Acessibilidade / Reportar erro

A Educação Baseada na Comunidade no Ensino Médico na Uniceplac (2016) e os Desafios para o Futuro

Community-Based Education in Medical Education at UNICEPLAC (2016) and Challenges for the Future

RESUMO

Introdução

A Educação Baseada na Comunidade (EBC) no contexto da formação de profissionais da saúde não é um conceito novo, pois sua origem data da década de 1970. Porém, ao longo dos anos, o modo como a EBC é aplicada na educação médica vem sofrendo transformações. No Brasil, desde 2001, a EBC foi incorporada às diretrizes curriculares dos cursos de graduação da área da saúde e, mais recentemente, em 2014, na publicação das novas diretrizes dos cursos de graduação em Medicina.

Objetivos

Os objetivos do estudo foram levantar os sentidos e significados que os professores atribuem à Educação Baseada em Comunidade nas matrizes curriculares em vigência no ensino médico da Uniceplac no ano de 2016 e identificar possibilidades de aprimoramento do ensino na instituição em consonância com as diretrizes nacionais em vigência.

Método

Estudo de caráter qualitativo, realizado no Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac). Os dados foram coletados por meio de entrevista reflexiva com 13 docentes que estão ou estiveram diretamente ligados à EBC nessa instituição no ano de 2016. O método de análise de dados foi a Análise de Conteúdo de Bardin, com a utilização do software Atlas-ti 7 para o suporte na análise.

Resultados

Os resultados demonstram que a maioria dos docentes afirma conhecer o conceito de EBC, mas sua compreensão diverge da literatura. Além disso, os docentes indicaram falhas na carga horária, nas relações dos professores entre si e com a coordenação, no planejamento e na conquista de cenários adequados das disciplinas ligadas à EBC, além de desafios macropolíticos de aplicabilidade da EBC nos cenários do Sistema Único de Saúde (SUS). Estes resultados estavam relacionados à burocratização das parcerias e a uma falta de corresponsabilidade entre professor, instituição de ensino e Estado.

Conclusão

Como a EBC vem sendo incorporada gradativamente à educação médica, as instituições também têm uma necessidade crescente de transformação e adequação às diretrizes curriculares vigentes. Sugere-se uma capacitação permanente do corpo docente sobre a compreensão e aplicação da EBC, bem como a criação de um órgão, setor ou funcionário destinado apenas à institucionalização, formalização e manutenção dos cenários, destacando-se cenários da atenção básica no SUS. É também essencial instruir os alunos sobre o tema, para que possam compreender a aplicabilidade da EBC, sua importância na formação médica e sua contribuição para a melhoria da qualidade de vida da população.

Medicina Comunitária; Educação de Graduação em Medicina; Docentes de Medicina; Educação Médica

ABSTRACT

Introduction

Community-Based Education (CBE) in the context of teaching health professionals is not a new concept, since its origin dates back to the 1970s, but over the years the way in which CBE is applied in medical education has undergone transformations. In Brazil, since 2001, CBE has been incorporated into the curricular guidelines of undergraduate courses in the health area, and more recently in 2014 in the publication of the new guidelines of undergraduate courses in medicine.

Objective

The purpose of the present research is to ascertain the senses and meanings that teachers attribute to Community-Based Education in the curricular matrices in force in the medical training offered at UNICEPLAC in 2016 and to identify rooms for improvement in the teaching at the institution in line with the national guidelines.

Method

A qualitative study conducted at the Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (UNICEPLAC). The data were collected through a reflective interview with 13 teachers who are or were directly connected to CBE promoted at this institution in the year 2016. The method of data analysis was the Bardin Content Analysis, using Atlas-ti 7 software for analysis support.

Results

The results show that most teachers state that they are familiar with the concept of CBE, but their understanding of the concept often diverges from the literature. They also indicated failures in the workload, teacher-teacher relationships and teachercoordination relationships, in planning and the provision of adequate scenarios for CBE-related subjects, as well as macro-political challenges concerning the applicability of CBE in practical settings of the Unified Health System (SUS). These results were related to the bureaucratization of partnerships and to a lack of accountability shared between teacher, educational institution and State.

Conclusion

As CBE has gradually been incorporated in medical education, institutions also have an increasing need to transform and adapt to current curricular guidelines. It is suggested that permanent faculty training on the understanding and application of the CBE be implemented, as well as the creation of a sector or appointment of a dedicated role for the institutionalization, formalization and maintenance of the scenarios, highlighting primary care scenarios in the SUS. It is also essential to instruct the students on the subject so they can understand the applicability of CBE, its importance in medical education and its contribution to improving the quality of life of the population.

Community Medicine; Undergraduate Medical Education; Medical Faculty; Medical Education

INTRODUÇÃO

As alterações nos currículos de Medicina se relacionam às possibilidades de realizar inovações e aproximações das ideologias sociais afirmadas pelos sujeitos que se encontram no âmbito escolar11. Souza PA, Zeferino AMB, Da Ros MA. Currículo integrado: entre o discurso e a prática. Rev. bras. educ. med. Marc 2011;35(1):20-5., sendo constantemente questionadas e avaliadas por esses sujeitos. Essas mudanças curriculares são a expressão de princípios, teorias e evidências científicas de determinado tempo histórico e, por isso, há um caráter transitório nos currículos22. Heinzle MRS, Bagnato MHS. Recontextualização do currículo integrado na formação médica. Pro-Posições. Dez 2015;26(3):225-238..

O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição de 1988, deu início a mudanças na lógica do cuidado em saúde, sendo esta, a partir desse período, considerada um direito de todos e dever do Estado33. Haddad AE. Educação Baseada na Comunidade e as Políticas Indutoras Junto aos Cursos de Graduação na Saúde. In: Bollela VR, et al. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p.9-36..

O SUS tem como parte de seus desafios: informar e capacitar as pessoas sobre as mudanças e processos dinâmicos nos sistemas de saúde, garantir a distribuição igualitária de recursos humanos, criar mecanismos que regulem a migração dos profissionais da saúde, fomentar a interação entre os setores de ensino e os setores da saúde, fazendo com que os profissionais em formação se adaptem e passem a seguir o modelo de atenção universal que se fundamenta na integralidade e equidade33. Haddad AE. Educação Baseada na Comunidade e as Políticas Indutoras Junto aos Cursos de Graduação na Saúde. In: Bollela VR, et al. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p.9-36..

Por mais que os debates sobre a regulação da formação dos profissionais de saúde estivessem presentes desde 1930, antes mesmo da nova Constituição, só a partir de 1990 tais debates ganharam força44. Moreira COF, Dias MAS. Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sci. 2015;40(3):300-5.. Para se adequar às propostas do SUS e lidar com seus desafios, via-se a necessidade de mudanças na formação superior na área da saúde, que ainda se encontrava vinculada ao modelo biomédico, antes vigente44. Moreira COF, Dias MAS. Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sci. 2015;40(3):300-5..

Em 1991, a Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem) avaliou que os profissionais médicos não estavam tendo uma formação adequada, gerando um longo processo de mudanças obrigatórias que culminaram em 2001 nas primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)11. Souza PA, Zeferino AMB, Da Ros MA. Currículo integrado: entre o discurso e a prática. Rev. bras. educ. med. Marc 2011;35(1):20-5.,55. Pereira IDF. A formação profissional em saúde no Brasil pós-1988: aspectos das Conferências Nacionais de Saúde e das Políticas Públicas [Dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2013.,66. Rezende M. A articulação educação-saúde (AES) no processo de formulação das políticas nacionais voltadas a formação de nível superior dos profissionais de saúde [Dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2013..

Percebe-se, então, que no campo da saúde a implantação do SUS foi um marco para novas políticas no campo educacional, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96) foi decisiva para a orientação das mudanças no sistema educacional brasileiro, sendo as DCN de 2001 baseadas em tal lei44. Moreira COF, Dias MAS. Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sci. 2015;40(3):300-5..

As diretrizes de 2001 objetivavam garantir a formação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades. Tinha-se como objetivo também, desde essa primeira diretriz, que os cursos utilizassem metodologias ativas e fomentassem a interdisciplinaridade, além de estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a prática77. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº3 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 37.,88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº4 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 38.. O ensino, desde então, deveria ser baseado na comunidade88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº4 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 38..

De 2011 a 2013, o Ministério da Saúde iniciou a implantação das Redes de Atenção à Saúde (RAS), focando em fortalecer a atenção básica e reorganizar o SUS, trazendo benefícios a seus profissionais e usuários, e tornando o princípio da integralidade mais factível. A portaria com as diretrizes das RAS – resultado da pactuação entre Ministério da Saúde, Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde) – foi publicada em 2010. As RAS objetivam a realização de cooperações horizontais entre os pontos de atenção, sendo a atenção básica a ordenadora das redes. Nesse momento já se buscavam e discutiam temas como atenção continuada e integral, cuidado multiprofissional e desfragmentação dos serviços. Tais temas e a importância da atenção básica foram também apontados e fortalecidos com as diretrizes de 201499. Ministério da Saúde. Implantação das Redes de Atenção à saúde e Outras Estratégias da SAS. Brasília: 2014. Disponível em: file: ///D:/DOCUMENTOS/Downloads/c%20implantacao_redes_atencao_saude_sas.pdf.

Em 2014, foram instituídas novas DCN, que estão em vigência na atualidade. Elas visam também formar médicos capazes de compreender os princípios, diretrizes e políticas do sistema de saúde e participar de ações de gerenciamento e administração para promover o bem-estar da comunidade1010. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3 de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de jun. de 2014. Seção 1, p.8-11., tendo uma educação também baseada em metodologias que coloquem o aluno como sujeito ativo, responsável por sua aprendizagem1010. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3 de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de jun. de 2014. Seção 1, p.8-11..

Entre as principais mudanças em relação às DCN de 2001, encontram-se o estágio obrigatório no Sistema Único de Saúde (SUS), na atenção básica e no serviço de urgência e emergência. Pela resolução, o internato deve ter a duração mínima de dois anos, com 30% da carga horária cumprida no SUS. Além disso, essas DCN propõem que o governo avalie os estudantes a cada dois anos1010. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3 de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de jun. de 2014. Seção 1, p.8-11..

Um dos principais pontos em comum das duas DCN é a Educação Baseada na Comunidade (EBC). Esta tinha como conceito inicial as atividades educacionais conhecidas como Integração Docente-Assistencial (IDA), que objetivavam ampliar as experiências de formação no curso médico, principalmente fora do ambiente hospitalar. No Brasil, as principais manifestações de IDA foram a instituição de centros de saúde-escola das faculdades de Medicina e a criação do estágio rural durante o internato médico. Esse modelo influenciou o currículo de diversas escolas médicas na metade do século XX. Essas atividades, que ocorriam apenas durante os anos clínicos, especialmente durante o internato, passaram a ocorrer ao longo dos cursos de Medicina, não ficando focadas apenas nos últimos anos1111. Bollela VR, Germani ACCG, Amaral E. Educação Baseada Na Comunidade Para As Profissões Da Saúde: A Experiência Brasileira. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 3-8.,1212. Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação baseada na comunidade para as profissões da saúde: aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014..

Nesse contexto, as estratégias de ensino-aprendizagem dialógicas conhecidas como Metodologias Ativas (MA), como a metodologia da problematização e a aprendizagem baseada em problemas, fortalecem a EBC ao inserirem o sujeito como o principal responsável por sua aprendizagem e ao estimularem a construção de conhecimentos a partir da vivência de experiências que propõem soluções para um problema1313. Cyrino EG, Toralles-pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde Pública. Jun 2004; 20(3): 780-8., o que permite uma articulação entre a universidade, o serviço e a comunidade1414. Ferreira RC, Silva RF, Aguera CB. Formação do profissional médico: a aprendizagem na atenção básica de saúde. Rev. bras. educ. med. Abr 2007; 31(1): 52-9..

A metodologia da problematização é representada por meio do Método do Arco, de Charles Maguerez1515. Savery JR. Overview of problem-based learning: Definitions and distinctions. Interdisciplinary Journal of Problem-Based Learning [online]. 2015. [Capturado 7 nov 2016];1(1):9-20. Disponível em: https://doi.org/10.7771/1541-5015.1002.
https://doi.org/10.7771/1541-5015.1002...
. Essa metodologia de ensino se baseia na autonomia do estudante como agente de transformação social, sendo que a realidade é problematizada e os resultados em geral ultrapassam os aspectos técnico-científicos1616. Berbel NAN. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos?. Interface (Botucatu). Fev 1998; 2(2): 139-154.,1717. Gomes R, Bagnariolli AMF, Tonhom SFR, Costa MCG, Hamamoto CG, Pinheiro OL, et al. A formação médica ancorada na aprendizagem baseada em problema: uma avaliação qualitativa. Rev Interface - Comunic., Saúde. Jan/marc 2009; 13(28): 71-83.. Em contraste, na aprendizagem baseada em problemas (ABP), os problemas e os resultados são preestabelecidos de forma a alcançar as habilidades técnicas e cognitivas, tendo em vista o cuidado com o paciente1818. Mitre SM, Batista RS, Mendonça JMG, Pinto NMM, Meirelles CAB, Porto CP, et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciênc saúde coletiva. 2008:13(2):2133-44..

Essas metodologias ativas, por conseguinte, preparam os estudantes com conhecimentos e habilidades necessários a uma melhor prática clínica1919. Bastos CC. Educação e Medicina [online]. Metodologias ativas. 2006. [Capturado 06 nov 2016]. Disponível em: http://educacaoemedicina.blogspot.com.br/2006/02/metodologias-ativas.html.
http://educacaoemedicina.blogspot.com.br...
e promovem a melhora do raciocínio clínico, já que os alunos são desafiados a buscar constantemente seus conhecimentos. Dessa forma, o indivíduo se torna capaz de analisar as situações com ênfase nas condições locais e apresentar soluções em consonância com o perfil socioeconômico e epidemiológico da comunidade em que está inserido2020. Hoffman K, Hosokawa M, Blake Jr. R, Headrick L, Johnson G. Problem-based learning outcomes: ten years of experience at the University of Missouri—Columbia School of Medicine. Academic Medicine. 2006;81(7):617-625.,2121. Tamblyn R, Abrahamowicz M, Dauphinee D, Girard N, Bartlett G, Grand’Maison P, et al. Effect of a community oriented problem based learning curriculum on quality of primary care delivered by graduates: historical cohort comparison study. Bmj. 2005; 331(7523):1002.,2222. Gomes R, Brino RF, Aquilante AG, Avó LRS. Aprendizagem Baseada em Problemas na formação médica e o currículo tradicional de Medicina: uma revisão bibliográfica. Rev. bras. educ. med. Set 2009; 33(3): 433-440.. Além disso, as MA valorizam a convivência multiprofissional, fazendo com que o aluno se relacione, desde o início do curso, com outros profissionais da saúde e entenda, na prática, a lógica do cuidado transdisciplinar. Tudo isso suscita acadêmicos mais críticos, ativos e reflexivos, o que impacta positivamente a EBC2323. Steinert Y, Mann K, Centeno A, Dolmans D, Spencer J, Gelula M, et al. A systematic review of faculty development initiatives designed to improve teaching effectiveness in medical education: BEME Guide No 8. MedTeach [online]. 2006 [capturado 7 nov 2016 ]; 28(6): Disponível em: https://doi.org/10.1080/01421590600902976.
https://doi.org/10.1080/0142159060090297...
.

O feedback constante e eficaz, que faz parte dos princípios das MA, é ferramenta fundamental para uma aprendizagem permanente, não limitada apenas à época da graduação2424. Holmboe ES, Sherbino J, Long DM, Swing SR, Frank JR. The role of assessment in competency-based medical education. MedTeach. 2010;32(8):676-82. PubMed PMID: 20662580 DOI: 10.3109/0142159X.2010.500704.. Essas novas metodologias unem a teoria à prática, o que facilita a realização desse feedback2424. Holmboe ES, Sherbino J, Long DM, Swing SR, Frank JR. The role of assessment in competency-based medical education. MedTeach. 2010;32(8):676-82. PubMed PMID: 20662580 DOI: 10.3109/0142159X.2010.500704.,2525. Moreira COF, Dias MAS. Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sci. 2015;40(3):300-5..

A inserção precoce do estudante de Medicina nos sistemas públicos de saúde por meio da EBC, utilizando-se metodologias ativas, é relevante para formar profissionais comprometidos com a demanda social da comunidade em que estão inseridos1414. Ferreira RC, Silva RF, Aguera CB. Formação do profissional médico: a aprendizagem na atenção básica de saúde. Rev. bras. educ. med. Abr 2007; 31(1): 52-9.. O contato do estudante com a comunidade o torna apto para a resolução de problemas, o desenvolvimento de autonomia e, principalmente, a empatia1717. Gomes R, Bagnariolli AMF, Tonhom SFR, Costa MCG, Hamamoto CG, Pinheiro OL, et al. A formação médica ancorada na aprendizagem baseada em problema: uma avaliação qualitativa. Rev Interface - Comunic., Saúde. Jan/marc 2009; 13(28): 71-83.,2626. Matos FV, Caldeira AP. Interação comunitária e planejamento participativo no ensino médico. Rev. bras. educ. med. Set 2013; 37(3):434-40.. A comunidade, por conseguinte, além de se beneficiar com atendimento clínico, é sensibilizada quanto a seus direitos sociais, especialmente quanto ao direito à saúde, tendo em vista atividades educativas de prevenção a doenças e agravos e promoção da saúde2727. Carneiro JA, Costa FM, Lima CC, Otaviano MR, Fróes GJ. Unimontes solidária: interação comunitária e prática médica com a extensão. Rev. bras. educ. med. Jun 2011; 35(2):283-288..

OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS

O presente estudo objetiva compreender, a partir da perspectiva docente, as estratégias de Educação Baseada na Comunidade (EBC), prevista nas matrizes curriculares vigentes, em uma faculdade de Medicina particular no ano de 2016 por meio do levantamento dos sentidos e significados que os professores atribuem à EBC e identificar possibilidades de aprimoramento do ensino na instituição em consonância com as diretrizes nacionais em vigência. Espera-se identificar os pontos positivos e os desafios da implementação da EBC no currículo e apontar as perspectivas de mudança e inovação que podem impactar a qualidade da educação médica dessa instituição e de outras que primam pela implementação das normativas vigentes, e ao mesmo tempo, convivem com os desafios da integração ensino-serviço no contexto das políticas públicas brasileiras.

POPULAÇÃO, AMOSTRA E COLETA DE DADOS

A pesquisa foi realizada no Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac), que se localiza no Distrito Federal, sob a orientação da professora e psicóloga doutora Raquel Turci Pedroso, desta mesma instituição de ensino, cujo Comitê de Ética em Pesquisa (147057/2007) é o responsável pelo acompanhamento deste estudo.

A Uniceplac foi fundada em 1987 com o curso de Odontologia, seguido pelo curso de Fisioterapia. No final da década de 1990, foram iniciados vários outros cursos, inclusive o de Medicina, autorizado pela Portaria nº 79, de 16/01/2002, publicada no DOU 18/01/2002. Atualmente, a organização curricular acompanha as tendências nacionais e internacionais no campo da educação em saúde e atende plenamente o Parecer CNE/CES nº 119/2014 e a Resolução CNE/CES nº 3/2014. O curso está estruturado com base em um currículo integrado, que utiliza metodologias ativas de ensino-aprendizagem: Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP ou PBL), Problematização, e Treinamento em Serviço.

O treinamento em serviço tem o Sistema Único de Saúde (SUS) como principal cenário de aprendizagem, nos mais distintos níveis e complexidades da atenção em saúde, bem como setores da comunidade que atuem diretamente com o objetivo de promoção e prevenção em saúde, incluindo creches, escolas, igrejas, agremiações, sindicatos, além de outros âmbitos onde seja possível alcançar o público-alvo.

Foram entrevistados 13 docentes das disciplinas de Pisco e IC da Uniceplac no ano de 2016. A participação no estudo não gerou ônus a nenhum dos entrevistados, nem resultou em qualquer vantagem financeira para os mesmos. Antes das entrevistas, cada entrevistado foi esclarecido sobre o estudo, e os pesquisadores sanaram todas as dúvidas. Os participantes estiveram livres para participar do estudo ou se recusar a fazê-lo e foram orientados sobre a liberdade de retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento. As participações foram voluntárias, e a recusa em participar não acarretou qualquer penalidade ou prejuízo. A identidade de cada entrevistado foi mantida em sigilo, e os resultados da pesquisa estão à disposição dos participantes.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa2828. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4º ed. São Paulo: Hucitec/Abrasco;1996., realizada no Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos, que aborda a Educação Baseada na Comunidade (EBC) no ensino médico em 2016 na Uniceplac e os desafios para o futuro. Os dados foram coletados por meio de entrevista reflexiva semiestruturada2929. Szymanski H. Entrevista Reflexiva: um olhar psicológico para a entrevista em pesquisa. Psicologia da Educação: Revista do Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia da Educação da PUC/SP. 2001;10(11):193-215. (Anexo 2), com docentes que estão ou estiveram diretamente ligados à EBC nessa instituição no ano de 2016. A entrevista foi interativa, estando em cena o entrevistado, o entrevistador e um observador.

A Educação Baseada na Comunidade no ensino médico da Uniceplac passou por uma ampla transformação em 2016. A disciplina de EBC da grade tradicional é denominada Interação Comunitária (IC) e tem como objetivo a inserção precoce dos estudantes na comunidade e na rede de serviços de saúde, enfatizando a atenção básica, a fim de possibilitar a percepção dos determinantes sociais do processo saúde-doença-cuidado. Essa disciplina, tradicionalmente, é ministrada por meio de aulas expositivas e atividades extraclasse, como intervenções em locais de atuação da vertente estudada no semestre.

Desde as diretrizes de 2014, têm sido implementadas metodologias ativas na realização da IC, como discussões em grupo sobre problemas vigentes na saúde da comunidade, a fim de estimular a produção do saber compartilhado entre alunos e professores, de modo que o estudante participe de forma ativa da construção do conhecimento com o apoio docente.

Concomitantemente a esse novo modelo de Interação Comunitária, no segundo semestre de 2016 a Uniceplac iniciou uma nova grade curricular, baseada na Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), na qual a disciplina de Interação Comunitária (IC) foi substituída pelo Programa de Integração Serviço Saúde Comunidade (Pissco) (Anexo 1). Esta, por intermédio de módulos, visa possibilitar que o estudante perceba os determinantes sociais do processo saúde-doença-cuidado, objetivando o desenvolvimento do raciocínio crítico, a centralização da produção de saberes seguindo a ordem inversa da sequência clássica teoria/prática, ou seja, ação-reflexão-ação (aprender fazendo), entendendo a prática como um eixo que estrutura a construção do conhecimento por meio da inserção precoce dos estudantes na comunidade e na rede de serviços de saúde, com ênfase na atenção básica. São realizados estudos de casos, aulas dialogadas e seminários, atividades práticas em cenários da rede do SUS e análise das situações identificadas. Os conteúdos são desenvolvidos por meio de debates, trabalho em grupo e leituras interdependentes. O método de análise de dados foi a Análise de Conteúdo de Bardin3030. Bardin L. Análise de conteúdo. 70º ed. Lisboa: 1995., com a utilização do software Atlas-ti 7 para o suporte na análise. Os passos de análise seguiram as atividades previstas nas fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (inferências e interpretação).

Participaram da pesquisa os professores que ministraram as disciplinas no ano de 2016 na Uniceplac que utilizam a metodologia da EBC: a Interação Comunitária (IC) e o Programa de Interação Saúde Comunidade (Pisco). Não fizeram parte da pesquisa os demais professores da instituição, aqueles que não aceitaram a participação na pesquisa e professores envolvidos diretamente com a coordenação da pesquisa.

Submetidos ao método de entrevista semiestruturada e orientados por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os participantes da pesquisa estiveram sujeitos a possíveis desconfortos, constrangimentos e pressões, bem como à coerção em relação a pensamentos e opiniões. A equipe trabalhou segundo um planejamento que inclui treinamento dos entrevistadores e observadores, a fim de minimizar os riscos previsíveis, considerando as dimensões física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual, conforme a Resolução CNS 510/2016. Como benefícios, o resultado da pesquisa abrirá horizontes para mudanças e melhorias na qualidade do ensino/aprendizado médico, impactando diretamente o trabalho que os entrevistados exercem, de forma que eles possam refletir sobre sua prática de ensino e, assim, contribuir com melhorias pedagógicas para si, para a instituição e para os estudantes.

Após estabelecidos os riscos e benefícios, os pesquisadores se comprometeram a verificar se os riscos estão numa proporção razoável em relação aos benefícios para os participantes envolvidos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O presente estudo constitui uma pesquisa qualitativa que busca entender os sentidos e significados do que é a Educação Baseada na Comunidade (EBC) para docentes da Uniceplac que têm ou tiveram ligação com a EBC no ano de 2016. O sentido é representado pelas interpretações subjetivas, feitas de acordo com a vivência de cada indivíduo; logo, é extremamente variável. Já o significado se baseia em conhecimentos objetivos, com fundamento teórico, prático, compartilhado por todos os que tiveram a oportunidade de conhecê-lo2828. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4º ed. São Paulo: Hucitec/Abrasco;1996.. Sentido e significado, na maioria das vezes, vêm juntos em um discurso, ora predominando um, ora predominando outro. Pode-se observar isso na divergência de opiniões acerca do termo EBC, quando foram utilizadas expressões como “prática”, “visita”, “feira de saúde”, “palestras”. Ou seja, cada professor definiu o termo de acordo com sua vivência, e a maioria desconhecia ou não priorizou seu real significado.

Os resultados da pesquisa foram validados em dois momentos, sendo o primeiro momento parte dos passos da metodologia da entrevista reflexiva2929. Szymanski H. Entrevista Reflexiva: um olhar psicológico para a entrevista em pesquisa. Psicologia da Educação: Revista do Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia da Educação da PUC/SP. 2001;10(11):193-215., que prevê a apresentação preliminar dos resultados aos participantes da pesquisa com o objetivo de aprimorar a análise. O segundo momento se deu após a conclusão da pesquisa e a redação do artigo científico de divulgação a ser analisado, antes da submissão, por participantes e representantes da instituição.

ENTENDIMENTO SOBRE EBC

Os resultados demonstram que há um consenso entre os entrevistados sobre o reconhecimento da importância de o discente aprender na comunidade para a sua formação acadêmica. Isto está de acordo com a literatura pesquisada, que apresenta essa recomendação tanto na diretriz de 2001 quanto na de 201477. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº3 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 37.,88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº4 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 38.,1010. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3 de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de jun. de 2014. Seção 1, p.8-11.. Sendo assim, 11 entre 12 dos docentes afirmam conhecer o conceito de Educação Baseada na Comunidade (EBC) e exercê-la na disciplina ministrada. No entanto, constatou-se que os conceitos apresentados divergem daqueles da literatura, sendo recorrente o uso das expressões “prática”, “visita”, “feira de saúde”, “palestras” como forma de se referirem à EBC, seja em sua integralidade ou de modo complementar ao conteúdo ministrado previamente em aula. Observa-se aqui a apresentação de diferentes sentidos, que variaram de acordo com as experiências vividas por cada profissional, na tentativa de definir um significado prático para o termo EBC. Tais sentidos apresentados contrastam com as bibliografias usadas, que colocam a Educação Baseada na Comunidade como um ensino longitudinal, em que o discente é sujeito ativo do seu aprendizado e não apenas mero observador1212. Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação baseada na comunidade para as profissões da saúde: aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014.,1919. Bastos CC. Educação e Medicina [online]. Metodologias ativas. 2006. [Capturado 06 nov 2016]. Disponível em: http://educacaoemedicina.blogspot.com.br/2006/02/metodologias-ativas.html.
http://educacaoemedicina.blogspot.com.br...
. Compreende-se então que, embora os professores entendam a importância da EBC, há uma lacuna conceitual sobre o que de fato ela é, sobre seu real significado. Isto sugere a necessidade de maior conhecimento teórico-prático sobre o tema, para evitar equívocos, como da estratégia ‘‘visita’’ como sinônimo de EBC, a fim de otimizar a formação acadêmica.

Os docentes entrevistados, em sua maioria, entendem o conceito de intervenção como atuar com foco clínico e, assim, justificam sua ausência devido à imaturidade acadêmica dos alunos, principalmente nos períodos iniciais do curso:

Eu acho muito precoce intervenção nessa altura, porque pode ter muitas falhas, ele tem que fazer uma observação, verificar, principalmente no início do semestre, acho que do meio pro fim as visitas já podem ser mais participativas...

No entanto, inserir precocemente o estudante de Medicina nos sistemas públicos de saúde por meio da EBC, utilizando-se metodologias ativas, é de extrema importância para a formação de profissionais comprometidos e conscientes sobre a demanda social da comunidade em que estão inseridos1414. Ferreira RC, Silva RF, Aguera CB. Formação do profissional médico: a aprendizagem na atenção básica de saúde. Rev. bras. educ. med. Abr 2007; 31(1): 52-9.. O discente na comunidade começa a construir seu conhecimento não apenas na esfera clínica, mas também na esfera psicossocial, com base nas experiências vividas ali, além de poder colaborar com a população por meio da realização de atividades educativas de prevenção de doenças e promoção de saúde1313. Cyrino EG, Toralles-pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde Pública. Jun 2004; 20(3): 780-8.,2727. Carneiro JA, Costa FM, Lima CC, Otaviano MR, Fróes GJ. Unimontes solidária: interação comunitária e prática médica com a extensão. Rev. bras. educ. med. Jun 2011; 35(2):283-288.. Essa inserção precoce na comunidade faz com que o discente entenda cada vez mais esse meio, suas dificuldades e limitações. E, quanto mais ocorrer esse entendimento, mais bem preparado o estudante estará para promover intervenções nesse cenário2020. Hoffman K, Hosokawa M, Blake Jr. R, Headrick L, Johnson G. Problem-based learning outcomes: ten years of experience at the University of Missouri—Columbia School of Medicine. Academic Medicine. 2006;81(7):617-625.2121. Tamblyn R, Abrahamowicz M, Dauphinee D, Girard N, Bartlett G, Grand’Maison P, et al. Effect of a community oriented problem based learning curriculum on quality of primary care delivered by graduates: historical cohort comparison study. Bmj. 2005; 331(7523):1002..

Três entrevistados reconhecem que o processo de intervenção é facilitado quando o aluno entende as demandas sociais. Conhecer e reconhecer o contexto social de uma comunidade ou grupo de pessoas proporciona ao aluno a fixação de cenários de aprendizagem e uma visão biopsicossocial do paciente. Em contraponto, quatro docentes acreditam que os alunos possuem uma visão biologicista ao priorizarem as disciplinas com focos estritamente clínicos e desvalorizarem a disciplina de EBC:

[...] porque a medicina é um curso muito fechado e ele é muito biologicista, assim no sentido de que ele é... [...] as aulas a que geralmente os alunos são mais atentos geralmente são as de fisiologia, de anatomia, da parte física do corpo de fato.

Um estudo publicado no Brasil em 2014 descreveu e avaliou 17 instituições de ensino, de dez estados, que relataram suas experiências com a EBC e elucidou as conquistas e os desafios da efetivação da Educação Baseada na Comunidade1212. Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação baseada na comunidade para as profissões da saúde: aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014.. Os principais desafios também se referiam à pouca valorização das atividades de ensino realizadas fora das universidades e um modo de ver ainda preconceituoso de alguns alunos sobre a atenção primária em saúde3131. Romanholi RMZ, Cyrino AP, Manoel CM, Prearo AY, Simonetti JP, Popim RC, et al. O Ensino De Graduação De Medicina E Enfermagem Na Atenção Primária À Saúde: 45 Anos De Experiência Da Faculdade De Medicina De Botucatu – Universidade Estadual Paulista (FMB/UNESP). In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 71-86.

32. Naghettini AV, Pereira ERS, Moraes VA. Educação Baseada Em Comunidade: A Experiência Da Universidade Federal De Goiás. In: Bollela VR. et al. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 125-36.

33. Araújo MNT, Pinheiro VGF, Ribeiro MGF, Almeida YM, Ramos NA, Mota MV, et al. Educação Baseada Na Comunidade: a experiência do curso de medicina da Universidade Federal Do Ceará. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: Funpec; 2014. p. 103-114.

34. Bicudo AM, Antonio MARGM, Passeri SMRR, Brenelli SL, Amaral E. Integração ensino-Serviço-eixo Integrador da atenção básica à saúde no currículo da FCM-UNICAMP. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 57-70.
-3535. Gomes MK, Teixeira C, Giongo M, Halfoun V. Educação Baseada Na Comunidade (EBC): A Experiência Da Faculdade De Medicina Da UFRJ. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 87-102..

Observa-se, então, a necessidade de que os docentes entendam as diferenças entre as atividades intraclasse e as atividades na comunidade e promovam ações de valorização da disciplina3131. Romanholi RMZ, Cyrino AP, Manoel CM, Prearo AY, Simonetti JP, Popim RC, et al. O Ensino De Graduação De Medicina E Enfermagem Na Atenção Primária À Saúde: 45 Anos De Experiência Da Faculdade De Medicina De Botucatu – Universidade Estadual Paulista (FMB/UNESP). In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 71-86.,3232. Naghettini AV, Pereira ERS, Moraes VA. Educação Baseada Em Comunidade: A Experiência Da Universidade Federal De Goiás. In: Bollela VR. et al. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 125-36.,3535. Gomes MK, Teixeira C, Giongo M, Halfoun V. Educação Baseada Na Comunidade (EBC): A Experiência Da Faculdade De Medicina Da UFRJ. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 87-102.. As mudanças curriculares ocorridas na Uniceplac em 2016, de acordo com os professores, proporcionaram um aumento na valorização dessas disciplinas por parte dos discentes.

A interdisciplinaridade no contexto da formação acadêmica, citada dez vezes por seis entrevistados, foi indicada como facilitadora do processo de aprendizagem pelos alunos. Isto porque a integração entre diferentes disciplinas, do ponto de vista de conteúdo e organização de atividades, promove a diversificação dos cenários de ensino e a formação de profissionais generalistas: “uma mesma realidade pode ser discutida por diferentes vertentes, diferentes disciplinas”. Nota-se aqui que, por mais que cada um atribua seu próprio sentido, sua própria razão sobre a importância da interdisciplinaridade, os professores compartilham entre si o seu significado, partilham de bases teóricas e práticas que corroboram a relevância da interdisciplinaridade. Não obstante, esses entrevistados reconhecem que há uma falha de comunicação entre as disciplinas, principalmente quanto à conquista de cenários.

Na literatura, as metodologias ativas (MA) são apresentadas como grandes fomentadoras dessa interdisciplinaridade. Isto se justifica porque, por meio delas, os discentes são desafiados a buscar constantemente seus conhecimentos, articulando-os a conhecimentos prévios para a resolução dos problemas que lhes são apresentados2222. Gomes R, Brino RF, Aquilante AG, Avó LRS. Aprendizagem Baseada em Problemas na formação médica e o currículo tradicional de Medicina: uma revisão bibliográfica. Rev. bras. educ. med. Set 2009; 33(3): 433-440., ou seja, o estudante deve estar sempre unindo os conhecimentos aprendidos anteriormente com os atuais, não podendo estar focado em um único assunto, em uma única disciplina. Ademais, as MA e a EBC fomentam a valorização da convivência multiprofissional, o que faz com que seja entendida, na prática, a lógica do cuidado transdisciplinar, contribuindo para a formação de profissionais mais preparados.

EIXO CURRICULAR DA DISCIPLINA

Os docentes indicam como principais desafios da estruturação da disciplina de EBC a carga horária, as relações entre professor-professor e professor-coordenador, a falta de planejamento e a conquista de cenários.

A carga horária da disciplina de EBC é vista como um desafio por três professores, e indiretamente também foi considerada um obstáculo pelos demais entrevistados. A distância entre os cenários e a faculdade, muitas vezes, torna inviável a realização de intervenções, e em alguns momentos chega a impedir que uma atividade seja realizada. Isto prejudica a contrapartida que deveria ser dada à população envolvida nesse contexto, deixando de proporcionar um real benefício tanto à comunidade quanto aos discentes.

A qualidade do ensino tem relação direta com a qualidade da assistência à saúde dada à comunidade3636. Bollela VR, Germani ACCG, Amaral E. Síntese Final E As Perspectivas Para O Futuro Da Educação Baseada Na Comunidade No Contexto Brasileiro. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2014. p. 293-297.. Nesse sentido, investir em melhorias no ensino, como capacitação dos coordenadores e professores, e gerir melhor o tempo disponibilizado para as atividades de EBC poderiam resultar não só em melhor formação dos discentes, mas também em melhor retorno à comunidade, que seria assistida de forma mais condizente. A relação entre os professores e o professor-coordenador é considerada ponto crucial por diferentes entrevistados para a organização e o seguimento da disciplina. Nota-se a necessidade de melhor comunicação entre os professores, tendo em vista os benefícios de articular os interesses, facilidades e competências de cada docente na divisão da disciplina. O coordenador tem o papel de mediar os relacionamentos entre os professores, além de fazer uma gestão compartilhada na tomada de decisões. Sendo assim, ele deve ser imparcial, acessível e comprometido para que, segundo os entrevistados, não ocorra uma fragmentação da disciplina. Além disso, deve permitir que os docentes tenham mais autonomia, capacidade de flexibilização e improvisação, já que irão trabalhar em um meio real, em constante mudança.

Quanto ao planejamento da disciplina, a maioria dos entrevistados relata que a disciplina como um todo era composta de “atividades práticas” e aulas teóricas expositivas. Entre essas “atividades práticas”, consideradas pelos professores como EBC, estão: visitas técnicas, discussões em sala de aula, práticas, feiras de saúde, análise e discussão de textos, passeios, observação do funcionamento de serviços, dinâmicas, roda de discussão, seminários e palestras.

A palavra “palestra” foi relatada seis vezes entre cinco docentes, sendo que um professor se referiu a alunos realizando palestras, e os outros a alunos assistindo a palestras, e um professor relacionou a execução de palestras pelos alunos como contato com a comunidade. Atividades em sala de aula foram citadas 17 vezes entre seis professores, compondo boa parte do plano de ensino da disciplina:

Fora da faculdade não, a gente fez... eu fiz uma prática, mas dentro de sala de aula mesmo... dividia a turma em grupos e eles trabalharam dentro do próprio grupo e depois, intergrupos.

Essas “atividades práticas”, quando realizadas fora do contexto da faculdade, tendem a ocorrer de duas a três vezes por semestre, em média, e a turma é dividida em dois a quatro grupos para se adequar à limitação estrutural do cenário de prática. O número de alunos e a capacidade do local para receber os discentes foram indicados como fatores limitantes para a realização dessas atividades. Quando todos os alunos da turma estão presentes em uma única visita, o modelo de prática costuma ser em palestras sobre como ocorre o funcionamento do serviço visitado.

Como complementação das “atividades práticas” e da avaliação dos discentes, os entrevistados descreveram a utilização de frequência, relatórios, portfólios e seminários, sendo que o mais utilizado por eles foi o relatório.

CENÁRIOS DE EBC NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE SAÚDE

O SUS é considerado a política prioritária, e garantida por lei, para o exercício da Educação Baseada na Comunidade (EBC). As diretrizes de 2001 e de 201477. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº3 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 37.,88. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº4 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 38.,1010. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3 de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de jun. de 2014. Seção 1, p.8-11. já recomendavam fortemente a ampliação, a diversificação dos campos de ensino e maior interação com a comunidade1212. Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação baseada na comunidade para as profissões da saúde: aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014..

Os seguintes aspectos foram destacados como relevantes na configuração dos cenários de prática da EBC no contexto da política de saúde: ampliação de possibilidades de prática; diversificação dos contextos, habilidades e níveis de cuidado, com a ampliação para redes intersetoriais, incluindo creches, orfanatos e presídios, entre outros; e a fixação de cenários que garantem continuidade com sustentabilidade:

Os desafios que a gente enfrenta mais são os cenários, o campo de trabalho tem que ser ampliado, tem que ser mais diversificado... que haja fixação em alguns campos onde o trabalho seja contínuo, esse é o desafio.

Tudo isso está de acordo com os princípios do SUS e da EBC.

As limitações em relação ao encontro desses cenários foram levantadas durante as entrevistas, e o ponto “falta de estrutura física” dos possíveis locais foi dez vezes citado por três entrevistados. Outros estudos que também analisaram a implantação da EBC em suas faculdades também viram como ponto limitante a falta de infraestrutura de algumas unidades, que muitas vezes não tinham espaço para acomodar todos os discentes. Além disso, a alta rotatividade de preceptores das Unidades Básicas de Saúde foi vista como ponto limitante pelo presente estudo e por outros analisados.

Diante desses aspectos, parte dos facilitadores dos cenários de prática se dá quando o professor, vinculado também a algum serviço de saúde, faz desse espaço o contexto de ensino. Há dificuldade de achar campos quando o professor não está vinculado àquela instituição. Como adequar a carga horária dos profissionais para que possam trocar experiências com os discentes-alunos e a inclusão das atividades nas rotinas dos serviços também foram abordados nas entrevistas. Cabe ressaltar que muitos cenários não dispõem de estrutura física adequada para receber os alunos, ponto citado dez vezes por três dos entrevistados.

As experiências com EBC bem-sucedidas realizaram uma institucionalização da proposta3131. Romanholi RMZ, Cyrino AP, Manoel CM, Prearo AY, Simonetti JP, Popim RC, et al. O Ensino De Graduação De Medicina E Enfermagem Na Atenção Primária À Saúde: 45 Anos De Experiência Da Faculdade De Medicina De Botucatu – Universidade Estadual Paulista (FMB/UNESP). In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 71-86.,3333. Araújo MNT, Pinheiro VGF, Ribeiro MGF, Almeida YM, Ramos NA, Mota MV, et al. Educação Baseada Na Comunidade: a experiência do curso de medicina da Universidade Federal Do Ceará. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: Funpec; 2014. p. 103-114.,3434. Bicudo AM, Antonio MARGM, Passeri SMRR, Brenelli SL, Amaral E. Integração ensino-Serviço-eixo Integrador da atenção básica à saúde no currículo da FCM-UNICAMP. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 57-70.,3535. Gomes MK, Teixeira C, Giongo M, Halfoun V. Educação Baseada Na Comunidade (EBC): A Experiência Da Faculdade De Medicina Da UFRJ. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 87-102., ou seja, uniram a gestão acadêmica com a gestão do serviço de saúde. Nessa lógica, pode-se perceber a necessidade dessa formalização dos campos. É imprescindível tornar essa escolha algo formal e de responsabilidade da instituição e não mais dependente da influência dos docentes, que acabam sendo sobrecarregados.

Ainda que a disponibilização de servidores nos serviços para receber o acadêmico esteja prevista em lei, os entrevistados entendem que esse profissional precisa ser mais bem preparado para essa tarefa. Sugere-se treinamento e educação continuada como estratégias que venham aprofundar e ampliar o conceito de parceria entre ensino e serviço. Sobre o perfil, destacou-se também que os profissionais generalistas tendem a qualificar a interação.

Nesse sentido, por meio da análise dessas experiências com a EBC, infere-se que a qualidade do ensino tem relação com a qualidade da assistência à saúde que é dada à comunidade3636. Bollela VR, Germani ACCG, Amaral E. Síntese Final E As Perspectivas Para O Futuro Da Educação Baseada Na Comunidade No Contexto Brasileiro. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2014. p. 293-297.. Isto nos permite compreender a importância de as escolas investirem na formação de seus docentes, já que, além de um ensino de qualidade, haverá um cuidado em saúde de excelência.

Entre os desafios nos cenários, o impacto nos serviços e na comunidade revela-se como um aspecto que pode fortalecer a parceria, indicando que a maioria das intervenções gera mais benefícios ao acadêmico e necessita ser aprimorada em relação à contrapartida.

Há diferentes papéis que cabem aos diferentes atores, e os entrevistados descrevem que a formalização de planos, o monitoramento e os resultados das atividades no campo podem favorecer a sistematização das contrapartidas e elevar o patamar acadêmico da EBC, elucidando evidências no campo que venham a impactar indicadores de saúde e de ensino, numa afirmação da corresponsabilidade entre professor, instituição de ensino e Estado.

Assim, os entrevistados indicam que as facilidades do Estado na consolidação da EBC devem caminhar para a percepção da instituição de ensino da saúde (IES) como um ponto da Rede de Atenção à Saúde (RAS). A contrapartida de recursos financeiros advindos da IES para o serviço–cenário é percebida como um benefício favorável à diminuição das resistências locais.

A burocratização para institucionalizar as parcerias entre IES e Serviços de Saúde é descrita como um dificultador por nove dos 12 entrevistados. Os docentes relatam que, em muitas situações, os acordos entre gestores, trabalhadores e professores são feitos, mas há entraves na formalização junto à Secretaria de Saúde, ficando o professor limitado quanto à autonomia de agilizar o processo para que haja tempo hábil previsto nos planos de ensino.

A formalização de parcerias necessita ser menos burocrática, ponto levantado como negativo no estudo, que identificou que parcerias entre a faculdade e os Serviços de Saúde para viabilizarem o cenário são repletas de entraves, o que prejudica a criação desse vínculo formal e estimula a criação de vínculos informais, baseados na influência dos professores no serviço e sem grande estabilidade, o que está em desacordo com os princípios da EBC. Como solução, os entrevistados sugeriram criar um setor específico na instituição de ensino ou delegar um funcionário para essa específica função de gerir os cenários de prática. Isso é importante, uma vez que os entrevistados entendem que a formalidade traz estabilidade ao plano de ensino. A formalização do campo de práticas facilita a pactuação e execução das ações previstas, mas não resolve outro desafio destacado pelos entrevistados: a receptividade e o preparo dos serviços para receber os alunos.

A burocratização, que entra em dissonância com os cronogramas de aula, impacta negativamente o ensino e a relação professor-aluno, uma vez que gera cancelamentos repentinos de parcerias, levando a alterações bruscas e não planejadas no cronograma. Isso faz transparecer uma desorganização da disciplina que está aquém da capacidade de gerência dos professores. Em alguns casos, o professor é visto como descomprometido pelo aluno, que está alheio aos empecilhos do sistema.

Professores percebem que os profissionais das instituições receptoras nem sempre se sentem confortáveis, uma vez que isso altera a rotina deles, influi diretamente na privacidade e muda a fluidez do serviço:

No caso das instituições públicas, essa é uma falha muito grande, porque já existe uma sobrecarga desse profissional, no caso são servidores do SUS, e eles veem como mais uma situação em que vai haver demanda aumentada de trabalho. Então, é necessário que ocorra um incentivo, tanto no sentido de disponibilizar determinadas jornadas de trabalho do servidor, disponibilizar uma pequena jornada semanal para que ele dê essa pequena atenção, ao acadêmico, em todas as esferas, desde o técnico de enfermagem até o próprio médico preceptor, e também tem que haver uma conscientização, e também tem que haver preparo, treinamento [...].

Assim como há sobrecarga no serviço, os entrevistados descrevem sobrecarga do professor, visto que na instituição é ele quem se encarrega da negociação e planejamento do campo de aprendizado, não havendo carga horária extraclasse remunerada e dedicada a essa negociação. Há, porém, uma afirmação de desempenho e compromisso institucional quando o professor se propõe a realizar essas atividades extraclasse:

Saí da minha zona de conforto total, fora do meu horário de trabalho total, fiz mais do que poderia fazer e faço por amor, faço porque eu gosto e acho que é importante. Entendeu?

Deve-se buscar um equilíbrio dessa relação, que precisa ser harmoniosa para as esferas (aluno, servidor e usuários do serviço). Por meio dos relatos é possível constatar que há maior facilidade em receber os alunos quando esse esforço gera contrapartidas, como benefícios físicos ou assistenciais para o cenário (exemplo: auxilio na aquisição de recursos).

A contrapartida foi descrita pelos entrevistados como algo que pode ser usado para compensar, algo que se oferece em troca. Há um consenso entre os entrevistados sobre o fato de que é o próprio professor quem sai em busca de cenários; isto foi informado por 11 dos 12 entrevistados. Entretanto, paradoxalmente, também é sabido que, embora o professor entenda a necessidade de uma contrapartida quanto a recursos materiais, não é ele quem detém o poder de oferecer ou não algo em nome da instituição de ensino.

Os entrevistados indicam que os benefícios assistenciais também precisam se adequar, já que há ainda uma visão hospitalocêntrica, que não se adapta à prática na atenção primária. Entre os benefícios, foi sugerido retorno material para a instituição, bonificação de carga horária ou folgas ao servidor-preceptor e vantagem para o paciente e comunidade atendida na perspectiva da ampliação do cuidado e afirmação dos princípios do SUS.

A EBC, quando tratada como visita técnica, não traz retorno e onera as partes envolvidas em termos de tempo e resolutividade.

Considerando que a EBC, para ser uma intervenção efetiva, precisa das formalizações institucionais, que envolvem acordos políticos e burocráticos, os entrevistados relatam a instabilidade dos cenários associada às mudanças políticas de governo. A instabilidade das equipes de gestão dos serviços também é descrita como fator de vulnerabilidade, considerando que em mudanças do quadro são desfeitos acordos e convênios da gestão anterior – o que pode ocorrer no meio de um semestre letivo com plano de ensino organizado.

O papel e a influência do Estado, bem como mudanças administrativas e de gestores, greves, crises políticas, mudança de cenários, omissão do Estado e instabilidade foram aspectos citados 13 vezes e estão presentes indiretamente em todas as entrevistas, apresentando-se de forma mais incisiva em sete delas.

Muitas vezes, a falta de cenários e a pressão para que ocorra algum tipo de interação com a comunidade fazem com que sejam estabelecidas parcerias aleatórias que não condizem com o conteúdo da disciplina naquele momento.

Assim, mesmo com um grande esforço que leve à superação da burocracia e estabeleça parceria formal, as atividades ainda estão sujeitas a fatores externos, como greves, cancelamentos repentinos sem tempo hábil para reorganização e falta de alternativas para lidar com imprevistos. Em um estudo realizado em 2011 na Universidade Federal de Minas Gerais, os autores referem que a experiência de inserção na atenção primária de saúde foi considerada válida e importante para a formação médica, contribuindo para construir uma nova visão do processo saúde-doença e da organização do SUS, visão esta que a Uniceplac compartilha3737. Massote AW, Belisário SA, Gontijo ED. Atenção primária como cenário de prática na percepção de estudantes de medicina. Revista brasileira de educação médica 35 (4): 445-453; 2011.

Assim, cabe um esforço e dedicação maior para a superação de todos os obstáculos e dificuldades citados, a fim de se estabelecer uma EBC eficaz, com uma relação em que prevaleça um mutualismo, com todos os envolvidos beneficiados.

CONCLUSÃO

A EBC vem sendo incorporada à educação médica gradativamente, o que corrobora a crescente necessidade de adequação das instituições às diretrizes curriculares vigentes. A IES onde se realizou esta pesquisa também se encontra nesse processo de transformação.

Sugere-se uma educação permanente do corpo docente sobre a compreensão e aplicação da EBC no ensino médico a fim de possibilitar a excelência das atividades e do conhecimento adquirido pelos alunos. Sugere-se também a criação de um órgão, setor ou funcionário destinado apenas à institucionalização, formalização e manutenção dos cenários, visando a maior estabilidade e consolidação das atividades realizadas. Destacam-se nesse contexto cenários prioritariamente no âmbito da atenção primária em saúde, abrangendo a prevenção de doenças e agravos, a promoção de saúde, o tratamento e a reabilitação.

De forma semelhante, é essencial instruir os alunos sobre o tema, para que possam compreender a aplicabilidade da EBC e sua importância na formação médica, o que fortalece a parceria ensino-serviço-comunidade, resultando em grandes impactos nas condições de aprendizagem e na saúde da população.

A pesquisa teve como limitações a ausência de entrevista de docentes que participaram das disciplinas, porém não mais trabalhavam na instituição, e a vigência de uma grade curricular em transição.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Souza PA, Zeferino AMB, Da Ros MA. Currículo integrado: entre o discurso e a prática. Rev. bras. educ. med. Marc 2011;35(1):20-5.
  • 2
    Heinzle MRS, Bagnato MHS. Recontextualização do currículo integrado na formação médica. Pro-Posições. Dez 2015;26(3):225-238.
  • 3
    Haddad AE. Educação Baseada na Comunidade e as Políticas Indutoras Junto aos Cursos de Graduação na Saúde. In: Bollela VR, et al. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p.9-36.
  • 4
    Moreira COF, Dias MAS. Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sci 2015;40(3):300-5.
  • 5
    Pereira IDF. A formação profissional em saúde no Brasil pós-1988: aspectos das Conferências Nacionais de Saúde e das Políticas Públicas [Dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2013.
  • 6
    Rezende M. A articulação educação-saúde (AES) no processo de formulação das políticas nacionais voltadas a formação de nível superior dos profissionais de saúde [Dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2013.
  • 7
    Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº3 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 37.
  • 8
    Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº4 de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de nov. de 2001. Seção 1, p. 38.
  • 9
    Ministério da Saúde. Implantação das Redes de Atenção à saúde e Outras Estratégias da SAS. Brasília: 2014. Disponível em: file: ///D:/DOCUMENTOS/Downloads/c%20implantacao_redes_atencao_saude_sas.pdf
  • 10
    Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3 de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 23 de jun. de 2014. Seção 1, p.8-11.
  • 11
    Bollela VR, Germani ACCG, Amaral E. Educação Baseada Na Comunidade Para As Profissões Da Saúde: A Experiência Brasileira. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 3-8.
  • 12
    Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação baseada na comunidade para as profissões da saúde: aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014.
  • 13
    Cyrino EG, Toralles-pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde Pública Jun 2004; 20(3): 780-8.
  • 14
    Ferreira RC, Silva RF, Aguera CB. Formação do profissional médico: a aprendizagem na atenção básica de saúde. Rev. bras. educ. med. Abr 2007; 31(1): 52-9.
  • 15
    Savery JR. Overview of problem-based learning: Definitions and distinctions. Interdisciplinary Journal of Problem-Based Learning [online]. 2015. [Capturado 7 nov 2016];1(1):9-20. Disponível em: https://doi.org/10.7771/1541-5015.1002
    » https://doi.org/10.7771/1541-5015.1002
  • 16
    Berbel NAN. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos?. Interface (Botucatu) Fev 1998; 2(2): 139-154.
  • 17
    Gomes R, Bagnariolli AMF, Tonhom SFR, Costa MCG, Hamamoto CG, Pinheiro OL, et al. A formação médica ancorada na aprendizagem baseada em problema: uma avaliação qualitativa. Rev Interface - Comunic., Saúde. Jan/marc 2009; 13(28): 71-83.
  • 18
    Mitre SM, Batista RS, Mendonça JMG, Pinto NMM, Meirelles CAB, Porto CP, et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciênc saúde coletiva 2008:13(2):2133-44.
  • 19
    Bastos CC. Educação e Medicina [online]. Metodologias ativas. 2006. [Capturado 06 nov 2016]. Disponível em: http://educacaoemedicina.blogspot.com.br/2006/02/metodologias-ativas.html
    » http://educacaoemedicina.blogspot.com.br/2006/02/metodologias-ativas.html
  • 20
    Hoffman K, Hosokawa M, Blake Jr. R, Headrick L, Johnson G. Problem-based learning outcomes: ten years of experience at the University of Missouri—Columbia School of Medicine. Academic Medicine. 2006;81(7):617-625.
  • 21
    Tamblyn R, Abrahamowicz M, Dauphinee D, Girard N, Bartlett G, Grand’Maison P, et al. Effect of a community oriented problem based learning curriculum on quality of primary care delivered by graduates: historical cohort comparison study. Bmj 2005; 331(7523):1002.
  • 22
    Gomes R, Brino RF, Aquilante AG, Avó LRS. Aprendizagem Baseada em Problemas na formação médica e o currículo tradicional de Medicina: uma revisão bibliográfica. Rev. bras. educ. med. Set 2009; 33(3): 433-440.
  • 23
    Steinert Y, Mann K, Centeno A, Dolmans D, Spencer J, Gelula M, et al. A systematic review of faculty development initiatives designed to improve teaching effectiveness in medical education: BEME Guide No 8. MedTeach [online]. 2006 [capturado 7 nov 2016 ]; 28(6): Disponível em: https://doi.org/10.1080/01421590600902976
    » https://doi.org/10.1080/01421590600902976
  • 24
    Holmboe ES, Sherbino J, Long DM, Swing SR, Frank JR. The role of assessment in competency-based medical education. MedTeach. 2010;32(8):676-82. PubMed PMID: 20662580 DOI: 10.3109/0142159X.2010.500704.
  • 25
    Moreira COF, Dias MAS. Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sci 2015;40(3):300-5.
  • 26
    Matos FV, Caldeira AP. Interação comunitária e planejamento participativo no ensino médico. Rev. bras. educ. med. Set 2013; 37(3):434-40.
  • 27
    Carneiro JA, Costa FM, Lima CC, Otaviano MR, Fróes GJ. Unimontes solidária: interação comunitária e prática médica com a extensão. Rev. bras. educ. med. Jun 2011; 35(2):283-288.
  • 28
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4º ed. São Paulo: Hucitec/Abrasco;1996.
  • 29
    Szymanski H. Entrevista Reflexiva: um olhar psicológico para a entrevista em pesquisa. Psicologia da Educação: Revista do Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia da Educação da PUC/SP. 2001;10(11):193-215.
  • 30
    Bardin L. Análise de conteúdo. 70º ed. Lisboa: 1995.
  • 31
    Romanholi RMZ, Cyrino AP, Manoel CM, Prearo AY, Simonetti JP, Popim RC, et al. O Ensino De Graduação De Medicina E Enfermagem Na Atenção Primária À Saúde: 45 Anos De Experiência Da Faculdade De Medicina De Botucatu – Universidade Estadual Paulista (FMB/UNESP). In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 71-86.
  • 32
    Naghettini AV, Pereira ERS, Moraes VA. Educação Baseada Em Comunidade: A Experiência Da Universidade Federal De Goiás. In: Bollela VR. et al. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 125-36.
  • 33
    Araújo MNT, Pinheiro VGF, Ribeiro MGF, Almeida YM, Ramos NA, Mota MV, et al. Educação Baseada Na Comunidade: a experiência do curso de medicina da Universidade Federal Do Ceará. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: Funpec; 2014. p. 103-114.
  • 34
    Bicudo AM, Antonio MARGM, Passeri SMRR, Brenelli SL, Amaral E. Integração ensino-Serviço-eixo Integrador da atenção básica à saúde no currículo da FCM-UNICAMP. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 57-70.
  • 35
    Gomes MK, Teixeira C, Giongo M, Halfoun V. Educação Baseada Na Comunidade (EBC): A Experiência Da Faculdade De Medicina Da UFRJ. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2014. p. 87-102.
  • 36
    Bollela VR, Germani ACCG, Amaral E. Síntese Final E As Perspectivas Para O Futuro Da Educação Baseada Na Comunidade No Contexto Brasileiro. In: Bollela VR, Germani ACCG, Campos HH, Amaral E. Educação Baseada na Comunidade para as profissões da saúde: Aprendendo com a experiência brasileira. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2014. p. 293-297.
  • 37
    Massote AW, Belisário SA, Gontijo ED. Atenção primária como cenário de prática na percepção de estudantes de medicina. Revista brasileira de educação médica 35 (4): 445-453; 2011

Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2019
  • Aceito
    24 Abr 2019
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com