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Sentimentos do Estudante de Medicina quando em Contato com a Prática

Feelings of the Medical Student when in Contact with Practice

RESUMO

Com a atual configuração curricular dos cursos de Medicina, desde o primeiro ano do curso o estudante entra em contato com os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e com a população usuária do sistema, o que costuma ser chamado de “contato precoce” com pacientes. Tal inserção precoce gera emoções diversas nos estudantes, positivas e negativas. Entretanto, poucos são os estudos brasileiros que abordam esta questão. Espera-se com este estudo descrever os sentimentos vivenciados por estudantes de Medicina de uma instituição privada no interior de São Paulo em três momentos do curso (primeiro, terceiro e quinto anos), quando se inicia uma nova modalidade de atividades junto aos usuários do SUS, respectivamente as atividades de interação com a comunidade na atenção básica, no ambulatório médico e no internato. Foram coletados dados de identificação demográfica e opções de sentimentos vivenciados no início e no fim do ano letivo, segundo gradação em baixa, média e alta intensidade. Os sentimentos investigados foram aborrecimento, alegria, benevolência, desilusão, desânimo, despreparo, empatia, esperança, impotência, motivação, perplexidade, raiva, realização, satisfação e tristeza. Participaram do estudo 120 estudantes. Os resultados apontaram ampla margem de sentimentos de natureza positiva, sendo alegria, motivação e satisfação os mais presentes nos três anos investigados. Desânimo, despreparo e aborrecimento foram os sentimentos negativos mais frequentemente referidos. Observou-se também intensidade forte de sentimentos positivos e intensidade razoável ou baixa de sentimentos negativos, com declínio do início para o fim do ano. Benevolência e esperança foram os sentimentos positivos menos referidos, ao passo que perplexidade, raiva e tristeza foram os sentimentos negativos menos prevalentes. Tais resultados chocam-se com o alto índice de transtornos mentais entre estudantes de Medicina referidos na literatura especializada e chamam a atenção para a necessidade de mais estudos nessa área e para a valorização do campo de prática com o usuário do sistema de saúde na formação profissional.

Educação Médica; Estudante de Medicina; Emoções

ABSTRACT

The current medical course curricula give students opportunities to gain practical experience with the SUS (Unified Health System) and with the people who use it. This interaction is generally referred to as “early contact” with patients. This early contact generates positive and negative feelings in the students. However, few Brazilian papers have addressed this issue. The purpose of this paper is to describe the feelings experienced by medical students of a private institution in the state of São Paulo, at three important times during the course: when they begin new activities with users of the SUS (1styear), during interactions with their local community in Primary Health Care, in the medical outpatient clinic (2nd year), and during the Internship (3rd year). Demographic identification data and data on the student’s feelings were collected at the beginning and end of the school year. The latter were classified as having low, medium or high intensity. The feelings investigated were boredom, happiness, benevolence, disillusionment, discouragement, unpreparedness, empathy, hope, helplessness, motivation, perplexity, rage, accomplishment, satisfaction and sadness. A total of 120 students participated in the study. The results indicate a wide range of feelings, with happiness, motivation and satisfaction being the most common positive ones over the three-year period, and discouragement, unpreparedness and boredom the most frequently mentioned negative feelings. There was also a strong intensity of positive feelings, and a reasonable or low intensity of negative feelings, which declined as the year progressed. Benevolence and hope were the least mentioned positive feelings, while perplexity, rage and sadness were the least predominant negative ones. These results do not match the high rate of mental disorders among medical students that is referred to the specialized literature, highlighting a need for further studies in this area, and for an enhancement of the field of practice with users of the Unified Health System during the professional training.

Undergraduate Medical Education; Medical Student; Emotions

INTRODUÇÃO

Atualmente, graças à demanda do sistema de saúde e dos usuários por uma medicina mais humanizada e centralizada no ser humano e não somente em sua patologia, existe uma tendência de mudança do modelo de saúde biomédico, curativo, para o biopsicossocial, integral11. Pereira TTS, Barros MNS, Augusto MCNA. O cuidado em saúde: o paradigma biopsicossocial e a subjetividade em foco. Mental 2011; 9 (17):523-536.. Este exige um enfoque na essência da vida do ser humano, levando em consideração a cultura, a condição socioeconômica, os hábitos, além do organismo ou agente causador da enfermidade11. Pereira TTS, Barros MNS, Augusto MCNA. O cuidado em saúde: o paradigma biopsicossocial e a subjetividade em foco. Mental 2011; 9 (17):523-536.,22. CostaI JRB, Romano VF, CostaI RR, VitorinoI RR, Alves LA, Gomes AP, et al. Formação Médica na Estratégia de Saúde da Família: Percepções Discentes. Rev Bras Educ Med 2012; 36(3): 387-400.. Com isso, as atitudes, os comportamentos e os valores profissionais dos estudantes de Medicina vêm sendo objeto de preocupação, motivando mudanças curriculares nas escolas médicas.

Para alcançar o atendimento médico centrado na pessoa e em suas especificidades, foram propostas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais de Graduação em Medicina (DCN), que, apoiadas pelos ministérios da Educação e da Saúde, vêm promovendo uma mudança no currículo das escolas médicas brasileiras33. Brasil. Ministério de educação. Conselho Nacional da Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº4, 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de novembro de 2001.. As DCN propõem um profissional com boa formação geral humanizada, crítica e reflexiva, apto a atuar no Sistema Único de Saúde brasileiro, respeitando suas normas33. Brasil. Ministério de educação. Conselho Nacional da Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº4, 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de novembro de 2001.. Essa nova perspectiva demanda que os estudantes de Medicina tenham contato precoce com o sistema de saúde e seus usuários desde o início do curso de graduação, buscando que o estudante desenvolva sentimentos de responsabilidade social e cidadania33. Brasil. Ministério de educação. Conselho Nacional da Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº4, 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de novembro de 2001., que levará consigo durante sua prática profissional. Diversos estudos corroboram a associação entre contato precoce com usuários e sistema de saúde e maior maturidade emocional e profissionalismo33. Brasil. Ministério de educação. Conselho Nacional da Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº4, 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de novembro de 2001.

4. Clay AS, Ross E, Chudgar SM, Grochoski CO, Tulsky JA, Shapiro D. The emotions of graduating medical students about prior patient care experiences. Patient Couns 2015; 98(3):344-9.

5. Vries JM, Dornan T, Boerboom TBB, Jaarsma ADC, Helmich E. Dealing with emotions: medical undergraduates’ preferences in sharing their experiences. Med Educ 2016; 50(8): 817-28.
-66. Sousa-Muñoz RL, Silva IBA, Maroja JLS. Experiência do estudante de semiologia médica em aulas práticas com o paciente à beira do leito. Rev bras educ med 2011; 35(3): 376-38..

O modelo de saúde biopsicossocial, ao contrário do biomédico, permite essa interação precoce, melhora a empatia, a compaixão e a comunicação, e ainda auxilia na maturidade intelectual. Isto ocorre graças ao fato de os estudantes encararem, nesse momento, os desafios da profissão e já terem a oportunidade de vivenciar o contato com diversos pacientes e histórias de vida66. Sousa-Muñoz RL, Silva IBA, Maroja JLS. Experiência do estudante de semiologia médica em aulas práticas com o paciente à beira do leito. Rev bras educ med 2011; 35(3): 376-38.,77. Delmondes LM, Trindade F, Vieira MJ. Curso de Medicina: motivações e expectativas de estudantes iniciantes. Rev bras educ med 2009; 33(4): 542-554.. Todavia, o início das atividades curriculares práticas também revela ao estudante a natureza estressante do exercício profissional, e nesse momento o discente encontra dificuldades, o que provoca a sensação de não ter atingido resultados satisfatórios88. Rudnicki T, Carlotto MS. Formação de estudante da área da saúde: reflexões sobre a prática de estágio. Rev SBPH 2007; 10(1): 97-110..

Além das atividades práticas, o conjunto de atividades curriculares da formação em Medicina é abordado pela literatura como causador de estresse entre os estudantes. Diversos estudos recentes apontam alta prevalência de desordens mentais99. Vieira D, Moreira LS, Candido SS, Bachur CK. Avaliação da fase de estresse e da pressão arterial em estudantes universitários. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl – 2016; 26(4): 159-63.,1010. Pacheco JP, Giacomin HT, Tam WW, Ribeiro TB, Arab C, Bezerra IM, et al. Mental health problems among medical students in Brazil: a systematic review and meta-analysis. Rev bras psiquiatr 2017; 39(4): 369-378. e suicídio entre estudantes de Medicina1111. Santa ND, Cantilino A. Suicídio entre Médicos e Estudantes de Medicina: Revisão de Literatura. Rev bras educ med 2016; 40(4): 772-780.,1212. Meleiro AMAS. Suicídio entre médicos e estudantes de medicina. Rev assoc med bras 1998; 44(2): 135-140..

Na perspectiva psicossocial, o estresse é composto pela interação entre pessoas, seu ambiente e as circunstâncias que o indivíduo vivencia. Esse sentimento constitui uma ameaça ou uma situação que exige mais que as habilidades ou recursos individuais e põe em perigo seu bem-estar, desencadeando vulnerabilidade psicológica e emocional, e provocando impacto nas relações pessoais, como o contato com pacientes, equipes e supervisores1313. Maia DAC, Maciel RHMO, Vasconcelos JA, Filho JOV. Acadêmicos de Medicina: Sua relação com o ócio e a prática de atividade física como combate à ansiedade e ao estresse. Cadernos ESP 2011; 5(1): 62-73.,1414. França ACL, Rodrigues AL. Stress etrabalho: guia prático com abordagem psicossomática.São Paulo: Atlas; 1997. Cap. 2..

O desenvolvimento tecnológico e maiores acesso e riqueza de informações permitiram mais sucesso na resolução de problemas de saúde1515. Ricardo MPF, Marin MJS, Otani MAP, Marin MS. Estudante de medicina na estratégia saúde da família em séries iniciais: percepção dos egressos. Rev Esc Enferm USP 2014; 48(Esp2): 187-192.. No entanto, um efeito colateral de tal processo foi a extrema segmentação do conhecimento, com valorização das técnicas e descaso quanto ao relacionamento e à comunicação humanos1616. DiasEP, StutzBL, ResendeTC, BatistaNB, SeneSS. Expectativas de alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio em instituições de saúde. Rev psicopedagia 2014; 31(94): 44-55.,1717. Maslach C, Jackson SE. The measurement of experienced burnout. Journal of Ocuppational Behavior 1981; 2(2): 99-113.. Ao mesmo tempo, grande parte das dificuldades de estudantes de cursos da área de saúde está ligada à influência das interações pessoais que se concretizam ao longo das atividades práticas. Entre os problemas encontrados pelos alunos, além do medo e ansiedade em relação a novas experiências, estão os desafios de comunicação e de convívio com os professores, pacientes e equipe1616. DiasEP, StutzBL, ResendeTC, BatistaNB, SeneSS. Expectativas de alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio em instituições de saúde. Rev psicopedagia 2014; 31(94): 44-55..

Um dos pontos principais que se refere à exaustão emocional é a Síndrome de Burnout, que, manifestada de forma precoce e progressiva, limita os recursos afetivos desses indivíduos1717. Maslach C, Jackson SE. The measurement of experienced burnout. Journal of Ocuppational Behavior 1981; 2(2): 99-113.. Essa síndrome, segundo a definição amplamente utilizada de Maslach e Jackson1717. Maslach C, Jackson SE. The measurement of experienced burnout. Journal of Ocuppational Behavior 1981; 2(2): 99-113., costuma acometer profissionais cujos trabalhos envolvem contato pessoal intenso, como acontece na área da saúde1717. Maslach C, Jackson SE. The measurement of experienced burnout. Journal of Ocuppational Behavior 1981; 2(2): 99-113..Outro aspecto característico, relacionado ao anterior, é o desenvolvimento de comportamentos e sentimentos desumanizados em relação aos pacientes, além de falta de sensibilidade e cinismo, evidenciando uma perspectiva distorcida por parte dos profissionais acometidos. Por fim, um quadro de insatisfação com a profissão, acompanhado por sensação de incompetência e infelicidade, completa a síndrome1717. Maslach C, Jackson SE. The measurement of experienced burnout. Journal of Ocuppational Behavior 1981; 2(2): 99-113.

18. Carlotto MS, Nakamura AP, Câmara SG. Síndrome de burnout em estudantes universitários da área da saúde. Psico 2006; 37(1): 57-62.

19. Carlotto MS, Câmara SG. Características psicométricas do Maslach Burnout Inventory - Student Survey (MBI-SS) em estudantes universitários brasileiros. PsicoUSF 2006; 11(2): 167-173.
-2020. Tarnowski M, Carlotto M S. Síndrome de Burnout em estudantes de psicologia. Temas psicol 2007; 15 (2): 173-180..

Como divulgado nas publicações científicas, a demanda sobre o estudante de Medicina para dominar o conhecimento biológico e se familiarizar com as práticas preestabelecidas da equipe profissional contribui para o distanciamento entre médico e paciente. Esse fato, associado ao modelo biomédico, influencia a formação da moral do estudante e também limita o desenvolvimento dos sensos de empatia e compaixão. Portanto, dado que a prática médica de sucesso depende da interação de aspectos éticos e profissionais, toda a formação tende a ser comprometida2121. Branch WT. Supporting the moral development of medical students. J Gen Intern Med 2000; 15(7): 503-508.,2222. Ribeiro MMF, Amaral CFS. Medicina centrada no paciente e ensino médico: a importância do cuidado com a pessoa e o poder médico. Rev bras educ med 2008; 32 (1): 90-97..

De acordo com Wallon, as experiências humanas são permeadas por emoções, que irão influenciar as vivências ao longo de toda a vida do indivíduo. Da mesma forma, os sentimentos despertados durante as experiências de aprendizagem influenciam significativamente a formação de conhecimento e o desempenho dos estudantes2323. Bessa VH. Teorias da aprendizagem. Curitiba: IESDE Brasil S.A.; 2008.,2424. Pereira CL. Piaget, Vygotsky e Wallon: Contribuições para os estudos da linguagem. Psicol estud 2012; 17(2): 277-286..

Para o neurocientista português António Damásio, tanto as emoções quanto os sentimentos resultam de processos neurais de avaliação mental frente a experiências e situações vividas. Contudo, as emoções causam alterações no estado do corpo e se refletem em manifestações comportamentais, externalizando-se. Já os sentimentos podem ou não ser consequência de emoções e estão mais relacionados à autopercepção, sendo, portanto, um mecanismo essencialmente interno, mental2525. Damásio AR. O erro de Descartes: Emoção, razão e o cérebro humano. 3a Ed. São Paulo : Companhia das Letras, 2012. p.144-216..

Assim, um ambiente tradicional de ensino que não proporcione certo grau de liberdade e individualidade para manifestação das emoções relacionadas ao conhecimento pode culminar em um nível de conhecimento inferior ao potencial do aluno2323. Bessa VH. Teorias da aprendizagem. Curitiba: IESDE Brasil S.A.; 2008.. Consequentemente, altera-se a chance de gerar profissionais mais preparados e com uma capacidade superior de interpretar adequadamente os afetos.

Considerando-se que os professores, preceptores e até os profissionais já formados servem como modelos para a formação profissional, e mesmo pessoal, dos estudantes, o estado emocional daqueles tem forte impacto em tal processo2626. Madsen T. Resident burnout. Ann intern Med 2002; 137(8): 698-700.. Portanto, o convívio com referenciais que apresentem carga emocional negativa pode contribuir para a perpetuação de uma cultura de desgaste em relação à profissão e para o aparecimento precoce dos sintomas de burnout ou outras desordens mentais2626. Madsen T. Resident burnout. Ann intern Med 2002; 137(8): 698-700..

Outro aspecto que pode potencializar o prejuízo emocional nos estudantes e profissionais da Medicina é a expectativa exacerbada quanto aos resultados de seu trabalho2727. MoreiraSNT, VasconcellosRLS, Heath N. Estresse na formação médica: como lidar com essa realidade? Rev bras educ med 2015; 39(4): 558-564.. O estado de estresse constante decorrente de tais demandas contribui para a vulnerabilidade psíquica desses indivíduos, que se reflete em comportamentos negativos, ligados tanto ao autocuidado quanto ao zelo com os pacientes2727. MoreiraSNT, VasconcellosRLS, Heath N. Estresse na formação médica: como lidar com essa realidade? Rev bras educ med 2015; 39(4): 558-564..

Deste modo, o presente estudo se justifica pelo fato de o contato constante do estudante de Medicina com a população usuária do sistema de saúde desencadear diversas emoções e sentimentos durante todo o trajeto da graduação, tendo profundo impacto na formação do futuro profissional médico. Acreditamos que valorizar seus sentimentos no processo formativo contribuirá para a formação de um profissional mais empático, com manejo mais eficaz da relação médico-paciente, com mais autoconfiança, com maturidade emocional para lidar com as dificuldades da vida profissional e melhor perspicácia clínica, sendo que todos esses benefícios irão confluir para a prática da medicina voltada para o tratamento integral do paciente44. Clay AS, Ross E, Chudgar SM, Grochoski CO, Tulsky JA, Shapiro D. The emotions of graduating medical students about prior patient care experiences. Patient Couns 2015; 98(3):344-9.

5. Vries JM, Dornan T, Boerboom TBB, Jaarsma ADC, Helmich E. Dealing with emotions: medical undergraduates’ preferences in sharing their experiences. Med Educ 2016; 50(8): 817-28.

6. Sousa-Muñoz RL, Silva IBA, Maroja JLS. Experiência do estudante de semiologia médica em aulas práticas com o paciente à beira do leito. Rev bras educ med 2011; 35(3): 376-38.
-77. Delmondes LM, Trindade F, Vieira MJ. Curso de Medicina: motivações e expectativas de estudantes iniciantes. Rev bras educ med 2009; 33(4): 542-554..

Com a hipótese de que os sentimentos vivenciados no contato com os usuários do SUS evoluem de predominantemente negativos para predominantemente positivos no decorrer do ano letivo, repetindo-se a cada novo ciclo, objetiva-se descrever a ocorrência e intensidade de sentimentos despertados nos estudantes de Medicina durante as atividades que levam ao contato com a realidade do sistema público de saúde no decorrer do primeiro, terceiro e quinto ano da graduação.

METODOLOGIA

Este é um estudo transversal de natureza quantitativa, que investigou a ocorrência de determinados sentimentos entre estudantes de um curso de Medicina no interior do Estado de São Paulo.

O curso de Medicina onde a pesquisa foi desenvolvida tem o projeto político-pedagógico baseado em Metodologias Ativas de Aprendizagem, tendo como característica principal o processo ensino-aprendizagem centrado no estudante, o que insere uma prática nova na vida dos acadêmicos egressos de escolas com estrutura pedagógica centrada no professor. Outra característica do curso é inserir os estudantes no ambiente de prática profissional da medicina desde o primeiro período da graduação, visando estimular o pensamento crítico e a integração de conhecimentos33. Brasil. Ministério de educação. Conselho Nacional da Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº4, 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de novembro de 2001.,88. Rudnicki T, Carlotto MS. Formação de estudante da área da saúde: reflexões sobre a prática de estágio. Rev SBPH 2007; 10(1): 97-110.. Isto inclui atividades de contato semanal com a comunidade, com inserção de novas modalidades de contato no primeiro, terceiro e quinto ano, por meio, respectivamente, do programa de ensino em Saúde da Família, ambulatório médico e internato, representando a cada ciclo novos desafios aos estudantes.

Os critérios de inclusão neste estudo foram ser estudante maior de 18 anos matriculado no primeiro, terceiro ou quinto ano de graduação. Os critérios de exclusão consistiram em ter menos de 18 anos e estar matriculado em outras etapas do curso. Foram excluídos posteriormente das análises os participantes que não atentaram para os comandos das respostas, deixaram alguma questão do questionário em branco ou não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Neste estudo, optou-se por não realizar procedimento amostral aleatorizado, aplicando-se a pesquisa ao universo e trabalhando com os dados daqueles que concordaram em participar.

Para a coleta de dados utilizou-se um questionário impresso e autopreenchido, entregue aos estudantes em horário de atividades curriculares, em um único encontro, no mês de novembro. Previamente, foram explicados os procedimentos da pesquisa, bem como sua importância, buscando sensibilizá-los para a adesão.

O questionário utilizado foi elaborado pelas autoras com questões fechadas, consistindo em dados de identificação demográfica e opções de sentimentos vivenciados no início e no fim do ano letivo, segundo gradação em baixa, média e alta intensidade. Os sentimentos investigados foram baseados em estudos prévios44. Clay AS, Ross E, Chudgar SM, Grochoski CO, Tulsky JA, Shapiro D. The emotions of graduating medical students about prior patient care experiences. Patient Couns 2015; 98(3):344-9.

5. Vries JM, Dornan T, Boerboom TBB, Jaarsma ADC, Helmich E. Dealing with emotions: medical undergraduates’ preferences in sharing their experiences. Med Educ 2016; 50(8): 817-28.

6. Sousa-Muñoz RL, Silva IBA, Maroja JLS. Experiência do estudante de semiologia médica em aulas práticas com o paciente à beira do leito. Rev bras educ med 2011; 35(3): 376-38.
-77. Delmondes LM, Trindade F, Vieira MJ. Curso de Medicina: motivações e expectativas de estudantes iniciantes. Rev bras educ med 2009; 33(4): 542-554. e na experiência dos autores2828. Coimbra AP, Silva BM, Corregliano MR, Nakakogue RAW, Sousa SGO, Santos TA, ET al. Evolução dos sentimentos dos acadêmicos de medicina durante a prática do PIESF. Investigação [periódico na Internet]. 2015 [acesso em 19 out 2017]; 14 (5): 17. Disponível em: http://publicacoes.unifran.br/index.php/investigacao/article/view/1096.
http://publicacoes.unifran.br/index.php/...
e consistiram em aborrecimento, alegria, benevolência, desilusão, desânimo, despreparo, empatia, esperança, impotência, motivação, perplexidade, raiva, realização, satisfação e tristeza. Nesta pesquisa optou-se por investigar os cinco sentimentos mais importantes para o estudante entre aqueles referidos no questionário. Antes da realização da pesquisa, procedeu-se a um projeto piloto com 10% da amostra esperada, entre estudantes do segundo ano do curso, para validar o instrumento. Devido à baixa adesão, após o projeto piloto optou-se por não utilizar envio online do questionário.

Após tabulados os dados, as frequências dos sentimentos foram descritas por turma, observando-se sua evolução, mas desconsiderando-se a intensidade relatada. Os sentimentos que estiveram presentes tanto no início (primeiro semestre) quanto no fim do ano (segundo semestre) foram analisados com o teste de McNemar-Bower, que é um teste não paramétrico para frequências correlacionadas em variáveis nominais, considerando-se, desta vez, a alteração no padrão de intensidade no início e no fim do ano letivo. Embora este não seja um estudo de intervenção, pode-se considerar o desenrolar do currículo ao longo do ano como uma intervenção, que pode ter gerado mudanças no tipo e intensidade de sentimentos experimentados pelos estudantes.

O projeto atende a todos os preceitos da Resolução Conep 466/2012 e foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

RESULTADOS

À época da coleta de dados, a população de estudo correspondia a 229 estudantes. Destes, 148 concordaram em participar, mas 28 foram excluídos da amostra por referirem mais de cinco sentimentos, a despeito da explicação e comandos orais e escritos no questionário, resultando em uma amostra de trabalho com 120 pessoas. A média de idade dos participantes por turma e a frequência por sexo e turma são apresentadas na Tabela 1. O interesse do estudante em participar do estudo foi inversamente proporcional ao ano em curso.

TABELA 1
Frequência por sexo e turma entre os participantes do estudo

No grupo analisado, os sentimentos mais frequentemente relatados foram motivação, satisfação, alegria, realização e empatia, demonstrando que, apesar de os sentimentos negativos estarem também presentes, principalmente no começo do ano, há predomínio de sentimentos positivos durante todos os períodos estudados. Aborrecimento, desânimo e despreparo foram os sentimentos negativos mais prevalentes. Benevolência e esperança foram os sentimentos positivos menos referidos, ao passo que perplexidade, raiva e tristeza foram os sentimentos negativos menos prevalentes (Tabelas 2, 3 e 4). Não houve diferença de percepção de sentimentos entre homens e mulheres.

TABELA 2
Número de estudantes, frequência e variação anual de sentimentos relatados, turma do primeiro ano de Medicina

TABELA 3
Número de estudantes, frequência e variação anual de sentimentos relatados, turma do terceiro ano de Medicina

TABELA 4
Número de estudantes, frequência e variação anual de sentimentos relatados, turma do quinto ano de Medicina

Diversos alunos relataram ter vivenciado determinado sentimento somente no início do ano ou somente no fim do ano. Neste caso, a evolução deu-se de sentimento presente para ausente, ou vice-versa. Devido ao tamanho da amostra, não foi possível analisar nem a intensidade nem a evolução dos sentimentos neste grupo de estudantes. Contudo, para o grupo que relatou a experiência do mesmo sentimento nos dois períodos analisados, procedeu-se a uma comparação das intensidades com vistas a buscar sutilezas na variação de tais sentimentos, agrupando-os por sua natureza positiva (alegria, benevolência, empatia, esperança, motivação, realização e satisfação) ou negativa (aborrecimento, desânimo, desilusão, despreparo, impotência, perplexidade, raiva e tristeza).

Observou-se, então, redução (p<0,05) na intensidade de sentimentos negativos do início para o final do ano. Houve também um pequeno aumento na intensidade de sentimentos positivos, porém estatisticamente não significante (Gráfico 1). Entretanto, por meio da análise do Gráfico 1, observa-se novamente que a frequência de sentimentos positivos é maior que a dos negativos.

FIGURA 1
Intensidade e frequência dos sentimentos relatados, por natureza positiva e negativa, no começo e no fim do ano.

Dos sentimentos que persistiram ao longo do ano para a mesma pessoa, somente dois tiveram alteração de intensidade: despreparo e empatia. Despreparo possuía alta intensidade (média: -1,3571) no início do ano e no final do ano apresentou baixa intensidade (p<0,05). Assim, interpreta-se que este sentimento evoluiu com queda de intensidade ao longo do ano (Gráfico 2). Ressalta-se que aqueles que apresentaram o sentimento no início do ano e não o apresentam mais no fim do ano estão excluídos da análise. Já no caso da empatia, houve diferença (p<0,05), o que representa aumento desse sentimento, mas sua intensidade se manteve sem alteração, já que os alunos se inclinaram a selecionar sempre o maior grau de empatia no começo e no final do ano.

FIGURA 2
Intensidade e frequência dos sentimentos de natureza negativa, no começo e no fim do ano.

Embora outros sentimentos não tenham apresentado valores de mudança estatisticamente significativos, percebe-se uma suavização da impotência e da tristeza (Gráfico 2) e um aumento da intensidade da alegria, da motivação e da satisfação (Gráfico 3). De modo geral, é possível perceber a força da intensidade dos sentimentos positivos em contraposição à menor intensidade dos negativos, quando presentes.

FIGURA 3
Intensidade e frequência dos sentimentos de natureza positiva, no começo e no fim do ano.

DISCUSSÃO

O presente estudo constatou predominância geral de sentimentos positivos. A coleta de dados ocorreu em novembro, período em que os estudantes se encontram preocupados e focados nas avaliações semestrais. A despeito disso, os cinco sentimentos mais frequentemente relatados foram motivação, satisfação, alegria, realização e empatia, em todos os anos. Tal resultado sugere que os respondentes de fato atentaram para o objeto do estudo, que foram os sentimentos vivenciados no contato com a comunidade e com o SUS, no início e no fim do ano letivo. Esta suposição é também corroborada pelos resultados de um estudo que avaliou as fases do estresse nos estudantes do mesmo curso onde se deu esta pesquisa e que revelou alta prevalência de todas as fases de estresse em todos os anos, com destaque para exaustão e para alunos do segundo ano, mais comprometidos que os demais99. Vieira D, Moreira LS, Candido SS, Bachur CK. Avaliação da fase de estresse e da pressão arterial em estudantes universitários. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl – 2016; 26(4): 159-63.. Acredita-se que o recorte do contato do estudante com a prática clínica explique a existência de sentimentos de natureza positiva em estudantes reconhecidamente cansados e estressados. É importante considerar também a ausência de estudantes do segundo ano entre os participantes.

Além da maior frequência referida, na análise agregada para os três anos nota-se que os sentimentos positivos foram experimentados com forte intensidade, segundo a percepção dos estudantes.

A empatia foi citada por 67% dos alunos do primeiro ano, 68% dos alunos do terceiro ano e 64% dos do quinto ano, havendo ainda um aumento do relato de empatia no segundo semestre do primeiro e terceiro ano. Neste estudo, a empatia permaneceu como um sentimento referido pela maioria dos estudantes, sem redução proeminente no decorrer do curso. Já um estudo longitudinal realizado com 456 estudantes de Medicina nos Estados Unidos evidenciou que o nível de empatia dos alunos em relação aos pacientes se manteve constante nos dois primeiros anos de graduação, mas entrou em declínio a partir do terceiro ano2929. Hojat M, Vergare MJ, Maxwell K, Brainard G, Herrine SK, Isenberg GA, et al. The devil is in the third year: a longitudinal study of erosion of empathy in medical school. Acad Med 2009; 84(9): 1182–91.. É importante pontuar que as perspectivas de análise utilizadas nesse estudo são distintas das do nosso, mas essa discordância corrobora a importância de levar a cabo estudos específicos de avaliação do nível de empatia neste grupo, para verificação do padrão e confirmação deste resultado.

Benevolência e esperança foram os sentimentos positivos menos referidos pelos estudantes. Em contraposição, os dados mostram menor frequência geral e declínio dos sentimentos de natureza negativa ao longo do ano, com baixa ou média intensidade percebida. Entre os primeiranistas, o sentimento negativo mais frequentemente relatado foi desânimo, aparecendo em sexto lugar, com frequência de 54%, seguido de despreparo, relatado por 46% dos respondentes, em oitavo lugar, e aborrecimento, em nono lugar, referido por 36% dos estudantes. Entre os estudantes do terceiro ano, iniciando atividade clínica no ambulatório médico, metade também relatou desânimo, em quinto lugar, seguido por aborrecimento e despreparo (43%), em sexto e sétimo lugares. Já entre os alunos que experimentavam o internato, despreparo (54,5%), desânimo (41%) e aborrecimento (41%) também foram os sentimentos mais frequentes, aparecendo, respectivamente, em sexto, sétimo e oitavo lugares. A frequência de sentimentos e a intensidade experimentada, entretanto, diminuíram ao longo do ano.

O resultado mais expressivo deste declínio deu-se em despreparo, apresentando coerência com o objetivo educacional de preparar os estudantes ao longo do ano.

Um estudo relatou que o início do contato do estudante de Medicina com a prática, muitas vezes, pode desencadear sentimentos negativos, como dificuldade, medo e insegurança77. Delmondes LM, Trindade F, Vieira MJ. Curso de Medicina: motivações e expectativas de estudantes iniciantes. Rev bras educ med 2009; 33(4): 542-554.. Entretanto, com o avançar das atividades e do tempo dedicado à prática, observou-se que os sentimentos se tornavam, em sua maioria, positivos graças à aquisição de autoconfiança e satisfação77. Delmondes LM, Trindade F, Vieira MJ. Curso de Medicina: motivações e expectativas de estudantes iniciantes. Rev bras educ med 2009; 33(4): 542-554.,88. Rudnicki T, Carlotto MS. Formação de estudante da área da saúde: reflexões sobre a prática de estágio. Rev SBPH 2007; 10(1): 97-110.,1414. França ACL, Rodrigues AL. Stress etrabalho: guia prático com abordagem psicossomática.São Paulo: Atlas; 1997. Cap. 2..

Aquisição de autoconfiança e satisfação podem explicar também os nossos resultados, em que a própria satisfação aparece de maneira contundente entre os sentimentos mais referidos. Outras possíveis explicações para os resultados encontrados podem estar relacionadas ao processo de adaptação à vida acadêmica, à maturidade adquirida com o passar dos anos e ao caráter prático das atividades investigadas, que são aquelas em que o estudante tem a oportunidade de interagir com o paciente, razão principal da vocação médica.

Há ainda a possibilidade de os modelos de estruturação do curso de Medicina – especialmente aqueles baseados na Aprendizagem Baseada em Problemas, conhecidos no Brasil como PBL (do inglês Problem Based Learning)– abarcarem esse processo de adaptação de modo mais eficaz, por buscarem desenvolver no estudante, desde o princípio, as competências necessárias à atuação ética e humanizada, com sentimentos de responsabilidade social e cidadania, conforme se almejou com a alteração das DCN22. CostaI JRB, Romano VF, CostaI RR, VitorinoI RR, Alves LA, Gomes AP, et al. Formação Médica na Estratégia de Saúde da Família: Percepções Discentes. Rev Bras Educ Med 2012; 36(3): 387-400.. Um estudo brasileiro reforça essa tese ao afirmar que médicos que tiveram contato durante toda a graduação com a prática clínica tiveram mais facilidade para compreender o funcionamento do SUS e para estabelecer uma relação médico-paciente mais bem-sucedida66. Sousa-Muñoz RL, Silva IBA, Maroja JLS. Experiência do estudante de semiologia médica em aulas práticas com o paciente à beira do leito. Rev bras educ med 2011; 35(3): 376-38..

Apesar da dificuldade em encontrar estudos que investiguem emoções e/ou sentimentos de estudantes de Medicina, a literatura descreve os efeitos positivos da inserção precoce do estudante para o seu bem-estar e profissionalismo. Um estudo que analisou cartas de estudantes de Medicina, realizado em 2014, demonstrou que a prática da inserção antecipada do estudante no sistema de saúde, buscando integração com os usuários, gerou, no final do curso, consequências positivas na vida profissional desses alunos, como raciocínio clínico mais aprimorado e uma definição da identidade profissional44. Clay AS, Ross E, Chudgar SM, Grochoski CO, Tulsky JA, Shapiro D. The emotions of graduating medical students about prior patient care experiences. Patient Couns 2015; 98(3):344-9.. Além disso, outro estudo publicado em 2016 e que se baseou em entrevistas semiestruturadas com estudantes de Medicina, destacou como resultado da inserção precoce o aprimoramento do desenvolvimento emocional, intelectual e ético, proporcionado por um período maior durante a graduação para organizar internamente as experiências e assim proporcionar a elas um significado que influenciará a vida profissional55. Vries JM, Dornan T, Boerboom TBB, Jaarsma ADC, Helmich E. Dealing with emotions: medical undergraduates’ preferences in sharing their experiences. Med Educ 2016; 50(8): 817-28..

Este estudo tem importantes limitações. O tamanho da amostra não permitiu análises estatísticas estratificadas por anos de estudo; o processo de amostragem empregado não permitiu extrapolar os resultados para outros grupos; e o instrumento de coleta de dados utilizado não é validado externamente, mas foi construído pelas autoras com seleção de um número limitado de sentimentos.

A despeito de tais limitações, este estudo tem a ousadia de chamar a atenção para a necessidade de outros estudos nessa área, mais abrangentes e robustos, e para a valorização cotidiana dos processos emocionais de discentes e docentes durante a formação médica. Ele sugere, também, aos diretores de escolas médicas que investir em Problematização3030. Berbel NAN. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos?. Interface (Botucatu) 1998; 2(2): 139-154. e Aprendizagem Baseada em Projetos3131. Bender WN. Aprendizagem baseada em projetos: educação diferenciada para o Século XXI. Porto Alegre: Penso; 2014. – técnicas que envolvem processos de ensino-aprendizagem centrados no estudante com intervenção na comunidade – pode ser um caminho profícuo e feliz para fazer frente ao adoecimento mental do estudante de Medicina e alcançar a desejada formação de um médico humanista e saudável.

Neste sentido, a universidade emerge como facilitadora do desenvolvimento pessoal dos estudantes, promovendo a integração e o ajustamento acadêmico, pessoal, social e afetivo do aluno, de modo que a formação médica possa propiciar espaços na grade curricular para a valorização dos sentimentos e experiências dos estudantes. A exemplo de outras escolas médicas, no Brasil e no exterior, a canadense McGill University dispõe de um serviço estruturado que oferece apoio psicológico aos estudantes, como também oficinas que ensinam técnicas de enfrentamento do estresse1515. Ricardo MPF, Marin MJS, Otani MAP, Marin MS. Estudante de medicina na estratégia saúde da família em séries iniciais: percepção dos egressos. Rev Esc Enferm USP 2014; 48(Esp2): 187-192.. No entanto, embora os estudantes de Medicina apresentem estresse, a procura por tais serviços é baixa – acredita-se que por falta de tempo desses estudantes, como também pelo não reconhecimento e valorização das próprias necessidades2727. MoreiraSNT, VasconcellosRLS, Heath N. Estresse na formação médica: como lidar com essa realidade? Rev bras educ med 2015; 39(4): 558-564..

CONCLUSÃO

Este estudo visou contribuir com o conhecimento acerca das condições emocionais do estudante de Medicina decorrentes do contato com os usuários e o sistema de saúde brasileiro, tema ainda pouco abordado em pesquisas na área de educação médica. Ao evidenciar predominância de sentimentos de natureza positiva em estudantes reconhecidamente estressados, espera-se que este estudo inspire outros estudos semelhantes e mais abrangentes, auxilie a organizar melhor a grade curricular e colabore com a intervenção psicológica do estudante, visando à melhoria do seu bem-estar e desempenho acadêmico e profissional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    5 Jul 2018
  • Aceito
    12 Ago 2018
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