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Percepção sobre o Internato de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro pelos Preceptores do Serviço na Atenção Básica: um Estudo de Caso

Perception about the Medical Internship at Federal University of Rio de Janeiro by the Service Preceptors in Primary Health Care: a Case Study

RESUMO

Introdução

O preceptor é entendido como o profissional da rede assistencial que tem importante papel na inserção do graduando e do recém-graduado na prática profissional. Entretanto, estudos sobre o ensino da prática médica na Estratégia Saúde da Família (ESF) têm mostrado inadequações na qualidade, na capacitação e no tempo destinado pelos preceptores aos estudantes. No município do Rio de Janeiro (RJ), a expansão da ESF se deu tardiamente, o que resultou num vácuo da inserção do aluno de Medicina na rede.

Objetivo

Conhecer as percepções dos médicos preceptores da Estratégia Saúde da Família quanto à sua atuação junto aos internos de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Método

Pesquisa exploratória, do tipo estudo de caso, de abordagem qualitativa, realizada no município do RJ. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, entre setembro de 2011 e março de 2012, com 15 preceptores das seis Clínicas da Família que recebem internos de Medicina da UFRJ. As entrevistas foram gravadas, transcritas, lidas e tratadas por meio da técnica de análise de conteúdo temática, da qual emergiram cinco categorias: estímulo e motivação; valorização; capacitação; mundo real versus mundo acadêmico; integração ensino-serviço.

Resultados

Os preceptores se sentem reconhecidos e estimulados pelos alunos, mas não sentem a valorização pela chefia do serviço, que não libera espaço físico e horário para as atividades. Há uma boa relação estabelecida com os tutores e os alunos da UFRJ, mas desejam receber capacitação para a preceptoria e estreitar o vínculo com a UFRJ. Percebem o tempo destinado ao aluno como precioso e ao mesmo tempo desafiador, estimulando-os a repensar suas práticas do cuidado. Reconhecem no estágio a oportunidade para os internos vivenciarem na prática o que foi apreendido na teoria.

Conclusão

A prática de preceptoria encontra sustentação na boa relação estabelecida entre os preceptores, tutores e alunos, mas são necessários esforços para a valorização dos profissionais que desempenham esta prática.

Educação Médica; Preceptoria; Internato e Residência; Medicina

ABSTRACT

Introduction

A preceptor is understood as a health care professional with an important role in introducing students and recently graduated doctors into professional practice. However, studies into medical teaching in the Family Health Strategy (FHS) have shown inadequacies in the quality, training and time spent by the tutors with students. In the municipality of Rio de Janeiro (RJ), the expansion of the FHS was belated, resulting in a vacuum of medical students being inserted into the network.

Objective

To understand the perception of Family Health Strategy physician preceptors regarding their performance with medical student interns from the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ).

Methods

This is a case study which employed a qualitative method and took place in the city of Rio de Janeiro (RJ). Semi-structured interviews were conducted between September 2011 and March 2012, with 15 preceptors from six Family Clinics receiving UFRJ medical interns. Interviews were recorded, transcribed, read and subjected to thematic content analysis, resulting in the establishment of five categories: encouragement and motivation; appreciation; training; real world versus academic world; teaching-service integration.

Results

The preceptors report that they feel recognized and encouraged by the students, but do not feel appreciated by the service coordinators, who fail to allocate adequate space and time to their preceptorship activities. A good relationship is established with both tutors and students. The preceptors would like to be trained in preceptorship and to strengthen their ties to UFRJ. They view their time with the students as both precious and challenging, because it stimulates them to rethink their care practices. They recognize in the internship the opportunity for students to gain practical experience of what has been learned in theory.

Conclusion

The preceptors’ work is supported by the good relationship established between preceptors, tutors and students but efforts are needed to value the professionals who perform this practice.

Medical Education; Preceptorship; Internship and Residency; Medicine

INTRODUÇÃO

Desde a Declaração de Alma-Ata, em 1978, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o fortalecimento da Atenção Primária em Saúde (APS). No Brasil, o Ministério da Saúde passou a recomendar a Estratégia Saúde da Família (ESF) como modelo de APS desde a década de 1990. A fim de preparar os recursos humanos para atuação nesse novo cenário, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Medicina de 2001, embora tardiamente, passaram a recomendar que boa parte da formação do médico se desse na APS11. Brasil. Resolução CNE/CES n° 04, de 07 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União, nov. 2001. Seção 1. p. 38.. Essa recomendação foi enfatizada nas DCN publicadas em 2014. A ampliação de cenários das atividades práticas para o curso de graduação orientada pelas DCN de 2014 trouxe a necessidade de preceptores nesse cenário22. Brasil. Resolução CNE/CES n° 03, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União, jun. 2014. Seção 1. p. 8-11..

O preceptor é entendido como o profissional da rede de assistência que tem importante papel na inserção do graduando e do recém-graduado na prática profissional. Entretanto, estudos sobre o ensino da prática médica na ESF têm mostrado inadequações na qualidade, na capacitação e no tempo destinado pelos preceptores aos estudantes33. Trajman A, Assunção N, Venturi M, Tobias D, Toschi W, Brant V. A preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. RevBrasEduc Méd. 2009;33(1):24-32.

4. Godoy AS. Introdução à pesquisa qualitativa suas possibilidades. RAE 1995;35(2):57-63.

5. Ludke M, André MED. A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU; 1986.
-66. Brasil. Portaria Interministerial MS/MEC n° 2.101, de 03 de novembro de 2005. Institui o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde — Pró-Saúde — para os cursos de graduação em Medicina, Enfermagem e Odontologia. Diário Oficial União, nov. 2005. Seção 2. p. 25.. Em particular no município do Rio de Janeiro (RJ), a expansão da ESF se deu tardiamente, a partir de 2008, o que resultou num vácuo da inserção do aluno de Medicina na rede33. Trajman A, Assunção N, Venturi M, Tobias D, Toschi W, Brant V. A preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. RevBrasEduc Méd. 2009;33(1):24-32.. Portanto, essa vivência foi pouco estudada no município33. Trajman A, Assunção N, Venturi M, Tobias D, Toschi W, Brant V. A preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. RevBrasEduc Méd. 2009;33(1):24-32.

4. Godoy AS. Introdução à pesquisa qualitativa suas possibilidades. RAE 1995;35(2):57-63.

5. Ludke M, André MED. A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU; 1986.
-66. Brasil. Portaria Interministerial MS/MEC n° 2.101, de 03 de novembro de 2005. Institui o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde — Pró-Saúde — para os cursos de graduação em Medicina, Enfermagem e Odontologia. Diário Oficial União, nov. 2005. Seção 2. p. 25..

O objetivo deste estudo foi conhecer as percepções dos profissionais de saúde da ESF quanto à sua atuação junto aos internos de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

MÉTODOS

Trata-se de pesquisa exploratória, do tipo estudo de caso, de abordagem qualitativa. Na pesquisa qualitativa, o pesquisador deve procurar entender fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada. É um procedimento rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível, e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada77. Bardin L. Análise de conteúdo. 6. ed. Lisboa: Edições 70; 2011.,88. Rocha HC. Avaliação da prática de preceptoria após formação pedagógica [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2012..

O cenário da pesquisa foram as seis Clínicas da Família do município do Rio de Janeiro que recebem internos de Medicina da UFRJ, as quais eram participantes do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), cujo objetivo é incentivar e desenvolver a integração ensino-serviço para contribuir para a organização da prática da preceptoria99. Missaka H, Ribeiro VMB. A preceptoria na formação médica: o que dizem os trabalhos nos congressos Brasileiros de educação médica 2007-2009. RevBrasEduc Méd. 2011;35(3):303-10..

Os sujeitos de pesquisa foram os 15 médicos das clínicas, preceptores dos internos da UFRJ, que foram convidados e aceitaram participar do estudo.

Os dados foram coletados de setembro de 2011 a março de 2012. A técnica empregada foi a entrevista semiestruturada, efetivada com auxílio de um roteiro com questões estruturadas relativas ao perfil e à formação profissional, e questões abertas, referentes às suas percepções sobre seu papel, atividades, facilidades e dificuldades como preceptores.

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas integralmente pela autora principal, responsável, na Secretaria Municipal de Saúde do município do Rio de Janeiro (SMSRJ), pelos convênios para o internato com as diferentes IES. Nenhum dos entrevistados conhecia a entrevistadora no momento da primeira abordagem. Para garantia do anonimato dos sujeitos, todas as repostas foram sistematizadas e apresentadas na seção de resultados identificadas pela letra P (preceptor), seguida por um algarismo arábico, segundo a ordem de execução das entrevistas.

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temático, que se trata de um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens1010. Franco FM, Montes MAA, Silva AR. Visão discente do papel da preceptoria médica na formação dos alunos de medicina. Alexandria: Revista de Educação em Ciência e Tecnologia. 2013;6(2): 229-49..

Após a transcrição, foi realizada a leitura flutuante para estabelecer contato com as falas. Em seguida, o material foi explorado e organizado em categorias reconhecidas nos depoimentos, tanto na concordância quanto nas contradições.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da SMSRJ (CAAE: 0250.0314.000.10), e todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As características sociodemográficas, de formação e das atividades profissionais dos participantes estão dispostas na Tabela 1.

TABELA 1
Características sociodemográficas, da formação e das atividades profissionais dos médicos participantes do estudo. Rio de Janeiro, 2011-2012 (n =15)

Observa-se que a maior parte dos entrevistados cursou residência e tem formação na área de Medicina de Família/Comunidade. Dos quatro títulos de pós-graduação stricto sensu, dois tinham como área de concentração essa especialidade. Apenas seis (40%) declararam ter tido alguma capacitação para a atividade de preceptor.

Das falas, emergiram as seguintes categorias: estímulo e motivação; valorização; capacitação; mundo acadêmico versus mundo real; integração ensino-serviço.

Estímulo e motivação

Os preceptores entrevistados manifestaram que o trabalho com o aluno é motivador e os mantém estimulados para a busca de novos conhecimentos. Consideram também que as trocas durante o processo de acompanhamento contribuem para o melhor desenvolvimento de suas atividades médicas, proporcionando a qualificação de suas práticas. Relatam ainda que a preceptoria flui com harmonia quando o preceptor é estimulado pelo aluno que questiona, incentivando o estudo e a busca por atualização para que ele possa, ao mesmo tempo, estimular e incentivar o discente à prática na ESF1111. Bonamigo J. Profissionalização da preceptoria na Residência Médica. In: I Fórum de Ensino Médico. Brasília: Conselho Federal de Medicina: 01 de julho 2010..

Eles me incentivam a estudar para poder passar alguma coisa mais acadêmica, porque a gente está muito na prática. Me estimula a continuar estudando. (P2)

O trabalho do preceptor é orientar, supervisionar, trocando experiências na formação, nos mantendo atualizados e estudando. (P.11)

Os alunos que vêm com vontade de estudar me estimulam a estudar também. (P.4)

Me estimulam, eles sempre vêm com novidades. (P5)

Prazeroso. O aluno debate, interage e estimula a estar se aperfeiçoando; é preciso saber utilizar a presença do aluno, estimulando a aprendizagem em feedback. A cada turma que vem, desenvolvo mais o feedback. (P13)

Valorização (e falta de valorização) da preceptoria

A atividade de preceptoria não tem a devida valorização, apesar de o aluno conferir aos preceptores, no que se refere à relação preceptor-aluno na atenção ao paciente, mais qualidades que os próprios professores44. Godoy AS. Introdução à pesquisa qualitativa suas possibilidades. RAE 1995;35(2):57-63.. Nas falas seguintes, os preceptores confirmam que o seu trabalho, embora reconhecido pelos alunos, não é reconhecido como trabalho de atividade de ensino da sua rotina, não sendo estimulado pela IES, tampouco pela chefia do serviço.

Reconhecido em que sentido? A gente reclama desde o início que deveria ter um horário liberado para estar com o aluno. E não temos. Deveria ter um horário para preceptoria, em que você não tivesse que fazer outras coisas. Porque a gente fica sacrificando outras coisas para não deixar os meninos na mão. A sensação que dá é que todo mundo gosta que sejamos preceptores, mas não há incentivo. Inclusive, tem muito preceptor aqui que não recebe nem bolsa. (P12)

Na verdade, eu observo que o aluno é quem manifesta a sua satisfação, mas não a instituição de ensino e a chefia. (P4)

Os alunos gostam, saem satisfeitos. (P14)

Quando a confiança entre o aluno e o preceptor se estabelece, a aproximação entre ambos facilita o processo de ensino1212. Santos AC, Moraes AVS, Costa ACAC, Lima BLG, Vieira CAL, Silva CDA, et al. Competências da preceptoria na residência médica. Cadernos ABEM. 2013;9:40-5.. O exercício da função de preceptor fornece elementos que podem subsidiar a unidade de ensino e serviço na melhoria e valorização do trabalho. Para isso, há necessidade de profissionalização e criação de uma legislação específica para a preceptoria, entre outras propostas de valorização1313. Soares ACP, Maiorquim CR, Souza CRO, Vale DNF, Fujimoto DE, Fagundes FP, et al. A importância da regulamentação da preceptoria para a melhoria da qualidade dos programas de residência médica na Amazônia Ocidental. Cadernos ABEM. 2013;9:14-22.,1414. Rocha HC, Ribeiro VB. Curso de formação pedagógica para preceptores do internato médico. RevBrasEduc Méd. 2012;36(3):343-50..

A falta de valorização também se reflete na ausência de estrutura física adequada a esta atividade e na indisponibilidade de tempo dedicado a ela. Os entrevistados consideram o espaço físico da unidade de saúde pequeno, insuficiente e limitante para o desenvolvimento profícuo das atividades de preceptoria.

O que dificulta é o espaço físico. Por exemplo, tem uma sala ali que é para acolhimento da mãe e bebê, mas que a gente improvisa para consultório. Então, eles [internos] têm que se revezar, às vezes ficam até parados. Se houvesse mais consultórios, seria facilitador. (P9)

O espaço físico [referindo-se às dificuldades para a preceptoria]. Porque os alunos não têm um lugar para atender, então eles ficam com a gente. No caso do interno da graduação, não tem dado problema, mas para o residente é desagradável, porque é outro profissional atendendo junto. (P12)

O tempo de permanência dos estudantes na unidade de saúde também é considerado pelos preceptores como um fator prejudicial ao processo de preceptoria.

Outra coisa que dificulta é o tempo, eles reclamam. Me parece que o tempo de internato é limitado. É pequeno. (P7)

Uma parte que me deixa triste é que esse convívio é de curto prazo. (P14)

Ainda entre os aspectos da disponibilidade, foi citada a alta carga de trabalho, haja vista que os preceptores cumprem outras atividades dentro do período de preceptoria, que, além do atendimento clínico, envolve a burocracia do serviço. Tal fato acaba por restringir a preceptoria, sobretudo quando o número de alunos é excessivo.

O que dificulta é lidar com o aluno com toda essa parte burocrática, que é grande e pesada. (P4)

Acho que esse atendimento de 20 em 20 minutos dificulta ensinar, mas ainda não parei para ver as dificuldades; são muitos pacientes para atender; é um tempo maior no atendimento, o paciente espera mais. (P11)

A carga horária destinada ao exercício da preceptoria e o tempo escasso para a discussão de casos, além do acúmulo de funções e da demanda elevada de atendimentos, constituem fatores cumulativos que dificultam o exercício pleno da atividade do preceptor1515. Botti SHDO, Rego S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são seus papéis? RevBrasEduc Méd. 2008;32(3):363-3..

Vários preceptores reivindicam, como forma de valorização, a certificação desta atividade pela IES.

Gostaria de ter curso de preceptoria com certificado, capacitação, mesmo que pequena, de como ser preceptor, reciclagem. E acho importante receber um certificado do período em que fui preceptor. (P6)

É importante mais treinamento, capacitação, incentivo para ser preceptor na prática e na teoria com certificação. (P8)

Capacitação

Para exercer a atividade de preceptoria, nem sempre é oferecida capacitação específica. Como observado em estudos prévios44. Godoy AS. Introdução à pesquisa qualitativa suas possibilidades. RAE 1995;35(2):57-63., a principal demanda dos preceptores entrevistados residiu na oferta de processos de treinamento e educação continuada que os capacitasse a melhorar suas habilidades pedagógicas. A ausência de treinamento técnico permanente lhes causa desconforto e sentimento de inadequação. A solicitação de treinamento e cursos de atualização é, sem dúvida, uma atribuição que a IES não deveria se furtar a cumprir, estimulando a qualificação dos profissionais da rede de serviço.

O curso de preceptoria seria importante. Apesar de estar no campo de prática, a gente é docente. Então, conhecer os docentes num outro momento seria interessante para sabermos o que a universidade pensa sobre os alunos; e saber se ela oferece algum curso, treinamento para o serviço, e não precisa ser só para os médicos, para o serviço como um todo. [...] A própria universidade ser um campo para nós, os profissionais, irmos lá. Ampliar a troca. Porque fica muito limitada com os alunos, com os médicos. Uma integração ensino-assistência. A universidade só tem a ganhar. [...] Treinamento para toda a equipe. Mais que o médico, a equipe é preceptora. (P3)

Gostaria de um curso de preceptoria e mais treinamento e reciclagem. (P1)

Seria muito interessante se a universidade pudesse disponibilizar esse curso de preceptoria para nós; e outro seria fazer educação continuada. Nos atualizar sobre o que está acontecendo em termos de avanço na medicina que pode ser passado para o médico de família, para que ele tenha uma ação mais efetiva junto a sua clientela. (P9)

Acho que é o grau intermediário entre ser um professor; talvez seja um acompanhante, guia muito importante para os que estão saindo para a vida real; seria um acompanhante para saída da porta da faculdade para a vida do médico fora. Viver a medicina de verdade. (P2)

Mundo real versus mundo acadêmico

A preceptoria em saúde é uma prática pedagógica que ocorre no ambiente de trabalho e formação profissional, no momento do exercício clínico, conduzida por profissionais da assistência, com cargo de professor ou não, com o objetivo de construir e transmitir conhecimentos relativos a cada área de atuação, bem como auxiliar na formação ética e moral dos alunos, sejam internos ou residentes, estimulando-os a atuar no processo saúde-doença-cuidado em diferentes níveis de atenção, com responsabilidade social e compromisso com a cidadania1616. Bentes A, Leite AJM, Montenegro APDR, Paiva Júnior BR, Fernandes CR, Chiesa D, et al. Preceptor de residência médica: funções, competências e desafios. A contribuição de quem valoriza porque percebe a importância: nós mesmos! Cadernos ABEM. 2013;9:32-8..

[...] eles estão não na frente de um professor de medicina, mas de um profissional com um pouco mais de vivência. (P9)

Então, a minha preocupação com esses alunos é que eles entendam, e não ficar achando que a gente é médico de postinho, que a gente não faz nada, que é fácil, como eu já ouvi isso. Não é fácil. Mas acho que eles entendem que não é fácil. (P3)

Nossa prática é completamente diferente, a gente vê no mesmo turno o ciclo de vida: criança, gestante, adolescente e idoso. (P3)

Os entrevistados evidenciam que, ao atuarem como formadores, além da questão técnica na ESF, a vivência real, a reflexão, as ferramentas da especialidade, o contexto social, a prática e as relações interdisciplinares são exemplos a serem seguidos pelos discentes. O preceptor deve ter a capacidade de transmitir as melhores evidências e vivências, sempre valorizando a capacidade de aprender com a prática. Entre as competências da função de preceptoria destacam-se: ter responsabilidade, integrar, transferir saberes, ser ético e estimular o desenvolvimento de habilidades e atitudes para a formação do discente55. Ludke M, André MED. A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU; 1986..

Integração ensino-serviço

Durante as entrevistas, os preceptores se manifestaram sobre o relacionamento e o diálogo estabelecido com as instituições de ensino, sobretudo na figura do tutor.

Para a maior parte, existe um movimento de troca de informações importante, que viabiliza em grande medida um sistema de feedback, necessário à identificação de deficiências no processo de ensino.

Para alguns preceptores, o relacionamento é bom, mas a interlocução fica limitada por não haver maior articulação que subsidie o planejamento das atividades ou, ainda, porque os momentos de discussão do tutor com os alunos também se dão no horário de trabalho, inviabilizando a participação do preceptor.

É ótimo o relacionamento. [...] A única questão é que os meninos [referindo-se aos estudantes] têm um horário de discussão às quartas, período da tarde, e o tutor sempre quer que a gente fique lá, mas não tem como, é o horário de serviço normal. Então, por mais que eles tenham vontade de que a gente participe, o serviço não viabiliza isso. Mas aí não é por falta de vontade deles. (P12)

Não há muita inter-relação entre a IES e os preceptores, mas há uma proposta do tutor para essa aproximação por meio de reunião periódica. Acho que este ano irá aproximar. (P4)

Muito bem [referindo-se à relação com a IES]. Essa relação é diferente com os tutores, relação de troca, de discussão, de planejamento, de troca de informações sobre o aluno, pra gente ver se precisa dar um pouco mais de assistência ou não. Existe um bom relacionamento. (P15)

A participação do preceptor no processo de discussão entre tutores e alunos por vezes é inviabilizada pela necessidade do serviço. É necessário haver flexibilidade entre os gestores e a IES para que esse encontro seja facilitado, e a missão da educação permanente possa se realizar com menos dificuldade.

Uma aproximação maior da IES por meio da presença mais constante dos tutores nas unidades de saúde poderia dar um foco mais específico à preparação para o ensino desses preceptores, dando maior qualidade ao desempenho profissional. A IES poderia investir em educação continuada, com atualizações periódicas em temas atuais e cursos de metodologia de pesquisa, preparando-os para a pesquisa em serviço. A universidade deve ter o compromisso de estimular a construção e a troca de conhecimentos, assim como de capacitar de forma permanente toda a equipe da unidade99. Missaka H, Ribeiro VMB. A preceptoria na formação médica: o que dizem os trabalhos nos congressos Brasileiros de educação médica 2007-2009. RevBrasEduc Méd. 2011;35(3):303-10..

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, procurou-se dar voz aos preceptores do internato de Medicina de Família e Comunidade da UFRJ, da rede de APS da SMSRJ.

A prática de preceptoria encontra sustentação, segundo os entrevistados, na boa relação estabelecida com os tutores e alunos. Para eles, o tempo com o aluno é precioso e desafiador, pois estimula o repensar de sua prática do cuidado, podendo tornar-se, também, um momento de aprendizado e de qualificação de suas práticas.

Muitos fatores dificultam a realização de sua prática de ensino, como ausência de capacitação para esta atividade, espaço físico limitado, demanda por vezes excessiva, execução de atividades administrativas e tempo curto de permanência dos alunos nas unidades, impedindo um trabalho mais contínuo, pois é preciso tempo para desenvolver as competências do médico de família.

Apesar da percepção de terem seu trabalho de preceptor reconhecido pelos alunos e pelas IES, há ainda pouco reconhecimento pela chefia do serviço e estímulo insuficiente ao desenvolvimento desta prática. Há, por parte dos preceptores, uma clara demanda por melhor integração com a IES para capacitá-los para esta atividade e também para a formação em pesquisa e acadêmica de forma geral.

Seria importante dar voz e analisar as percepções de outros atores envolvidos no processo de preceptoria – alunos, gestores do serviço e profissionais da IES –, que estavam fora do escopo do presente estudo.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2016
  • Aceito
    18 Nov 2016
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