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Mapa da Empatia em Saúde: Elaboração de um Instrumento para o Desenvolvimento da Empatia

Resumo:

Introdução:

A empatia é um construto multidimensional que requer a habilidade de perceber e entender a perspectiva do outro, bem como sentir seu estado emocional. Trata-se de habilidade intelectual a ser aprendida que representa um dos domínios da inteligência emocional. O objetivo deste estudo foi elaborar um instrumento para o ensino e a prática da habilidade de empatia nos cenários de ensino em saúde, denominado Mapa da Empatia em Saúde (MES).

Método:

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa e descritiva para elaboração do MES. O estudo apresentou três fases: 1. adaptação do Mapa da Empatia a cenários de ensino em saúde, 2. adequação do conteúdo do instrumento realizado por professores de ambulatório da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS-BH) durante capacitação docente e 3. avaliação do conteúdo e da exequibilidade do instrumento, primeiramente realizada pela técnica de grupo focal e posteriormente por estudantes do terceiro ano de medicina durante a prática ambulatorial e no grupo tutorial.

Resultados:

A adequação do instrumento para a utilização em cenários de ensino em saúde foi ancorada nos pilares conceituais da empatia - tomada de perspectiva, compartilhamento emocional e preocupação empática -, bem como nas sugestões dos professores de ambulatório, dos participantes do grupo focal e dos estudantes de medicina. Todas as sugestões foram debatidas e acatadas, após consenso de que indicavam avanços e melhorias do instrumento, no sentido de viabilizar a utilização pelos estudantes em cenários de aprendizagem em saúde.

Conclusão:

A versão final do MES foi considerada pelos participantes das diferentes fases do estudo uma ferramenta educacional com grande potencial instrucional no que tange ao estímulo do desenvolvimento de empatia, com abrangência de utilização em cenários de ensino na área da saúde.

Palavras-chave:
Educação Médica; Empatia; Relação Médico-Paciente

Abstract:

Introduction:

Empathy is a multidimensional construct that requires the ability to perceive and understand the others’ perspectives, as well as feel their emotional state. It is an intellectual skill to be learned and represents one of the domains of emotional intelligence. The aim of this study was to create an instrument for the teaching and practice of empathy skills in medical education scenarios, called the “Health Empathy Map” (HEM).

Method:

This is a qualitative and descriptive study, aimed at developing the Health Empathy Map. The study had 3 phases: (1) Adaptation of the empathy map for medical education scenarios (2) Adequacy of the instrument content performed by teachers from the Outpatient Clinic of José do Rosário Vellano University, during teacher training (3) Assessment of content and feasibility of the instrument, first performed using the focal group technique and then by third-year medical students during outpatient clinic practice and in the tutorial group.

Results:

The adequacy of the instrument for medical education teaching scenarios was based on conceptual aspects of empathy: perspective-taking, emotional sharing and empathetic concern, as well as suggestions from the outpatient clinic teachers, focal group participants and medical students. All suggestions were debated and accepted, after a consensus that indicated advances and improvements of the instrument, in order to allow its use by students in health learning scenarios.

Conclusion:

The final version of the HEM was considered by participants of different phases of the study, as an educational instrument with great instructional potential, in terms of stimulating the development of empathy, with a broad use in medical education scenarios.

Keywords:
Medical Education; Empathy; Physician-Patient Relations

INTRODUÇÃO

A empatia, uma das habilidades humanísticas mais estudadas na atualidade, é a pedra angular do comportamento ético e humanizado, elemento essencial em qualquer estratégia de humanização11. Benedetto MAC, Moreto G, Janaudis MA, Levites MR, Blasco PG. Educando as emoções para uma atuação ética: construindo o profissionalismo médico. RBM rev. bras. med. 2014; 71:15-24.. A habilidade de empatia é associada à maior capacidade para resolução de problemas, à menor impulsividade e à redução da delinquência, dos conflitos de grupo e do estigma22. Vilardaga R. A Relational Frame Theory account of empathy. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy 2009; 5(2):178-84..

A empatia é um construto multidimensional que requer a habilidade de perceber e entender a perspectiva do outro, bem como sentir seu estado emocional. Trata-se de habilidade intelectual a ser aprendida que representa um dos domínios da inteligência emocional33. Paro HBMS. Empatia em estudantes de medicina no Brasil: um estudo multicêntrico. São Paulo. Tese [Doutorado] - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2013.. Envolve três componentes: o afetivo, o cognitivo e um regulador das emoções. O componente afetivo baseia-se na partilha e compreensão de estados emocionais dos outros (neurônios espelhos), em que as ações observadas nos outros são representadas internamente no cérebro do observador44. Riess H, Kraft-Todd G. E.M.P.A.T.H.Y.: a tool to enhance nonverbal communication between clinicians and their patients. Acad. med. 2014; 89:1108-12.. O componente cognitivo refere-se à capacidade de raciocinar sobre os estados mentais de outras pessoas, e o componente regulador das emoções, que depende da função executiva, é responsável por gerenciar e explicitar a resposta empática55. Eres R, Molenberghs P. The influence of group membership on the neural correlates involved in empathy. Front. human. neurosci. 2013;7(176):1-6.,66. Chen C, Martínez RM, Cheng Y. The developmental origins of the social brain: empathy, morality, and justice. Frontiers in Psychology 2018; 9:1-9.. Cada um desses componentes se relaciona à cognição moral que compreende três processos:

  • Compartilhamento emocional (contágio emocional): é um mecanismo espontâneo que ocorre por observação e independe de análise.

  • Preocupação empática: refere-se à motivação para cuidar de indivíduos vulneráveis.

  • Tomada de perspectiva: esse processo está associado à competência e ao raciocínio social. Refere-se à capacidade de colocar-se no lugar do outro e imaginar o que ele está pensando ou sentindo. Trata-se de um componente vital para as interações sociais, pois permite entender e prever os comportamentos.

Esses componentes da empatia são dissociáveis, pois utilizam diferentes redes neurais77. Decety J, Cowell JM. The complex relation between morality and empathy. Trends cogn. sci. 2014;18(7):337-9.. A empatia está relacionada com a resposta afetiva originada da apreensão ou compreensão do estado emocional do outro, sendo um fator importante no estabelecimento das relações interpessoais e, portanto, particularmente relevante na relação médico-paciente88. Basílio N, Vitorino ASV, Nunes JM Caracterização da empatia em internos de medicina geral e familiar. Rev. port. med. geral fam. 2017; 33:171-5.,99. Silva HSM Empatia no curso de Medicina e internato médico. Lisboa. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina de Lisboa; 2017.. Estudos sugerem que a empatia dos estudantes de Medicina pode sofrer mudanças ao longo do curso, variando de pequeno aumento a diminuição1010. Bombeke K, Van Roosbroeck S, De Winter B, Debaene L, Schol S, Van Hal G et al. Medical students trained in communication skills show a decline in patient-centred attitudes: an observational study comparing two cohorts during clinical clerkships. Patient educ. couns. 2011; 84(3):310-8.

11. Kelly J, Easton G. Geo-sociocultural influences on empathy. Med. educ. 2019;53(7):646-9. doi: 10.1111/medu.13898.
https://doi.org/10.1111/medu.13898...
-1212. Ponnamperuma G, Yeo SP, Samarasekera DD. Is empathy change in medical school geosocioculturally influenced? Med. educ . 2019;53(7):655-65. doi:10.1111/medu.13819.
https://doi.org/10.1111/medu.13819...
. Curiosamente, tem sido constatado que essa habilidade tende a decrescer exatamente no momento em que os estudantes de Medicina iniciam a atividade clínica na graduação1313. Chen D, Lew R, Hershmam W, Orlander J. A cross-sectional measurement of medical student empathy. J Gen Inters Med 2007; 22:1434-8.

14. Hojat, M. The devil is in the third year: a longitudinal study of erosion of empathy in medical school. Acad. med . 2009;84(9):1182-91.
-1515. Sulzer SH, Feinstein NW, Wendland CL. Assessing empathy development in medical education: a systematic review. Med. educ . 2016;50 (3):300-10.. Autores defendem que, se a empatia pode ser “perdida”, poderá ser também adquirida99. Silva HSM Empatia no curso de Medicina e internato médico. Lisboa. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina de Lisboa; 2017.,1616. Han JL, Pappas TN. A review of empathy, its importance, and its teaching in surgical training. J. surg. educ. 2018;75(1):88-94.. Como existe um lado cognitivo na empatia, é possível o seu ensino durante o período de formação médica1717. Costa P, Alves R, Neto I, Marvão P, Portela M, Costa MJ. Associations between medical student empathy and personality : a multi-institutional study. PLos One 2014;9(3):1-7..

Muito se discute sobre métodos para ensinar empatia em ambientes assistenciais, uma vez que é necessário associar ensino e assistência em um mesmo momento. Alguns estudantes relatam dificuldades para coordenar os conhecimentos cognitivos necessários para o atendimento e ainda considerar a perspectiva do paciente1818. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. Br. j. gen. pract. 2002;52(suppl):9-12.. O aprendizado por modelo, observação do professor, é eficiente, mas sua aplicabilidade é heterogênea. No entanto, evidências demonstram que a promoção do contato social positivo entre grupos e o engajamento em práticas que estimulam a consideração do bem-estar dos outros podem alterar a função e estrutura de regiões cerebrais ligadas à empatia, sugerindo que o treinamento pode produzir mudanças na habilidade da empatia, que, como qualquer outra habilidade, melhora com a prática1919. Marsh AA. The neuroscience of empathy. Current Opinion in Behavioral Sciences 2018; 19:110-5.. As habilidades de empatia podem ser aumentadas, tanto em estudantes de Medicina como de Enfermagem, quando o foco do ensino considera o tema permeado com as atividades assistenciais1818. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. Br. j. gen. pract. 2002;52(suppl):9-12.,2020. Schweller M, Costa FO, Antonio MA, Amaral EM, Carvalho-Filho MA de. The impact of simulated medical consultations on the empathy levels of students at one medical school. Acad. med . 2014; 89:632-7..

Uma estratégia adotada na área empresarial para estimular o desenvolvimento de empatia é o Mapa da Empatia, um método que ajuda a projetar modelos de negócios de acordo com as perspectivas do cliente por meio do desenvolvimento de uma compreensão melhor do ambiente, dos comportamentos, das aspirações e preocupações do cliente. O Mapa da Empatia2121. Gray D, Brown S, Macanufo J. Gamestorming. A playbook for innovators, rulebreakers, and changemakers. Massachusetts: O’Reilly Media; 2010. procura facilitar a prática da empatia por meio de uma abordagem centrada no usuário, ou seja, o foco está na compreensão do pensamento do outro indivíduo2222. Bratsberg HM. Empathy Maps of the four sight preferences. In: Creative Studies Graduate Student Master’s Project. Buffalo State College; 2012. p. 176.. O Mapa da Empatia2121. Gray D, Brown S, Macanufo J. Gamestorming. A playbook for innovators, rulebreakers, and changemakers. Massachusetts: O’Reilly Media; 2010. possui quatro quadrantes, cada um contendo uma das seguintes palavras: “Diz”, “Pensa”, “Faz” e “Sente”. No quadrante “Diz”, será informado o que o usuário verbalizou na entrevista, idealmente citações; no quadrante “Pensa”, o que o usuário pensou durante o encontro; no quadrante “Faz”, as ações que o usuário executa; e no quadrante “Sente”, o estado emocional do usuário, em geral um adjetivo. Além disso, o Mapa da Empatia2121. Gray D, Brown S, Macanufo J. Gamestorming. A playbook for innovators, rulebreakers, and changemakers. Massachusetts: O’Reilly Media; 2010. apresenta uma caricatura do usuário, colocado no centro do mapa, nomeado de persona, que é uma representação semifictícia das características da “pessoa” que se relaciona ao modelo de negócio de uma determinada atividade. O instrumento tem uma organização visual de fácil aplicação e orienta a análise na perspectiva dos clientes. Apesar de se tratar de um método de plano de negócios, o Mapa da Empatia pode ser adaptado para outros objetivos2121. Gray D, Brown S, Macanufo J. Gamestorming. A playbook for innovators, rulebreakers, and changemakers. Massachusetts: O’Reilly Media; 2010.,2323. Osterwalder A, Pigneur Y. Business model generation: inovação em modelos de negócios. Rio de Janeiro: Alta Books; 2011..

Assim, ao analisar o Mapa da Empatia proposto para a área de negócios, este estudo objetivou adaptá-lo para o ensino e a prática da habilidade da empatia nos cenários de ensino em saúde. A elaboração de um instrumento objetivo e estruturado e que seja capaz de ser utilizado durante as atividades de ensino faz-se necessária, pois proporcionará ao aluno a oportunidade de refletir sobre a perspectiva dos pacientes e favorecerá o desenvolvimento da habilidade da empatia.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa e descritiva para elaboração do Mapa da Empatia em Saúde.

Elaboração do instrumento

O estudo apresentou três fases (Figura 1).

Figura 1
Organograma da elaboração do instrumento Mapa da Empatia em Saúde

Fase 1: Adaptação do Mapa da Empatia para uso em cenários de ensino da saúde

A partir de aspectos teóricos relacionados à empatia, obtidos em revisão da literatura, e da análise do Mapa da Empatia (ME), desenvolvido pela companhia de pensamento visual XPLANE21, foi elaborado um instrumento adaptado para o ensino e a prática da habilidade da empatia no ensino ambulatorial e grupo tutorial, denominado Mapa da Empatia em Saúde (MES).

Fase 2: Adequação do conteúdo do instrumento

A adequação do conteúdo do MES foi realizada durante uma capacitação sobre o tema da empatia para os professores de ambulatório da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS-BH). A atividade foi desenvolvida dentro do Programa de Desenvolvimento Docente Avançado em fevereiro de 2018 e teve carga horária de quatro horas. A capacitação ocorreu em dois encontros e contou com a participação de 40 professores de ambulatório de diversas especialidades. Nessa capacitação, após a explicação dos aspectos teóricos da empatia, o MES foi apresentado aos docentes dos ambulatórios para análise de conteúdo.

Fase 3: Avaliação do conteúdo e da exequibilidade do instrumento

A avaliação do conteúdo e da exequibilidade do MES foi realizada em dois momentos. Primeiramente, adotou-se, em fevereiro de 2019, a técnica de grupo focal que permite formular questões mais precisas de investigação, identificar, no caso de construção de instrumentos, o que é relevante sobre o tópico e apontar os domínios que devem ser cobertos, além de promover insights de como os itens devem ser apresentados (a fim de evitar distorções de entendimento) e servir de pré-teste de questionários e escalas2424. Gondim, S.M. Grupos focais como técnica de investigação qualitativa: desafios metodológicos. Paidéia (Ribeirão Preto) 2002;12(24):149-61.

25. Trad LAB. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis (Rio J.) 2009;19(3):777-96.

26. Soares CB et al. Uso de grupo focal como instrumento de avaliação de programa educacional em saúde. Rev. Esc. Enferm. USP 2000;34(3):317-22.
-2727. Pizzol SJS. Combinação de grupos focais e análise discriminante: um método para tipificação de sistemas de produção agropecuária. Rev. Econ. Sociol. Rural 2004;42(3):451-68.. Os participantes do grupo focal foram selecionados de modo intencional. Barbour e Kitzinger2828. Barbour RS, Kitzinger J. Developing focus group research. London: Sage; 1999. recomendam que os participantes sejam selecionados dentro de um grupo de indivíduos que convivam com o assunto a ser discutido e que tenham profundo conhecimento dos fatores que afetam os dados mais pertinentes. A amostra foi constituída por nove participantes. Para a inclusão, adotaram-se os seguintes critérios: os indivíduos deveriam conhecer aspectos relacionados à empatia e tê-la vivenciado, pertencer a diferentes serviços das áreas de saúde e educação, fazer parte de diversas faixas etárias e gêneros e ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O tamanho ótimo para um grupo focal é aquele que permita a participação efetiva dos indivíduos e a discussão adequada dos temas2727. Pizzol SJS. Combinação de grupos focais e análise discriminante: um método para tipificação de sistemas de produção agropecuária. Rev. Econ. Sociol. Rural 2004;42(3):451-68.. Na literatura, observa-se a utilização de grupos com variação de seis a 15 participantes, já que, em grupos maiores, foi constatada uma dificuldade em conduzir as discussões2525. Trad LAB. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis (Rio J.) 2009;19(3):777-96..

Para nortear o debate sobre a temática, utilizou-se um roteiro estruturado. O roteiro de discussão continha 26 perguntas, sendo: três relacionadas à semântica; sete, ao conteúdo; duas, à pertinência; cinco, às ilustrações; quatro, à motivação para aprender; duas, à exequibilidade; duas, à sequência das respostas; e uma sobre a necessidade de inclusão de outro sentimento (Quadro 1). Contou-se também com o livre debate entre os participantes e, consequentemente, com a realização de perguntas entre eles, o que é essencial para garantir a horizontalidade do grupo.

Quadro 1
Alterações no conteúdo do Mapa da Empatia em Saúde sugeridas pelos professores

A reunião iniciou-se com a apresentação do projeto, a explicação sobre os objetivos do grupo focal e a dinâmica de funcionamento dos trabalhos. Logo após, os participantes foram convidados a assinar o TCLE e preencher um questionário com dados sociodemográficos para a caracterização do grupo de trabalho, contendo sexo, idade, profissão, tempo de formado, área de trabalho e titulação.

A dinâmica do grupo focal ocorreu em três etapas:

  • Etapa 1: Avaliação do conteúdo: inicialmente foi apresentada uma miniaula (15 minutos) sobre o conceito de empatia, seus fundamentos teóricos e o histórico do desenvolvimento do instrumento. A seguir, os convidados receberam o MES e, de forma individual, fizeram a avaliação do conteúdo por escrito de cada item contido no instrumento, de forma a coletar as opiniões individuais sem influência do grupo2929. Veiga L, Gondim SMD. A utilização de métodos qualitativos na ciência política e no marketing político. Opin. pública 2001;7(1):1-15..

  • Etapa 2: Discussão do conteúdo dos itens e avaliação da pertinência em grupo: nessa fase, o moderador coordenou a discussão do grupo focal com o objetivo de coletar as observações dos participantes e verificar as sugestões consensuais em relação à estrutura e avaliação semântica dos itens do instrumento. Foram adotadas as regras de objetividade: falar uma pessoa de cada vez, evitar conversas paralelas e respeitar a opinião dos outros no grupo. Todas as sugestões foram anotadas por um relator.

  • Etapa 3: Avaliação da exequibilidade: os participantes foram convidados a assistir a um vídeo de uma consulta médica com duração de quatro minutos e, após o término, preencheram o MES individualmente, da forma como será utilizado em uma atividade acadêmica, com o objetivo de avaliar a exequibilidade do instrumento.

No segundo momento, a versão final do instrumento obtida pela técnica do grupo focal foi aplicada em cenários reais de aprendizagem na graduação, no mês de setembro de 2019. A amostra foi constituída por 20 estudantes do terceiro ano de Medicina, e adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: o indivíduo deveria estar matriculado na UNIFENAS-BH, concordar em participar do estudo e ter assinado o TCLE. Seguiram-se as mesmas etapas realizadas no grupo focal. Na etapa 3, dez estudantes preencheram o MES após a análise de um caso clínico em uma sessão de grupo tutorial e dez após atendimento ambulatorial, realizado pelo aluno no ambulatório de cardiologia.

Considerações éticas

O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unifenas, tendo recebido parecer favorável - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 02076818.4.0000.5143.

RESULTADOS

Na primeira fase do estudo, adaptou-se o Mapa da Empatia desenvolvido pela companhia de pensamento visual XPLANE2121. Gray D, Brown S, Macanufo J. Gamestorming. A playbook for innovators, rulebreakers, and changemakers. Massachusetts: O’Reilly Media; 2010. para uso em cenários de ensino em saúde. Nesse novo instrumento, denominado Mapa da Empatia em Saúde, procurou-se inserir os componentes relacionados aos aspectos teóricos e conceituais da empatia obtidos em revisão da literatura. O instrumento adaptado possuía quatro quadrantes, cada um contendo as seguintes frases: 1. “O que o paciente pensa e sente?” (o que é importante para ele, quais suas preocupações e aspirações); 2. “O que o paciente fala ou faz?” (como o mundo o influencia, em que ele acredita e como se expressa); 3. “O que o paciente escuta” (como o mundo o influencia e em que ele acredita); 4. “O que o paciente vê?” (como percebe o mundo, em quem acredita e onde vive). No centro do mapa, no lugar da caricatura do usuário, há um desenho incompleto de um emoji, sem as sobrancelhas e a boca. Como os emojis, são ideogramas que representam emoções. Abaixo dos quadrantes do mapa, foram colocados seis emojis representando as seis expressões faciais de emoções universais26. Como proposta de aplicação do instrumento no cenário de ensino em saúde, foi estipulado o seguinte: após o atendimento a um paciente ou a análise de um caso clínico no grupo tutorial, o estudante deveria preencher todos os quadrantes do mapa, colocando suas próprias impressões, e finalizar o desenho do emoji, no centro do mapa, com a expressão facial que, segundo ele, representasse o sentimento do paciente que acabara de avaliar. Esse instrumento foi apresentado em uma oficina de capacitação avançada com professores de ambulatório (fase 2).

Nessa oficina, após a discussão em grupos, os docentes concluíram tratar-se de uma proposta inovadora, porém, para a exequibilidade da utilização no cenário de ensino em saúde, seria necessária a adequação dos termos, de modo a evidenciar os componentes da empatia, facilitando o seu uso e o aprendizado do estudante. Foi sugerido substituir o termo “paciente” por “pessoa”, para favorecer a percepção do indivíduo como pessoa e seu processo de adoecimento. Algumas questões estavam muito subjetivas e, portanto, difíceis de ser respondidas (por exemplo, “O que o paciente escuta?”, “Como o mundo o influencia?” e “Quais são suas aspirações?”). Sugeriu-se então que fossem substituídas por: “Como me sinto conhecendo sua história” e “Como posso ajudar esta pessoa?”. Sugeriu-se também que os componentes conceituais da empatia fossem colocados entre parênteses, após as frases em cada quadrante, de modo que pudessem ficar mais evidentes e favorecer o aprendizado e sua utilização pelos estudantes (tomada de perspectiva, compartilhamento emocional e preocupação empática). Após consenso, as alterações sugeridas pelos professores, no conteúdo do instrumento, foram acatadas, e obteve-se a versão 2 do instrumento (Quadro 2). Essa versão foi submetida novamente à análise de conteúdo e exequibilidade, em que se utilizou a técnica do grupo focal, e posteriormente aplicada em cenários de ensino real (fase 3).

Quadro 2
Roteiro utilizado para guiar as discussões no grupo focal

Planejou-se uma sessão de grupo focal, com duração de três horas, em local de fácil acesso aos participantes. A sessão foi realizada em uma sala ampla com espaço para organização de coffee break e discussões coletivas, e os assentos foram posicionados de forma circular, de modo que os participantes, o moderador e o observador fizessem parte de um mesmo campo de visão. O grupo foi composto por nove integrantes: quatro médicos, duas enfermeiras, uma psicóloga, uma pedagoga e uma estudante de Medicina, com idades compreendidas entre 20 e 61 anos e uma média de 22 ± 8,4 anos de experiência profissional na saúde e educação (Tabela 1), além do moderador e de um observador.

Tabela 1
Caracterização dos participantes do grupo focal

O seguimento de um rigor metodológico de operacionalização promoveu as relações entre os participantes e a discussão do tema de conhecimento e interesse em comum. Todo o conteúdo do instrumento foi debatido item a item, respeitando-se o tempo necessário para a colocação de todos os argumentos, com troca de opiniões entre os participantes sobre propostas de inclusões e modificações de itens. As opiniões foram sendo avaliadas até a obtenção de consenso.

Os participantes foram unânimes em relatar a necessidade da presença de instruções de preenchimento na parte de superior do mapa e da necessidade de deixar explícito nas instruções que o preenchimento do MES se refere ao momento atual da consulta, bem como a ordem de preenchimento das questões. Este último item foi tema de debates, e conclui-se que a ordem de preenchimento organiza a sequência de análise do caso do paciente, de modo a permitir que estudante reflita sobre cada um dos componentes da empatia em uma ordem lógica de ações: 1. tomar a perspectiva do paciente; 2. identificar suas necessidades; 3. refletir sobre os sentimentos gerados pelo encontro; e 4. deliberar as ações a serem tomadas para a solução dos problemas encontrados. Portanto, todos concordaram que os quadrantes deveriam ser numerados.

Relativamente ao primeiro quadrante - “O que você sentiria se estivesse no lugar desta pessoa? (tomada de perspectiva)” -, alguns integrantes julgaram que a pergunta necessitava informar que se referia ao momento da avaliação. A sugestão foi debatida, e concluiu-se que essa noção de tempo já estaria indicada nas instruções do preenchimento. Decidiu-se então pela manutenção da frase original no quadrante.

Em relação ao segundo quadrante - “Quais são as necessidades e desejos desta pessoa (atuais e futuros)” -, a questão apresentou um grau relativo de dificuldade de interpretação e foi alvo de intensa discussão. Apontou-se a necessidade de esclarecer que a pergunta se refere à “percepção do estudante” sobre as necessidades e os desejos do paciente. Questionou-se se a pergunta se referia a desejos relatados pelo paciente no momento da consulta ou a desejos latentes. Além disso, questionou-se também se o estudante consegue saber a diferença de significado entre necessidade e desejo do paciente. Outro aspecto observado pelos participantes foi a falta de informação sobre o domínio da empatia ao qual a pergunta se relaciona, presente em todos os outros quadrantes do instrumento. Houve unanimidade em relação à inclusão do domínio da empatia após a pergunta e à retirada das palavras atuais e futuras de dentro do parêntese. Após debate, houve consenso de que a pergunta deveria ser modificada para “Qual a sua percepção sobre as necessidades e desejos desta pessoa, atuais e futuros? (tomada de perspectiva)”.

A análise do terceiro quadrante - “Como me sinto conhecendo sua história” - não suscitou discussões do grupo. Somente foi sugerido alterar “sua história” para “a história desta pessoa”, com concordância de todo o grupo.

Quanto ao quarto quadrante - “Como posso ajudar esta pessoa” -, foi observado por alguns integrantes que a questão estava muito abrangente e poderia suscitar respostas superficiais. Foi sugerido substituir a pergunta por “Tenho algo a oferecer a esta pessoa que atenda às suas necessidades?”, mas não houve consenso, pois alguns julgaram que essa modificação não abrangia o sentido da pergunta original. Um dos participantes não estava satisfeito com a palavra “ajudar”, mas não conseguiu sugerir outra melhor, e, portanto, a decisão da maioria foi manter a pergunta e deixar claro que, para facilitar a compreensão por parte dos estudantes, ela deveria ser respondida por último.

Em relação ao desenho que deve ser feito para completar a expressão do emoji na parte central do instrumento, houve grande debate. Alguns sugeriram que o desenho deveria ser retirado e que o estudante deveria somente escolher (marcando um x) uma das figuras que se encontram no final do instrumento. Entretanto, argumentou-se que o ato de desenhar ativa áreas cerebrais importantes e estimula o estudante a olhar para o paciente. Assim, decidiu-se por manter o desenho, mas que o estudante deve desenhar a expressão que melhor exemplifica o sentimento do paciente e que, caso julgue necessário, poderá desenhar outros sentimentos que surgirem no momento da consulta.

Ajustaram-se os elementos do MES e incorporaram-se as contribuições consensuais, de modo que, ao término da reunião, a versão final do instrumento representou o parecer de 100% do grupo, não havendo, portanto, a necessidade da realização de outros encontros. Obteve-se assim a versão 3 do instrumento (Figura 2).

Figura 2
Mapa da Empatia em Saúde

Ao final do encontro, essa última versão foi aplicada aos integrantes do grupo focal. Os participantes foram convidados a assistir a um vídeo de um atendimento clínico e posteriormente deveriam preencher o MES, com o objetivo de avaliar a facilidade de preenchimento e sua adequação para uso em um contexto de atendimento clínico. Todos os participantes afirmaram que o instrumento foi de fácil preenchimento e que estimula uma visão global da realidade vivenciada pelo paciente, sendo, portanto, uma ferramenta que pode ser utilizada em cenários de aprendizado em saúde.

Em um segundo momento, o instrumento foi então aplicado em 20 estudantes do terceiro ano de Medicina, em dois contextos de aprendizagem: grupo tutorial e atendimento ambulatorial. O grupo foi composto por 12 mulheres e oito homens, com idade variando de 20 a 22 anos. Houve consenso por parte dos estudantes em relação à importância do instrumento para o aprendizado da empatia, bem como sobre a facilidade de compreensão e do preenchimento dele. Alguns estudantes sugeriram que fossem acrescentadas mais expressões de sentimentos, como ansiedade, preocupação e angústia. Entretanto, por causa da dificuldade de obtenção dessas expressões e do atendimento de todas as expressões de sentimentos, decidiu-se por manter as expressões previamente colocadas, uma vez que representam as seis expressões de emoções universais, mantendo-se a frase: “Fique à vontade para citar outros sentimentos”.

Ao final de todas as etapas, obteve-se a versão final do instrumento para ser utilizado no ensino da empatia, em cenários de aprendizado em saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O instrumento resultante deste estudo foi considerado pelos participantes uma ferramenta educacional com grande potencial educativo, no que tange ao estímulo do desenvolvimento de empatia em estudantes. Ressalta-se ainda a abrangência de sua utilização tanto em cenários de ensino, como sala de aula e cenários virtuais e reais, quanto no público-alvo do instrumento, como estudantes de medicina, residentes e médicos. Novos estudos devem ser realizados para avaliar os resultados do uso do instrumento, em relação ao desenvolvimento da empatia e à possibilidade de sua utilização por outros profissionais da área da saúde.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a todos os professores da UNIFENAS-BH que contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho, aos estudantes que participaram da avaliação inicial do Mapa da Empatia em Saúde durante as atividades ambulatoriais e dos grupos tutoriais, à direção da UNIFENAS-BH (graduação e pós-graduação) que apoiou e incentivou todas as fases da execução deste projeto e aos membros participantes do grupo focal que colaboraram de forma significativa para o desenvolvimento dessa importante ferramenta educacional para área de ensino em saúde.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2019
  • Aceito
    26 Nov 2019
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