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Cuidados Paliativos: Importância do Tema para Discentes de Graduação em Medicina

Palliative Care: Importance of the Subject for Medical Students

RESUMO

Introdução

Cuidados paliativos são ações que buscam atuar na qualidade de vida de pessoas doentes e de seus familiares, aliviando e prevenindo o sofrimento diante de uma doença terminal. A inserção da temática dos cuidados paliativos no currículo da graduação em Medicina auxiliaria futuros médicos a enfrentar as limitações/implicações a que serão submetidos em sua vida profissional e até mesmo durante a graduação.

Objetivo

Identificar a importância da temática dos cuidados paliativos para discentes da graduação em Medicina.

Metodologia

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo e transversal. Foi utilizada uma versão adaptada do instrumento PEAS – Physicians’ End-of-Life Care Attitude Scale. Foram usadas 37 questões do tipo Likert, buscando atender às finalidades do estudo. A coleta ocorreu em 2015, em amostra aleatória, não probabilística, composta por 134 estudantes que cursavam os dois últimos anos (internato) da graduação de Medicina de uma universidade federal brasileira. Os dados foram analisados pelo programa SPSS.

Resultados

Dos 134 participantes, 59,7% eram do sexo feminino, com idades entre 22 e 37 anos. Os resultados apontam que 85,84% dos estudantes necessitam de alguma supervisão ou instrução básica para discutir a respeito de cuidados paliativos e sobre a retirada de tratamento com pacientes e familiares. Com relação ao manejo clínico do paciente terminal, 78,35% se consideram capazes de manejar sozinhos, ou sob supervisão mínima, sintomas como constipação ou vômitos, entretanto apenas 19,05% se consideram capazes de manejar sintomas como delirium ou dispneia terminais. Apesar de 41,8% dos estudantes não se preocuparem com sua própria morte, 88,1% se sentem ansiosos ou desconfortáveis diante da morte do seu paciente. A inclusão, no currículo de Medicina, de habilidades de comunicação em cuidados paliativos e em ética sobre o fim da vida foi considerada importante ou muito importante por 95,5% dos estudantes entrevistados.

Conclusão

Os dados demonstraram que os discentes identificam as deficiências ocasionadas pela ausência ou limitação do ensino de cuidados paliativos na graduação e têm interesse em ver a temática incluída como disciplina no currículo médico, o que sugere a realização de mais estudos sobre o tema.

Cuidados Paliativos; Educação Médica; Morte

ABSTRACT

Introduction

Palliative care are actions that seek to act on the quality of life of sick people and their families, alleviating and preventing suffering in the face of a terminal illness. The insertion of the palliative care theme in the undergraduate medical curriculum offers possibilities for future physicians to face the limitations / implications that they will undergo in their professional life and even during graduation.

Objective

To identify the importance of the Palliative Care theme for undergraduate students in Medicine.

Methodology

This is a quantitative, descriptive and cross-sectional study. An adapted version of the Instrument “PEAS – Physicians’ End-of-Life Care Attitude Scale” was used as instrument. 37 Likert-type questions were used to meet the aims of the study. The collection was made in 2015, in a random, non-probabilistic sample, composed of 134 students who were attending the last two years (internship) of Medicine School of a Brazilian Federal University. Data were analyzed in the SPSS program.

Results

Of the 134 participants, 59.7% were female, aged between 22 and 37 years. The results indicate that 85.84% of students need some supervision or basic instruction to discuss palliative care and withdrawal of treatment with patients and their families. Regarding the clinical management of the terminal patient, 78.35% consider themselves capable of handling alone or under minimal supervision, symptoms such as constipation or vomiting, but only 19.05% consider themselves capable of handling symptoms such as terminal delirium or dyspnea. Although 41.8% of students do not care about their own death, 88.1% feel anxious or uncomfortable about the death of their patient. The inclusion in the medical curriculum of communication skills in Palliative Care and end-of-life ethics was considered important or very important by 95.5% of the students interviewed.

Conclusion

Data showed that the students identify the deficiencies caused by the absence or limitation of the Palliative Care teaching during graduation and are interested in seeing the theme included as a discipline in the medical curriculum, which suggests further studies on the topic.

Palliative Care; Medical Education; Death

INTRODUÇÃO

O contexto sociocultural, na contemporaneidade, relega a morte à condição de “indesejada”, o que resulta em comportamentos de negação frente ao acontecimento, dificultando sua inclusão como parte da vida11. Duarte AC, Almeida DV, Popim RC. A morte no cotidiano da graduação: um olhar do aluno de medicina. Interface – comunicação, saúde e educação, 2015; 19(55):1207-1219.. Kübler-Ross22. Klubber-Ross E. Sobre a Morte e o Morrer. 8ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. apresenta as fases emocionais pelas quais passam os pacientes e familiares perante uma doença potencialmente terminal, e Paiva et al.33. Paiva FCL, Almeida Junior JJ, Damásio AC. Ética em cuidados paliativos: concepções sobre o fim da vida. Brasília: Revista Bioética, 2014; 22(3):550-560. discutem os estudos realizados por Kübler-Ross. A esse respeito, Cassorla44. Cassorla RMS. A Negação e outras defesas frente à Morte. In: SANTOS FS (Org.). Cuidados Paliativos: Discutindo a Vida, a Morte e o Morrer. São Paulo: Editora Atheneu, 2009, p. 59-76. acrescenta que tais estudos culminaram com a identificação de cinco estágios apresentados por pacientes, familiares, médicos e equipe de saúde ante a ameaça da morte: negação e isolamento; raiva; barganha; depressão e aceitação.

No contexto da Medicina, a morte sempre foi considerada um sinônimo de fracasso da atuação do profissional médico, sendo abordada nos currículos, no máximo, sob o aspecto eminentemente científico, sem se aproximar do campo das emoções55. Chagas RRS, Castro CF, Moura VKST, Cavalcante JC, Cavalcanti SL, Freitas DA. Percepções da Morte entre os Estudantes de Medicina. Revist. Port.: Saúde e Sociedade. 2016; 1(3): 217-227.,66. Oliveira Cardoso EA, Santos MA. Grupo de Educação para a Morte: uma Estratégia Complementar à Formação Acadêmica do Profissional de Saúde. Psicol. cienc. prof. 2017; 37(2):500-514..

A integração entre ensino e pesquisa e assistência aos pacientes com doença terminal é o grande legado deixado pelo movimento Hospice e pela Dra. Cicely Mary Saunders, no Saint Christopher’s Hospice, em Londres, em 1967. Iniciados por Cicely Saunders, os serviços de cuidados paliativos espalharam-se por todo o mundo, chegando ao Brasil na década de 1980.

Já se passaram mais de 30 anos desde sua implantação inicial, e recentemente houve seu reconhecimento como área de atuação médica no País. Apesar disso, a literatura demonstra que a formação em cuidados paliativos no Brasil se apresenta aquém do que era de se esperar para o tempo decorrido e a importância atribuída ao tema.

Ao tratar do desenvolvimento histórico dos cuidados paliativos no mundo, Santos77. Santos FS. O Desenvolvimento Histórico dos Cuidados Paliativos e a Filosofia Hospice. In: Santos FS (Org.). Cuidados Paliativos: diretrizes, humanização e alívio de sintomas. São Paulo: Editora Atheneu, 2011. remete à origem da humanidade, apontando que desde seu surgimento a espécie é acompanhada por sofrimentos e doenças, buscando, em consequência, meios para aliviá-los.

Avançando na história, merece destaque a experiência de Cicely Saunders em Saint Joseph e Saint Luke, devido à contribuição para o desenvolvimento moderno dos cuidados paliativos. Sua atuação consistia em manter contato direto com os pacientes, ouvindo-os, anotando e monitorando os resultados do desenvolvimento da dor e controle dos sintomas, bem como da administração dos opioides orais, na Inglaterra da década de 1960, o que culminou com a fundação do Saint Cristopher’s Hospice em 1967, em Londres77. Santos FS. O Desenvolvimento Histórico dos Cuidados Paliativos e a Filosofia Hospice. In: Santos FS (Org.). Cuidados Paliativos: diretrizes, humanização e alívio de sintomas. São Paulo: Editora Atheneu, 2011.. Figueiredo e Stano88. Figueiredo MGMC, Stano RCMT. O Estudo da Morte e dos Cuidados Paliativos: uma Experiência Didática no Currículo de Medicina. Minas Gerais: Revista Brasileira de Educação Médica. 2013; 37(2):298-307. ressaltam que esse período criou as bases do que se convencionou chamar de Movimento Hospice ou Cuidados Paliativos (CP).

No contexto do desenvolvimento histórico dos cuidados paliativos, merece destaque especial o cenário mais recente observado para a temática. Nesse sentido, Santos77. Santos FS. O Desenvolvimento Histórico dos Cuidados Paliativos e a Filosofia Hospice. In: Santos FS (Org.). Cuidados Paliativos: diretrizes, humanização e alívio de sintomas. São Paulo: Editora Atheneu, 2011. menciona a existência de organismos internacionais dedicados aos cuidados paliativos, como a International Association of Hospice and Paliative Care, um braço da Organização Mundial da Saúde (OMS), que visa normatizar a atuação e proporcionar treinamento aos profissionais, além de educar a população acerca dos cuidados paliativos.

Um ranking divulgado pelo The Economist em 2015 apresenta o Índice de Qualidade de Morte ao redor do Mundo, estando a Europa representada como a região com a melhor qualidade de morte, e o Reino Unido ocupando a primeira posição. As Américas são superadas apenas pelo continente africano, estando o Brasil na décima posição entre os 17 países americanos listados.

Enquanto o continente europeu já trabalhava os cuidados paliativos há cerca de 20 anos, no Brasil sua história é mais recente. Inicia-se na década de 1980, com o surgimento do primeiro serviço de cuidados paliativos em 1983 no Rio Grande do Sul99. .World Health Organization (WHO). Definition of Palliative Care; 2016. Disponível em: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en/. [Capturado em: 05 de dezembro de 2017].
http://www.who.int/cancer/palliative/def...
. Somente em 2011, por meio da Resolução nº 1.973/2011 do Conselho Federal de Medicina (CFM), é que a medicina paliativa se tornou área de atuação de seis especialidades médicas (geriátrica, pediátrica, oncológica, clínica médica, anestesiológica e medicina da família)88. Figueiredo MGMC, Stano RCMT. O Estudo da Morte e dos Cuidados Paliativos: uma Experiência Didática no Currículo de Medicina. Minas Gerais: Revista Brasileira de Educação Médica. 2013; 37(2):298-307..

A Organização Mundial de Saúde99. .World Health Organization (WHO). Definition of Palliative Care; 2016. Disponível em: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en/. [Capturado em: 05 de dezembro de 2017].
http://www.who.int/cancer/palliative/def...
descreve os cuidados paliativos como os serviços destinados a prevenir e aliviar o sofrimento de pacientes e famílias que enfrentam doenças que ameaçam a vida, por meio do gerenciamento precoce da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais. Estudiosos sobre o tema enfatizam a sua prática em equipe multiprofissional e que os cuidados paliativos visam aprimorar a qualidade de vida de pacientes e seus familiares1010. Hermes HR, Lamarca ICA. Cuidados Paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Revista Ciência & Saúde Coletiva, 2013;18(9):2577-2588.,1111. Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: ANCP. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2ª ed. ampliada e atualizada, 2012, p. 23-30..

Matsumoto1111. Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: ANCP. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2ª ed. ampliada e atualizada, 2012, p. 23-30. destaca a importância de não falar em protocolos, terminalidade e impossibilidade de cura, mas, sim, em princípios, considerando a doença que ameaça a vida e o tratamento modificador da enfermidade, incluindo também a discussão sobre a espiritualidade e a família como foco dos cuidados, inclusive após a morte do paciente.

Profissionais que atuam com cuidados paliativos devem trabalhar em equipe multiprofissional e estar preparados para lidar com sentimentos de medo, angústia e sofrimento dos pacientes e de seus familiares, pautando sua atuação pelo equilíbrio e respeito entre a realidade da finitude e as necessidades do paciente44. Cassorla RMS. A Negação e outras defesas frente à Morte. In: SANTOS FS (Org.). Cuidados Paliativos: Discutindo a Vida, a Morte e o Morrer. São Paulo: Editora Atheneu, 2009, p. 59-76.,1010. Hermes HR, Lamarca ICA. Cuidados Paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Revista Ciência & Saúde Coletiva, 2013;18(9):2577-2588.

11. Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: ANCP. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2ª ed. ampliada e atualizada, 2012, p. 23-30.
-1212. Santos JL, Bueno SMV. Educação para a morte a docentes e discentes de enfermagem: revisão documental da literatura científica. Rev. esc. enferm. USP. 2011; 45(1): 272-276..

Os princípios que fundamentam os cuidados paliativos, estabelecidos pela OMS99. .World Health Organization (WHO). Definition of Palliative Care; 2016. Disponível em: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en/. [Capturado em: 05 de dezembro de 2017].
http://www.who.int/cancer/palliative/def...
, consideram a morte como um processo natural, que deve ocorrer em seu tempo, não devendo ser apressado nem retardado. A integração dos aspectos psicossociais e espirituais ao cuidado do paciente oferece um sistema de apoio para ajudar pacientes a viverem ativamente tanto quanto possível até a morte e a família a lidar com a doença do paciente e com seu próprio luto1111. Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: ANCP. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2ª ed. ampliada e atualizada, 2012, p. 23-30.. A equipe deve abordar as necessidades dos pacientes e de seus familiares, incluindo aconselhamento para o luto, se necessário, reforçando a busca pela qualidade de vida em conjunto com outras terapias que prolonguem a vida, sem aumentar as complicações clínicas e os fatores que causam sofrimento1111. Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: ANCP. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2ª ed. ampliada e atualizada, 2012, p. 23-30..

Para inserir a temática dos cuidados paliativos no contexto do ensino em Medicina, existem alguns aspectos gerais e específicos. O Ministério da Educação, por intermédio das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, apresenta recomendações para a formação do estudante de Medicina: ele deve ter uma formação geral, humanista, crítica, reflexiva e ética, com capacidade para atuar nos diferentes níveis de atenção à saúde, tanto no âmbito individual quanto no coletivo.

Por tudo o que foi exposto, torna-se relevante e necessária a discussão sobre o ensino dos cuidados no fim da vida. Desse modo, o presente estudo se propõe a identificar a importância da temática dos cuidados paliativos para discentes da graduação em Medicina.

MÉTODO

Estudo quantitativo, descritivo e transversal. Para a coleta dos dados utilizou-se uma versão adaptada do instrumento PEAS – Physicians’ End-of-Life Care Attitude Scale, ou Escala de Atitudes Médicas de Cuidados no Fim da Vida (em tradução livre), elaborada por Levetown et al1313. Levetown M, Hayslip B, Peel J. The Development of the physicians’ end-of-life care attitude scale. Westport: Omega, Journal of Death and Dying. 2000; 40(2):323-333., com o intuito de medir o resultado do ensino de cuidados paliativos, composta por 64 questões do tipo Likert.

Os 64 itens da escala PEAS foram traduzidos para o português, e, a partir deles, foram elaboradas 37 questões objetivas, organizadas em quatro grupos, sem opção de neutralidade, a fim de verificar a autopercepção dos estudantes de Medicina em relação as suas habilidades para lidar com cuidados paliativos de pacientes em fase terminal e, ainda, identificar sua opinião sobre a importância da inserção de elementos específicos dos cuidados paliativos no currículo de graduação em Medicina.

Os dados foram coletados durante o ano de 2015, na Faculdade de Medicina. Foram convidados a participar da pesquisa todos os estudantes que cursavam, no momento da pesquisa, o internato (dois últimos anos do curso), totalizando 167 alunos, dos quais 80,24% participaram.

As variáveis estudadas foram: idade; sexo; classificação da autopercepção em relação ao grau de competência a respeito de tópicos sobre interação com pacientes e familiares e manejo clínico; preocupação com decisões clínicas que pudessem contrariar o que é aceito legal, ética e profissionalmente ou que pudessem ser contrárias às crenças pessoais; classificação de situações em relação à morte; indicação do grau de importância que algumas temáticas deveriam ter no currículo de graduação em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Alagoas (Famed/Ufal). Para análise dos dados usou-se o programa SSPS.

Não há conflito de interesses entre os autores do artigo, e o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Ufal, processo no CAAE: 44555115.3.0000.5013.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 134 participantes, sendo 59,7% do sexo feminino, com idade entre 22 e 37 anos.

Como indicado na Tabela 1, no que se refere à interação com pacientes e familiares e manejo clínico, a maioria dos estudantes respondeu que se sente capaz de executar as atividades sob supervisão ou sob supervisão mínima. A atividade de discutir retirada de tratamentos foi aquela com maior necessidade de supervisão (73,9%), seguida pela discussão de orientação de não reanimação ou limitação de tratamento (70,9%), que, juntamente com a discussão sobre mudança de abordagem terapêutica de curativa para medidas de conforto, foi a que apresentou os menores índices de estudantes que se consideram competentes para executá-las sozinhos (9,7%).

TABELA 1
Classificação do grau de competência do estudante a respeito de tópicos sobre interação com pacientes e familiares (%)

Na média, 12,7% dos alunos responderam que necessitam de mais instrução básica para executar as atividades indicadas, número muito próximo à média dos que se consideram competentes para realizar as atividades sem supervisão (14,16%).

No que se refere à avaliação do grau de competência acerca do manejo clínico do paciente terminal, os resultados demonstram que os estudantes se sentem mais competentes para executar sozinhos, ou com supervisão mínima, as atividades de avaliação e manejo de constipação (79,1%) e avaliação e manejo de náuseas e vômitos (77,6%); já para as atividades de avaliação e manejo de dispneia terminal e de delirium terminal, afirmaram que são competentes para realizar apenas com supervisão (40,3% e 44,8%, respectivamente) ou necessitam de mais instrução básica (38,1% e 38,8%, respectivamente), conforme ilustra a Tabela 2.

TABELA 2
Classificação do grau de competência do estudante acerca do manejo clínico do paciente terminal (%)

No que concerne à preocupação dos estudantes de que certas decisões clínicas possam contrariar o que é aceito legal, ética e profissionalmente, ou ainda que sejam contrárias às suas crenças pessoais, os dados demonstram que, quanto à decisão de prover o máximo de alívio da dor em pacientes oncológicos mesmo antes da fase terminal, a maioria dos discentes se preocupa com o fato de a questão ser ilegal ou violar recomendações da profissão ou normas éticas, conforme se observa na Tabela 3; 41% revelam que não estão preocupados com as crenças pessoais, nesse ponto.

TABELA 3
Prover o máximo de alívio da dor em pacientes oncológicos, mesmo antes da fase terminal (%)

Nesse item, foram destacados os quatro pontos mais relevantes para o estudo, os quais indicam o grau de ansiedade ou desconforto do estudante de Medicina quando pensa sobre a própria morte e a de seu paciente e, ainda, o grau de preocupação com a reação emocional diante de pacientes morrendo e do sentimento de impotência diante de pacientes terminais.

Os dados demonstram que há algum equilíbrio entre o número de estudantes que se sentem ansiosos ou desconfortáveis quando pensam sobre a própria morte: 58% apresentam algum grau de concordância com a assertiva, enquanto 42% discordam plenamente ou em parte (Tabela 4).

TABELA 4
Pensamentos e sentimentos sobre a morte (%)

Por outro lado, em relação ao pensar na morte do paciente, a maioria dos entrevistados indicou algum grau de ansiedade ou desconforto (88,1%). Da mesma forma, 70,4% dos entrevistados afirmaram que concordam com a assertiva referente à preocupação quanto à sua reação emocional diante de pacientes morrendo, enquanto apenas 9,8% não demonstraram tal preocupação. Esclareça-se que dois entrevistados deixaram de responder a esse item, de modo que o número representado na ilustração se refere a 132 alunos (Tabela 4). Do mesmo modo, destaca-se o sentimento de impotência dos estudantes diante de pacientes terminais, presente em 68% dos casos.

Em relação ao grau de importância que deveriam ter algumas habilidades e cuidados com pacientes terminais no currículo de graduação em Medicina, foram selecionados nove assuntos para que os estudantes avaliassem o grau de importância de cada um no referido currículo (Tabela 5).

TABELA 5
Grau de importância sobre habilidades e cuidados com pacientes terminais para o currículo de graduação em Medicina (%)

Informe-se, quanto a esse ponto, que um dos entrevistados deixou de responder ao referido item, de modo que os valores constantes na Tabela 5 foram calculados contabilizando-se essa ausência.

Ressalte-se que todos os itens apontados, exceto “espiritualidade em cuidados paliativos: o papel do médico”, foram considerados importantes ou muito importantes para o currículo de Medicina por pelo menos 95% dos entrevistados; “avaliação e manejo da dor” foi considerado importante por 99,3% dos estudantes, enquanto “espiritualidade em cuidados paliativos” apresentou o menor índice, considerado importante para o currículo por 69,1%; este item apresentou o maior índice de rejeição: 19,5% o consideraram pouco relevante e 11,3% julgaram que não deveria ser incluído na graduação.

DISCUSSÃO

Refletir sobre a formação acadêmica, em especial sobre a inserção (ou não) da temática dos cuidados paliativos no currículo da graduação em Medicina, confere densidade para enfrentar as limitações/implicações a que serão submetidos os futuros médicos, interna e externamente (reflexos sobre si e sobre os pacientes e seus familiares).

Tal reflexão é importante na medida em que, a partir dela, podem ser construídos/revistos os elementos basilares da formação, de modo a expandir o universo de atuação do profissional médico e, ainda, garantir a assistência aos pacientes e a seus familiares, envolvendo dimensões que afirmem a dignidade do ser humano para além do tratamento com viés exclusivamente curativo.

Estudantes de Medicina são treinados para curar e salvar, não conseguindo lidar com os limites da Medicina e suas próprias limitações quando isso não é possível1414. Moura VKST, Castro CF, Chagas RRS, Cavalcante JC, Cavalcanti SL, Freitas DA. Percepções da Morte entre os Estudantes de Medicina. Revist. Port.: Saúde e Sociedade. 2016; 1(3): 217-227. Disponível em: http://www.seer.ufal.br/index.php/nuspfamed/article/view/2526/2150. [Capturado em: 05 de dezembro de 2017].
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15. Medeiros NS, Santos TR, Trindade EMV, Almeida KJQ. Avaliação do desenvolvimento de competências afetivas e empáticas do futuro médico. Revista Brasileira de Educação Médica, 2013; 37(4): 515-525.
-1616. Gontijo ED, Alvim C, Megale L, Melo JRC, Lima MECC. Matriz de competências essenciais para a formação e avaliação de desempenho de estudantes de medicina. Revista Brasileira de Educação Médica, 2013; 37(4):526-539.. No que diz respeito ao indicador “avaliação do grau de competência acerca da interação com pacientes e familiares”, a maioria dos estudantes respondeu que se sente competente para realizar as atividades elencadas na Tabela 1 com algum nível de supervisão (média de 69,2%), sendo consideravelmente inferior o percentual daqueles que se consideram capacitados para realizar tais atos sem supervisão (média de 14,16%).

Por outro lado, em relação à variável “avaliação do grau de competência acerca do manejo clínico do paciente terminal”, chamam atenção os resultados obtidos em relação às atividades de avaliação e manejo de dispneia terminal e de delirium terminal, para as quais os pesquisados afirmaram que se sentem competentes para realizar sob supervisão (40,3% e 44,8%, respectivamente) ou que necessitam de mais instrução básica (38,1% e 38,8%, respectivamente), conforme ilustra a Tabela 2.

O profissional de saúde sabe manejar de forma eficaz a alta tecnologia, porém nem todos são tão eficazes quando se trata do manejo do processo da terminalidade, considerando o fato de humanizar a morte e o morrer. Nesse sentido, vale destacar que, na formação em Medicina, a tecnicidade dos tratamentos curativos é o foco principal, sendo necessário preparar o alunado para lidar com os cuidados paliativos e também para discutir a questão com os pacientes e familiares, o que geralmente é negligenciado1515. Medeiros NS, Santos TR, Trindade EMV, Almeida KJQ. Avaliação do desenvolvimento de competências afetivas e empáticas do futuro médico. Revista Brasileira de Educação Médica, 2013; 37(4): 515-525.

16. Gontijo ED, Alvim C, Megale L, Melo JRC, Lima MECC. Matriz de competências essenciais para a formação e avaliação de desempenho de estudantes de medicina. Revista Brasileira de Educação Médica, 2013; 37(4):526-539.
-1717. Pessini L. Life and death in the ICU: ethics on the razor’s edge. Rev. bioét. 2016; 24 (1): 54-63.

Um estudo realizado por Jiang et al.1818. Jiang, Xuan. Liao Z, Hao J, Guo Y, Zhou Y, Ning L, Bai J, Zhang P, Tang C, Zhao X, Guo H. Palliative Care Education in China: Insight Into One Medical University. Journal of Pain and Symptom Management, 2011; 41(4):796-800. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21481736>. [Capturado em: 25 de junho 2016].
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na China com o intuito de avaliar o conhecimento dos estudantes de Medicina chineses sobre conceitos de cuidados paliativos corrobora os resultados encontrados no presente estudo: 58,9% dos acadêmicos responderam estar preparados para lidar com cuidados terminais do paciente, enquanto apenas 7,5% se consideraram adequadamente preparados para lidar com a gestão da dor, e 13% adequadamente treinados para controlar os sintomas de pacientes em estado terminal.

A literatura estudada1414. Moura VKST, Castro CF, Chagas RRS, Cavalcante JC, Cavalcanti SL, Freitas DA. Percepções da Morte entre os Estudantes de Medicina. Revist. Port.: Saúde e Sociedade. 2016; 1(3): 217-227. Disponível em: http://www.seer.ufal.br/index.php/nuspfamed/article/view/2526/2150. [Capturado em: 05 de dezembro de 2017].
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,1515. Medeiros NS, Santos TR, Trindade EMV, Almeida KJQ. Avaliação do desenvolvimento de competências afetivas e empáticas do futuro médico. Revista Brasileira de Educação Médica, 2013; 37(4): 515-525.,1919. Pinheiro TRSP. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. São Paulo: Revista O Mundo da Saúde. 2010; 34(3):320-326. ratifica os resultados encontrados, quando se verifica que profissionais médicos não são treinados formalmente para comunicar aspectos importantes no trato com pacientes terminais, como, por exemplo, dar notícias ruins2020. Geovanini F, Braz M. Conflitos éticos na comunicação de más notícias em oncologia. Rev. bioét. 2013; 21 (3): 455-62., e, por não receberem capacitação, sentem-se despreparados para este cuidado. Tal fato pode causar sentimentos de impotência e fracasso, o que, com o tempo, pode levar a um distanciamento emocional do paciente e da família deste.

Quanto à preocupação dos estudantes de que suas decisões possam contrariar o que é aceito legal, ética e profissionalmente, ou, ainda, que possam contrariar suas crenças pessoais, os resultados demonstraram que o foco da preocupação em prover o máximo alívio da dor em pacientes oncológicos mesmo antes da fase terminal acha-se nos aspectos éticos, legais e profissionais das atividades realizadas, ficando em segundo plano as preocupações em relação a contrariar as crenças pessoais, conforme a Tabela 3.

A questão da moralidade e legalidade do exercício médico voltado a cuidados paliativos deve considerar o código profissional para ser legal e, portanto, poder ser feito2121. Soares FJP, Shimizu HE Eri, Garrafa V. Código de Ética Médica brasileiro: limites deontológicos e bioéticos. Rev. Bioét. 2017; 25(2): 244-254.. Nesse sentido, não se deve aceitar algo como verdade absoluta, mas, sim, buscar uma visão pluralista para exercitar a capacidade de reflexão na escolha das melhores condutas para o paciente2222. Vicensi MC Reflexión sobre la muerte y el morir en la UCI a partir de la perspectiva profesional en cuidados intensivos. Rev. bioét. 2016; 24 (1): 64-72..

Aspectos legais, ético-profissionais e crenças pessoais estão na base das preocupações dos estudantes de Medicina ao lidarem com decisões clínicas referentes a pacientes com doença terminal1414. Moura VKST, Castro CF, Chagas RRS, Cavalcante JC, Cavalcanti SL, Freitas DA. Percepções da Morte entre os Estudantes de Medicina. Revist. Port.: Saúde e Sociedade. 2016; 1(3): 217-227. Disponível em: http://www.seer.ufal.br/index.php/nuspfamed/article/view/2526/2150. [Capturado em: 05 de dezembro de 2017].
http://www.seer.ufal.br/index.php/nuspfa...
,2323. Inês Motta de Morais IM, Nunes R, Cavalcanti T, Soares AKS, Gouveia VV. Percepciones de estudiantes y médicos sobre la “muerte digna”. Rev. bioét. 2016; 24 (1): 108-117.. Isto demonstra a necessidade de um tratamento especial na graduação e na formação continuada desses estudantes e futuros profissionais. Tais aspectos devem ser amplamente discutidos, para que não representem per si um mecanismo de limitação da atuação profissional por ausência de conhecimento do assunto.

A literatura aqui estudada deixa clara a preocupação dos profissionais em relação ao debate do tema “morte e morrer”, constatando-se que, para os profissionais envolvidos no estudo, a falta de comunicação sobre o assunto acaba sendo prejudicial ao relacionamento entre os profissionais envolvidos no cuidado, e entre estes e os pacientes e seus familiares, o que pode provocar processos ético-legais1212. Santos JL, Bueno SMV. Educação para a morte a docentes e discentes de enfermagem: revisão documental da literatura científica. Rev. esc. enferm. USP. 2011; 45(1): 272-276.,1919. Pinheiro TRSP. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. São Paulo: Revista O Mundo da Saúde. 2010; 34(3):320-326.,2121. Soares FJP, Shimizu HE Eri, Garrafa V. Código de Ética Médica brasileiro: limites deontológicos e bioéticos. Rev. Bioét. 2017; 25(2): 244-254.

22. Vicensi MC Reflexión sobre la muerte y el morir en la UCI a partir de la perspectiva profesional en cuidados intensivos. Rev. bioét. 2016; 24 (1): 64-72.

23. Inês Motta de Morais IM, Nunes R, Cavalcanti T, Soares AKS, Gouveia VV. Percepciones de estudiantes y médicos sobre la “muerte digna”. Rev. bioét. 2016; 24 (1): 108-117.
-2424. Marta GN, Marta SN, Andrea Filho A, Job JRPP. O Estudante de Medicina e o Médico recém-formado frente à Morte e ao Morrer. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação Médica, 2009; 33(3):416-427..

Sobre o assunto, Hermes e Lamarca1010. Hermes HR, Lamarca ICA. Cuidados Paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Revista Ciência & Saúde Coletiva, 2013;18(9):2577-2588. asseveram ainda que muitos médicos têm receio de que o tratamento por meio dos cuidados paliativos seja mal interpretado ou confundido com a eutanásia, o que ratifica o entendimento aqui defendido de que os estudos dos cuidados paliativos devem ser implementados na formação do profissional médico durante a graduação.

A discriminação dos sentimentos em relação à morte e aos cuidados de pacientes terminais (Tabela 4) mostra um tópico importante para identificar a autopercepção dos estudantes de Medicina em relação aos sentimentos que nutrem quando pensam sobre a própria morte e a morte de seu paciente.

Nesse passo, a Tabela 4 apresenta uma comparação entre o sentimento de ansiedade ou o desconforto dos participantes ao pensarem sobre a própria morte (58%) e sobre a morte do paciente (88,1%). É de se observar a discrepância entre as duas variáveis, informação que condiz com a preocupação dos entrevistados em relação à sua reação perante pacientes morrendo (70,4%) e quanto ao sentimento de impotência em tal situação (68%).

Figueiredo e Stano88. Figueiredo MGMC, Stano RCMT. O Estudo da Morte e dos Cuidados Paliativos: uma Experiência Didática no Currículo de Medicina. Minas Gerais: Revista Brasileira de Educação Médica. 2013; 37(2):298-307., em estudo que apresentou a experiência da Faculdade de Medicina de Itajubá, que conta com a disciplina Tanatologia e Cuidados Paliativos em seu currículo, afirmam que, na medida em que a doença não cede ao tratamento terapêutico e o doente caminha para a morte, o médico se encontra menos preparado para seu acompanhamento e cuidado. Concluem que, quando não há o preparo inicial do aluno para lidar com essas questões, não sobra muito tempo ou espaço para isso no futuro.

Os autores afirmam que o ensino dos cuidados paliativos pode complementar o aprendizado dos profissionais médicos em formação, para que estes se sintam mais capacitados para lidar com os cuidados ao paciente por meio do viés da medicina resolutiva e, na mesma medida, quando a cura não for mais possível.

Cuidar de pacientes em fase terminal resulta frequentemente em sentimentos de ansiedade e angústia, provocados pela situação de se deparar com pacientes com doenças em fase terminal2222. Vicensi MC Reflexión sobre la muerte y el morir en la UCI a partir de la perspectiva profesional en cuidados intensivos. Rev. bioét. 2016; 24 (1): 64-72.. Marta et al.2424. Marta GN, Marta SN, Andrea Filho A, Job JRPP. O Estudante de Medicina e o Médico recém-formado frente à Morte e ao Morrer. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação Médica, 2009; 33(3):416-427. sintetizam bem a situação que envolve os estudantes de Medicina e afirmam que a formação médica gera expectativas idealizadas de que o profissional médico tem de combater e vencer a morte. Quando isso não acontece, ou quando não mais é possível que aconteça, a realidade de sua própria finitude como pessoa e profissional se apresenta, e a fachada da onipotência se esvai, o que provoca a frustração das expectativas de cura, envolvendo também o próprio estudante nessa frustração.

Assim, pode-se pensar que o despreparo dos estudantes para lidar com a morte decorre, entre outros fatores, do modelo de morte adotado pelas escolas de Medicina e demais áreas de saúde, nos quais o profissional é treinado para salvar vidas, e a morte é entendida como um fracasso11. Duarte AC, Almeida DV, Popim RC. A morte no cotidiano da graduação: um olhar do aluno de medicina. Interface – comunicação, saúde e educação, 2015; 19(55):1207-1219.,1111. Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: ANCP. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2ª ed. ampliada e atualizada, 2012, p. 23-30.,1212. Santos JL, Bueno SMV. Educação para a morte a docentes e discentes de enfermagem: revisão documental da literatura científica. Rev. esc. enferm. USP. 2011; 45(1): 272-276.,2424. Marta GN, Marta SN, Andrea Filho A, Job JRPP. O Estudante de Medicina e o Médico recém-formado frente à Morte e ao Morrer. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação Médica, 2009; 33(3):416-427..

Portanto, uma das formas adequadas para lidar com essa situação é a adoção do modelo da boa morte, no qual a morte é vista de forma natural22. Klubber-Ross E. Sobre a Morte e o Morrer. 8ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.,2222. Vicensi MC Reflexión sobre la muerte y el morir en la UCI a partir de la perspectiva profesional en cuidados intensivos. Rev. bioét. 2016; 24 (1): 64-72., procurando-se tratá-la de modo distinto, ampliando os cuidados e a atenção ao paciente e à sua família, mesmo após o falecimento, usando recursos que minimizem a dor e o desconforto. Este comportamento deverá proporcionar suporte emocional e espiritual a todos.

Na Europa, berço dos cuidados paliativos, verificou-se que há necessidade de iniciar a sensibilização dos estudantes de Medicina durante a graduação88. Figueiredo MGMC, Stano RCMT. O Estudo da Morte e dos Cuidados Paliativos: uma Experiência Didática no Currículo de Medicina. Minas Gerais: Revista Brasileira de Educação Médica. 2013; 37(2):298-307.Lidar com a morte precisa fazer parte da formação continuada desse estudante, para que ele possa desenvolver em si a capacidade de suportar trabalhar com o fenômeno e com os cuidados paliativos desde os primeiros anos da graduação.

Isto pode representar um meio menos traumático e mais eficaz para a quebra de tabus e paradigmas que permeiam a temática, além de preparar o aluno para enfrentar os momentos em que se depare com a terminalidade da vida – o que traz o reconhecimento de seus limites, dos limites de sua atuação, além de chamar a atenção para o respeito à dignidade do paciente e de seus familiares no momento em que o tratamento com viés curativo não é mais adequado.

No tocante ao grau de importância que deveriam ter algumas habilidades e cuidados com pacientes com doenças terminais no currículo de graduação em Medicina, foram elencadas, para os fins deste estudo, nove temáticas relacionadas aos cuidados paliativos, avaliadas pelos estudantes participantes (Tabela 4). Entre todos os itens listados para a pesquisa, apenas a questão da espiritualidade em cuidados paliativos foi considerada menos importante, por 30,8% dos alunos.

Hermes e Lamarca1010. Hermes HR, Lamarca ICA. Cuidados Paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Revista Ciência & Saúde Coletiva, 2013;18(9):2577-2588. e Frizzo et al.2525. Frizzo K, Bertolini G, Caron R, Steffani JA, Bonamigo EL. Percepção dos Acadêmicos de Medicina sobre Cuidados Paliativos de Pacientes Oncológicos Terminais. São Paulo: Revista Bioethikos. 2013; 7 (4): 367-375. consideram que o currículo médico deve ser reformulado para a inclusão de disciplinas que tratem da tanatologia e da assistência integral ao paciente em cuidados paliativos e sua família, enaltecendo a formação humana desses profissionais, além da formação técnica, que já é bastante preconizada.

O estudo realizado por Pinheiro1919. Pinheiro TRSP. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. São Paulo: Revista O Mundo da Saúde. 2010; 34(3):320-326., que avalia o grau de conhecimento sobre dor e cuidados paliativos dos estudantes de Medicina, corrobora os resultados obtidos na presente pesquisa, pois constata que os estudantes se sentem inseguros ao aplicarem os conhecimentos adquiridos na graduação, demonstrando interesse em ver incluída na educação médica a temática da dor e dos cuidados ao paciente terminal. Do mesmo modo, Jiang et al.1515. Medeiros NS, Santos TR, Trindade EMV, Almeida KJQ. Avaliação do desenvolvimento de competências afetivas e empáticas do futuro médico. Revista Brasileira de Educação Médica, 2013; 37(4): 515-525. encontraram que mais de 80% dos entrevistados reconheceram a necessidade de incluir mais elementos sobre cuidados paliativos no currículo médico básico.

Um estudo com coordenadores de cursos de Medicina no Brasil2626. Toledo AP, Priolli DG. Cuidados no Fim da Vida: O Ensino Médico no Brasil. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação Médica, 2012; 36 (1):109-117. encontrou que eles consideraram muito importante o ensino dos cuidados no fim da vida (96,6%), e que é baixo o número de docentes especializados na área, o que pode atuar como uma das barreiras para incorporar esse ensino no currículo da graduação. O estudo ainda encontrou que os coordenadores de curso acreditam que o alunado não tem interesse em aprender sobre cuidados no fim da vida. Isto não condiz com os dados aqui apresentados, em que a maioria dos estudantes pesquisados revelou interesse em ver inseridos na grade curricular temas relativos aos cuidados paliativos (Tabela 1).

CONCLUSÃO

Diante dos resultados apresentados, pode-se afirmar que os estudantes de Medicina da Famed/Ufal não se sentem capacitados para interagir com pacientes e familiares com o intuito de discutir a morte e o manejo clínico do paciente terminal sem auxílio de algum nível de supervisão. Eles se sentem ansiosos, desconfortáveis e impotentes ao pensarem sobre a morte de seu paciente e, diante disso, entendem que elementos relacionados à temática dos cuidados paliativos deveriam ser incluídos e mais abordados no currículo de graduação em Medicina.

Assim, os dados indicam que os estudantes identificam as deficiências ocasionadas pela ausência/limitação do ensino referente aos cuidados paliativos, bem como demonstram interesse em vê-los incluídos no currículo de Medicina, revelando a importância do tema para sua formação humanizada, indo além da busca pelo curar.

REFERÊNCIAS

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  • Errata

    No artigo “Cuidados Paliativos: Importância do Tema para Discentes de Graduação em Medicina”, com número de DOI: 10.1590/1981-52712015v42n3rb20170105.r1, publicado no periódico Revista Brasileira de Educação Médica, 42(3):78-86, na página 78:
    Onde se lia:
    “Tathiane da Silva LucenaI
    Leia-se:
    “Thatiane Silva de LucenaI

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2017
  • Aceito
    22 Mar 2018
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