aprimoramento pode fortalecer sua integração ensino-serviço.

Atenção Primária à Saúde; Educação em Saúde; Acesso e Avaliação da Assistência à Saúde; Educação Médica

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the attributes of PHC developed during an internship in Family Health. Cross-sectional in nature, data for the study was collected via the PCATool-Brazil questionnaire applied to both medical preceptors in Basic Unit Family Health (UBSF) and students to have attended Family Health training at the Federal University of Alagoas (Ufal). The average scores for both preceptors and students were considered good: essential scores were 6.71 and 6.78, derivative scores were 7.35 and 7.67 and overall scores were 6.88 and 6.91 for the preceptors and the students respectively. Several weaknesses were however highlighted on access attributes (5.94 and 5.91), care coordination (5.33 and 5.00), integrality and complementary services (6.36 and 5.99). This showed that scores for Ufal’s teaching UBSFs are mostly up to the APS standards, therefore helping ensure it provides training adapted to the population’s healthcare needs, although adjustments may be made where necessary in order to strengthen teaching and service integration.

Primary Health Care; Health Education; Health Care Access and Evaluation; Medical Education

INTRODUÇÃO

A Estratégia da Saúde da Família (ESF) foi escolhida pelo Ministério da Saúde como o eixo inicial de reorientação do modelo assistencial a partir da publicação da Política Nacional da Atenção Básica em 2006. Com isto, constatou-se que as faculdades de Medicina não estão formando o profissional adequado a esse modelo assistencial. Assim, tornou-se imprescindível adotar medidas reorientadoras do perfil profissional por meio da viabilização de mudanças na graduação que atendam aos interesses apontados por um novo modelo de atenção à saúde11. Nogueira MI. As Mudanças na educação médica brasileira em perspectiva: reflexões sobre a emergência de um novo estilo de pensamento. Rev Bras Educ Med 2009;33(2):262–270..

A Atenção Primária à Saúde (APS) é, agora, amplamente aceita como a oferta ao primeiro contato, de responsabilidade longitudinal pelo paciente e a integração de aspectos físicos, psicológicos e sociais de saúde aos limites da capacitação da equipe de saúde22. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde; 2002.,33. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. (Série E. Legislação em Saúde). Entretanto, a história da organização dos serviços orientados pela APS é marcada por uma trajetória de sucessivas reconstruções, até se consolidar como uma política.

O Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser considerado uma superfície de emergência de novas demandas que alavancam as transformações requeridas na educação médica brasileira11. Nogueira MI. As Mudanças na educação médica brasileira em perspectiva: reflexões sobre a emergência de um novo estilo de pensamento. Rev Bras Educ Med 2009;33(2):262–270., sendo a educação médica uma dimensão de ampla interface entre as políticas da saúde e da educação. Com isso, os cursos de Medicina vivenciam um processo de transformação diretamente dependente das políticas do Ministério da Educação44. Batista SHS. A interdisciplinaridade no ensino médico. Rev Bras Educ Med 2006;30(1):39-46.,55. Feuerwerker L. Educação dos profissionais de saúde hoje – problemas, desafios, perspectivas, e as propostas do Ministério da Saúde. Rev ABENO 2003;3(1):24-27., bem como das políticas de saúde, considerando que cabe ao Ministério da Saúde, através do SUS, ordenar a formação de recursos humanos dessa área66. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal; 1988. [acesso em 16 de junho de 2012]. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao/>.
http://www.senado.gov.br/legislacao/>...
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O curso de graduação de Medicina deve integrar os alunos às redes de serviços de saúde, desde o início do curso, utilizando cenários diversificados de ensino-aprendizagem, principalmente as unidades de saúde dos três níveis de atenção pertencentes ao SUS77. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. . Desta forma, inicia-se um contato precoce com a comunidade, propiciando a oportunidade de lidar com problemas reais e um ganho gradual de complexidade e autonomia, tanto nas atividades a serem realizadas, como no processo de ensino-aprendizagem – ou seja, propiciando ao aluno a compreensão da abordagem das doenças prevalentes, tanto agudas como crônicas. O controle das doenças crônicas, por exemplo, só pode ser alcançado com sucesso pela alteração dos padrões de comportamento humano e pela adoção de um modelo de cuidado a longo prazo, por meio de uma abordagem multidisciplinar e cooperativa, rompendo com o modelo biomédico e curativo11. Nogueira MI. As Mudanças na educação médica brasileira em perspectiva: reflexões sobre a emergência de um novo estilo de pensamento. Rev Bras Educ Med 2009;33(2):262–270..

Focalizar o ensino médico como uma prática social e reconhecer que as políticas de saúde se materializam na “ponta” do sistema permite identificar uma consonância com os pressupostos que têm orientado a reordenação de novas práticas do ensino e dos serviços mediante ação de atores sociais e suas práticas no cotidiano dos serviços55. Feuerwerker L. Educação dos profissionais de saúde hoje – problemas, desafios, perspectivas, e as propostas do Ministério da Saúde. Rev ABENO 2003;3(1):24-27.,88. Alves VS. Um modelo de educação em saúde para o Programa Saúde da Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial. Interface – Comunic Saúde Educ 2005; 9(16):39-52..

Nesta proximidade entre o serviço e o processo de formação dos profissionais da saúde e com a expansão da APS, torna-se imprescindível a avaliação da qualidade da APS desenvolvida nos espaços de aprendizagem dos alunos.

Starfield22. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde; 2002., a partir do referencial de Donabedian99. Donabedian A. Evaluating the quality of medical care. Milbank Mem Fund Q. 1966;44(3 Suppl):166-206., propõe um modelo conceitual para a medida da qualidade do processo de APS prestado a uma pessoa e a uma população usuária de determinado serviço. De acordo com a autora, cada serviço de saúde possui uma estrutura (ou capacidade), processo de atenção (ou desempenho) e resultados.

O presente estudo baseia-se na definição de Starfield22. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde; 2002. para os atributos da APS. O primeiro contato implica acessibilidade e uso de serviços para cada novo problema ou para acompanhamento rotineiro de saúde. A longitudinalidade é definida como a existência do aporte regular de cuidados pela equipe de saúde e seu uso consistente ao longo do tempo em um ambiente de relação mútua entre equipe de saúde, indivíduos e famílias. A integralidade consiste na prestação, pela equipe de saúde, de um conjunto de serviços que atendam às necessidades mais comuns da população adscrita, a responsabilização por outros pontos de atenção à saúde e o reconhecimento adequado dos problemas que causam as doenças; implica a oferta de serviços preventivos e curativos e a garantia dos diversos tipos de serviços. A coordenação é definida pela capacidade de garantir a continuidade da atenção no interior da rede de serviços. A orientação familiar é um atributo derivado que implica considerar a família como o sujeito da atenção. A orientação comunitária pressupõe o reconhecimento das necessidades familiares em função do contexto físico, econômico, social e cultural em que vivem.

O objetivo do presente estudo foi avaliar os atributos da APS percebidos por discentes e preceptores nos cenários de ensino-aprendizagem durante o estágio em Saúde da Família, por meio do instrumento de Avaliação da Atenção Primária (PCATool – do inglês Primary Care Assessment Tool), versão para os profissionais de saúde e adaptada aos discentes.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversalp, em que os dados foram coletados por meio do instrumento PCATool-Brasil e aplicado aos preceptores médicos das Unidade Básicas de Saúde da Família (UBSF) e aos discentes que cursaram o estágio em Saúde da Família do curso médico da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Os dados foram coletados no período de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014 no município de Maceió (AL).

À época do estudo, dez UBSF serviam como cenários de práticas do estágio, todas organizadas no modelo da ESF e distribuídas em três distritos sanitários do município. Foram entrevistados todos os dez médicos preceptores vinculados ao estágio e 48 dos 74 discentes, por amostragem não probabilística, isto é, de conveniência, tendo a participação de médicos/preceptores que, convidados, aceitaram colaborar voluntariamente. Nenhum dos sujeitos abordados se negou a participar da pesquisa e nenhum questionário foi eliminado.

A proposta de inserção dos discentes nas UBSF visa à oportunidade de vivenciar a clínica na APS, sob supervisão, permitindo uma visão do papel do médico na ESF, conforme preconizado pelo SUS1010. Universidade Federal de Alagoas.Projeto Pedagógico do Curso de Medicina. Maceió; 2006.,1111. Brasil. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES n. 1133 de 07 de agosto de 2001. Diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em enfermagem, medicina e nutrição. Brasília; 2001.. Para alcançar os objetivos do estágio, os discentes se integram às atividades profissionais tanto do médico como dos demais membros da equipe de Saúde da Família.

Atualmente, o estágio denominado Clínica Médica I é ofertado no décimo período do curso para 20 estudantes, com duração total de 12 semanas e carga horária semanal de 40 horas. Esta carga horária inclui quatro horas semanais de atividade teórica na Famed e oito horas em ambulatórios de especialidade no Hospital Universitário. Os estudantes são distribuídos entre dez UBSF pertencentes à rede pública municipal conveniada com a Ufal, e os preceptores são voluntários. A quantidade de estudantes por UBSF depende da estrutura física, havendo, em média, dois estudantes para cada médico-preceptor.

O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Ufal, conforme o processo de no 21001113.8.0000.5013. Na coleta de dados, utilizou-se a versão do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária (PCATool – do inglês Primary Care Assessment Tool), adaptada e validada no Brasil por Harzheim et al.1212. Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Stein AT. Consistência interna e confiabilidade da versão em português do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária (PCATool-Brasil) para serviços de saúde infantil. Cad. Saúde Pública 2006;22(8):1649-1659.. Os itens do PCATool-Brasil foram ajustados a fim de constituir uma versão para o médico-preceptor e outra para o discente, mantendo-se o conteúdo dos elementos avaliados e modificando-se a pessoa da pergunta para se adequar ao entrevistado. A aplicação dos questionários aos preceptores foi realizada nas UBSF, em horários de acordo com a disponibilidade dos profissionais. Os discentes foram entrevistados em pequenos grupos nos estágios seguintes ao de Clínica Médica I. Os questionários foram preenchidos individualmente.

Os autores negam a existência de conflito de interesses no desenvolvimento desta pesquisa.

Questionário PCATool

Na Johns Hopkins University, entre 1997 e 2001, foi elaborado o PCATool, um instrumento de avaliação da APS com três versões: para usuários adultos, para acompanhantes de crianças e para os profissionais de saúde22. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde; 2002.. Este instrumento tem como objetivos identificar a presença e dimensionar a extensão dos atributos essenciais e derivados da APS sistematizados por Starfield. No Brasil, esse instrumento já foi utilizado em estudos realizados nos municípios de Petrópolis, São Paulo, Curitiba, Rio Grande do Sul e Montes Claros.

Malouin et al.1313. Malouin RA, Starfield B, Sepulveda MJ. Evaluating the tools to assess the medical home. Managed Care 2009;18(6):44-48. apontaram que o PCATool foi considerado, entre nove instrumentos, o único elaborado para avaliar as características da estrutura e do processo de cada um dos quatro atributos, e disponível em múltiplas versões. Entretanto, reconheceram como limitação do instrumento a utilização dos mesmos “pesos” para medir cada dimensão no cálculo dos escores essencial, derivado e geral da orientação.

O PCATool foi elaborado para coletar informações a respeito das características operacionais e práticas – de estrutura e do processo – relacionadas à APS desenvolvidas por profissionais envolvidos na assistência direta aos usuários. Segundo Starfield22. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde; 2002., para medir o acesso de primeiro contato, é necessário avaliar a acessibilidade (elemento estrutural) e a utilização (elemento processual). Para medir a longitudinalidade, é preciso avaliar a definição da população eletiva (elemento estrutural) e a utilização (elemento processual). Para medir a integralidade, é necessário avaliar a variedade de serviços (elemento estrutural) e o reconhecimento de problemas (elemento processual). E, por fim, para medir a coordenação do cuidado, é preciso avaliar a continuidade (elemento estrutural) e o reconhecimento de problemas (elemento processual).

A versão utilizada no estudo é composta por 62 questões divididas em oito domínios (Quadro 1). As respostas são dispostas em escala Likert, com intervalo de um a quatro para cada atributo (1 = “com certeza não”; 2 = “acho que não”; 3 = “acho que sim”; 4 = “com certeza sim”). Para avaliar a qualidade da APS, foram calculados os seguintes escores: escore por atributo – obtido através da média dos itens que compõem cada dimensão e subdimensão do PCATool; escore essencial – obtido através da média dos atributos essenciais (acesso, atenção continuada, coordenação e integralidade); escore derivado – obtido através da média dos atributos derivados (orientação familiar e comunitária); escore geral da APS – valor médio dos atributos essenciais e derivados22. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde; 2002.,1212. Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Stein AT. Consistência interna e confiabilidade da versão em português do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária (PCATool-Brasil) para serviços de saúde infantil. Cad. Saúde Pública 2006;22(8):1649-1659..

QUADRO 1
Descrição dos atributos do PCATool com exemplos e número total de itens

Os escores foram convertidos numa escala de 0 a 10, por meio da aplicação da fórmula: escore de 0 a 10 do atributo X = (escore de 1 a 4 do atributo X – 1) x 10 / (4 – 1). Para análise e discussão, considerou-se a seguinte classificação dos escores: até 6,5, ruim; de 6,6 até 7,6, bom; de 7,7 até 8,6, muito bom; de 8,7 até 10, ótimo.

Análise de dados

Utilizou-se o software IBM SPSS Statistic 22 para realizar as análises estatísticas: descritivas (frequência, percentual, média, desvio padrão, erro padrão e intervalo de confiança de 95%) e de tomada de decisão (teste T de Student) para comparar os escores médios dos construtos aqui considerados em função das atribuições preceptor/discente. Foi adotado nível de significância de 5% (p < 0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos dez preceptores do Estágio em Saúde da Família entrevistados, oito eram mulheres e dois, homens. A média de idade foi de 48 anos, e média de 19 anos em relação ao tempo de atuação na APS e de dez anos na UBSF em que se encontravam no momento da pesquisa. Entre os estudantes, a média de idade foi de 24 anos, sendo 21 homens e 27 mulheres.

Este perfil dos profissionais diverge do encontrado em estudos realizados em alguns estados e regiões do Brasil1414. Vitoria AM, Harzheim E, Takeda SP, Hauser L. Avaliação dos atributos da atenção primária à saúde em Chapecó, Brasil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2013;8(29):285-93.,1515. Guarda FRB, Tavares RAW, Da Silva RN. Perfil sociodemográfico dos médicos que compõem equipes de saúde da família na Região Metropolitana do Recife, Estado de Pernambuco, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude 2012;3(2):17-24.,1616. Tomasi E, Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, et al. Perfil sócio-demográfico e epidemiológico dos trabalhadores da atenção básica à saúde nas regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública, 2008; 24(supl1):193-201.. Em estudo com amostra ampla, verificou que a maior proporção de trabalhadores na APS se concentrou no grupo etário de 31 a 45 anos de idade, 48% dos trabalhadores estavam vinculados à UBS havia mais de dois anos, e esta proporção foi superior no Nordeste (55%) quando comparada com o Sul (37%)1616. Tomasi E, Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, et al. Perfil sócio-demográfico e epidemiológico dos trabalhadores da atenção básica à saúde nas regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública, 2008; 24(supl1):193-201.. Também evidenciaram que na ESF existe menor proporção de mulheres, de mais jovens, dos com menos tempo de formados e dos com menos tempo no serviço quando comparada ao modelo tradicional1616. Tomasi E, Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, et al. Perfil sócio-demográfico e epidemiológico dos trabalhadores da atenção básica à saúde nas regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública, 2008; 24(supl1):193-201..

Guarda et al.1515. Guarda FRB, Tavares RAW, Da Silva RN. Perfil sociodemográfico dos médicos que compõem equipes de saúde da família na Região Metropolitana do Recife, Estado de Pernambuco, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude 2012;3(2):17-24.reportam que os médicos da ESF na região metropolitana do Recife apresentam distribuição equilibrada de gênero, uma alta concentração de profissionais com idade acima de 40 anos (76,3%), e apenas 3,95% apresentaram mais de dez anos de trabalho na estratégia1515. Guarda FRB, Tavares RAW, Da Silva RN. Perfil sociodemográfico dos médicos que compõem equipes de saúde da família na Região Metropolitana do Recife, Estado de Pernambuco, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude 2012;3(2):17-24.. Em Chapecó, foi observado um tempo médio de permanência do médico nas UBSF locais de 3,2 anos1414. Vitoria AM, Harzheim E, Takeda SP, Hauser L. Avaliação dos atributos da atenção primária à saúde em Chapecó, Brasil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2013;8(29):285-93.. Sendo assim, observa-se que a população dos preceptores do internato de Medicina da Famed/Ufal apresenta larga experiência, com período de permanência na mesma USBF acima da média de outros lugares no mesmo território com 10 anos, em média, de permanência. Este perfil peculiar possivelmente se deve a fatores como vínculo de trabalho estável com plano de cargo e carreira, baixa cobertura da ESF no município e longo tempo sem a realização de novos concursos públicos.

Conill1717. Conill EM. Ensaio histórico-conceitual sobre a Atenção Primária à Saúde: desafios para a organizaçãode serviços básicos e da Estratégia Saúde da Família em centros urbanos no Brasil. Cad Saúde Pública 2008;24(supl1):7-27. aponta que o tempo de implantação, o tipo de movimento social existente na comunidade e as características dos profissionais têm maior efeito em algumas dimensões, como acesso e integralidade, do que fatores estruturais. Sendo assim, pode-se inferir que o perfil dos profissionais pode influenciar de maneira significativa a qualidade dos serviços.

As médias dos valores encontrados no estudo atual para os escores essencial, derivado e geral, respectivamente, foram 6,71, 7,35 e 6,88 pelos preceptores médicos, e 6,78, 7,67 e 6,91 pelos discentes (Tabela 1). O teste T de Student indicou não haver diferenças entre as percepções dos médicos preceptores e as dos discentes.

TABELA 1
Comparação das médias dos escores essencial, derivado e geral dos preceptores e discentes. Maceió (AL), 2014

Diferentes pesquisadores que utilizaram o PCATool relataram escores essencial e geral significativamente maiores para as UBSF do que os atribuídos às unidades básicas de saúde tradicionais (UBSTRAD)1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre.,1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58.,2020. Ibañez N et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006;11:683-703..

Na avaliação do escore geral sob a visão dos profissionais, Chomatas1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre. observou valores médios nas UBSF e nas unidades básicas de saúde tradicionais (UBSTRAD), de 7,4 e 6,4, respectivamente. Van Stralen et al.1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58., em estudo que envolveu cidades de Goiás e Mato Grosso do Sul com mais de 100 mil habitantes, também obtiveram o escore geral mais favorável para as UBSF em todos os municípios, apesar de não haver diferença estatística quando comparado aos das UBSTRAD. Castro et al.2121. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncanet BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28(9):1772-1784. realizaram um estudo em Porto Alegre no qual evidenciaram o escore geral médio para UBSF de 7,08, com diferença estatística quando comparado ao das UBSTRAD. Sendo assim, por meio do PCATooL, verifica-se que os valores do escore geral encontrados nas UBSF de ensino da Ufal são semelhantes aos de outras realidades nacionais.

Tomando-se como medida o escore essencial atribuído por profissionais em Castro et al.2121. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncanet BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28(9):1772-1784., as UBSF apresentaram valor (média 6,84) estatisticamente maior do que o atribuído às UBSTRAD (média 6,45). Chomatas1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre. observou escore de 7,0 para as UBSF. Desta forma, a média dos valores relativos ao escore essencial das UBSF de ensino da Ufal (6,71 e 6,78) também se apresenta similar à de outras localidades.

A maioria das dimensões analisadas pelos preceptores encontra-se com boa e muito boa qualidade. No entanto, as dimensões integralidade – serviços complementares disponíveis (6,36), acesso ao primeiro contato – acessibilidade (5,94) e coordenação – integração dos cuidados (5,33) obtiveram classificação ruim (Tabela 2).

TABELA 2
Comparação dos escores médios por atributo da APS, segundo preceptores e discentes. Maceió (AL), 2014

Por sua vez, houve similaridade na maioria dos escores atribuídos por discentes e preceptores, à exceção do atributo promoção e prevenção, mais bem avaliado pelos preceptores (8,96 x 6,96). Neste atributo, apesar da diferença indicada pelo teste T entre os escores dos discentes e dos preceptores de 0,005 (IC 95%), ambos foram classificados como bons. Depreende-se destes resultados que preceptores e discentes apresentam uma percepção semelhante da qualidade do cuidado.

Estudos comparativos de atributos da APS segundo o modelo de UBS relatam maiores escores para as UBSF em relação ao modelo tradicional em todos os atributos, ainda que abaixo do valor desejado1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre.

19. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58.

20. Ibañez N et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006;11:683-703.
-2121. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncanet BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28(9):1772-1784., sendo que há diferença nas dimensões “acesso de primeiro contato” e “integralidade- serviços prestados”.

A identificação e o detalhamento dos pontos fortes ou frágeis dos serviços podem ser realizados pela verificação das respostas aos itens que compõem cada atributo, como se pode constatar pela espera maior do que 30 minutos pela consulta médica, sem contar com a pré-consulta e a necessidade de esperar muito tempo ou falar com muitas pessoas para conseguir uma consulta médica, o que demonstra barreiras no acesso que devem ser ajustadas.

A acessibilidade é um dos atributos entre as menores médias no estudo atual (Tabela 2). Este mesmo resultado foi verificado em outros estudos que também não evidenciaram diferenças quanto aos escores médios deste atributo entre UBSF e UBSTRAD.

A ESF foi concebida para expandir o acesso à Atenção Primária e coordenar a integração com as redes de atenção à saúde ambulatorial especializada, hospitalar secundária e terciária, rede de serviços de urgência e emergência, e a rede de serviços de atenção à saúde mental. Em contraste com o esperado na ESF, o escore composto da avaliação da dimensão do acesso, neste estudo, para preceptores e discentes, foi baixo (5,94 e 5,91, respectivamente). No entanto, mesmo havendo alto grau de satisfação para com os serviços de saúde, poderá existir insatisfação substancial em relação a componentes específicos da atenção.

Percebe-se uma homogeneidade entre as respostas ao atributo atenção continuada, com valores satisfatórios. O único item marcado de maneira predominantemente negativa foi a possibilidade de contato com o médico da UBSF por telefone. A presença adequada da atenção continuada é um fator essencial tanto para o sistema de saúde como para a formação médica, pois este atributo tende a produzir diagnósticos e tratamentos mais precisos, além de aumentar a resolutividade e a realização de procedimentos de maior complexidade nos cenários de prática2222. Cabana MD, Jee SH. Does continuity of care improve patient outcomes? J Fam Pract 2004;53(12):974-80..

Em conformidade com outros estudos, o escore médio para a dimensão atenção contínua obtido na pesquisa atual para preceptores e discentes (7,03 e 7,11, respectivamente) pode ser considerado bom para a APS. Na ótica dos profissionais, os resultados sugerem que os profissionais das UBSF percebem maior vinculação dos usuários aos serviços, sendo capazes de reconhecer melhor sua população eletiva do que os tradicionais centros de saúde1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre.,1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58.,2020. Ibañez N et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006;11:683-703.,2323. Macinko J. Organization and delivery of primary health care services in Petrópolis, Brazil. Int J Health Plann Mgmt 2004; 19:303–317., o que favorece maior adesão aos tratamentos de doenças crônicas e ao planejamento das atividades em saúde.

O escore atenção continuada indica, ainda, maior acesso à mesma equipe de prestadores de cuidados de saúde ao longo do tempo. Segundo Woodward et al.2424. Woodward CA, Abelsona J, Tedforda S, Hutchisona B. What is important to continuity in home care? Perspectives of key stakeholders. Social Science and Medicine 2004;58:177-192., a continuidade promove o desenvolvimento de uma relação de confiança entre o indivíduo e o seu prestador de cuidados de saúde. Confiança, comunicação interpessoal e escolha são três variáveis que obtiveram forte associação com a satisfação2525. Adler R, Vasiliadis A, Bickell N. The relationship between continuity and patient satisfaction: a systematic review. Family Practice 2010;27:171–178., evidenciada pelo alcance de melhores resultados por parte dos usuários, como: tendência a cumprir melhor o conselho dado, confiar menos em serviços de emergência, menor necessidade de internação e mais satisfação com o cuidado. Por outro lado, os profissionais tendem a economizar tempo de consulta, reduzir o uso de testes de laboratório e custos e aumento de cuidados preventivos2626. Organização Mundial de Saúde. Relatório mundial da saúde 2008: cuidados de saúde primários – agora mais que nunca. Genebra: OMS; 2008..

Na dimensão “coordenação – cuidado integrado”, observam-se escores médios ruins atribuídos por preceptores e discentes (5,33 e 5,00, respectivamente). A principal fragilidade deve-se à falha na comunicação com outros serviços da rede assistencial por problemas na referência e contrarreferência. Em outras pesquisas, essa dimensão apresenta escores satisfatórios, e não se observam diferenças quando comparados com os de outros tipos de serviço1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre.,1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58.,2121. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncanet BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28(9):1772-1784.. Pode-se inferir, nestes estudos, que a ausência de diferenças entre UBSF e UBSTRAD se deveu provavelmente à sua inserção num mesmo sistema de saúde municipal, sujeito às mesmas condições de relação entre os níveis de atenção. Segundo Ibañez et al.2020. Ibañez N et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006;11:683-703., a coordenação apresenta grande diferença entre perspectivas dos usuários e dos profissionais: estes avaliam tais dimensões muito bem (valor por volta dos 80%), ao passo que os usuários as avaliam negativamente, apenas em torno de 40% do total do escore possível. No entanto, Van Stralen et al.1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58. não verificaram grandes diferenças entre usuários e profissionais.

A Saúde da Família agudiza o debate no interior do SUS, demonstrando a fragilidade do processo de construção social da saúde, que tem avançado pontualmente mediante o modelo neoliberal racionalizador focalizado, com baixo custo, constituindo um pacote básico e excludente de assistência à saúde1717. Conill EM. Ensaio histórico-conceitual sobre a Atenção Primária à Saúde: desafios para a organizaçãode serviços básicos e da Estratégia Saúde da Família em centros urbanos no Brasil. Cad Saúde Pública 2008;24(supl1):7-27.,2727. Gil CRR. Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades do contexto brasileiro. Cad Saúde Pública 2006;22(6):1171-1181.. Os caminhos traçados na resolução desta contradição resultarão ou no modelo baseado na racionalização da atenção para populações mais ou menos excluídas do processo de produção, ou na democratização, com qualidade nas práticas e no acesso.

Identifica-se que a ESF, de fato, evolui de um programa isolado para uma estratégia de reorientação do modelo assistencial na rede pública, havendo concordância quanto à visibilidade de sua trajetória e efeitos positivos na saúde22. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde; 2002.,88. Alves VS. Um modelo de educação em saúde para o Programa Saúde da Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial. Interface – Comunic Saúde Educ 2005; 9(16):39-52.. No entanto, tais práticas permanecem marginais, sendo insuficientes para imprimir uma mudança no modelo assistencial. A manutenção e a difusão da ESF indicam maior potencialidade no sentido das transformações dentro do sistema público na reforma brasileira, ainda que cercada de um conjunto de contradições.

As UBSF não podem assegurar a responsabilidade global para a sua população sem o apoio de serviços especializados, organizações e instituições de referência. O papel de coordenação implica efetivamente transformar a pirâmide de cuidados primários em uma rede onde as relações entre a equipe de cuidados primários e as outras instituições e serviços não se baseiem apenas numa hierarquia de referência de cima para baixo ou de baixo para cima, mas na cooperação e coordenação2828. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.. O baixo escore na presente pesquisa demonstra a distância a que a APS está de concretizar o seu papel de mediadora entre a comunidade e os diferentes níveis de atenção à saúde organizados em serviços de referência e contrarreferência.

Os serviços ofertados na UBSF são avaliados pelos atributos “serviços básicos disponíveis” e “serviços complementares disponíveis”. Na modalidade de “serviços básicos disponíveis”, na perspectiva dos profissionais, foram observados escores médios considerados bons, semelhantes aos demais estudos com participação dos profissionais1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre.,1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58.. O atual estudo revela carência das ações básicas relacionadas a saúde bucal e aconselhamento nutricional nas UBSF de ensino da Ufal.

Já considerando o atributo “serviços complementares disponíveis”, observam-se valores médios de escores para preceptores e discentes (6,36 e 5,99) considerados ruins em contraposição a outras pesquisas realizadas1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre.,1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58.,2020. Ibañez N et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006;11:683-703.. Segundo Van Stralen et al.1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58. e Ibañez et al.2020. Ibañez N et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006;11:683-703., os usuários não percebem grande diferença entre as UBSTRAD e UBSF. Entretanto, os profissionais de nível superior atribuem à saúde da família uma melhoria significativa do elenco de serviços ofertados1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58.,2020. Ibañez N et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006;11:683-703.. Entretanto, o presente estudo evidenciou a necessidade de aprimorar a estrutura e o processo para uma atenção qualificada à comunidade quanto aos cuidados no manejo das condições comuns e de grande impacto na saúde geral das famílias e da comunidade, tais como uso de drogas e identificação de problemas auditivos e visuais no idoso.

Quanto ao atributo “integralidade – ações de promoção e prevenção recebidas”, observa-se, por meio dos escores médios 8,26 (preceptores) e 6,96 (discentes), que está sendo executado pelos serviços de saúde, o que já demonstra maior aproximação entre as atividades médico-assistenciais e preventivas operando desta forma na mudança do modelo assistencial vigente. Sendo assim, acumulam-se evidências que apontam a viabilidade de práticas mais abrangentes, alternativas ao modelo biomédico tradicional1717. Conill EM. Ensaio histórico-conceitual sobre a Atenção Primária à Saúde: desafios para a organizaçãode serviços básicos e da Estratégia Saúde da Família em centros urbanos no Brasil. Cad Saúde Pública 2008;24(supl1):7-27.. E, segundo Nogueira11. Nogueira MI. As Mudanças na educação médica brasileira em perspectiva: reflexões sobre a emergência de um novo estilo de pensamento. Rev Bras Educ Med 2009;33(2):262–270., para que haja uma mudança efetiva do modelo assistencial, é imprescindível um repensar contínuo da teoria, da prática e das ações de saúde.

Os atributos “orientação comunitária” e “orientação familiar”, que compõem o escore derivado da APS, foram valorizados como médias boas (Tabela 2). Comparando-se com outros estudos, percebe-se a semelhança dos escores encontrados e, além disto, com diferença significante quando comparados aos das UBSTRAD1818. Chomatas ERV. Avaliação da presença e extensão dos atributos da Atenção Primária na rede básica no município de Curitiba. Curitiba; 2009. Mestrado [Dissertação] – Universidade Federal de Porto Alegre.,1919. Stralen CJV, Belisário SA, Stralen TBS, Lima AMD, Massote AW, Oliveira CL. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na Região Centro-Oeste do Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(supl1):148-58.,2121. Castro RCL, Knauth DR, Harzheim E, Hauser L, Duncanet BB. Avaliação da qualidade da atenção primária pelos profissionais de saúde: comparação entre diferentes tipos de serviços. Cad Saúde Pública 2012; 28(9):1772-1784.. No entanto, pode-se verificar uma fragilidade nas respostas relativas às ações de estímulo ao controle social e ao desenvolvimento da autonomia do usuário.

Entre os principais dispositivos para o desenvolvimento da inclusão das famílias no cuidado e a compreensão da realidade local, destaca-se a visita domiciliar (VD), com 90% dos preceptores assinalando que “sempre” a realizam. Fica evidente a importância da VD para a assistência e o ensino, ao se perceber a potencialidade inovadora em virtude da aproximação entre as equipes e os diferentes aspectos vivenciados pelos usuários e suas famílias, contribuindo para uma abordagem ampliada do processo saúde-doença.

Assim, são desenvolvidas inovações tecnológicas de cuidado e maiores possibilidades de efetivação do trabalho em equipe para a constituição de uma rede substitutiva ao produzir novos modos de cuidar55. Feuerwerker L. Educação dos profissionais de saúde hoje – problemas, desafios, perspectivas, e as propostas do Ministério da Saúde. Rev ABENO 2003;3(1):24-27.,2929. Silva KL, Sena RR, Seixas CT, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Atenção domiciliar como mudança do modelo tecnoassistencial. Rev Saúde Pública 2010; 44(1):166-176., modelo no qual há que se valorizar a subjetividade com criação de vínculo e corresponsabilização dos sujeitos, bem como a ativação de redes sociais voltadas à produção do cuidado em saúde nos vários contextos3030. Albuquerque ABB, Bosi MLM. Visita domiciliar no âmbito da Estratégia Saúde da Família: percepções de usuários no Município de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cad Saúde Pública 2009;25(5):1103-1112..

Para Rowan e MacLean3131. Rowan MS, Maclean C. Upholding the principles of primary care in preceptors’ practices. Family Medicine 2002;34(10):744-749., é provável que o maior número de preceptores com escore satisfatório no desenvolvimento da APS, avaliados pelo PCATool, demonstre os benefícios para os estudantes de Medicina, que podem vivenciar mais aspectos da APS. Isto não isenta a inserção dos estudantes na APS nos diversos desafios, como: os diferentes tempos institucionais dos serviços e do ensino, questões estruturais da própria ESF e a insuficiente conversação entre esta e a instituição de ensino, comprometendo a integração ensino-serviço-comunidade3232. Costa JRB. Formação Médica na Estratégia de Saúde da Família: Percepções Discentes. Rev Bras Educ Méd 2012; 36(3):387–400.. A ausência de estudos que incluíssem a perspectiva do discente impossibilitou a comparação ampliada com outras realidades.

Todavia, o potencial da aproximação entre o estudante e a futura prática em seu processo de aprendizagem e o consequente desenvolvimento da competência profissional como médico encontram estruturação conceitual nas discussões da aprendizagem como um processo de construção ativa pelo aprendiz e na relevância da problematização do ensino como caminho para concretizar o processo de ensino-aprendizagem3333. Batista NA, Batista SHSS. A prática como eixo da aprendizagem na graduação médica. In: Puccini RF, Sampaio LO, Batista NA (orgs.). A formação médica na Unifesp: excelência e compromisso social [online]. São Paulo: Editora Unifesp; 2008. p.101-115.

CONCLUSÃO

O presente estudo evidenciou que o PCAATooL pode ser usado para avaliar os níveis de cuidados de saúde primários prestados por preceptores, contribuindo como uma ferramenta na integração ensino-serviço. Seria útil ter tais valores de referência para preceptores em todo o Brasil por várias razões. A existência de padrões nacionais para as práticas dos preceptores permitiria que educadores e pesquisadores avaliassem a eficácia das intervenções educativas ao longo do tempo e fizessem ajustes quando necessário. Contribuiria também para a compreensão das políticas neste âmbito e a implementação de planos executivos e intervenções de ajuste.

A pesquisa das UBSF de ensino da Ufal, sob a avaliação dos profissionais médicos e discentes, apresentou escores médios satisfatórios para a presença e extensão dos atributos da APS de maneira a contribuir para uma formação médica adequada às necessidades de saúde da população.

Todos os serviços apresentavam aspectos dos atributos a serem aprimorados. “Acesso de primeiro contato – acessibilidade”, “coordenação do cuidado” e “serviços complementares disponíveis” obtiveram os menores escores médios, indicando a necessidade de investir na estrutura e no processo de atenção, com prioridade para a qualificação da APS no município, com apoio da universidade.

Estes problemas podem funcionar como meios para a aproximação e melhor integração ensino-serviço, servindo como temas norteadores das atividades a serem desenvolvidas em conjunto nas práticas de ensino da graduação e de educação permanente dos profissionais. De forma a ampliar os atores envolvidos, sugere-se a realização de novos estudos que contemplem a percepção dos usuários, por meio do PCATool-Brasil, de maneira a ampliar e complementar o estudo atual.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2015
  • Aceito
    14 Jan 2016
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