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Trajetória do Pró-PET – Saúde da Família no Cotidiano da Promoção da Saúde

Trajectory of the Pro-PET Program – Family Health in Everyday Health Promotion

RESUMO

Relata-se a experiência de construção e implementação do PET – Saúde da Família da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis. É importante enfatizar a construção das intervenções, o processo, o conhecimento produzido, as potencialidades, as dificuldades encontradas e as perspectivas futuras. A atuação se dá em atividades coletivas com idosos, adolescentes e escolares, estendendo-se à comunidade. Estimulam-se comportamentos saudáveis, evitam-se os de risco e busca-se fortalecer o protagonismo dos usuários na vida e saúde. Constitui um desafio conciliar horários e diferentes visões. A experiência aponta a necessidade de fortalecimento da integração docente-assistencial, da inserção de outros cursos na atenção básica e do trabalho interdisciplinar, propiciando ao usuário atenção integral. A reflexão sobre a realidade e o diálogo entre profissionais e docentes têm gerado mudanças gradativas na formação e na construção dos currículos, com consequente repercussão na melhoria da qualidade da assistência prestada.

Ensino; Saúde da Família; Pesquisa Interdisciplinar; Educação Médica

ABSTRACT

This is a case report on the construction and implementation of the PET – Family Health program of the Federal University of Santa Catarina (UFSC) with the Municipal Health Department of Florianópolis. It is important to emphasize that the construction was based on interventions, processes, knowledge produced, potentials, difficulties encountered and future prospects. These actions take place in collective activities with the elderly, teenagers and students, extending throughout the community. Healthy behaviors are encouraged, risk is avoided and a user-centered approach to life and health is strengthened. It was a challenge to reconcile schedules and different views. The aims were to strengthen teaching assistance integration, the inclusion of other courses in primary care, interdisciplinary work, providing the patient with comprehensive care. Reflections on the situation and dialogues between health professionals and teachers have generated incremental changes in training, construction of curricula and consequent impact on improving the quality of care.

Education; Family Health; Interdisciplinary Research; Medical Education

INTRODUÇÃO

O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) foi instituído pela Portaria Interministerial MS/MEC nº 1.802, de 26 de agosto de 200811. Brasil. Portaria Interministerial MS/MEC nº 1.802, de 26 de agosto de 2008 Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. Diário Oficial da União, 26 Ago. 2008. e é uma das estratégias do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde, o Pró-Saúde (2005). Seu principal objetivo é promover o fortalecimento da atenção básica em saúde, no âmbito da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Participam do programa: docentes de universidades, como tutores, profissionais dos serviços de saúde, como preceptores, e estudantes dos 14 cursos de graduação da área da saúde.

O eixo condutor do PET-Saúde é a integração entre os diferentes sujeitos, suas respectivas instituições e a comunidade. O programa é uma ferramenta para a qualificação dos profissionais de saúde segundo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a modificação da relação entre ensino e serviços prestados à comunidade.

O Programa Pró-Saúde e o PET-Saúde têm como pressupostos a consolidação da integração ensino-serviço-comunidade e a educação pelo trabalho22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital 24, de 15 de dezembro de 2011. Seleção de projetos de instituições de educação superior 16 de dez. 2011. DO 241 (3):268-272, 2011.. A articulação destas iniciativas visa à reorientação da formação profissional, assegurando uma abordagem integral ao usuário, transformações nos processos de produção de conhecimentos, de formação e ensino-aprendizagem, qualificação profissional e assistência prestada à população22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital 24, de 15 de dezembro de 2011. Seleção de projetos de instituições de educação superior 16 de dez. 2011. DO 241 (3):268-272, 2011.. Promovem vivências para os estudantes de graduação, aproximando-os da realidade de saúde da população. As necessidades são discutidas no âmbito da comunidade acadêmica, sendo fonte de produção de conhecimento e pesquisa em conjunto com os profissionais da rede durante o processo de formação dos estudantes22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital 24, de 15 de dezembro de 2011. Seleção de projetos de instituições de educação superior 16 de dez. 2011. DO 241 (3):268-272, 2011..

A qualificação de um profissional da saúde inclui a discussão da saúde como “bem público”, ou seja, de todos, assegurado pelo Estado e pelas condições de vida em sociedade. Esta compreensão ampliada de saúde, prevista pelo SUS e promovida pelo PET-Saúde, contribui para superar a visão restrita de corpo adoecido e impõe uma apreensão integral e ampliada dos processos de saúde e doença.

O trabalho multiprofissional e interdisciplinar do PET-Saúde se apresenta como importante política para a saúde. Os grupos multiprofissionais e interdisciplinares possibilitam entender os usuários dos serviços como sujeitos integrais oriundos das relações sociais, de trabalho e renda, de gênero, de raça e etnia, entre outras. Esse conjunto de atributos, somado à estrutura de saúde e de serviços oferecidos à população, interfere na forma como os usuários vivem o acesso à saúde33. Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. 3ª ed. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, CEPESC, ABRASCO; 2005..

Além de favorecer as discussões e vivências acerca do processo saúde-doença, o trabalho interdisciplinar potencializa o debate sobre promoção de saúde e acesso ao SUS, entre outros aspectos essenciais para uma formação voltada a um trabalho que se organiza na integração multiprofissional44. Meirelles BHS, Alacoque LE. A interdisciplinaridade como construção do conhecimento em saúde e enfermagem. Texto Contexto Enfermagem. 2005;14(3):411- 418..

Com vistas à qualificação do SUS, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis (SMSF) vêm trabalhando com o propósito de qualificar sua articulação interinstitucional e promover as mudanças necessárias na formação e na atenção à saúde.

O principal âmbito de articulação entre a UFSC e o serviço é a Rede Docente-Assistencial (RDA), que tem como objetivo geral promover a integração ensino, serviço e comunidade, propiciando uma formação dos profissionais da saúde voltada para os princípios do SUS. Caracteriza-se como um espaço formal estabelecido por convênio, com representação de gestores dos segmentos envolvidos, professores, profissionais dos serviços de atenção primária, estudantes, representantes do Conselho Municipal de Saúde e coordenadores de projetos de ambas as instituições.

O presente artigo traz um relato sobre a experiência de grupos que integram o PET-Saúde na UFSC, envolvidos com a Saúde da Família, tendo como foco a Promoção da Saúde no período de 2012 a 2014.

Na primeira parte do texto, a Promoção da Saúde é brevemente revisitada, seguida de um relato das principais ações desenvolvidas. Depois, analisa-se a implementação do PET na condição de política de estímulo à inserção dos estudantes junto aos serviços de saúde de maneira articulada com as necessidades do SUS.

PROMOÇÃO DA SAÚDE: EVOLUÇÃO E PROPOSTA

O conceito de Promoção da Saúde (PS) ao longo da história tem se modificado e ampliado. Em 1920, Winslow, pela primeira vez, relacionou a Promoção da Saúde com condições de vida do indivíduo. Em Alma Alta, na Rússia, em 1978, estabeleceram-se como determinantes de saúde: biologia humana, ambiente, estilo de vida e organização da assistência à saúde55. Olinda QB, Silva CAB. Retrospectiva do discurso sobre promoção da saúde e as políticas sociais. Revista Brasileira em Promoção da Saúde (Fortaleza). 2007;20(2):65-67.. Após amplos e aprofundados debates, uma base ideológica sobre a temática – inspirada pelos princípios da Declaração de Alma Ata (1978) e atendendo à meta “Saúde para todos no ano 2000” – foi construída e firmada na Carta de Ottawa, em 1986, na I Conferência Mundial da OMS sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, no Canadá66. World Health Organization. The Ottawa Charter for Health Promotion. Ottawa: World Health Organization; 1986.. Nesta carta, a Promoção da Saúde é vista como o processo no qual os indivíduos e povos são instrumentalizados e capacitados para ter maior controle sobre a sua saúde, buscando melhorá-la66. World Health Organization. The Ottawa Charter for Health Promotion. Ottawa: World Health Organization; 1986.. O documento redefiniu o conceito de Promoção da Saúde e propôs a combinação de cinco estratégias para sua efetivação: políticas públicas saudáveis, desenvolvimento de habilidades pessoais, fortalecimento das ações comunitárias, criação de ambientes saudáveis e reorientação dos serviços de saúde66. World Health Organization. The Ottawa Charter for Health Promotion. Ottawa: World Health Organization; 1986..

Em Adelaide (Austrália), em 1988, na segunda Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, destacou-se a importância das políticas públicas como pressuposto para a vida saudável, enfocando as responsabilidades das decisões políticas, especialmente as de caráter econômico, para a saúde. Estabeleceram-se quatro áreas prioritárias para promover ações imediatas em políticas públicas saudáveis: apoio à saúde da mulher, alimentação e nutrição, tabaco e álcool, e criação de ambientes saudáveis55. Olinda QB, Silva CAB. Retrospectiva do discurso sobre promoção da saúde e as políticas sociais. Revista Brasileira em Promoção da Saúde (Fortaleza). 2007;20(2):65-67..

Em 1991, ocorre a 3ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, na Suíça, com a temática: ambientes favoráveis à saúde. Em 1992, a 4ª Conferência foi em Bogotá, tendo como estratégias basilares incentivar políticas públicas que garantam a equidade e favoreçam a criação de ambientes e opções saudáveis55. Olinda QB, Silva CAB. Retrospectiva do discurso sobre promoção da saúde e as políticas sociais. Revista Brasileira em Promoção da Saúde (Fortaleza). 2007;20(2):65-67.. A 5ª Conferência, no México, em 2000, procurou avançar no desenvolvimento das prioridades para a promoção da saúde, buscando: promover a responsabilidade social em matéria de saúde; ampliar a capacitação das comunidades e dos indivíduos; assegurar a infraestrutura necessária à promoção da saúde; fortalecer sua base científica e reorientar os sistemas e serviços de saúde. Em 2009, em Nairobi, na 7ª Conferência Global de Promoção da Saúde77. Word Health Organization. Boletim informativo 7ª Conferência Mundial sobre a Promoção da Saúde. Nairóbi: Word Health Organization; 2009., foi abordado o empoderamento da comunidade; reforço dos sistemas de saúde; parcerias e ação intersetorial; fortalecimento do trabalho de rede e construção de competências para a promoção da saúde. A 8ª Conferência de Saúde, realizada em 2013, em Helsinque, teve como principais objetivos: facilitar a troca de experiências e orientar mecanismos eficazes para a promoção de ações intersetoriais, adotando o enfoque da “Saúde em Todas as Políticas”.

No Brasil, em 2006, foi lançada a Política Nacional de Promoção da Saúde, com o objetivo de “Promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais”88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política nacional de promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

A Promoção da Saúde representa uma estratégia promissora para enfrentar os múltiplos problemas e desafios de saúde que afetam as populações humanas e seus contextos. Partindo de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus determinantes, propõe a articulação de saberes técnicos e populares e a mobilização de recursos institucionais, comunitários, públicos e privados para o enfrentamento e resolução de seus problemas e necessidades de saúde, com vistas à qualidade de vida99. Buss PM. Promoção da Saúde da Família. Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2002..

Ela pode ser utilizada para enfrentar os desafios referentes às necessidades de saúde e qualidade de vida, introduzindo a noção de responsabilidade civil de gestores, compartilhada com a sociedade organizada. Isso é possível por meio de uma ação integrada multidisciplinar e interdisciplinar que envolve as diferentes dimensões da experiência humana – social, psicológica, cultural e política, entre outras1010. Menossi MJ, Oliveira MM, Coimbra VCC, Palha PF, Almeida MCP. Interdisciplinaridade: um instrumento para a construção de um modelo assistencial fundamentado na promoção da saúde. Revista de Enfermangem UERJ. 2005;13(2):252-256..

Assim, a Promoção da Saúde realiza-se na articulação sujeito-coletivo, público-privado, estado-sociedade, clínica-política, setor sanitário e outros setores, visando romper com a excessiva fragmentação na abordagem do processo saúde-doença e reduzir a vulnerabilidade, os riscos e os danos que nele se produzem1111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010..

A Promoção da Saúde é um mecanismo de fortalecimento e implantação de uma política transversal integrada e intersetorial, que faz dialogar as diversas áreas do setor sanitário, os outros setores do governo, o setor privado e não governamental, e a sociedade, compondo redes de compromisso e corresponsabilidade quanto à qualidade de vida da população, assegurando que todos sejam partícipes na proteção e no cuidado com a vida1111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. 3.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010..

O PERCURSO METODOLÓGICO

Da experiência sobre Pró-PET – Saúde Família, no projeto Promoção da Saúde, participaram das atividades de ensino, pesquisa e extensão acadêmicos, preceptores e tutores de Enfermagem, Medicina, Odontologia, Educação Física, Farmácia, Nutrição, Psicologia e Serviço Social. As ações foram desenvolvidas em diferentes comunidades e unidades de saúde da Prefeitura Municipal de Florianópolis, Santa Catarina.

Algumas etapas ocorreram para facilitar o percurso e a execução efetiva do programa. No primeiro momento, no âmbito de atuação da rede docente-assistencial e nas reuniões mensais, os tutores (docentes da universidade) encontraram-se para planejar a implantação do programa. Foram discutidos os objetivos do Pró-PET e sua operacionalização, e fortaleceu-se a compreensão sobre a temática promoção da saúde, buscando integrar tutores e preceptores. Desse modo, docentes com atuação no mesmo centro de formação na área da saúde e parceiros de outros centros que trabalham na atenção básica tiveram a oportunidade de se aproximar, trocar informações, conhecer as diretrizes curriculares, a inserção dos diferentes cursos na rede de atenção básica e as diretrizes comuns aos diferentes cursos que compunham o PET.

Numa segunda etapa, foi acordado o número de estudantes por equipe, que seria proporcional ao número de alunos que desenvolviam atividades de ensino curricular na rede. Então, foram selecionados estudantes das diversas áreas, bem como unidades básicas de saúde mais envolvidas na formação e buscando favorecer a multiprofissionalidade, a interdisciplinaridade e a indissociabilidade entre ensino, extensão e pesquisa.

Após diálogo com a Secretaria Municipal de Saúde, foram selecionados preceptores com perfil para atuar na formação. Em seguida, foram realizados seminários com tutores, preceptores e estudantes para distribuir os participantes nas unidades de saúde eleitas e construir o mais coletivamente a proposta, seus objetivos e as articulações entre as instituições envolvidas. Esse momento permitiu identificar um movimento que gerou algumas mudanças na forma de conduzir a formação e a assistência.

A partir de então, semanalmente, os estudantes passaram a atuar nas unidades básicas de saúde e a se inserir nas atividades coletivas e individuais já desenvolvidas pelas equipes de saúde, sob supervisão dos preceptores. Foram instituídas reuniões com preceptores, profissionais das equipes e também com o tutor, docente da universidade, integrante do programa. Também houve a apresentação do Projeto PET-Saúde no Conselho Local e Municipal de Saúde, passando então o Grupo PET-Saúde a participar regularmente das reuniões. Em paralelo, os tutores dos diversos grupos que atuam no PET-Saúde da Família na linha da Promoção da Saúde passaram a se reunir semanalmente para conhecer como se dá a formação nos diversos cursos, a fim de compartilhar informações, facilidades e dificuldades na condução dos trabalhos do PET, exercitando a construção de conhecimento compartilhado, com base na realidade vivenciada. Nesse processo, foi construído o Instrumento para o Conhecimento do Cotidiano e Realidade da Comunidade e da Unidade-Centro de Saúde e se iniciou a elaboração de um projeto de pesquisa voltado para a Promoção da Saúde da Família e Comunidade que envolvesse os diferentes contextos locais.

Nesse percurso, discentes, preceptores e tutores participaram das reuniões ordinárias das equipes de saúde, apresentaram os objetivos do programa, tomaram contato com as ações desenvolvidas pelas equipes e identificaram nós críticos, nos quais poderiam contribuir com extensão e pesquisa. Desse modo, tutores e coordenadores das unidades básicas de saúde interagiram e estabeleceram diálogo e acordos que possibilitassem operacionalizar o PET.

Posteriormente, os estudantes se encontraram com os preceptores e tutores para se conhecer melhor, estabelecer os horários de trabalho e identificar a inserção que teriam na unidade básica de saúde na perspectiva da promoção de saúde, respeitando a multiprofissionalidade, a interdisciplinaridade e a autonomia profissional e pessoal. Também fizeram um levantamento bibliográfico e problematizaram a questão da promoção da saúde e prevenção de doenças. Esse momento permitiu constatar a sobrecarga de horas de ensino em alguns cursos, em especial a Medicina, o que dificulta a atuação deles em ações de extensão e pesquisa extraclasse.

Na sequência, o grupo PET discutiu o Instrumento de Conhecimento do Cotidiano e Realidade da Comunidade e da Unidade de Saúde. A partir de então, buscou-se construir um diagnóstico da situação de saúde das áreas de abrangência das unidades de saúde e da estrutura do serviço de atenção básica com ênfase na comunidade. Foi possível identificar que, no cotidiano da formação em saúde da UFSC, realizava-se o diagnóstico em saúde, mas isto ainda não era feito de forma multiprofissional e interdisciplinar, como na proposta do PET.

Com base no diagnóstico da situação da comunidade e unidade de saúde, foram escolhidas, junto com os profissionais e junto ao Conselho Local de Saúde, as atividades prioritárias a serem desenvolvidas, envolvendo ensino, extensão e pesquisa. Concomitantemente, estudantes, preceptores e docentes desenvolveram suas atividades rotineiras, mas com um olhar voltado para a Promoção da Saúde e o trabalho multiprofissional e interdisciplinar, procurando integrar os alunos que desenvolviam o ensino curricular com os alunos PET. As pesquisas seguiram os princípios éticos conforme a Resolução 466/2012 sobre estudos com seres humanos.

Nessa caminhada, os grupos participaram de encontros e seminários de acompanhamento e avaliação do PET-Saúde. Buscou-se avançar na perspectiva da ampliação e integração de experiências para o fortalecimento da relação ensino-serviço. Os grupos PET da UFSC participaram do Encontro de Integração entre os Grupos PET-Saúde da Grande Florianópolis e, posteriormente, promoveram o Primeiro Encontro Estadual PET-Saúde de Santa Catarina.

O COTIDIANO DOS GRUPOS PET-SAÚDE NA PROMOÇÃO DA SAÚDE

O trabalho dos Grupos PET – Saúde da Família da UFSC, enfocando a Promoção da Saúde, delineado em 2012, compreendeu projetos de pesquisa, extensão e ensino realizados em algumas Comunidades e Centros de Saúde (CS) da Prefeitura Municipal de Florianópolis. Essa atuação decorre do diagnóstico denominado “Conhecendo o Cotidiano e Realidade da Comunidade e do Centro de Saúde”, elaborado de outubro a dezembro de 2012. Foram levantadas informações sobre a comunidade e a partir da comunidade, incluindo: perfil epidemiológico, percepções de saúde e doença da comunidade, participação de organizações sociais e informações sobre a unidade de saúde (estrutura física, recursos humanos e processo de trabalho da equipe). O relatório do estudo identificou o cotidiano, a realidade local e institucional, e as prioridades de trabalho que deram origem aos projetos e experiências descritos a seguir.

Na Comunidade da Agronômica, as ações priorizaram a Promoção da Saúde, com recorte na saúde sexual e reprodutiva. Com base no relatório, foram elaborados quatro projetos para compor o Plano de Trabalho: Pesquisa sobre condições de saúde sexual e reprodutiva de mulheres e homens usuários do SUS; Oficinas educativas: em discussão a saúde sexual e reprodutiva das adolescentes; Videoteca da saúde; Formação profissional – educação permanente em saúde: um requisito para implementação do PET– Saúde da Família.

Em 2014, foram executados os projetos sobre as condições de saúde sexual e reprodutiva, com foco na população adolescente e jovem, e o projeto de formação profissional. Os projetos finalizados em 2013 foram as oficinas educativas e a videoteca. As oficinas expressaram as posições dos adolescentes e das adolescentes, acordadas no primeiro encontro da programação, reveladoras do que era importante para eles. De março a setembro de 2013, foram discutidos dez assuntos por meio de 17 oficinas: Território; Projeto de vida e sexualidade; Sexualidade; Sexualidade: respondendo às perguntas; Caderneta da saúde e corpo humano; Alimentação e triagem odontológica e nutricional; Cuidados com a saúde e triagem de enfermagem; Material reciclado; Drogas e violência; Ciências, com visita ao Planetário e laboratórios no Campus da UFSC.

O trabalho prosseguiu com o acompanhamento de saúde dos adolescentes, realizado por meio de triagem nos momentos em que ocorriam as oficinas. Além de potencializarem a discussão sobre os cuidados com a saúde, alimentação e saúde bucal, as oficinas impulsionaram a participação das adolescentes nas avaliações sobre seus estados de saúde, sendo estes registrados na caderneta de saúde.

O projeto Videoteca consistiu na construção de um acervo de filmes, documentários e vídeos voltados para temas relacionados à saúde. O objetivo foi assegurar ao CS da Agronômica um conjunto de recursos audiovisuais a ser utilizado nas atividades educativas desenvolvidas pelos profissionais. Nesse sentido, o projeto foi destinado à unidade e seus usuários, podendo ser estendido às instituições parceiras que realizam ações educativas com a comunidade. Entende-se que esse tipo de recurso proporciona espaços de reflexão e debate sobre questões de saúde que atravessam a vida cotidiana da comunidade, sendo um dos caminhos de promoção e acesso à saúde. Ademais, pode contribuir para uma abordagem lúdica de temas relevantes à discussão do processo saúde-doença, de questões emergentes consideradas situações de saúde pública e de construção de espaços de informação. Destaca-se que o projeto se ancora em princípios norteadores da Política Nacional de Atenção Básica1212. Brasil. Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica. Diário Oficial da União, 24 Out. 2011..

Na Comunidade do Itacorubi, o foco de atuação foi o estímulo à participação popular e integração da comunidade no Conselho Local de Saúde. Foram realizadas ações práticas na comunidade, como elaboração de material impresso para apresentações e distribuição na unidade, discussão sobre a participação popular, otimização da sala de espera como espaço educativo, participação na criação do blog e boletim do CS, participação em diferentes eventos, como Prefeitura no Bairro, festas da comunidade e reuniões do Conselho Municipal de Saúde. Destacou-se a integração do PET com outros projetos de extensão, como o Projeto Ninho, ligado ao Grupo de Pesquisa sobre Enfermagem, Cotidiano, Imaginário, Saúde e Família de Santa Catarina NUPEQUISFAMSC. Assim, no espaço vizinho do CS, no Centro de Educação Complementar da Comunidade (CEC), foram realizadas oficinas noturnas e diurnas com famílias de estudantes e com os trabalhadores da comunidade. Além disso, foram desenvolvidas atividades do Programa Saúde na Escola, propondo e desenvolvendo atividades lúdicas e colaborando na Campanha Antitabagismo.

Na Comunidade da Lagoa da Conceição, após uma visita domiciliar ao líder comunitário da Associação de Moradores da Lagoa, foi desenvolvida uma ação integrada com o Grupo Ninho e NUPEQUISFAMSC no evento Lagoa Limpa. Adotando-se uma metodologia interativa, trabalhou-se com a razão sensível, visando despertar a reflexão da comunidade sobre a Promoção da Saúde no Cotidiano. Foi realizada a Tenda da Saúde, com uma discussão entre os profissionais e preceptores do CS e associação de moradores, com o objetivo de chamar a atenção da comunidade para as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. Também foi desenvolvido o Mural Interativo, espaço alternativo, promovendo a reflexão-ação-reflexão sobre o Cotidiano e a Promoção da Saúde, e a busca de estratégias para melhorar a saúde e a qualidade de vida da população, com foco na criação de ambientes saudáveis e acesso a escuta sensível, acupuntura, aferição da pressão arterial e auriculoterapia. Nas interações, os participantes relataram a importância da mobilização efetiva e da participação da comunidade para garantir um viver mais saudável. Ficou evidente a necessidade de espaços para os moradores desenvolverem atividade física com segurança. Nesse processo, destacou-se a integração do PET com outros projetos de extensão e pesquisa para fortalecimento da promoção da saúde, possibilitando aos envolvidos qualificar a saúde de Florianópolis.

Na Comunidade de Coqueiros, os discentes contribuíram na organização e participaram do dia da saúde da comunidade, enfocando a campanha contra o tabagismo por meio da redação de um texto no boletim da comunidade sobre os malefícios do cigarro. Atuaram ainda no grupo de manutenção da cessação do tabagismo, no qual trabalharam a questão da recaída, estratégias para evitar o cigarro e uso de adesivo.

No grupo de saúde mental, foram trabalhados problemas de estresse, depressão, isolamento e uso de medicamentos, por intermédio de filmes e da escuta das pessoas que participaram do grupo.

Com os idosos, participaram do projeto de conscientização corporal e física, projeto de viver saudável, fazendo caminhadas e trabalhando com o grupo a importância desta atividade. Para tanto, o médico realizou uma avaliação clínica dos participantes. Na sequência, o grupo participou do momento de tematização sobre hidratação, alimentação e caminhada. Na escola ao lado do CS, foram dadas orientações sobre saúde bucal e abuso de drogas.

Na Comunidade do Abrão, foram realizadas ações em colaboração com os estudantes do PET e do estágio curricular, tendo sido abordada a questão da higiene das mãos, corporal e bucal, e trabalhada a questão da imunização, por meio das cadernetas de saúde. Foi desenvolvida uma ação denominada Comunidade Saudável em toda a comunidade, em prol da qualidade de vida, com o PET e a unidade básica.

Na Comunidade da Coloninha, o enfoque da Promoção da Saúde voltou-se para promover um viver mais saudável para as pessoas que convivem com diabetes. Para identificar essa parcela da população, fez-se um levantamento dos diabéticos nas microáreas; foram iniciadas as visitas domiciliares e a organização do grupo com as etapas: convite, sensibilização, tematização e avaliação. No grupo de alimentação saudável, avaliou-se o índice de massa corporal e foram dadas orientações individuais.

Nas unidades de saúde da Coloninha, Coqueiros e Abrão, em função das diferentes compreensões sobre a promoção da saúde e sua relação com a interdisciplinaridade, elaborou-se um projeto de pesquisa com profissionais de saúde com o objetivo de identificar a compreensão dos profissionais sobre promoção da saúde e interdisciplinaridade em suas práticas.

Nesse processo, em todas as unidades, concretiza-se o preconizado na política de promoção da saúde e evidenciam-se as metodologias ativas e criativas na consecução das ações88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política nacional de promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006..

POTENCIALIDADES EVIDENCIADAS

Entre os pontos positivos que o Pró-PET – Saúde da Família alcançou, é preciso evidenciar a aproximação entre as demandas da população local e as ações de pesquisa e extensão da universidade, adequando a produção de conhecimentos às lacunas e problemas de cada comunidade. A ampliação de conhecimentos e a divulgação dessa produção contribuem para a visibilidade, o reconhecimento e o aprimoramento desse nível de atenção à saúde.

Destaca-se o aprofundamento das relações entre docentes estudantes e profissionais das unidades de saúde, fortalecendo a integração docente-assistencial e das disciplinas no âmbito da formação.

A atuação multiprofissional dos estudantes, preceptores e tutores, quiçá interdisciplinar, é outro avanço evidenciado pelo PET nesse contexto. O conhecimento das diretrizes curriculares distintas e a sua operacionalização permitem identificar pontos de atuação comuns e a necessidade de integrar e articular os vários saberes num projeto único e desenvolver ações complementares que envolvam as diversas profissões da área da saúde com a finalidade de atender às diferentes dimensões que envolvem o usuário e sua saúde. Esse é um processo gradativo que pode gerar grandes mudanças na qualidade da assistência e no empoderamento dos usuários.

DIFICULDADES E NÓS CRÍTICOS

Paradoxalmente, o fato de já haver ensino regular nos Centros de Saúde foi considerado um ponto crítico. Embora seja esta uma das finalidades do PET, a lógica fragmentada de cada curso dificultou reservar tempo e espaço para que os grupos multiprofissionais se encontrassem para realizar as atividades. O processo de desenvolvimento das atividades demonstrou que a formação ainda está engessada e verticalizada, com grades curriculares rígidas e centradas no professor e conteúdos excessivamente técnicos que desconsideram as possibilidades de um trabalho entre estudantes e professores de diferentes cursos. A atual configuração da formação e da assistência dificulta o trabalho interdisciplinar. Tal dificuldade foi parcialmente superada com criatividade e propostas que efetivaram atividades nos momentos possíveis para cada grupo.

Percebe-se, por outro lado, que alguns profissionais lutam nos diversos cursos para consolidar seus espaços na rede, havendo uma trajetória a ser percorrida para concretizar a complementaridade de ações e o trabalho interdisciplinar. A criação de uma disciplina optativa que reúna acadêmicos de vários cursos de graduação da área da saúde, para discussão de políticas de saúde, pode ser um primeiro passo para transformar essa realidade.

A aproximação entre universidade e serviços de saúde se relaciona diretamente com a qualificação dos profissionais, docentes e estudantes, e reforça a produção de conhecimentos com base nas necessidades da comunidade. Para tanto, é fundamental estimular fóruns de diálogo com a representatividade dos campos de formação e da prática para planejar ações conjuntas em prol da qualidade de vida e da assistência da comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A participação no programa PET – Saúde da Família foi uma experiência bem-sucedida. Trouxe a oportunidade de realizar a integração ensino-serviço de maneira mais efetiva e, ao mesmo tempo, permitiu que estudantes, professores e profissionais da rede de atenção básica conhecessem uns aos outros, realizando atividades de ensino, pesquisa e extensão contextualizadas nos cenários de prática.

O grande desafio dessa atuação é compreender que os profissionais precisam manter as identidades profissionais e, ao mesmo tempo, interagir com outros atores e saberes. É dedicar-se a qualificar sua atuação e colaborar com o trabalho de todos com vistas à atenção integral e de qualidade. Embora não seja fácil, participar de uma iniciativa dessa natureza traz a beleza das ideias compartilhadas.

Esta experiência é um desafio para a universidade e para a Secretaria de Saúde do Município, instituições com finalidades distintas, mas que, ao se integrarem, podem melhorar a qualidade da assistência, a formação e fortalecer o SUS. Preceptores, tutores e estudantes com diferentes saberes e visões de mundo precisam estabelecer relações e trabalhar de forma conjunta. A inserção de novos cursos na rede de atenção básica, introduzindo estudantes desde as primeiras fases, as mudanças curriculares nos diversos cursos da área de saúde, somadas à intenção de trabalhar numa perspectiva interdisciplinar, demonstram os avanços obtidos nesse caminho, mas é preciso ficar claro que é necessário muito mais.

O reconhecimento da atenção básica como filosofia central do cuidado em saúde requer o fortalecimento das competências dos profissionais e docentes para educar, assistir e lutar por melhores condições de vida para a população.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2015
  • Aceito
    21 Fev 2016
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