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Projeto Fellows: Habilidades de Educação para Estudantes das Profissões da Saúde

Resumo:

As novas tecnologias da informação produziram profundas transformações na educação e na sociedade. Todas as áreas do conhecimento têm sido constantemente reinventadas, readaptadas e recriadas para se ajustarem às novas exigências da prática profissional. A educação nas profissões da saúde também tem seguido esses passos. É nítido como os estudantes, futuros educadores, estão envolvidos nessa transformação e têm sido vetores dessas mudanças. Paralelamente, a concepção dos novos currículos para os cursos da área da saúde pressupõe a participação ativa dos estudantes na própria formação e na de seus pares. Essa nova forma de ensinar, que privilegia o trabalho em equipe, a aprendizagem por pares, a interdisciplinaridade e a autonomia, estimula e exige esse protagonismo dos estudantes. A participação ativa do estudante nas atividades educativas da graduação traz inúmeros benefícios: favorece o aprendizado, as relações interpessoais e a aquisição de habilidades de comunicação, de orientação, de liderança, de pesquisa e de gestão, e desenvolve a responsabilidade social. Os estudantes das profissões da saúde, mesmo nas fases mais precoces de formação, fazem suas escolhas e direcionam sua formação para o que desejam na vida profissional. Quando essa escolha recai sobre uma área específica da saúde, eles encontram, desde a graduação, maneiras de começar a desenvolver seus conhecimentos e habilidades em clínica médica, cirurgia, pediatria, pesquisa em laboratório, saúde pública e outras áreas, mas não encontram apoio à formação quando pretendem ser futuros professores. Nesse contexto, surgiu o Projeto FELLOWS, um projeto de desenvolvimento docente, proposto e conduzido por estudantes de Medicina, em blended learning (presencial e a distância) que tem como objetivos a formação e o aperfeiçoamento em habilidades de educação para estudantes das profissões da saúde, aqui apresentado como um relato de experiência. Em 2017, o projeto estendeu-se de abril a outubro em encontros mensais no horário noturno e, eventualmente, aos sábados. Foi conduzido por quatro estudantes de Medicina (coordenadores) e dois professores supervisores e contou com colaboradores de outras instituições de educação médica. Em 2018, as atividades educativas foram realizadas exclusivamente pelos estudantes/residentes coordenadores e os professores supervisores, por meio de duas sessões de imersão (sexta, sábado e domingo), separadas por um período de quatro meses em que foi elaborado um projeto de educação, construído em grupos de seis estudantes acompanhados por um tutor e um coordenador. As atividades do Projeto FELLOWS seguem as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina de 2001 e 2014, atendem às demandas da educação nas áreas da saúde no Brasil e respeitam o perfil desejado do profissional egresso, com responsabilidade social. Oferecem o contato e progressivo domínio de habilidades de comunicação e de competências para o trabalho docente, o uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, o trabalho em equipe, o uso de tecnologias digitais, o exercício da comunicação oral e escrita e a criatividade para a inovação. O processo de execução do Projeto FELLOWS trouxe benefícios diretos para os organizadores e para os participantes, e benefícios indiretos para as instituições de ensino a que pertencem, pois envolveu produção de conhecimento, engajamento estudantil e responsabilidade social.

Palavras-chave:
Educação em Saúde; Educação Médica; Estudante; Educação Superior; Docência

Abstract:

New information technologies have produced profound changes in education and society. All knowledge areas have been constantly reinvented, readjusted and recreated to fit the changing demands of professional practice. Education in the health professions has also followed this trend. It is now clear how students, the future educators, are involved in this transformation and have been vectors of these changes. In parallel, the new curricula for health professions courses presuppose the active participation of students in their own training and in the training of their peers. This new way of teaching, which privileges teamwork, peer learning, interdisciplinarity, and autonomy, stimulates and demands this leadership role from students. Active student participation in undergraduate educational activities has several benefits: it favors learning; interpersonal relationships; acquiring skills in communication, mentoring, leadership, research, and management and develops social accountability. Undergraduate students in the health professions, even at the earliest stages of their education, make their choices and direct their interest to the area of knowledge they desire in professional life. When this choice falls on a specific area of health, they find, at the undergraduate level, ways to begin to develop their knowledge and skills in clinical practice, surgery, pediatrics, laboratory research, public health and other areas, but find no support for training when they intend to be future teachers. In this context, the FELLOWS Project emerged, proposed and carried out by medical students, a blended learning teaching development project that aims to train and improve education skills for students of the health professions, herein presented as an experience report. In 2017 the project took place from April to October, in monthly nighttime meetings, and eventually on Saturdays. It was conducted by four medical students (coordinators), two supervising local teachers and had collaborators from other medical education institutions. In 2018 the educational activities were held exclusively by students/resident coordinators and supervising teachers through two immersion sessions (Friday, Saturday and Sunday), separated by a 4 month-period, during which an education project was prepared, created in groups of six students accompanied by a tutor and a coordinator. The activities of the FELLOWS Project follow the National Curriculum Guidelines for the Undergraduate Medical Course of 2001 and 2014, meet the demands of health education in Brazil and respect the desired profile of the professional graduate, with social accountability. It offers contact with and progressive skills of communication and competencies for teaching, using active teaching-learning methodologies, teamwork, the use of digital technologies, exercising oral and written communication and creativity for innovation. The FELLOWS Project implementation process has brought direct benefits to the organizers and participants and indirect benefits to the educational institutions to which they belong, as it involved knowledge production, student engagement and social accountability.

Keywords:
Health Education; Medical Education; Students; Higher Education; Teaching

INTRODUÇÃO E CONTEXTO

O advento e a consolidação da tecnologia da informação produziram profundas transformações na educação e na sociedade. Todas as áreas do conhecimento têm sido constantemente reinventadas, readaptadas e recriadas para se ajustarem às novas exigências da prática profissional. A educação nas profissões da saúde também tem seguido esses passos. Para muitos especialistas em educação, é nítida a maneira como os estudantes estão envolvidos nessa transformação e têm sido vetores dessas mudanças, principalmente porque os universitários de hoje cresceram imersos nessa nova realidade de conexões e inovações. O estudante, que tem acompanhado e provocado todas essas mudanças durante a graduação, será o futuro educador.

Paralelamente, a concepção dos novos currículos para os cursos da área da saúde tem como pressuposto a participação ativa dos estudantes não só na própria formação, como também na dos seus pares11. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2001.,22. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2014.. Essa nova forma de ensinar, que privilegia o trabalho em equipe, o ensino/aprendizagem por pares, a interdisciplinaridade e a autonomia, estimula e exige esse protagonismo dos estudantes. A participação ativa do estudante nas atividades educativas da graduação traz inúmeros benefícios como já explorado por muitos autores. Ela favorece o aprendizado, as relações interpessoais (por exemplo, médico-paciente) e a aquisição de habilidades de comunicação, de orientação, de liderança, de pesquisa e de gestão, e, muito importante, desenvolve a responsabilidade social do estudante33. Steinert Y. Developing medical educators: a journey, not a destination. In: Swanwick T., editor. Understanding medical education: evidence, theory and practice. 2. Ed. Oxford: Wiley-Blackwell, Oxford; 2014. p. 455-72.,44. Dandavino M, Snell L, Wiseman J. Why medical students should learn how to teach. Med. teach. 2007; 29:558-65..

Como em outras áreas de conhecimento, o estudante das profissões da saúde, mesmo nas fases mais precoces da sua formação, vai fazendo suas escolhas e tecendo sua formação, direcionado para o que deseja na sua vida profissional. Quando essa escolha recai sobre uma área específica da saúde, ele encontra acolhimento, desde a graduação, para continuar a desenvolver seus conhecimentos e habilidades em clínica médica, cirurgia, pediatria, pesquisa em laboratório, saúde pública e outras áreas, mas não encontra apoio à sua formação quando pensa ser um futuro professor.

Dentro desse contexto, encontra-se o Projeto FELLOWS, um projeto de desenvolvimento para a docência, em blended learning (presencial e a distância), de aperfeiçoamento em habilidades de educação para estudantes das profissões da saúde. O projeto é uma iniciativa dos alunos do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FCMS-PUC-SP) que contaram com a supervisão de dois docentes do curso, familiarizados com as metodologias ativas de educação na área da saúde, e também com a colaboração de outros experientes docentes de outras instituições de ensino superior (IES). O projeto inspira-se em atividades que envolvem estudantes nos congressos anuais e nas atividades contínuas da Association for Medical Education in Europe (AMEE) e nas atividades do projeto FAIMER Júnior que vêm acontecendo nos congressos da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem).

A primeira versão do Projeto FELLOWS estendeu-se ao longo de 2017 e foi realizada com estudantes de Medicina de uma única instituição, a FCMS-PUC-SP, sendo muito bem sucedido. Em 2018, foi aberto para estudantes da área da saúde de outras instituições de ensino e o projeto ganhou novo formato, passando a ter dois blocos de imersões temáticas presenciais (sexta-feira à noite, sábado e domingo) e uma sessão satélite a distância, em plataforma virtual. A concepção, a forma e o conteúdo da proposta desse projeto observam as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (DCN) e atendem às demandas da educação nas áreas da saúde no Brasil11. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2001.,22. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2014..

Este relato pretende divulgar à comunidade acadêmica das IES na área da saúde nossa experiência com o Projeto FELLOWS, versões de 2017 e 2018. Os objetivos do projeto são: promover, por meio de uma comunidade de prática, o aprimoramento em educação de estudantes de graduação da área da saúde que tenham interesse pela formação e pela carreira docente em sua vida profissional; promover, por meio de metodologias ativas, a educação e formação para que esses alunos se tornem, desde já, familiarizados com as estratégias de educação, liderança, gestão, trabalho interdisciplinar e em equipe e desenvolvimento profissional, visando à futura docência; pôr em prática esses conhecimentos por meio da elaboração de um projeto de ensino (trabalho em equipe) para estudantes da área da saúde, desenvolvido em diferentes cenários de ensino-aprendizagem, preferencialmente em locais próprios do Sistema Único de Saúde (SUS).

METODOLOGIA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NO PROJETO FELLOWS

Em 2017, o Projeto FELLOWS foi desenvolvido por quatro estudantes de Medicina, dois do sexto ano (UC e RMRC), uma do quinto ano (JBM) e uma do quarto ano (CAPB). Em 2018, uma estudante do quarto ano (ALCR) e uma do terceiro ano (SSP) que foram tutoras do projeto em 2017 juntaram-se aos coordenadores. O projeto conta com a supervisão de dois docentes do curso de Medicina da FCMS-PUC-SP (MVP e FAA). Trata-se de uma experiência educacional que se organiza em sessões, utilizando as metodologias ativas de ensino-aprendizagem, particularmente a aprendizagem colaborativa, que pretende formar uma comunidade de prática e que foi inspirada em modelos que já se mostraram efetivos em projetos de educação na área da saúde consolidados, tais como o FAIMER Internacional e FAIMER Brasil, ambos destinados ao desenvolvimento docente para as IES da área da saúde, e o Projeto Preceptores, patrocinado pela ABEM55. The Foundation for Advancement of International Medical Education and Research. Available from: https://www.faimer.org/.
https://www.faimer.org/...

6. Brasil-FRI. Instituto Regional FAIMER Brasil. Available from: https://brasil.faimerfri.org/.
https://brasil.faimerfri.org/...
-77. Associação Brasileira de Educação Médica. O preceptor por ele mesmo. Cadernos da ABEM 2013;9:5-106. Disponível: https://website.abem-educmed.org.br/wp-content/uploads/2019/09/CadernosABEM__Vol09.pdf.
https://website.abem-educmed.org.br/wp-c...
.

Projeto FELLOWS de 2017

Em 2017, o Projeto FELLOWS foi inteiramente conduzido nas dependências da própria faculdade e estendeu-se de abril a outubro, com blocos de discussão e encontros mensais, que aconteciam à noite, ou eventualmente aos sábados, com participação de professores convidados e voluntários. As inscrições foram abertas a estudantes de Medicina da própria instituição. Foram selecionados 25 alunos dos 35 inscritos. Para essa seleção, consideraram-se as informações obtidas por meio de uma súmula curricular (formulário do Google Forms), em que o próprio aluno explicava seu interesse em participar, a disponibilidade nas datas propostas, o nome, informações relativas à graduação, línguas (grau de proficiência) e suas atividades extracurriculares. As informações foram complementadas em entrevistas que tinham como objetivo entender a motivação do aluno. A razão para limitar a seleção a 25 estudantes foi a própria capacidade organizacional, em função do modelo proposto, estruturado a partir da formação de grupos, com uso de metodologias ativas e busca de interação. Entre os 25 estudantes selecionados, todos eram da FCMS-PUC-SP, 15 eram mulheres e dez homens. Cursavam o segundo ano (n = 3), terceiro ano (n = 7), quarto ano (n = 6), quinto ano (n = 5) e sexto ano (n = 4). A média das idades foi de 23 anos, com variação entre 20 e 27 anos. Embora não fosse um critério de exclusão, todos tinham bom conhecimento da língua inglesa, o que facilitou a participação, pois muitos textos e referências fornecidos estão na língua inglesa.

As atividades do Projeto FELLOWS em 2017 foram muito importantes para a formação dos próprios alunos coordenadores. Contamos com a valiosa colaboração de docentes muito experientes da própria FCMS-PUC-SP, da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que conduziram as atividades específicas com a ajuda dos alunos coordenadores. Tivemos também a colaboração de dois atores com graduação em Artes Cênicas e com pós-graduação em Educação e envolvidos em atividades de formação de estudantes de Medicina na Unicamp. A experiência de trabalhar com esses colaboradores foi fundamental para que os estudantes desenvolvessem as habilidades necessárias para conduzir o Projeto FELLOWS no ano seguinte e criassem um núcleo de desenvolvimento docente para estudantes das profissões da saúde. Os temas desenvolvidos em 2017 foram muito semelhantes aos que serão detalhados para o Projeto FELLOWS 2018.

No encerramento do projeto em 2017, o grupo de coordenadores estava fortalecido e seguro de ter vivido uma experiência exitosa, que teria continuidade, e os participantes já demonstravam interesse em continuar e fazer parte do grupo de trabalho. O projeto foi apresentado no Congresso de Paulista de Educação Médica (Unicamp) em 2018 e despertou muito interesse por parte de alunos e professores. Por essa razão, decidimos estendê-lo aos alunos de outras instituições de educação em saúde.

A versão do Projeto FELLOWS 2018 foi elaborada a partir de algumas considerações do grupo organizador, tais como: em 2017, a participação dos alunos ao longo do ano conflitava com inúmeros compromissos da vida acadêmica e social dos participantes, já que é comum o mesmo aluno estar envolvido em muitas atividades extracurriculares; em 2018, haveria a participação dos alunos externos, e, por isso, havia a necessidade de concentrar os encontros, e, por fim, muitos alunos do FELLOWS 2017 gostariam de participar da imersão em 2018.

Projeto FELLOWS de 2018

Em 2018, o Projeto FELLOWS ganhou novo formato e passou a ser estruturado em dois blocos de imersões temáticos presenciais e uma sessão satélite a distância em plataforma virtual. A primeira imersão discutiu habilidades essenciais em educação e a segunda abordou habilidades específicas em educação. Também houve reestruturação em relação à coordenação, com a entrada das duas novas coordenadoras, participantes do FELLOWS 2017, e a criação do papel do tutor, também alunos participantes do FELLOWS 2017. Esses novos participantes foram selecionados a partir de um edital de inscrição, sendo critério fundamental a disponibilidade para participar das imersões, trabalhar com os grupos nas atividades a distância e participar das capacitações. Por se tratar de um projeto próprio dos estudantes, a intenção foi incluir o maior número possível de estudantes na organização e condução do projeto.

No FELLOWS 2018, os coordenadores foram os facilitadores das sessões. Todas as atividades educacionais presenciais foram preferencialmente conduzidas, ou tiveram a participação dos estudantes coordenadores, mesmo quando havia convidados externos. O que chamamos de coordenadores (organizadores) são estudantes (alguns hoje residentes) interessados e envolvidos com a educação médica e que tiveram formação nessa área de conhecimento, adquirida em suas atividades prévias, participação efetiva (inclusive organizacional) em congressos de educação médica, engajamento em atividades estudantis e dedicação própria. Todas as atividades desenvolvidas no Projeto FELLOWS são cuidadosamente estudadas, preparadas, ensaiadas e simuladas com antecedência e de forma contínua pelos coordenadores e supervisores. Durante as atividades, os participantes são divididos em pequenos grupos de trabalho (oito alunos participantes e a orientação de um tutor ao longo das sessões). Como será exposto adiante, o projeto procura abordar diferentes aspectos da educação nas profissões da saúde, sempre utilizando metodologias ativas, contribuindo para que os participantes e organizadores entrem em contato e vivenciem essas experiências, de maneira que todas as partes envolvidas se desenvolvam com o processo.

Em 2018, as inscrições foram abertas a estudantes da área da saúde, inclusive de outras instituições. A seleção teve as mesmas características do projeto de 2017, acrescida da necessidade de confirmação da disponibilidade para as datas das imersões. As entrevistas com os candidatos externos foram feitas por meio do sistema Skype?. Embora tenha sido aberto à participação de estudantes da área da saúde, só houve interessados de cursos de Medicina e o grupo final de participantes foi composto por 13 estudantes da própria instituição (FCMS-PUC-SP) e 11 estudantes de outros cursos de Medicina - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), Universidade Federal do Paraná (UFPR), campus Toledo, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Unicamp, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Positivo do Paraná (UP-PR) e Universidade Vila Velha (UVV-ES). Doze eram mulheres e 12 homens. Cursavam o segundo ano (n = 7), terceiro ano (n = 5), quarto ano (n = 4), quinto ano (n = 5) e sexto ano (n = 3). A média das idades foi de 23 anos com variação entre 19 e 27 anos. Novamente em 2018, todos tinham bom conhecimento da língua inglesa. Os estudantes de outras instituições que vieram a Sorocaba para os dois períodos de imersão foram solidariamente recepcionados e hospedados pelos colegas da cidade como forma de minimizar os custos e proporcionar maior integração.

Aspectos éticos

Antevendo a necessidade de fazer a avaliação formal do projeto com os participantes e sua futura publicação também como um projeto de pesquisa, para o ano de 2018, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da FCMS-PUC-SP, onde foi registrado e aprovado sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 00995718.8.0000.5373.

PROGRAMA

Primeira imersão

O programa das atividades presenciais da primeira imersão em 2018 está apresentado no Quadro 1. De maneira geral, as sessões da imersão tiveram o formato de atividades de discussão em cinco pequenos grupos no mesmo ambiente (salão). Nesse formato, uma tarefa é apresentada aos grupos com tempo determinado para discussão e preparo. Depois, um relator do grupo apresenta o resultado da tarefa à plenária e esse relato é discutido por todos com a mediação dos coordenadores responsáveis por aquela tarefa. Encerrando a atividade, os facilitadores (coordenadores) fazem um sumário do que foi relatado e discutido e apresentam uma pequena revisão com referenciais teóricos, experiências bem-sucedidas ou recomendações oriundas das melhores evidências em educação na área da saúde.

Quadro 1
Habilidades em educação - programa das atividades da primeira imersão

Na abertura (sexta-feira), foram feitas as apresentações dos participantes, tutores e coordenadores e iniciada a imersão com a sessão “Construindo a comunidade de prática”, introduzida como forma de motivar o grupo ao trabalho colaborativo. O conceito e os princípios dessa estratégia de aprendizagem foram trabalhados na primeira sessão, pois é um dos objetivos do Projeto FELLOWS. O conceito social de comunidade de prática foi criado por Etienne Wenger e Jean Lave como sendo “grupos de pessoas que compartilham uma preocupação ou uma paixão por algo que fazem e aprendem como fazê-lo melhor à medida que elas interagem regularmente”88. Wenger-Trayner E, Wenger-Trayner B. Introduction to communities of practice: a brief overview of the concept and its uses. 2015. Available from: https://wenger-trayner.com/wp-content/uploads/2015/04/07-Brief-introduction-to-communities-of-practice.pdf.
https://wenger-trayner.com/wp-content/up...
,99. Ranmuthugala G, Plumb JJ, Cunningham FC, Georgiou A, Westbrook JI, Braithwaite J. How and why are communities of practice established in the healthcare sector? A systematic review of the literature. BMC health serv. res. 2011;14(11):273.. Dessa forma, esses grupos de pessoas, “ao interagirem, aprendem juntas e constroem relações, além de desenvolverem um senso de pertencimento e comprometimento mútuo”88. Wenger-Trayner E, Wenger-Trayner B. Introduction to communities of practice: a brief overview of the concept and its uses. 2015. Available from: https://wenger-trayner.com/wp-content/uploads/2015/04/07-Brief-introduction-to-communities-of-practice.pdf.
https://wenger-trayner.com/wp-content/up...
. As comunidades de prática têm como alicerce três características fundamentais: o interesse comum dos participantes, o desenvolvimento de atividades de comunicação que permitam o compartilhamento e aprendizado mútuos e a aplicação prática como meio e objetivo final.

Inseriu-se incialmente o tema “Facilitação da aprendizagem: os diferentes papéis do professor” para que os participantes ampliassem sua percepção e refletissem sobre as atividades habituais do professor de Medicina.

As DCN de 2001 e 2014 apontam para a necessidade de formar médicos que assumam o seu papel na atenção à saúde, gestão e educação em saúde, como profissionais de saúde preparados para atender às necessidades da sua comunidade e não apenas limitados ao tratamento das doenças11. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2001.,22. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2014.. As diretrizes reforçam ainda a importância do ensino centrado no aluno, de forma a garantir a formação de médicos com mais autonomia e capazes de manter um processo contínuo de aprendizado e atualização11. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2001.,22. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Brasília; 2014.. Dessa maneira, é fundamental que o participante entenda a mudança do papel do futuro docente no processo de ensino, rompendo com a ideia da simples transmissão do conhecimento de uma área específica. O estudante deve compreender os diferentes papéis que o docente pode ocupar na instituição de ensino e entender que para desempenhá-los adequadamente irá necessitar de habilidades e conhecimentos específicos para o bom desempenho em sua tarefa de ensinar. Assim, é importante que o futuro docente seja fortalecido na sua capacitação didático-pedagógica considerando as áreas de atuação mais comuns da docência na área da saúde, com atenção especial ao uso adequado das metodologias de ensino-aprendizagem, às técnicas de avaliação, à prática assistencial, ao desenvolvimento técnico-científico, à gestão, ao trabalho cooperativo e à multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, que favorecerão o seu desenvolvimento docente e o melhor funcionamento do currículo1010. Harden RM, Crosby JR. The good teacher is more than a lecturer: the twelve roles of the teacher: AMEE Guide nº 20. Med. teach . 2000;22(4):334-47.,1111. Machado MMBC, Sampaio CA, Macedo SM, Figueiredo MFS, Rodrigues Neto JF, Lopes IG, et al. Reflexões e significados sobre competências docentes no ensino médico. Avaliação (Campinas) 2017;22(1):85-104..

Na sessão “O currículo: escada da integração”, um tema desafiador, o Projeto FELLOWS possibilitou aos seus participantes vivenciar o papel do professor organizador do currículo, permitindo a discussão sobre a relação currículo e projeto pedagógico, a organização curricular com ênfase em disciplinas ou integração, as ferramentas de integração e os estágios de integração curricular e a participação do aluno nos diversos modelos1212. Harden R. The integration ladder: a tool for curriculum planning and evaluation. Med. educ. 2000;34(7):551-7.

13. Hammick M, Freeth D, Koppel I, Reeves S, Barr H. A best evidence systematic review of interprofessional education: BEME Guide nº 9. Med. teach . 2007;29(8):735-51.
-1414. Harden RM, Sowden S, Dunn WR. Educational strategies in curriculum development: the SPICES model. Med. educ . 1984;18(4):284-97.. Além disso, discutiram a necessidade de avaliar a adequação do modelo curricular escolhido aos objetivos a serem alcançados, suas fortalezas e fragilidades, baseado no modelo SPICES14. O acrônimo SPICES representa seis diferentes aspectos do currículo que podem ser representados como um espectro ou contínuo entre dois extremos: Student-centred/teacher-centred (centrado no aluno/centrado no professor); Problem-based/information-gathering (baseado em problemas/coleta de informações); Integrated/discipline-based (integrado/baseado em disciplinas), Community-based/hospital-based (baseado na comunidade/baseado em hospitais), Elective/uniform and systematic/apprenticeship-based (eletivo/uniforme e sistemático/baseado em aprendizagem)1414. Harden RM, Sowden S, Dunn WR. Educational strategies in curriculum development: the SPICES model. Med. educ . 1984;18(4):284-97..

Os atuais métodos de avaliação do estudante focam habilidades clínicas (de comunicação - história do paciente e realização do exame físico), habilidades para realizar procedimentos e profissionalismo. A sessão “Avaliação do aluno: metodologia e aplicação” pretendeu conceituar e apresentar os diferentes tipos de avaliação (somativa, formativa e informativa) e discutir as vantagens e desvantagens dos principais métodos de avaliação do estudante em procedimentos escritos (prova escrita, testes de múltipla escolha, prova de progresso, portfólio), de simulação (casos clínicos padronizados, execução de procedimentos, prova de estações) e em contato direto com o paciente (caso clínico, miniexame clínico (Mini-Clinical Evaluation Exercice - mini-CEX), observação de procedimentos)1515. Shumway JM, Harden RM. The assessment of learning outcomes for the competent and reflective physician: AMEE Guide nº 25. Med. teach . 2003;25(6):569-84.

16. Norcini JJ, McKinley DW. Assessment methods in medical education. Teach Teacher Educ 2007;23:239-50.
-1717. Troncon LEA. Estruturação de sistemas para avaliação programática do estudante de Medicina. Rev. bras. educ. méd. 2016;40(1):30-42.. Discutiu também a correspondência entre as competências a serem avaliadas e os métodos mais apropriados para abordá-las, levando-se em conta a confiabilidade, padronização, reprodutibilidade, viabilidade técnica (aplicabilidade em determinado local), equivalência e o custo (viabilidade econômica) dos diferentes métodos1515. Shumway JM, Harden RM. The assessment of learning outcomes for the competent and reflective physician: AMEE Guide nº 25. Med. teach . 2003;25(6):569-84.,1616. Norcini JJ, McKinley DW. Assessment methods in medical education. Teach Teacher Educ 2007;23:239-50.. Foram discutidos com maior ênfase os métodos baseados na prática: casos clínicos (longos), mini-CEX, observação direta de habilidades em procedimentos e avaliação por pares.

O feedback é um instrumento fundamental da avaliação formativa. É o processo em que o professor e o aluno se modificam na tarefa de ensinar e aprender. O feedback é a informação dada ao aluno para descrever, analisar e avaliar qualitativamente seu desempenho em determinada atividade, comparando ao que seria esperado para a circunstância em que a atividade foi realizada e para o seu grau de formação. Há técnicas para um feedback adequado que devem ser respeitadas para que seja efetivo1818. Borges M, Miranda C, Santana R, Bollela V. Avaliação formativa e feedback como ferramenta de aprendizado na formação de profissionais da saúde. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):324-31.. O futuro docente precisa entender a complementaridade das avaliações somativa e formativa e que a última é importante ferramenta pedagógica e um dos componentes centrais do processo de ensino-aprendizagem1717. Troncon LEA. Estruturação de sistemas para avaliação programática do estudante de Medicina. Rev. bras. educ. méd. 2016;40(1):30-42.,1818. Borges M, Miranda C, Santana R, Bollela V. Avaliação formativa e feedback como ferramenta de aprendizado na formação de profissionais da saúde. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):324-31..

PERÍODO INTERMEDIÁRIO - ATIVIDADE A DISTÂNCIA

Projeto em educação - aprendizagem clínica em diferentes cenários

Foram formados quatro grupos de seis alunos com seus respectivos tutores, e um tutor ficou como reserva. Os grupos foram organizados pelos coordenadores a partir das respostas dos participantes ao questionário Team Roles Test, que identifica os papéis que cada um melhor representa em um grupo de trabalho (https://www.123test.com/team-roles-test/). Os grupos foram formados respeitando o resultado indicado pelo teste e compondo os papéis preferenciais de cada estudante com o objetivo de formar grupos harmoniosos facilitando o trabalho coletivo. Cada grupo foi responsável pela construção de um projeto de ensino sobre a temática “aprendizagem clínica em seus diversos cenários”. A recomendação feita aos grupos era que a atividade tinha como objetivo desenvolver no estudante habilidades clínicas e atitudes relacionadas à atenção à saúde em diferentes cenários de ensino-aprendizagem.

Os projetos de ensino deveriam abordar, obrigatoriamente, os seguintes aspectos educacionais em sua construção: metodologia de ensino adequada, integração serviço de saúde-usuário-escola médica, responsabilidade social, avaliação e feedback do processo ensino-aprendizagem, e viabilidade prática do projeto de ensino. Os quatro cenários de aprendizagem escolhidos foram: enfermaria hospitalar, ambulatório, unidade básica de saúde (com estratégia de saúde da família) e visita domiciliar.

Ao longo das imersões, os grupos tiveram períodos de trabalho em conjunto (ver quadros 1 e 2). Na primeira imersão, o trabalho em equipe foi usado para compartilhar conhecimentos prévios sobre o tema, contextualizar o problema e apontar uma proposta de trabalho e justificativa. No período a distância, os grupos deveriam responder, por meio de pesquisa, às perguntas, às dúvidas e aos objetivos levantados nas sessões presenciais e desenvolver o plano de trabalho. Os últimos detalhes do projeto escrito e a apresentação ocorreram na segunda imersão.

Quadro 2
Habilidades em educação - programa das atividades da segunda imersão

Segunda imersão

A segunda imersão foi realizada quatro meses após a primeira imersão e iniciada na sexta-feira, das 18 às 20h30 (Quadro 2). Após as boas-vindas e a familiarização com os coordenadores e tutores, realizaram-se atividades de habilidades de comunicação com a coordenação de dois atores do Grupo Ó Positivo da Unicamp. As sessões no sábado e domingo tiveram o formato de atividades de discussão em pequenos grupos e em plenária, como já descrito para a primeira imersão. Além de sessões destinadas ao desenvolvimento de temas mais específicos, houve uma longa sessão no domingo, em que foram apresentados e discutidos os projetos de educação em diferentes cenários, elaborados em cada grupo (a distância e presencial) no período intermediário de quatro meses.

Entre os temas específicos, havia “Os valores norteadores da escola médica”. Considerando que a missão de uma escola médica deve ir além da função educacional de formar médicos, cabendo a ela também a missão social de formar profissionais sensibilizados e capazes de cuidar da população como um todo, com especial atenção ao modelo de atendimento à saúde baseado na atenção primária, levando em conta as necessidades de áreas carentes, o Projeto FELLOWS incluiu em suas atividades uma sessão com o objetivo de levar os participantes a refletir sobre os valores e as atitudes da responsabilidade social na escola médica1919. Ellaway RH, Malhi R, Bajaj S, Walker I, Myhre D. A critical scoping review of the connections between social mission and medical school admissions: BEME Guide nº 47. Med. teach . 2018;40(3):219-26.. Para isso, apresentou o conceito de social accountability (responsabilidade social) como valor essencial na formação médica. Apresentaram-se os critérios ASPIRE Excellence-Social Accountability e as áreas do Consenso Global de Responsabilidade Social das Escolas Médicas, gerando discussão sobre as atitudes necessárias para que a escola médica incorpore a responsabilidade social como um valor norteador, levando em conta a sua organização, função, ensino, pesquisa e assistência2020. Harden RM, Roberts TE. ASPIRE: international recognition of excellence in medical education. Lancet 2015;385(9964):230.,2121. Consenso Global de Responsabilidade Social das Escolas Médicas. Available from: http://healthsocialaccountability.sites.olt.ubc.ca/files/2012/02/GCSA-Global-Consensus-document_portuguese.pdf.
http://healthsocialaccountability.sites....
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Outro tema de grande interesse, particularmente para os estudantes oriundos de escolas com estrutura curricular “tradicional”, foi “Aprendizagem baseada em problemas (ABP) e tutoria”. Apresentou-se a metodologia da ABP aos estudantes e discutiram-se as vantagens, as desvantagens e os progressos dela2222. Santos SR. O aprendizado baseado em problemas (Problem-based learning - PBL). Rev. bras. educ. méd . 1994; 18(3):121-4.

23. Azer SA, Peterson R, Guerrero AP, Edgren G. Twelve tips for constructing problem-based learning cases. Med. teach . 2012;34(5):361-7.

24. Maia JA. Metodologias problematizadoras em currículos de graduação médica. Rev. bras. educ. méd . 2014;38(4):566-74.
-2525. Bate E, Hommes J, Duvivier R, Taylor DC. Problem-based learning (PBL): getting the most out of your students - their roles and responsibilities: AMEE Guide ENT#093; 84. Med. teach . 2014;36(1):1-12.. Resumidamente, a ABP foi introduzida na educação médica na Universidade de McMaster (Canadá), nos anos 1960, e posteriormente em Maastricht (Holanda). Desde então, muitas escolas médicas adotaram-na e hoje é bastante utilizada pelas novas escolas médicas no Brasil. O ponto-chave do método é a apresentação de um problema real (ou criado) que provoca a procura dos objetivos de aprendizagem bem definidos, para ser solucionado por um pequeno grupo de estudantes (de oito a dez) em sessões tutoriais (um professor é o tutor) intermediadas por períodos de estudo autodirigido. As sessões tutoriais têm formato bem estruturado e duram de duas a três horas. Após a leitura do problema, os estudantes discutem e utilizam o conhecimento prévio para propor a estratégia de solução, estabelecem os pontos que precisam ser esclarecidos, os objetivos de aprendizagem e onde buscar (estudar) as informações. No período entre as sessões tutorias, cada aluno estabelece sua própria forma e o seu tempo de estudo para atender às suas necessidades, e, na sessão tutorial seguinte, rediscutem o problema completando as lacunas com as novas informações, integrando e complementando mutuamente os conhecimentos adquiridos. Depois constroem em conjunto um mapa conceitual do problema e ao final fazem a autoavaliação, a avaliação dos pares, do tutor e do problema.

No FELLOWS, cada grupo de discussão teve como tarefa criar coletivamente um problema com seus respectivos objetivos de aprendizagem para ser desenvolvido no período entre as imersões em um ambiente virtual de aprendizagem, com o suporte dos tutores e dos coordenadores. Apenas dois grupos conseguiram completar esse trabalho, revelando as esperadas dificuldades do trabalho coletivo feito em longo prazo.

REFLEXÕES SOBRE O PROJETO FELLOWS

O Projeto FELLOWS é muito significativo para os seus idealizadores e organizadores, que reconhecem as possíveis contribuições para a educação nas profissões da saúde e, pela especificidade, para a educação médica. Além dos óbvios benefícios pessoais para os organizadores e participantes, pois preparar as atividades de ensino é a melhor forma de aprender, devem-se também considerar os benefícios para as instituições de ensino, que poderão contar com estudantes mais preparados, engajados e críticos na concepção e no desenvolvimento das atividades curriculares, na participação mais efetiva da vida acadêmica, assumindo suas responsabilidades sociais e reconhecendo aquelas próprias das instituições de ensino. Embora o número seja pequeno, esse grupo de estudantes foi despertado para a atividade profissional, a docência, cujas oportunidades de formação são pouco disponíveis. Hoje temos poucos programas de pós-graduação stricto sensu na área da saúde direcionados especificamente para a formação docente. A maioria dos programas de pós-graduação reconhecidos e recomendados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) tem como objetivo principal a formação de pesquisadores e não de docentes para o ensino superior. Na graduação, o aspecto da formação de docentes não está contemplado nos currículos dos cursos da área da saúde e, na maioria das vezes, restringe-se à monitoria. Assim, as IES ganham um grupo de alunos interessados na docência como possível área de atividade profissional no futuro e, ao mesmo tempo, terão entre seus estudantes pessoas interessadas em avaliar, analisar e ser críticas em relação ao desenvolvimento do currículo e às atividades pedagógicas do curso, o que pode ser muito útil para a instituição.

Benefícios para os alunos participantes

Além dos benefícios já elencados anteriormente, há muitos estudos que indicam que a participação de estudantes e residentes nas atividades curriculares regulares dos cursos da área da saúde, em particular de Medicina, melhora a capacidade de aprendizado, orientação, liderança e gestão, e favorece as relações interpessoais e a aquisição de habilidades de comunicação, o engajamento estudantil e a responsabilidade social do estudante3,4.

Benefícios para os coordenadores e supervisores

Conceber, organizar, preparar-se para executar, vivenciar e analisar o que foi feito está entre os maiores benefícios que os coordenadores (organizadores) do Projeto FELLOWS poderiam ter. Segundo Paulo Freire26, “nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo (p. 28). Assim, a atividade docente comprometida e disposta a receber e entender o aluno como igual, com seus conhecimentos e suas vivências culturais prévios, é a maior experiência de aprendizado que o professor pode experimentar. Professor e aluno aprendem juntos e se ajudam nesse aprendizado. Assim, desenvolver o Projeto FELLOWS foi e continuará sendo um grande aprendizado para os organizadores e supervisores. Poder contar no início do processo com colaboradores de outras IES da área da saúde foi fundamental para que se pudesse criar esse núcleo de desenvolvimento docente formado por alunos do curso de Medicina e direcionado a alunos das profissões da saúde.

O que pode ser melhorado e os passos futuros

Discussões feitas entre os coordenadores de maneira informal e aquelas realizadas regularmente após as atividades (formais) identificaram como maior necessidade futura a avaliação formal do projeto. Há a necessidade de documentar as opiniões e sugestões dos participantes, dos coordenadores e, se possível, de docentes das instituições que abrigam os participantes do Projeto FELLOWS, procurando avaliar se (e como) a participação do estudante no projeto influenciou sua vida acadêmica.

O projeto terá continuidade com renovação de parte dos coordenadores no mesmo modelo de 2018, com dois encontros de imersão e um projeto educacional feito em grupo a distância.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos que, de alguma forma, colaboraram para o sucesso dessa experiência, em particular aos coordenadores (organizadores), tutores, participantes (alunos e residentes) e sobretudo aos colaboradores internos (Profa. Dra. Maria Helena Senger) e externos (Profa. Dra. Eliana Amaral da UNICAMP, Profa. Dra. Jacqueline Costa Teixeira Caramori da UNESP de Botucatu, Adilson Doniseti Ledubino e Letícia Rodrigues Frutuoso do Grupo Ó Positivo da UNICAMP). Agradecemos também o apoio da coordenação do curso de Medicina e da direção FCMS-PUC-SP, da diretoria e de muitos colegas da Regional São Paulo da ABEM e da diretoria nacional dessa associação, em particular à Profa. Lucia Christina Ioshida e ao Prof. Sigisfredo Luiz Brenelli, que sempre demonstraram interesse, incentivaram e divulgaram a iniciativa entre seus pares, estudantes e residentes.

O relato dessa experiência foi apresentado no 55º Congresso Brasileiro de Educação Médica, em novembro de 2018, como resumo e pôster comentado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2019
  • Aceito
    10 Dez 2019
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