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A Aprendizagem Baseada em Casos da Atenção Primária à Saúde nas Escolas Médicas Brasileiras

Learning Based on Primary Health Care Cases in Brazilian Medical Schools

RESUMO

Este estudo visou conhecer a inserção dos estudantes na comunidade das escolas médicas brasileiras e como essas escolas estão realizando a integração curricular dos conteúdos básicos ao clínico por meio de casos clínicos vivenciados da atenção primária à saúde. Um questionário estruturado, com 26 itens, pré-testado, foi enviado inicialmente por e-mail aos coordenadores de 160 cursos de Medicina reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC), com pelo menos uma turma de egressos. As escolas e os coordenadores foram identificados com base na lista de escolas filiadas à Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), no período de maio a outubro de 2013. O questionário foi respondido por 108 coordenadores das escolas médicas associadas. As respostas foram obtidas por e-mail, entrevista gravada por telefone (telepesquisa) e impressos (face a face), de maio a outubro de 2013, após assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os dados foram tabulados e analisados por meio de estatística descritiva, com distribuição percentual das variáveis categóricas, utilizando o programa estatístico Epi-InfoTM, versão 7.1.4.Para 88% dos coordenadores entrevistados, a escola prevê a integração curricular entre ciências básicas e clínicas; 58,3% apresentam integração curricular por meio da metodologia da problematização com casos clínicos da atenção primária à saúde;para 43,5% dos entrevistados, os conteúdos estão parcialmente integrados. Todas as escolas seguem as DCN 2001 e 38,9% delas receberam auxílio de políticas indutoras do governo federal. O currículo está norteado pelos agravos mais prevalentes para 63,9% das escolas, e 75,9% consideram os objetivos de aprendizagem relevantes para a população. Um total de86,1% prevê o trabalho com equipe multiprofissional, e 56,5% das escolas integram o médico de família com as demais especialidades. Para 71,3%, as atividades na comunidade aumentam a responsabilidade social dos egressos, e 37% acreditam que essas atividades possam auxiliar na melhor distribuição dos futuros profissionais. De acordo com os coordenadores, a maioria das escolas médicas apresenta integração de conteúdos básico-clínicos, e 67,6% opinaram que as estratégias utilizadas para integração em suas escolas são bem-sucedidas.

PALAVRAS-CHAVE
Integração Curricular; Ensino Baseado na Comunidade; Currículo; Ensino Superior; Metodologia de Problematização

ABSTRACT

This study aimed to assess community placement of studentsfrom Brazilian Medical Schools and the schools'integration of basic content intothe clinical curriculum through actual experience of clinical situations in primary health care. A structured questionnaire containing 26 pre-tested items was sent out initially by e-mail to the coordinators of160 medical courses recognized by the Ministry of Education (MEC) with at least one class of recent graduates. The selected schools and coordinators were identified from a list of ABEM (Brazilian Association of Medical Education) member institutions from May to October 2013. The questionnaires were answered by 108 coordinators in three different methods: by e-mail, by telephone interviewand in hard copy (face-to-face meetings) after signing the Informed Consent Form (TCLE). Data were tabulated and analyzed by descriptive statistics, with percentage distribution of the categorical variables, using thestatistical software packageEpi-InfoTM, version 7.1.4. 88% of thecoorindators reported that their school is striving to achieve curricular integration between basic, clinical and human sciences; 58.3% of them present integration through the problematization of clinical cases in primary care and 43.5% considerthe content to be partially integrated. All respondent schools follow the National Curriculum Guidelines of 2001 and 38.9% received inductive policy governmental aid. For 63.9% of the respondents,the curriculum is guided by the most prevalent health problems and 75.9% consider that the objectives are relevant to the population. A total of 86.1% foresee work withincross-functional teams and 56.5% of the schools integrate family physicians with other medical specialties. For 71.3%, activities in the local community increase social responsibility and 37% believe it may improve the distribution of future professionals. According to the coordinators, most medical schoolsare implementing basic and clinical curricular integration and 67.6% expressed the view that the strategies used for curricular integration at their medical schools are successful.

KEYWORDS
Curricular integration; Education Based in the Community; Curriculum; Higher Education; Problematization

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Medicina(DCN), no Brasil, acompanham o contexto mundial de formação e educação profissional contemporânea, propondo a utilização de metodologias ativas e de integração com os serviços de saúde11. Brasil, Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n°4 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001; Seção 1,p.38.,22. Brasil Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n°116 de 3 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 20 jun. 2014; Seção 1,p.117.. Sua implantação prevê a formação de profissionais mais alinhados e engajados com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Esta proposta está em acordo comuma formação médica que tenha compromisso fundamental com as necessidades do paciente (“centrado no paciente”)33. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV,LugarinhoRM. A Integração Ensino-serviço no Contexto dos Processos de Mudança na Formação Superior dos Profissionais da Saúde. RevBras Edu Méd2008;32(3)356-62.,44. Souza GCA.; Costa CCI.O SUS nos seus vinte anos: reflexão num contexto de mudança. Saúde e sociedade 2010;19(3)509.,55. Marin MJS, Oliveira MAC, Otani MAP, Cardoso CP, MoravcikMYAD, Conterno LO, et al. A integração ensino-serviço na formação de enfermeiros e médicos: a experiência da FAMEMA. Ciência& Saúde Coletiva 2014;19(3)967-74..

Pelas DCN, o perfil esperado do profissional de saúde inclui o compromisso com a universalidade, a equidade e a integralidade do cuidado, garantindo o equilíbrio entre a excelência técnica e a relevância social11. Brasil, Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n°4 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001; Seção 1,p.38.,22. Brasil Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n°116 de 3 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 20 jun. 2014; Seção 1,p.117.. Os quatro princípiosestão em consonância com os enunciados pela Organização Mundial da Saúde e com diversos autores em publicações recentes66. Strasser R, Community engagement: a key to successful rural clinical education. Bull World Health Organ 2010;88:777-82.

7. Frenk J, Chen L and The Commission. Health professionals for a new century: transforming education to streng then health systems in an interdependent world. The Lancet 2010;376:1923-58.

8. Worley P, Murray R. Social Accountability in medical education – an Australia rural and remote perspective. Medical Teacher 2011;33(8)654-58.
-99. Strasser R. Transforming health professional education through social accountability: Canada's NorthemOntário School of Medicine. Medical Teacher 2013;35(6)490-6..

As escolas médicas devem assumir o compromisso e sua responsabilidade social para responder, da melhor forma possível, às necessidades prioritárias de saúde dos cidadãos. O treinamento de cuidados de saúde na atenção primária deve estar integrado aos sistemas de saúde, e a educação profissional deve reforçar a garantia de acesso da população a um serviço de alta qualidade. Neste sentido, esforços internacionais estão em andamento para iniciativas de reconhecimento e/ou acreditação das escolas que adotem padrões baseados na responsabilidade social99. Strasser R. Transforming health professional education through social accountability: Canada's NorthemOntário School of Medicine. Medical Teacher 2013;35(6)490-6.

10. Worley P, Prideaux DJ, Strasser R, Silagy CA, Magarey JA. Why we should teach undergraduate medical students in rural communities. Medical Journal of Australia 2000;172:615.

11. Boelen C, Woollard B. Social accountability and accreditation: a new frontier for educational institutions. Med Education 2009;43:887-94.
-1212. Wen, LS, Greysen SR, Keszthelyl D, Bracero J, de Roos PDG. Social accountability in health professional's training. The Lancet 2011;378:12-13..

Discutem-se os caminhos para que as escolas médicas tenham um impacto maior no desempenho dos sistemas de saúde, que se reflita tanto nos profissionais da saúde como nas comunidades que os utilizam1313. Global Consensus for Social Accountability of Medical Schools. Áfricado Sul, 2010 [acesso em 20 de setembro de 2014]. Disponível em:http://healthsocialaccountability.org
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.

O envolvimento dos profissionais e estudantes da área da saúde é desejável no processo de fortalecimento das ações comunitárias na promoção da saúde,porém não se trata de uma tarefa facilmente assimilada por eles. Proporcionar um engajamento da academia equilibrado com a gestão local, visando à atuação na prevenção, antecipando ameaças à saúde de uma população e levando em conta o sistema de saúde tem sido o desafio para as escolas de saúde no Brasil e no mundo1414. Matos F V de; Caldeira AP. Interação Comunitária e Planejamento Participativo no Ensino Médico. RevBrasEducMéd 2013;37(3)434-40.,1515. Ferreira JBB; Forster AC; Santos JS. Reconfigurando a Interação entre Ensino,Serviço e Comunidade. RevBrasEducMéd 2012;36(1)127-33.,1616. Frank JR, Snell LS, Cate OT, Holmboe ES, Carracio C, Swing SR et al. Competency-based medical education: theory to practice. Medical Teacher2010;32:638-45..

Estas necessidades inspiraram a implantação de políticas indutoras para formação de profissionais de saúde no Brasil, coordenadas pelo Ministério da Saúde, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), sendo lançados projetos para alavancar mudanças, denominados Promed, Pró-Saúde e Pet-Saúde1717. Brasil Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde: objetivos, implementação e desenvolvimento. Brasília, 2007 [acesso 29 dezembro 2014]. Disponível em: http://www.prosaude.org
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. Partindo deste contexto, têm sido construídas propostas curriculares para a inserção dos estudantes em situações reais que favorecem a articulação da teoria com a prática, utilizando cenários de aprendizagem fora da sala de aula55. Marin MJS, Oliveira MAC, Otani MAP, Cardoso CP, MoravcikMYAD, Conterno LO, et al. A integração ensino-serviço na formação de enfermeiros e médicos: a experiência da FAMEMA. Ciência& Saúde Coletiva 2014;19(3)967-74.,1818. Cyrino EG, Toralles-Pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Caderno de Saúde Pública 2004;20(3)780-88.,1919. Cavalheiro MTPC, Guimarães AL. Formação para o SUS e os Desafios da Integração Ensino Serviço. Caderno FNEPAS 2011;1:19-27.,2020. Carácio FCC, Conterno LO, Oliveira MAC, Oliveira ACH, Marin MJS, Braccialli LAD.A experiência de uma instituição pública na formação do profissional de saúde para atuação em atenção primária. Ciência & Saúde Coletiva 2014;19(7)2133-142..

Freire2121. Freire P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Paz eTerra,1999[acesso 19 de outubro 2014]. Disponível em: http://www.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/Pedagogia_do_Oprimido.pdf.
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sugere uma prática problematizadora, na qual os educandos vão captando e compreendendo o mundo que lhes aparece e a sua relação com esse mundo de forma dinâmica e transformadora, como um processo e não uma situação estática.

A diversificação dos cenários de aprendizagem é uma estratégia pedagógica que aproxima os estudantes da vida cotidiana e contribui para desenvolver um olhar crítico voltado aos problemas reais da população. O estudante é inserido em um processo dinâmico de práticas integradas à comunidade, construindo seu conhecimento e prestando serviço de saúde à população, tendo a visão real do mundo do trabalho2222. Oliveira TRB. Interdisciplinaridade: um desafio para a atenção integral à saúde. Revista Saúde 2007;7(1)20-27..

Portanto, a partir de estratégias didático-pedagógicas contextualizadas com a realidade social ou que utilizem metodologias problematizadoras,esta perspectiva poderá ser modificada. Este estudo tem como objetivoidentificar as atividades de integração curricular baseadas na problematização de casos da atenção primária à saúde nas escolas médicas brasileiras.

O ENSINO BASEADO NA COMUNIDADE E A INTEGRAÇÃO CURRICULAR

No Brasil, assim com em outros países, a inserção na comunidade – ou o Ensino Baseado na Comunidade (EBC) – tem sido utilizada como estratégia pedagógica, permitindo integrar as disciplinas e saberes, proporcionando uma visão real do mundo do trabalho e aproximando o estudante da realidade com que irá se deparar após a formação, tornando-se sujeito “ativo” e agente transformador. Nessas escolas, os estudantes têm oportunidade de vivenciar conteúdos essenciais à sua formação, atendendo os objetivos de aprendizagem alinhados aos problemas de saúde mais prevalentes. Desenvolvem competências em promoção da saúde e prevenção de doenças, considerando aspectos biopsicossociais e econômicos da saúde e doença no raciocínio clínico, com visão humanista e responsabilidade social. Estas são as competências gerais esperadas de profissionais comprometidos com o bem-estar da comunidade, pautados nos valores éticos e exercendo seu papel cidadão2323. Araújo MNT, Pinheiro VGF, Ribeiro MGF, Almeida YM, Ramos NA, Mota MV, Campos HH. Educação baseada na comunidade (EBC):A experiência do Curso de medicina da UFCeará. In: Bolella VR, Germani ACCG. Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência Brasileira.SãoPaulo:FUNPEC – Editora; 2014.p.103-13.

24. Bicudo AM, Antônio MARGM, Passeri SMRR, Brenelli SL, Amaral E. In: Bolella VR, Germani ACCG. Campos HH, Amaral E. Integração ensino-serviço- eixo integrador da atenção básica à saúde no currículo da FCM-UNICAMP. São Paulo:FUNPEC -Editora;2014.p.57-70.

25. Ezequiel,OS, Moutinho ILD, Schmidt LPC, Tibiriça SHC. Blended Learning e Mapa Conceitual no internato em atenção primária à saúde na Faculdade de Medicina da Universidade de Juiz de Fora In: Bolella VR, Germani ACCG. Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. São Paulo:FUNPEC – Editora; 2014.p.115-24.

26. Romanholi RMZ, Cyrino AP, Manoel CM, Prearo AY, Simonetti JP, Popim RC et al O ensino de graduação de medicina e enfermagem na atenção primária à saúde: 45 anos de experiência da Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista (FMB/UNESP) In: Bolella VR, Germani ACCG. Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. São Paulo. FUNPEC – Editora;2014.p.71-86.
-2727. Senger MH, Almeida FA, Junqueira FM, Neto LFS A experiência do curso de medicina de Sorocaba-PUC-SP In: Bolella VR, Germani ACCG. Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. São Paulo. FUNPEC – Editora; 2014.p.161-74.. A inserção na comunidade, ou EBC, tem contribuído para promover a integração curricular, aproximando da clínica os conteúdos das ciências básicas (anatomia, biologia celular e molecular, fisiologia) e humanas (ética, sociologia,entre outras), em grau crescente de complexidade, num contexto relevante e significativo33. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV,LugarinhoRM. A Integração Ensino-serviço no Contexto dos Processos de Mudança na Formação Superior dos Profissionais da Saúde. RevBras Edu Méd2008;32(3)356-62.. Escolas médicas no Brasil e em todo o mundo buscam modificar currículos por disciplinas por um currículo que contemple os conteúdos essenciais à formação médica de forma integrada e contextualizada1818. Cyrino EG, Toralles-Pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Caderno de Saúde Pública 2004;20(3)780-88.,2525. Ezequiel,OS, Moutinho ILD, Schmidt LPC, Tibiriça SHC. Blended Learning e Mapa Conceitual no internato em atenção primária à saúde na Faculdade de Medicina da Universidade de Juiz de Fora In: Bolella VR, Germani ACCG. Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. São Paulo:FUNPEC – Editora; 2014.p.115-24..

A integração curricular é um tema recorrente na história da educação médica, apresentando-se de formas diversas. Em 1950, a Escola de Medicina da Universidade Case Western Reserve implantou o primeiro currículo integrado mediante palestras com exemplos clínicos e visitas médicas2828. Papa FJ, Harasym PH. Medical curriculum reform in North America, 1765 to the present: A cognitive science perspective. Acad Med 1999;74:154-64.. Mais tarde, em 1969, a Universidade McMaster moveu-se em direção à integração com a introdução do ProblemBased Learning (PBL)2929. Neville AJ, Norman GR. PBL in the undergraduate MD program at McMaster University:Three iterations in three decades. AcadMed2007;82:370-74.. No início de 1990, a Universidade de Calgary adotou um currículo em que os conteúdos relevantes das ciências básicas e clínicas eram aprendidos no contexto de “apresentações clínicas”2828. Papa FJ, Harasym PH. Medical curriculum reform in North America, 1765 to the present: A cognitive science perspective. Acad Med 1999;74:154-64.. Diversas estratégias têm sido propostas e utilizadas no Brasil e em todo o mundo para promover esta integração, entre elas a problematização, o PBL e o Case Based Learning (CBL)3030. Berbel, NAN. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Interface – Comunicação, Saúde, Educação 1998;2:139-54.

31. Schmidt, H. Integrating the Teaching of Basic Sciences, Clinical Sciences, and Biopsychosocial Issues. Acad. Med.1998;73(9)24-31.

32. Harden RM. The integration ladder: a tool for curriculum planning and evaluation. Med Education2000;34:551-57.

33. Muller JH, Jain S, Loeser H, Irby DM. Lessons learned about integrating a medical school curriculum: perceptions of students, faculty and curriculum leaders. Med Education 2008; 42:778-85.

34. Thistlethwaite JE, Davies D, Ekeochas S, Kidd JM,MacvdougallC, Matthews P. The effectiveness of case-based learning inhealth professional education. A BEME systematic review: BEME Guide No. 23. Medical Teacher 2012;34(6)421-44.

35. Laksov KB, McGrath C, Josephson A.Let's Talk about Integration: A Study of Students’ Understandings of Integration. Advances in Health Sciences Education 2014;19(5)709-20.
-3636. Hopkins R, Pratt D, Bowen JL, Regehr G. Integrating Basic Science Without Integrating Basic Scientists: Reconsidering the Place of Individual Teachers in Curriculum Reform. Acad Med2014;20:1-5.. Pouco mais da metade das escolas médicas brasileiras pesquisadas utilizava a estratégia pedagógica de problematização de casos da atenção primária à saúde.

Escolas americanas e canadenses têm retornado às ciências básicas durante os anos de treinamento clínico, buscando melhor desempenho dos estudantes. Assim, a exposição às ciências básicas e a valorização da pesquisa translacional são importantes tendências nos novos currículos integrados3737. Spencer A, Brosenitsch T, Levine AS, Kanter SL, Back to the Basic Sciences: An Innovative Approach to Teaching Senior Medical Students How Best to Integrate Basic Science and Clinical Medicine. Acad Med 2008;83(7)662-69.,3838. Kulasegaram KM, Martimianakis MA, Mylopoulos M, Whitehead CR, Woods NN. Cognition before curriculum: rethinking the integration of basic science and clinical learning. Acad Med 2013;88(10)1578-85.. O relatório canadenseThe Future of Medical Education in Canada: A Collective Vision também reconhece a integração das ciências básicas à clínica como uma das prioridades a serem abordadas no treinamento de médicos. Esta abordagem oferece oportunidades para que se incorporem os objetivos de aprendizagem das ciências básicas em contextos clínicos relevantes3939. Association of Faculties of Medicine of Canada [homepageinternet]. The Future of Medical Education in Canada (FMEC): A Collective Vision for MD Education 2010 [acessoem29 de dezembro 2014). Disponível em: http://www.afmc.ca
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,4040. Hodges BD, Albert M, Arweiler D, Akseer S, Bandiera G, Byrne N, et al. The future of medical education: A Canadian environmental scan. Med Education2011;45:95-106.. A integração abordada promove a aplicação prática do conhecimento, em diferentes cenários clínicos, aguçando o interesse dos estudantes e permitindo-lhes ver a relevância do conteúdo das ciências básicas na prática clínica, o que propicia a sua retenção3636. Hopkins R, Pratt D, Bowen JL, Regehr G. Integrating Basic Science Without Integrating Basic Scientists: Reconsidering the Place of Individual Teachers in Curriculum Reform. Acad Med2014;20:1-5..

Colocar as coisas em sequência e em proximidade é necessário, mas não o suficiente para que ocorra integração. Professores, estudantes e planejadores de currículo podem promover condições para a auto-organização do currículo (integração) por meio do diálogo, histórias, problemas não resolvidos, situações-“problema”, estratégias que podem estimular a interação, a curiosidade, a troca de informações4141. Mennin, S. Self-organisation, integration and curriculum in the complex world of medical education, Medical Education 2010;44:20-30.. Ao mesmo tempo, a integração curricular refere-se à interligação dinâmica que emerge a partir de interações recursivas em vários níveis.

O Brasil e outros países, apesar de contextos e estratégias diferentes, compartilham os princípios básicos de que as necessidades sociais e de saúde das comunidades devem guiar os programas de ensino, pesquisa e serviço4242. Kelly L, Strasser R. Community-based medical education. London- New York: Radcliffe Publishing, 2012.. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a responsabilidade social das escolas médicas como “a obrigação de dirigir a sua educação, sua investigação e os seus serviços para resolver as preocupações prioritárias de saúde da comunidade, da região e da nação”4343. WHO 1998. The World Health Report 1998: Life in the 21st Century – A Vision for All. WHO, Genebra 241 pp.. A Universidade de Flinders, na Austrália, pioneira no ensino baseado na comunidade (EBC), propõe objetivos de aprendizagem iguais para os alunos do terceiro ano que desenvolvem suas atividades de aprendizagem em serviço no hospital universitário da cidade ou na comunidade. Os estudantes que participaram do programa na comunidade apresentaram um nível maior de confiança e competência e uma ampla gama de conhecimentos e habilidades clínicas, quando comparados com os da área metropolitana; acima de 50% dos diplomados atuavam em localidades rurais1010. Worley P, Prideaux DJ, Strasser R, Silagy CA, Magarey JA. Why we should teach undergraduate medical students in rural communities. Medical Journal of Australia 2000;172:615..

Outros exemplos são a Faculdade de Medicina de Zamboanga, nas Filipinas, e a Faculdade de Medicina do Norte de Ontário (NOSM), com estudantes originários predominantemente da região, que têm um currículo integrado, comunitário, com aprendizagem em pequenos grupos, voltado às prioridades de saúde da população4444. Strasser R, Lamphear JH, McCready W G.,Toops M, Hunt DD, Matte M. Canada's New Medical School: The Northern Ontario School of Medicine: Social Accountability Through Distributed Community Engaged Learning. Acad Medicine 2009;84(10)1459-66.. As evidências mostram que os três fatores fortemente associados à retenção dos profissionais na comunidade foram o currículo baseado na comunidade, as experiências clínicas positivas durante a graduação e a formação pós-profissional específica para esta prática4545. Strasser R, Neusy A-J. Context counts: training health workers in and for rural and remote areas. Bull World Health Organ2010;88:677-82.. Um estudo comparativo entre seis escolas médicas australianas de área rural mostrou que 68% dos estudantes pretendiam trabalhar na região quando ingressaram e que este número aumentou para 76% durante a graduação. O estudo afirma também que a combinação de iniciativas, incluindo seleção, currículo e avaliação, parece ter resultado diferente quando comparado com o de escolas metropolitanas. Os formandos neste modelo são mais propensos do que outros a cursar Medicina Geral e Rural4646. Gupta TS, Murray R, Hays R, Woolley T. James Cook University MBBS graduate intentions and intern destinations: a comparative study with other Queensland and Australian medical schools. Journal Rural and Remote Health [online] 2013.13 [capturado 16 de outubro de 2014];1-10. Disponívelem http://www.rrh.org.au
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. No Brasil, com a população predominantemente urbana4747. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [homepage na internet]. Censo demográfico [acesso em 9 dezembro 2014]. Disponível em: http:www.ibge.gov.br
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, a inserção na rede primária de saúde poderia contribuir para melhorar a distribuição de profissionais nas periferias das grandes cidades, que, da mesma forma, não costumam ser atrativas para os profissionais após sua formação.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de corte transversal sobre integração curricular em escolas médicas brasileiras, como parte integrante de uma tese de doutorado. Um questionário pré-teste com 23 itens foi encaminhado, via e-mail, a sete coordenadores que não participaram da amostra. Após análise das respostas, foi encaminhado novamente a outros cinco coordenadores para refinamento dos itens. Apóso pré-teste, o questionário foi enviado por e-mail aos coordenadores de 160 escolas de Medicina reconhecidos, identificados com base na lista de escolas filiadas à Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), distribuídas em regionais, com pelo menos uma turma de egressos4848. Associação Brasileira de Educação Médica [homepage na internet]. Associados [acesso em 26 dezembro 2013], Disponível em :http://www.abem-educmed.org.br
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,4949. Brasil, Ministério da Educação. Consulta interativa [acesso 29 dezembro 2013]. Disponívelem:http://emec.mec.gov.br
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(Figura 1). No questionário estruturado, 12 itens referem-se à inserção na comunidade e à integração curricular, e os demais à caracterização das escolas médicas. As entrevistas foram agendadas, e os questionários foram respondidos por entrevista gravada por telefone (telepesquisa) e pessoalmente, de maio a outubro de 2013, garantindo-se a confidencialidade dos dados após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Figura 1
Mapa, por Estado, das escolas entrevistadas

As respostas foram tabuladas e analisadas por meio de estatística descritiva, com distribuição percentual das variáveis categóricas, utilizando-se o programa estatístico Epi-Info, versão 7.1.4.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp – Campinas, CAAE número 77304.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Reconhecendo os desafios a serem enfrentados na própria escola médica para mudanças que redirecionem estratégias pedagógicas visando à integração curricular, este estudo se propôs a identificar as escolas que têm utilizado atividades de integração curricular baseadas na problematização de casos da atenção primária à saúde.

Responderam ao questionário 108 coordenadores das 160 escolas médicas associadas à Abem, apesar de várias tentativas de realização das entrevistas com os demais por telepesquisa e pessoalmente,no período de maio a outubro de 2013 (Figura 2). Destas, 73,1% são escolas privadas, 24,1% públicas, e 2,8% confessionais(Tabela 1).

Figura 2
Telepesquisa sobre integração curricular com coordenadores de cursos de Medicina
Tabela 1
Caracterização das 108 escolas médicas quanto ao recurso financeiro

Estudos com envio de questionários por e-mail não garantemque a maioria dos entrevistados os devolva devidamente preenchidos, implicando significativa diminuição da representatividade da amostra. Os questionários foram enviados previamente por e-mail e respondidos por telefone, com gravação simultânea, após treinamento do pesquisador, com consentimento do entrevistado, chegando a um percentual em torno de 30% de respondentes, evitando-se, assim, o contato face a face. Outra estratégia utilizada foi realizar contato com potenciais sujeitos pessoalmente. Os questionários foram entregues antes do início da reunião anual de coordenadores no 51º Congresso Brasileiro de Educação Médica (Cobem) e recolhidos no final da mesma, visando à não indução das respostas pela presença do pesquisador. Foi atingido o índice aproximado de 70% das escolas médicas, ou seja, 108 coordenadores.

Todas as escolas que responderam ao questionário seguem as Diretrizes Curriculares Nacionais11. Brasil, Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n°4 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001; Seção 1,p.38.,22. Brasil Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n°116 de 3 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 20 jun. 2014; Seção 1,p.117., com integração ensino-serviço pactuada com a gestão local de saúde,e visam à promoção da integração e da interdisciplinaridade no desenvolvimento curricular, buscando mudanças em suas matrizes curriculares e nas metodologias de ensino-aprendizagem, entre elas a problematização com casos da atenção primária à saúde. Para que isto seja possível, deve-se garantir a inserção dos estudantes na comunidade desde os períodos iniciais do curso, por meio de pactuação com os gestores municipais.

Para estimular a concretização das mudanças propostas nas DCN, vários cursos de Medicina no País foram contemplados com recursos do Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina (Promed), em 2001, e do Programa de Reorientação à Formação do Profissional da Saúde (Pró-Saúde I, 2005 e II, 2007 e III 2012), uma parceria entre os ministérios da Educação e da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas)1717. Brasil Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde: objetivos, implementação e desenvolvimento. Brasília, 2007 [acesso 29 dezembro 2014]. Disponível em: http://www.prosaude.org
http://www.prosaude.org...
. Um total de 38,9% destas escolas recebeu auxílio financeiro de políticas indutoras do governo federal para integração ensino-serviço e tiveram seu melhor momento de inserção na comunidade entre 2005-2007. Para as demais, a inserção ocorreu de 1995 a 2004 (21,3%) e de 2007 até 2013 (25,1%). Atualmente, 13% destas escolas recebem auxílio de políticas indutoras, denominadas Pró-Saúde III e Pet-Saúde. Chama a atenção o fato de que as mudanças curriculares coincidem com a implantação de políticas indutoras de formação de recursos humanos em saúde pelo governo federal, sugerindo que o apoio financeiro a estes projetos facilitou a inserção dos estudantes em cenários reais.

Um total de 86,1% preveem o trabalho com equipe multiprofissional, e 71,3% concordam em que atividades na comunidade aumentam a responsabilidade social dos egressos (Tabela 2). Para 63,9%, o currículo está norteado pelos agravos mais prevalentes na comunidade onde os estudantes estão inseridos, e 75,9% concordam em que os objetivos de aprendizagem e atividades práticas são relevantes para a população assistida. Para 37% dos coordenadores, o desenvolvimento de atividades na comunidade auxilia na melhor distribuição dos futuros profissionais. Para 75,9% dos entrevistados, a escola deve continuar adotando um currículo com objetivos de aprendizagem e conteúdos voltados às necessidades de saúde da comunidade onde a escola está inserida.

Tabela 2
Entrevista com coordenadores de 108 cursos de Medicina do Brasil sobre integraçãocurricular com problematização de casos da comunidade

No presente trabalho, 43,5% dos entrevistados consideram que os conteúdos curriculares estão parcialmente integrados nos anos iniciais do curso; 88% responderam que a escola prevê a integração curricular entre as ciências básicas, humanas e clínicas; e pouco mais da metade das escolas (58,3%) utiliza a estratégia pedagógica de problematização com casos vivenciados pelos estudantes na atenção primária. Esta estratégia visa proporcionar um ensino contextualizado, que possibilita a integração das ciências humanas, básicas e clínicas num grau crescente de complexidade, desde as fases iniciais do curso. Um total de 82,4% prevê a integração entre duas ou mais áreas da medicina; 56,5% das escolas têm integração entre a medicina de família e os demais especialistas; 70,4% utilizam tecnologia de informação para auxiliar nesta integração curricular; e 67,6% opinaram que as estratégias utilizadas para integração em suas escolas são bem-sucedidas (Tabela 2). As respostas positivas podem estar superestimando a realidade do total de escolas de Medicina no Brasil, visto que estas seriam as escolas mais interessadas em debater seu papel perante a sociedade. Mesmo que ocorra estasuperestimativa, é possível afirmar que tem havido a utilização de casos da atenção primária para problematizar a aprendizagem em fases inicias do curso, o que parece promissor.

Com a adoção de políticas indutoras e se adiantando às discussões internacionais recentes, escolas médicas no Brasil têm reestruturado seus currículos com modelos que propõem a integração e aproximação entre as ciências básicas e a clínica, ao mesmo tempo em que promovem a inserção dos estudantes desde o primeiro ano do curso em atividades baseadas na comunidade33. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV,LugarinhoRM. A Integração Ensino-serviço no Contexto dos Processos de Mudança na Formação Superior dos Profissionais da Saúde. RevBras Edu Méd2008;32(3)356-62.,1818. Cyrino EG, Toralles-Pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Caderno de Saúde Pública 2004;20(3)780-88.,5050. Salan, A. Community and Family Case Study: a community-based educational strategy to promote Five Star Doctors for the 21st century. South East Asian Journal of Medical Education 2009;3(1)20-4..

No Brasil, desde a implantação das DCN em 2001, tem-se observado a busca de uma formação em que promoção à saúde, prevenção, tratamento e reabilitação das doenças estejam associados às necessidades da comunidade. Pudemos observar com este estudo que vários cursos deram início à sua reestruturação curricular com a inserção dos estudantes na comunidade e a integração de conteúdos com uso de metodologias ativas de aprendizagem, entre elas a “problematização”, em novos cenários de prática, incentivados pelas DCN e com apoio de políticas indutoras de integração ensino-serviço do governo federal, segundo os coordenadores.

A estratégia do EBC tem propiciado integração entre as diversas áreas do conhecimento da saúde, além do trabalho multiprofissional e a responsabilidade social do profissional. Assim, a aprendizagem ativa e a aproximação com a realidade sãopressupostos para o desenvolvimento curricular que podem usar metodologia da problematização1818. Cyrino EG, Toralles-Pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Caderno de Saúde Pública 2004;20(3)780-88.,2020. Carácio FCC, Conterno LO, Oliveira MAC, Oliveira ACH, Marin MJS, Braccialli LAD.A experiência de uma instituição pública na formação do profissional de saúde para atuação em atenção primária. Ciência & Saúde Coletiva 2014;19(7)2133-142.,3030. Berbel, NAN. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Interface – Comunicação, Saúde, Educação 1998;2:139-54.. É recomendável utilizar situações oriundas da vivência da realidade da atenção à saúde por observação direta pelos estudantes. Argumenta-se que, nos modelos tradicionais de formação no ambiente universitário e sem experiências junto à comunidade, formam-se profissionais de saúde desconectados das demandas das políticas públicas vigentes, despreparados para uma atuação profissional humanista2222. Oliveira TRB. Interdisciplinaridade: um desafio para a atenção integral à saúde. Revista Saúde 2007;7(1)20-27.. Esta perspectiva poderia ser modificadapor meio de estratégias didático-pedagógicas contextualizadas com a realidade social ou que utilizemmetodologias problematizadoras.

Mais estudos são necessários para verificar a percepção destas experiências de integração curricular como estratégia pedagógica, segundo a opinião de docentes e estudantes envolvidos, e para avaliar os ganhos de aprendizado e de desenvolvimento do raciocínio clínico, visando dar aos estudantes uma visão ampliada do processo saúde-doença e seu tratamento em cenários reais de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As escolas médicas têm pactuado a integração ensino-serviço com a gestão local de saúde, estimuladas pelas orientações das Diretrizes Curriculares de 2001 e 2014, emediante políticas indutoras para facilitar a inserção de estudantes na comunidade para promover o EBC, segundo as respostas dos 108 coordenadores entrevistados.

A integração de conteúdos básicos e clínicos problematizando casos vivenciados na comunidade, na atenção primária ou nos Programas de Saúde da Família (PSF) está presente nos currículos médicos no Brasil em mais da metade das entrevistas realizadas. Esta estratégia pode contribuir para o desenvolvimento do raciocínio clínico contextualizado, visando à formação de um profissional competente, que atue com responsabilidade social.

AGRADECIMENTOS

Aos coordenadores das escolas médicas que contribuíram, ao apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) – 2012/21360-2 e à Capes, pela bolsa concedida através do Pró-Ensino em Saúde FCM- Unicamp 20136/2010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2017
  • Aceito
    28 Out 2017
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