Ensino e Aprendizagem em Odontologia: Análise de Sujeitos e Práticas

Teaching and Learning in Dentistry: Analysis of Individuals and Practices

RESUMO

O presente estudo pedagógico objetivou investigar o processo de formação em Odontologia com base na visão dos gestores, docentes e discentes de um curso de Odontologia em uma instituição de ensino superior (IES) – Faculdade de Odontologia do Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense (FO/ISNF/UFF). A amostra não probabilística foi composta por 98 sujeitos (8 gestores, 28 docentes e 62 alunos), que foram entrevistados ou responderam a questionários semiestruturados. A análise dos resultados foi realizada por meio da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) e representações sociais. Os resultados apontaram que 49,0% e 76,5% do corpo docente e discente da IES não têm conhecimento sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). As sugestões de melhoria incluíram a oferta de cursos de formação continuada em docência, inclusive a respeito das DCN, melhorias na infraestrutura do campus universitário e uma relação professor/aluno mais compatível. O estudo permitiu verificar algumas deficiências nas práticas e posturas, percebidas pelos sujeitos entrevistados. Entretanto, parece haver uma relevante preocupação de alguns sobre um alinhamento do Projeto Político Pedagógico (PPP) com as DCN.

Educação em Odontologia; Recursos Humanos em Odontologia; Educação Baseada em Competências; Processo Ensino-Aprendizagem; Educação Médica; Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

This pedagogical study aimed to investigate the training process in dentistry, from the perspective of managers, teachers and students of a dentistry course at a Higher Education Institution (HEI) – the Fluminense Federal University (CNF-UFF) Dental School – Nova Friburgo Campus. A non-probabilistic sample was comprised of 98 subjects (8 managers, 28 teachers and 62 students) who completed questionnaires. The analysis was performed using the Collective Subject Discourse technique (DCS) and social representations. The results showed that 49% and 76.5% of the professors and students of HEI, respectively, do not know about the NCGs (National Curricular Guidelines). The suggestions for improvement included the provision of teacher training courses, including subjects for discussions such as NCGs, improvements in campus infrastructure and a more compatible student-teacher ratio. Therefore, the study showed some shortcomings in the practices and attitudes perceived by managers, teachers and students. However, some people seem to be duly concerned about the alignment of the Pedagogical Political Project (PPP) with the NCGs.

Dental Education; Dental Staff; Competency-Based Education; Teaching Methods; Medical Education; Health Care Systems

INTRODUÇÃO

O ensino universitário é fruto de profundas transformações econômicas, políticas, culturais e sociais ocorridas ao longo da história contemporânea no mundo e no Brasil. Exigem-se, portanto, adequações em termos organizacionais de postura e conteúdo a este cenário para contribuir com a formação de cidadãos comprometidos com a sociedade. As reflexões que emergem neste contexto são filosóficas e práticas. Urgem, no campo acadêmico, estudos que se voltem para esta ótica e potencializem a construção de identidades docentes e discentes conscientes da necessidade de autoavaliações e transformações constantes que levem em consideração suas próprias atuações e seus papéis no ensino superior¹,²,³.

Segundo a comissão do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES) 3/2002, do Ministério da Educação (MEC), sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em saúde, os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) devem ser construídos coletivamente, centrados no aluno como sujeito ativo de aprendizagem e apoiados no professor como facilitador e mediador do processo de ensino-aprendizagem. O futuro profissional de saúde deve apresentar uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico²-⁴.

Para Feuerwerker⁵, as propostas de mudança na formação dos profissionais de saúde norteadas pelas DCN estão orientadas para a superação de alguns problemas em âmbito universitário, como a insuficiente produção de conhecimento e os problemas na formação profissional marcados pela especialização, fragmentação e interesses econômicos. Assim, exige-se uma nova atitude e a formação de um educador consciente de que isto exige capacitação e competência pedagógica própria e específica, que não pode se restringir apenas ao diploma de bacharel, ou mesmo de mestre e doutor, ao exercício de uma profissão e ao acúmulo de experiências na área⁶.

Atualmente, na área de Odontologia, os docentes e discentes precisam desenvolver habilidades e competências para lidar com o todo, sem pretender o “tudo” das especialidades, o que caracteriza um perfil generalista, de profissionais qualificados e habilitados à assistência integral à saúde⁷.

A Faculdade de Odontologia do Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense (FO/ISNF/UFF) tem uma história recente como instituição de ensino superior: era uma autarquia municipal (Faculdade de Odontologia de Nova Friburgo – FONF), foi encampada pela UFF em 2006 e, logo após, promoveu concursos para a contratação de novos docentes. Na fase de transição da FONF para o FO/ISNF/UFF (entre os anos de 2006 e 2008), o Projeto Político Pedagógico do curso de Odontologia foi elaborado com base nas DCN⁸-⁹.

Como a FO/ISNF/UFF está em fase de consolidação, o presente estudo é indispensável neste contexto, já que os diagnósticos obtidos neste trabalho podem contribuir significativamente para futuras mudanças, ou seja, supõe-se que os achados desta pesquisa ofereçam subsídios para nortear ações dos administradores e demais sujeitos que constituem o curso (coordenadores, docentes, discentes e funcionários), pois, ao perceberem suas práticas e propostas, eles poderiam se interrogar sobre elas e os rumos que devem ou pretendem lhes imprimir.

O presente estudo compreendeu uma avaliação qualiquantitativa com o objetivo principal de mensurar o impacto das DCN do curso de Odontologia sob a ótica de gestores, docentes e acadêmicos de um curso de Odontologia do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Odontologia do Instituto de Saúde de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense (FO/ISNF/UFF).

METODOLOGIA

Aspectos éticos

O desenvolvimento desta pesquisa somente teve início após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP-UFF), de acordo com a Resolução 196 de 10-10-96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, referente à participação de humanos em pesquisas (CAAE: 0067.0.248.000-11, sob o protocolo 063-11, aprovado em 6 de maio de 2011, para 300 sujeitos).

Todos os sujeitos participantes foram previamente informados sobre os propósitos da pesquisa e, em acordo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias, sendo uma para o participante e outra para o pesquisador. A fase de coleta de dados teve início em abril e finalização em dezembro de 2013, na FO/ISNF/UFF.

Tipo de pesquisa

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório e de natureza qualiquantitativa.

Sujeitos do estudo

O estudo compreendeu a avaliação de sujeitos sociais como gestores, docentes e discentes da FO/ISNF/UFF. Entre os gestores, incluíram-se os titulares e os vices dos seguintes cargos: diretor de unidade, coordenador de curso e chefes dos departamentos que compõem o curso (Departamento de Ciências Básicas – FCB e Departamento de Formação Específica – FFE), totalizando oito entrevistados no grupo de gestores. Entre os docentes da FO/ISNF/UFF, todos com vinculação contratual estatutária de 40 horas semanais em dedicação exclusiva, a pesquisa foi realizada com 78, incluindo os do ciclo básico e os do ciclo específico. Entre os acadêmicos da FO/ISNF/UFF, alunos do primeiro, quinto e nono períodos compuseram a amostra, totalizando 180 acadêmicos. A seleção desses períodos se deveu ao fato de se objetivar a mensuração de percepções quanto ao processo educativo na ótica discente, mediante o momento de ingresso na universidade (primeiro período), início do ciclo profissional (quinto período) e término do curso, com a futura inserção discente no mercado de trabalho prestes a acontecer (nono período).

Delineamento do estudo

O estudo foi conduzido em duas fases: (I) fase preparatória: treinamento dos entrevistadores e estudo piloto; (II) fase de coleta de dados: entrevista e aplicação de questionário semiestruturado com perguntas abertas aos distintos sujeitos sociais.

Fase preparatória

Na etapa piloto, um pesquisador com experiência no uso deste tipo de instrumento de pesquisa aplicou o questionário a cinco professores e alunos do segundo e oitavo períodos (n = 10), a fim de se testar e avaliar a compreensão das perguntas pelos entrevistados e, se necessário, ajustar o questionário semiestruturado.

O treinamento consistiu na preparação dos dois entrevistadores para a aplicação do questionário semiestruturado aos discentes e docentes e para as entrevistas aos gestores. Uma discussão prévia foi realizada, a fim de padronizar a organização da rotina de trabalho, como a forma de abordagem dos sujeitos do estudo durante a entrega e recolhimento dos questionários e também a condução das entrevistas. Esta preparação foi realizada por um pesquisador com experiência neste tipo de pesquisa.

Fase de coleta de dados

Foram utilizados distintos instrumentos (questionários, roteiros de entrevista semiestruturados), contendo cinco perguntas, que foram aplicados por pesquisadores previamente treinados. As perguntas foram cuidadosamente elaboradas para que permitissem emergências de demandas espontâneas. A pesquisa incluiu também espaço aberto para livre manifestação sobre o curso, os professores, os acadêmicos e demais demandas.

Os instrumentos para coleta de dados foram específicos para cada grupo de sujeitos – docentes, gestores e discentes –, obedecendo, entretanto, a objetivos similares de cada questão. Os objetivos de cada pergunta foram:

A – Avaliar o conhecimento do entrevistado sobre como o curso está estruturado no papel, segundo as DCN e PPP, e se o curso de Odontologia da FO/ISNF/UFF segue essa estrutura;

B – Avaliar objetivos e expectativas dos egressos após a conclusão do curso;

C – Questionar a visão sobre o tipo de formação (atenção humanizada e técnica assistencial), sobre o papel do cirurgião-dentista no SUS e se a universidade prepara os alunos para essa atuação;

D – Verificar o emprego de diferentes métodos e estratégias de ensino;

E – Fomentar sugestões de melhoria no processo de ensino-aprendizagem na FO/ISNF/UFF.

Análise dos resultados

Na análise qualiquantitativa das questões abertas dos questionários aplicados aos gestores, docentes e discentes foi utilizado o processo de transcrição e análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que visa expressar a opinião ou o pensamento coletivo, para tornar mais claras as representações sociais sobre o objeto avaliado. O DSC é uma reunião de diferentes depoimentos relacionados ao mesmo assunto num só discurso-síntese, homogêneo, redigido na primeira pessoa do singular, mas transparecendo as ideias que um grupo social tem a expressar. Portanto, embora redigido na primeira pessoa do singular, o DSC procura expressar um pensamento coletivo¹⁰.

Observadas as ideias que emergiram no campo estudado, foi realizado um processo de qualificação sistemática das mesmas, descrevendo-as e classificando-as segundo os chamados operadores do DSC (expressões-chave, ideias centrais, ancoragem e sintetização do discurso do sujeito coletivo construído). A fim de estudar a distribuição destas ideias qualificadas na população estudada, ou seja, o grau de compartilhamento destas entre os sujeitos, foram elaboradas figuras para quantificar as representações sociais que emergiram. Os dados recolhidos foram codificados, categorizados, analisados e interpretados para a elaboração de considerações e conclusões¹⁰.

RESULTADOS

A taxa de não resposta obtida no estudo foi de 57,2%. Ou seja, do total de 229 sujeitos que receberam os questionários ou foram entrevistados, obteve-se um retorno de 98 (42,8%), correspondendo a 8 (100%) gestores, 28 (35,9%) docentes e 62 (34,4%) alunos (22 do primeiro, 20 do quinto e 20 do nono período). Alguns fatores foram relacionados a esta perda: dificuldades de contato dos entrevistadores envolvidos na pesquisa com os docentes, especialmente os do ciclo básico, e falta de vontade/disponibilidade para participar da pesquisa.

Os resultados apontaram que todos os gestores entrevistados demonstraram conhecimento sobre as DCN e o PPP da instituição. Entre os docentes, 50,0% (n = 14) afirmaram conhecê-los, 35,7% (n = 10) disseram ter conhecimento superficial sobre eles e 14,3% (n = 4) desconheciam ambos. Entre os alunos, 76,5% (n = 52) disseram não ter conhecimento sobre esses assuntos. Além disso, todos os gestores concordaram em que o PPP da FO/ISNF/UFF está de acordo com as DCN, mas apenas dois alunos (3,2%) e 14 professores (50,0%) expressaram a mesma opinião.

Com relação ao questionamento sobre objetivos e expectativas de futuros egressos, enquanto nove docentes entrevistados revelaram desejar que seus alunos ingressassem na pós-graduação, quatro esperavam que eles tivessem adquirido conhecimento generalista e um disse temer pelos alunos que se mostraram inclinados a atender prontamente em especialidades, já que, segundo ele, esses alunos ainda terão pouca experiência clínica e encontrarão um mercado de trabalho difícil e saturado. Por outro lado, entre os gestores, a preocupação estava ligada à hiperespecialização, já que, segundo eles, o ideal seria que os alunos finalizassem o curso com uma visão generalista da Odontologia. Constatou-se, portanto, grande disparidade entre as opiniões desses dois grupos:

Cumprir com o aprendizado em pós-graduação é um pré-requisito para uma formação completa. Estamos em um modelo de ensino onde me parece precoce a integralização das especialidades, gerando carência no estabelecimento destes conhecimentos de forma isolada, fazendo com que nossos egressos possam se formar sem treinamento em várias áreas. (DSC – Docentes)

Outra coisa que eu vejo muito hoje em dia é a hiperespecialização, não somente na Odontologia. Não se entende muito a interdisciplinaridade, então eu espero que nossos alunos saiam com uma visão mais global da Odontologia, de maneira interdisciplinar. (DSC – Gestores)

Quanto às intenções dos alunos após a conclusão do curso, entre os entrevistados do primeiro período, mais da metade (54,5%, n = 12) manifestou interesse em prestar concurso público. Já entre os alunos do quinto período, esse interesse foi menor (30,0%, n = 6), e entre os alunos do nono período o interesse por concursos públicos diminuiu, atingindo apenas 20,0% dos entrevistados (n = 4). Entretanto, um interesse não citado pelos alunos do primeiro e quinto períodos foi revelado pelos alunos do nono: carreira acadêmica (25,0%, n = 5). Foi possível perceber ainda que, em todos os períodos entrevistados, a especialização apareceu como prioridade (Tabela 1).

TABELA 1
Objetivos dos discentes ao concluírem a graduação. Nova Friburgo, RJ, 2013.

Objetivos	1º P	5º P	9º P
	n (%)	n (%)	n (%)
Especialização	3 (14)	7 (35)	2 (10)
Especialização e concurso público	5 (23)	3 (15)	4 (20)
Especialização/concurso público/clínica privada	–	3 (15)	–
Concurso público	6 (27)	–	–
Consultório/clínica privada	4 (18)	3 (15)	1 (5)
Especialização e consultório/clínica	1 (4)	–	–
Não sabe	3 (14)	2 (10)	–
Estar apto às exigências do mercado de trabalho	–	2 (10)	–
Trabalhar para adquirir experiência + especialização/mestrado	–	–	9 (45)
Cursos de atualização	–	–	1 (5)
Trabalhar, cursos de atualização e carreira acadêmica	–	–	2 (10)
Carreira acadêmica	–	–	1 (5)
Total	22 (100)	20 (100)	20 (1007)

Pretendo realizar um curso de especialização ou mestrado na área que mais gosto [...] porque a faculdade não me fornece segurança total para exercer a profissão. (DSC – discentes nono período).

Com relação às metodologias de ensino-aprendizagem, quatro gestores (50,0%) e cercaodo convencional (aula expositiva clássica, com ou sem utilização de vídeos e imagens). Os outros 50,0% dos gestores (n = 4) e 46,5% dos professores (n = 13) disseram utilizar metodologias diferenciadas, sendo que alguns empregam mais de uma. Dois docentes entrevistados e um gestor alegaram usar métodos diferenciados apenas com grupos de projetos de pesquisa ou turmas de disciplinas optativas, onde o número de alunos é menor (Gráfico).

GRÁFICO 1
Metodologias de ensino-aprendizagem utilizadas pelos docentes. Nova Friburgo, RJ, 2013

A opinião dos alunos sobre a eficácia das metodologias utilizadas na FO/ISNF/UFF variou de acordo com os períodos, iniciando com aproximadamente 73,0% de aprovação no primeiro período (n = 16), 90,0% no quinto período (n = 18) e apenas 50,0% dos alunos do nono período (n = 10). Os três grupos apresentaram elogios e críticas às metodologias utilizadas pelos docentes e ofereceram sugestões de melhoria semelhantes (Quadros 1 e 2).

QUADRO 1
Opinião dos alunos sobre as metodologias de ensino-aprendizagem utilizadas na FO/ISNF/UFF. Nova Friburgo, RJ, 2013.

Período	Elogios	Críticas
Primeiro	Monitorias, gincanas interativas, estudos dirigidos.	Pouca associação da teoria do ciclo básico com a Odontologia; correção de provas por comparação.
Quinto	Estudo dirigido, casos clínicos, método de avaliação continuada, exercícios on-line, testes após cada aula com conteúdo ministrado.	A maioria dos professores se vale apenas de métodos tradicionais, e o aluno sente necessidade de decorar para ser avaliado; prática clínica em trio.
Nono	No final do período, uma pesquisa de satisfação sobre as aulas ministradas com a intenção de aperfeiçoá-las cada vez mais; prática demonstrativa; direcionamento dos pacientes aos alunos de acordo com os casos, para que os alunos atendam nas especialidades que ainda não praticam clinicamente.	Muita teoria e pouca prática; ausência das clínicas de especialidades; clínica integrada inserida precocemente no currículo, prejudicando os alunos tecnicamente.

QUADRO 2
Sugestões de melhorias no processo de ensino-aprendizagem da FO/ISNF/UFF. Nova Friburgo, RJ, 2013

Gestores	Docentes	Discentes
Relação aluno-professor mais compatível Melhoria da infraestrutura Clínicas das disciplinas Interdisciplinaridade entre básico e clínica Maior comprometimento. Estágios intensificados Postura do aluno Serviço social	Relação aluno-professor mais compatível Infraestrutura e equipamentos Clínicas de especialidades Articulação teórico-prática Reforma do PPP Estágios reduzidos Tempo de graduação Produção clínica mínima Investimento em material humano eficiente Pós-graduação Melhorar a formação docente	Relação aluno-professor mais compatível Infraestrutura Clínicas das matérias específicas Correlação teórico-prática Reforma do PPP Oferta de mais atividades práticas-clínicas Maior número de professores nas clínicas

DISCUSSÃO

De acordo com o Artigo 14 das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia, instituídas pelo MEC em 2002, o currículo do curso deve ser acompanhado e avaliado permanentemente, de modo a identificar aspectos a serem melhorados e promover os ajustes necessários⁴. Deste modo, os participantes do processo ensino-aprendizagem devem perceber suas práticas e se interrogar sobre elas, a fim de promoverem mudanças em suas posturas sempre que necessário.

A realização da pesquisa segundo a aplicação de roteiros de entrevista revelou grande eficácia e proporcionou uma participação bastante objetiva do grupo de gestores. Todas as respostas foram em forma de depoimento e não foram induzidas pela pergunta, ou seja, tentou-se controlar possíveis vieses metodológicos com esta forma de abordagem. Entretanto, a principal limitação da pesquisa se deu em relação à representação amostral nas categorias de docente e discente, já que estes receberam questionários semiestruturados impressos e tiveram a liberdade de responder fora da universidade. Desta forma, uma considerável parte da amostra foi perdida, podendo, assim, ter sido gerado um viés de seleção nestas duas categorias de sujeitos, como já esperado para pesquisas deste formato, apesar do número amostral ter sido representativo para a análise dos dados e a constituição dos Discursos do Sujeito Coletivo¹⁰,¹¹.

No entanto, cabe questionar se os resultados obtidos desta amostra refletem o discurso de todos os sujeitos da FO/ISNF/UFF, uma vez que a composição amostral pode ter sido constituída por indivíduos mais interessados e comprometidos com o curso. Portanto, podem ter ocorrido distorções nos resultados, como, por exemplo, maior desconhecimento sobre as DCN e menor interesse e uso pelos docentes das metodologias ativas de aprendizagem.

Entre os docentes, 50,0% dos entrevistados (n = 14) disseram conhecer as DCN e o PPP da instituição. Entretanto, deve-se levar em conta que o fato de conhecê-las não significa necessariamente empregá-las. De acordo com Morita et al.¹², embora tenham sido aprovadas em 2002, as DCN ainda não estão compreendidas adequadamente por muitos dirigentes, coordenadores, professores e alunos dos cursos de Odontologia do Brasil. Por esse motivo, a implantação das diretrizes vem sendo retardada, prejudicando as mudanças curriculares necessárias e, portanto, o desenvolvimento dos cursos para a formação de profissionais compatíveis com as realidades das demandas da população brasileira. Os outros 14 docentes que compuseram a outra metade do grupo afirmaram não estar devidamente informados a respeito do PPP que rege a instituição, tampouco sobre as diretrizes estabelecidas pelo MEC para o curso de graduação em Odontologia. Essa informação levantou a hipótese de que muitos docentes da FO/ISNF/UFF não têm colaborado para a formação dos alunos de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo MEC, já que as desconhecem. Entre os alunos, a questão foi agravada, já que 84,0% deles afirmaram desconhecer o assunto. Segundo Toassi¹³, a implantação das DCN é um processo difícil e requer mudança de posturas de todos os envolvidos: instituição, alunos, professores e comunidade. Para tanto, é necessário que todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem conheçam as normas que regem a instituição onde atuam, a fim de trabalhar em conjunto para alcançar os objetivos comuns.

No que tange ao PPP da FO/ISNF/UFF estar de acordo com as DCN, todos os gestores e boa parte dos docentes entrevistados nesta pesquisa concordaram com este aspecto. Entretanto, por diversas vezes, os entrevistados ressaltaram a necessidade de ajustes no PPP que possibilitem sua aplicabilidade no campus.

Desde a sua criação, o PPP da FO/ISNF/UFF não recebeu alterações. Isso mostra que talvez não tenha havido suficiente interesse, comprometimento e participação ativa da comunidade acadêmica (alunos, professores e gestão) na construção coletiva do PPP da instituição. Portanto, é necessário rever seus conceitos e procurar adequá-los à realidade do campus, com vistas a aprimorar o processo de ensino-aprendizagem, deixando-o de acordo com as condições existentes na instituição, para preparar cirurgiões-dentistas com boa formação.

Atualmente, vive-se na Odontologia uma realidade controversa: de um lado, o professor detentor do conhecimento, profissional de destaque técnico e científico, especializado em suas áreas de atuação que, no exercício da docência, se inspira em modelos de professores e mestres de suas experiências acadêmicas pregressas; de outro, o professor facilitador da aprendizagem, que, ao lado dos alunos, os motiva e estimula na construção integral do conhecimento¹⁴-⁶.

Entre o grupo docente, oito (28,57%) alegaram que o investimento em educação continuada e pós-graduação é essencial para que os alunos se tornem bons profissionais. Este resultado apontou que a visão especializada da odontologia por parte dos docentes ainda se faz presente nas instituições de ensino, mostrando que muitos ainda não acreditam que um cirurgião-dentista clínico geral possa oferecer atenção odontológica de excelência a seus pacientes. A valorização dos títulos de pós-graduação ainda é maior do que a valorização de uma formação mais integral na graduação. Desta forma, é necessário que os cirurgiões-dentistas sejam esclarecidos sobre os benefícios da generalidade em odontologia, e este esclarecimento deve ter início nos próprios centros de formação.

O objetivo maior, na graduação, deve ser a formação de um cirurgião-dentista com maior amplitude e menor profundidade. As DCN estão alinhadas à Política Nacional de Saúde Bucal (2004) e ao que as Conferências Nacionais de Saúde Bucal¹⁵,¹⁶ vêm recomendando para o ensino odontológico. Por isso, é essencial que todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem na área odontológica estejam cientes dessas Diretrizes, procurando segui-las integralmente. Logo, o profissional recém-formado não deve necessariamente conhecer os pormenores de cada especialidade, mas deve ter uma visão geral da odontologia, sendo capaz de oferecer resolubilidade para a maioria dos casos. A formação integral do aluno favorecerá a oferta de egressos com o perfil desejado pelas DCN, e esses egressos também poderão colaborar com um dos pilares do SUS: a integralidade.

Com relação aos desejos dos alunos ao concluírem o curso, é interessante observar uma enorme mudança entre os recém-chegados e os formandos. Enquanto 50,0% dos alunos do primeiro período manifestaram interesse por empregos públicos, apenas 20,0% dos alunos do nono período expressaram a mesma opinião. Isso demonstra que, ao longo da graduação, o aluno tem sido estimulado a ingressar no sistema privado, direta ou indiretamente, pelos próprios docentes, seja com suas falas e exemplos, seja com representações de uma vida profissional de sucesso em suas clínicas privadas. Até mesmo na clínica da universidade, que se intitula interdisciplinar, ocorre certa influência a favor da fragmentação da odontologia, característica típica do setor privado.

Em estudo recente realizado por Freeman et al.¹⁷, comprovou-se cientificamente que estudantes que participam de metodologias ativas de aprendizagem têm maior aproveitamento do conteúdo lecionado se comparados aos que recebem apenas palestras ou aulas expositivas. Quando indagados sobre as metodologias utilizadas na FO/ISNF/UFF, os entrevistados revelaram que a aula teórica expositiva ainda é a mais utilizada. Sabe-se que, tanto para o professor quanto para o aluno, a aula expositiva é mais cômoda, já que o palestrante exerce seu poder de destaque, como “discurso de autoridade”, que deve ser admirado e seguido, mais uma vez retomando o modelo de professor detentor do conhecimento⁶. Enquanto no primeiro período os alunos entrevistados nesta pesquisa se mostraram satisfeitos com a metodologia expositiva clássica, no quinto período, início do ciclo profissional, observa-se ligeira mudança nessa opinião, e no nono período a opinião muda completamente. A partir do momento em que o curso exige habilidades práticas, a metodologia excessivamente pautada em aulas expositivas deixa de ser apreciada pelos alunos, mostrando-se menos eficaz.

Em estudo realizado por Lazzarin et al.¹⁸, no qual foram feitas entrevistas semiestruturadas com docentes do curso de Odontologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), também se constatou que as estratégias de ensino-aprendizagem eram baseadas em exposições orais. Ainda de acordo com esse estudo, acredita-se que a formação dos docentes em cursos de mestrado e/ou doutorado não capacita suficientemente os docentes para o exercício do magistério.

Nesse sentido, uma das sugestões de melhoria prevalentes entre os entrevistados foi a de uma entrada menor de alunos por semestre, otimizando a proporção aluno-professor, que, segundo eles, no momento, é incompatível com um bom ensino em Odontologia. O aumento do número de alunos em sala de aula ocorreu com a criação do Programa Reuni, em 2007, pelo Ministério da Educação. Nesse programa, o governo federal adotou uma série de medidas para retomar o crescimento do ensino superior público, com o propósito de diminuir as desigualdades sociais no País¹⁹. Infelizmente, parece que os objetivos acabam sendo contraditórios, já que o aumento do número de vagas aumenta a quantidade de alunos em sala de aula, dificultando a atenção individualizada e prejudicando a formação profissional de qualidade. Desta forma, constata-se um aumento na quantidade de profissionais no mercado em detrimento da qualidade dos mesmos.

O objetivo do estágio não é apenas atender pacientes, mas também desenvolver no aluno as demais habilidades estabelecidas nas diretrizes do MEC, como prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, em nível tanto individual quanto coletivo⁴. Para favorecer o processo de ensino-aprendizagem é importante oferecer diferentes cenários de aprendizagem, de maneira diversificada. De acordo com Ditterich et al.²⁰, a promoção de atividades fora do ambiente físico da universidade integra os acadêmicos à comunidade e constitui um esforço para mudar o modelo de atenção em saúde bucal de individual para coletivo, de curativo para preventivo e de ambiente isolado para realidade social. O estágio voltado à promoção de saúde também estimula a elaboração de estratégias para resolução de problemas. Portanto, é necessário melhorar a articulação entre a universidade e as unidades de serviço público, facilitada por incentivos segundo a parceria entre os ministérios da Educação e da Saúde, como os programas Pró/PET-Saúde (Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde).

Entre os docentes, foi marcante a grande frustração ao perceberem que seus alunos chegavam ao fim do curso inseguros por não terem tido suficiente experiência clínica. Segundo Cristino⁷, já que nas clínicas integradas (na FO/ISNF/UFF chamadas de “Clínicas Interdisciplinares”) a intenção é que o aluno atenda o paciente até a conclusão do tratamento, é preciso haver uma organização dinâmica de trabalho para garantir ao aluno a experiência clínica nos vários procedimentos básicos da odontologia. Nota-se, portanto, que a universidade estudada carece dessa organização, necessitando de urgente aprimoramento na área, para que promova, de fato, uma formação acadêmica compatível com as Diretrizes Curriculares Nacionais.

CONCLUSÃO

O estudo permitiu verificar algumas deficiências nas práticas e posturas percebidas pelos gestores, docentes e discentes. Entretanto, parece haver uma relevante preocupação de alguns sujeitos sociais sobre um alinhamento do PPP com as DCN, para a melhoria da formação de cirurgiões-dentistas com o perfil esperado pelo Ministério da Educação.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a todos os participantes do estudo e à UFF, pela disponibilização de duas bolsas de Iniciação Científica, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), no período de 2013/2014, com números de registro: ic134091 e 144655.

REFERÊNCIAS

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  Fernandes Neto AJ, Perride Carvalho AC, Morita MC, Kriger L, Toledo OA. A Trajetória dos cursos de graduação em odontologia no Brasil. In: Haddad AE, org. A Trajetória dos cursos de graduação em saúde: 1991 – 2004. Brasília: INEP/MEC,2006. p. 381-409.
• ²
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  » http://www.saude.gov.br
• ³
  Ramos FRS, Padilha MICS. Formação profissional e políticas de saúde- cenários em transformação. In: Colóquio luso-brasileiro sobre questões curriculares, 3. 2006, Braga. Anais... Braga, 2006. p.10.
• ⁴
  Brasil. Ministérioda Educação. Resolução CNE/CES 1.300/2001 de 06 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em farmácia e odontologia. Disponível em <http://www.mec.gov.br >.
  » http://www.mec.gov.br
• ⁵
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  » http://www.abeno.org.br
• ⁶
  Massetto MT. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo, SP: Summus, 2003.
• ⁷
  Cristino PS. Clínicas integradas antecipadas: limites e possibilidades. Revista da ABENO, São Paulo 2005;5(1):12-18.
• ⁸
  Universidade Federal Fluminense. História da FOUFF-NF: banco de dados. Disponível em: <http://www.proac.uff.br/odontonovafriburgo/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=19&Itemid=42 >. Acesso em 22 mar. 2011.
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• ⁹
  Universidade Federal Fluminense. Projeto Pedagógico do Curso de Odontologia: Pólo Universitário de Nova Friburgo, Niterói, 2010. 127p.
• ¹⁰
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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Jan-Mar 2017

Histórico

• Recebido
  18 Jun 2015
• Aceito
  05 Jan 2016