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Associação entre Empatia e Personalidade em Estudantes de Medicina

Association between Empathy and Personality in Medical Students

Resumo:

Introdução:

A empatia é um atributo valorizado como competência médica que influencia positivamente a relação médico-paciente e repercute na adesão ao tratamento e na melhora clínica. Estudos prévios indicam que há correlação entre personalidade e empatia em estudantes de Medicina, mas não existem, até o momento, dados referentes na literatura nacional. Este estudo teve como objetivos analisar a capacidade de empatia e os domínios de personalidade e investigar a correlação entre empatia e personalidade em estudantes de Medicina brasileiros.

Métodos:

Aplicaram-se dois instrumentos em estudantes do primeiro ano do curso de Medicina, nos anos de 2015 e 2017, para avaliar empatia e personalidade por meio das seguintes escalas: Jefferson Scale Empathy - Students version (JSE-S) e NEO-Five Factor Inventory (NEO-FFI). Foi realizada análise descritiva dos dados contendo média, escores mínimo e máximo, correlação e regressão linear de personalidade e empatia.

Resultados:

Preencheram os instrumentos 164 (96,4%) estudantes, sendo 50,5% do sexo feminino. A média do escore global da JSE-S foi de 117,6 ± 10,9, sendo a média feminina (119,5 ± 10,5) e masculina (115,7 ± 11) com diferença significativa (p < 0,01). No NEO-FFI, a conscienciosidade obteve a maior média global (29,1 ± 3,8), e coube ao neuroticismo a menor média (21,7 ± 4,7). No grupo feminino, a maior média foi encontrada em conscienciosidade (29,4 ± 3,8); e a menor, em abertura para experiência (20,6 ± 3,3). No grupo masculino, conscienciosidade (29,4±3,9) e neuroticismo (21,6±4,2) obtiveram as maiores e menores médias. Constatou-se diferença significativa entre os sexos no escore global da JSE-S, em abertura para experiência e socialização. As correlações encontradas entre empatia e personalidade foram fracas, e nenhuma delas foi estatisticamente significativa.

Conclusão:

As médias dos domínios de personalidade diferem entre os sexos, e, no presente estudo, em avaliação transversal, não houve correlação forte da personalidade e empatia em estudantes de Medicina. Estudos com abordagem longitudinal são necessários para elucidar modulações na empatia e personalidade, nos diferentes momentos da formação médica.

Palavras-chave:
Empatia; Personalidade; Educação Médica

Abstract:

Introduction:

Empathy is a valuable attribute for a physician, as it positively influences the doctor-patient relationship. Previous studies indicate that there is a correlation between personality and empathy in medical students, but there is no data available in the Brazilian literature so far. This study aimed to analyze the empathy and personality traits of Brazilian medical students, and investigate their association.

Methods:

First year medical students from the 2015 and 2017 cohorts had their empathy and personality traits evaluated by two instruments using the following scales, respectively: Jefferson Scale of Empathy - Students version (JSE-S) and NEO-Five Factor Inventory (NEO-FFI). A descriptive analysis comprised mean, minimum and maximum scores, correlation coefficients and linear regression of personality and empathy.

Results:

164 (96.4%) students completed the surveys, and 50.5% were women. The mean global score of the JSE-S was 117.6 ± 10.9; stratification by gender showed scores of 119.5 ± 10.5 and 115.7 ± 11.0, respectively in women and men (p<0.01). In the NEO-FFI, the domain of ‘conscientiousness’ had the highest global mean (29.1 ± 3.8) and ‘neuroticism’, the lowest (21.7 ± 4.7). In women, the highest mean was observed in ‘conscientiousness’ (29.4 ± 3.8) and the lowest in ‘open to new experiences’ (20.6 ± 3.3). In men, the highest and the lowest scores were respectively in the domains ‘conscientiousness’ (29.4 ± 3.9) and ‘neuroticism’ (21.6 ± 4.2). There was a significant difference between men and women in the global score of the JSE-S, and in the personality domains of ‘open to new experiences’ and ‘socialization’. Correlations between empathy and personality were found to be weak and not statistically relevant.

Conclusion:

The personality traits differed between men and women, but there was no significant correlation between empathy and personality among medical students enrolled in this cross-sectional study. Further investigations are needed to examine how empathy and personality modulate during medical studies using longitudinal approaches.

Keywords:
Empathy; Personality; Medical Education

INTRODUÇÃO

Sabe-se que o desempenho do médico é fortemente influenciado por seus conhecimentos, por suas competências clínicas e também pela capacidade de empatia. A empatia contribui positivamente para a relação médico-paciente e tem impacto na adesão ao tratamento11. Bensing JM, Dronkers J. Instrumental and affective aspects of physician behavior. Med Care. 1992;30(4):283‐98.),(22. Hojat M, Louis DZ, Maio V, Gonnella JS. Empathy and health care quality. Am J Med Qual. 2013;28(1):6‐7.. Há ainda a evidência de que a habilidade empática pode ser influenciada pela personalidade33. Abe K, Niwa M, Fujisaki K, Suzuki Y. Associations between emotional intelligence, empathy and personality in Japanese medical students. BMC Med Educ. 2018;18(1): 1-9 [acesso em 29 set 2019]. Disponível em: Disponível em: https://bmcmededuc.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12909-018-1165-7 .
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. Assim, das diversas características individuais do profissional que podem interferir no atendimento aos pacientes, destacamos neste artigo a personalidade e a empatia.

A personalidade é definida como um conjunto de características singulares de cada indivíduo. Embora possa ser modulada por diferentes contextos, a personalidade é referida como relativamente constante ao longo do tempo44. Allport GW. Personalidade padrões e desenvolvimento. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 1996., determinando um perfil único para cada pessoa constituído de diferentes características, aqui denominadas “domínios” ou “traços” de personalidade. Tais atributos podem ser influenciados pela cultura, educação e observação de comportamentos de outras pessoas55. Linton R. O homem: uma introdução à antropologia. São Paulo: Livraria Martins; 1962. que formam os domínios da personalidade e permeiam a conduta humana66. McCrae RR, John OP. An introduction to the five-factor model and its applications. J Pers. 1992;60(2):175-215..

A empatia, por sua vez, é um dos atributos mais destacados em profissionais da área da saúde, principalmente na relação médico-paciente, reunindo em seu conceito domínios cognitivos, emocionais e afetivos77. Mehrabian A, Young AL, Sato S. Emotional empathy and associated individual differences. Current Psychol. 1988;7(3):221-40.. Oriunda do grego, empatia significa a capacidade de colocar-se no lugar do outro, sem se confundir com ele88. Soar FEJ. A interação médico-cliente. Rev Assoc Med Bras. 1998. 44(1):35-42 [acesso em 30 ago 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42301998000100007&lng=en .
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. Sendo assim, o uso dessa habilidade privilegia a escuta associativa, a atenção à linguagem corporal e a observação dos sinais de ansiedade99. Halpern J. What is clinical empathy? J Gen Intern Med. 2003;18(8):670-4. do paciente pelo médico1010. Suchman AL, Markakis K, Beckman HB, Frankel R. A model of empathic communication in the medical interview. JAMA. 1997;277(8):678-82.. Estudos prévios demonstraram que a empatia tem impacto terapêutico positivo1111. Halpern J. Empathy and patient-physician conflicts. J Gen Intern Med . 2007;22(5):696-700.),(1212. Flickinger TE, Saha S, Roter D, Korthuis PT, Sharp V, Cohn J, et al. Clinician empathy is associated with differences in patient-clinician communication behaviors and higher medication self-efficacy in HIV care. Patient Educ Couns. 2016;99(2):220-6. com aumento na satisfação do paciente, reduzindo a ansiedade e o sofrimento dele, com resultados clínicos significativamente melhores1313. Derksen F, Bensing J, Lagro-Janssen A. Effectiveness of empathy in general practice: a systematic review. Br J Gen Pract. 2013;63(606):76-84.. Sabe-se também que ela varia conforme os anos de experiência do profissional e com o gênero, e existe consenso na literatura de que as mulheres apresentam maiores escores de empatia, especialmente em grupos de estudantes de Medicina1414. Nascimento HCF, Ferreira WAF, Silva AMTC, Carvalho IGM, Bastos GCFC, Almeida RJ. Análise dos níveis de empatia de estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med. 2018;42(1):152-60..

Estudos que analisaram a relação entre empatia e os cinco principais domínios da personalidade (conscienciosidade, extroversão, socialização, abertura para experiência e neuroticismo) demonstraram correlação positiva e significativa entre empatia e socialização, e abertura para experiência e extroversão1515. Song Y, Shi M. Associations between empathy and big five personality traits among Chinese undergraduate medical students. PLoS One. 2017;12(2):1-13 [acesso em 16 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0171665 .
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)-(1818. Hojat M, Vergare M, Isenberg G, Cohen M, Spandorfer J. Underlying construct of empathy, optimism, and burnout in medical students. Int J Med Educ. 2015;6:12-6.. Contudo, há relatos de uma correlação inversa da capacidade de empatia com o neuroticismo1919. Ertram K, Randazzo J, Alabi N, Levenson J, Doucette JT, Barbosa P. Strong correlations between empathy, emotional intelligence, and personality traits among podiatric medical students: a cross-sectional study. Educ Health. 2016;29(3):186-94.. Esses resultados são oriundos de estudos internacionais realizados com estudantes de Medicina. No Brasil, existem dados publicados sobre os níveis de empatia em estudantes de Medicina, mas dados analisando sua correlação com outras características individuais, como a personalidade, não foram publicados até o momento. Portanto, os objetivos deste estudo foram: 1. analisar a capacidade de empatia e os domínios de personalidade, e 2. investigar a associação entre empatia e personalidade em estudantes de Medicina brasileiros.

MÉTODOS

Os dados analisados fazem parte de um projeto mais extenso que visa conhecer o perfil do estudante de Medicina de uma universidade pública do Brasil. As análises apresentadas neste artigo são resultantes de duas enquetes transversais realizadas com alunos do primeiro ano de Medicina nos anos de 2015 e 2017. Foram distribuídos questionários contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e questionários autoaplicáveis, em horário curricular disponibilizado à pesquisa. Apresentaram-se aos alunos os objetivos da aplicação, bem como as instruções para a participação na pesquisa.

Dentre os questionários aplicados para avaliação do perfil do aluno, utilizaram-se dois instrumentos validados em português para mensurar a capacidade de empatia e a personalidade: respectivamente, a Jefferson Scale Empathy - Students version (JSE-S)2020. Paro HB, Daud-Gallotti RM, Tibério IC, Pinto RM, Martins MA. Brazilian version of the Jefferson Scale of Empathy: psychometric properties and factor analysis. BMC Med Educ . 2012; 73(12):1-7. e o NEO-Five Factor Inventory (NEO-FFI)2121. Magalhães E, Salgueira A, Gonzalez AJ, Costa JJ, Costa MJ, Costa P, et al. NEO-FFI: psychometric properties of a short personality inventory in Portuguese context. Psicol Reflex Crit. 2014;27(4):642-57.. Esse último é composto pelos domínios de personalidade descritos por Costa e McCrae2222. Costa PT, McCrae RR. Revised NEO personality inventory (NEO-PI-R) and NEO five-factor inventory (NEO-FFI) professional manual. Odessa: Psychological Assessment Resources;1992., na denominada Teoria dos Cinco Fatores ou Big Five, definidos a partir de atributos, a saber: extroversão, socialização, conscienciosidade, neuroticismo e abertura para experiência2323. Gomes CMA, Golino HS. Relações hierárquicas entre os traços amplos do Big Five. Psicol Reflex Crit . 2012;25(3):445-56..

A JSE-S é um questionário que avalia a empatia, amplamente validado e utilizado em estudantes de Medicina de diversas nacionalidades, sendo composto por 20 itens, dez com afirmativas diretas e dez com afirmativas reversas, cujas respostas variam em escala do tipo Likert de 1 (“discordo fortemente”) a 7 (“concordo fortemente”). Os escores foram calculados respeitando a reversibilidade de cada item. Não há um ponto de corte, e, quanto maior for o escore obtido pelo estudante, maior será propensão à empatia.

O NEO-FFI, por sua vez, é um instrumento para avaliação de domínios individuais da personalidade, que são: extroversão, neuroticismo, conscienciosidade, socialização e abertura para experiência. O questionário é composto por 60 itens com escalas de 1 (“discordo fortemente”) a 5 (“concordo fortemente”), com um total de 12 itens que avaliam cada um dos cinco domínios de personalidade. Os domínios podem ser assim descritos: a “extroversão” se refere à intensidade e frequência de relações interpessoais; a “socialização” se concentra nos tipos de interações sociais construídas pelo indivíduo; a “conscienciosidade” indica o grau de resiliência e motivação; o “neuroticismo” indica a adequação emocional; enquanto a “abertura à experiência” demonstra a disposição a novas experiências2424. Nunes CHSS, Hutz CS. O modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade. In: R. Primi, organizador. Temas em avaliação psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002..

Um total de 77 alunos do ano de 2015 participaram da pesquisa, com adesão de 100% dos presentes no momento da enquete. No ano de 2017, 93 alunos do primeiro ano foram convidados a participar, dos quais 87 responderam aos questionários (93,5%). Nos dois grupos, observou-se um mínimo predomínio do sexo feminino, com 50,5% em 2015 e 50,6% em 2017.

Com o objetivo de unir os dados das duas coletas transversais, realizou-se uma análise preliminar em que se compararam a distribuição dos dados e os resultados das duas turmas de alunos com relação às variáveis analisadas. Observou-se uma distribuição não paramétrica nas duas turmas de alunos. A média da empatia do grupo 1 (77 alunos) foi de 118,77 ± 9,9 e a média do grupo 2 (87 alunos) foi de 116,66 ± 11,73. A comparação entre as médias dos escores obtidos para os parâmetros analisados entre os grupos foi realizada por meio do teste Mann-Whitney, não se observando diferença estatisticamente significativa (p = 0,219).

A análise descritiva dos dados incluiu cálculos de média, escores mínimos e máximos, e desvio padrão de cada um dos domínios do NEO-FFI e da JSE-S. Na análise das variáveis contínuas, utilizaram-se os testes t de Student e Mann-Whitney e a regressão linear múltipla. A correlação entre personalidade e capacidade de empatia foi analisada por meio da correlação bivariada do índice de Spearman, após verificação de distribuição não paramétrica. Na análise de todos os dados, utilizou-se o software SPSS versão 22. A significância estatística foi estabelecida por meio de um valor de p ≤ 0,05.

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

RESULTADOS

O total de alunos participantes foi de 164 (96,4%). No questionário JSE-S, utilizado para avaliação da empatia, a média do escore global obtida foi de 117,6 ± 10,9, observado na Tabela 1. Na avaliação dos escores da JSE-S para empatia estratificada por sexo, observaram-se as seguintes médias: 119,5 ± 10,5 para o grupo feminino e 115,7 ± 11 para o masculino, com diferença significativa entre os grupos (p < 0,01).

Tabela 1
Médias, desvios padrão e amplitudes dos instrumentos de personalidade e empatia dos alunos do primeiro ano do curso de Medicina estratificados por sexo

A análise dos domínios da personalidade demonstrou que a maior média global foi a de “conscienciosidade” (29,1 ± 3,8), e “neuroticismo” obteve a menor (21,7 ± 4,7), como se observa na Tabela 2. A maior pontuação obtida da personalidade no grupo feminino foi em “conscienciosidade”, com média de 29,4±3,79, e a menor em “abertura para experiência”, com média de 20,6 ± 3,3. No grupo masculino, “conscienciosidade” e “neuroticismo” obtiveram as maiores e menores médias (29,4 ± 3,9 e 21,6 ± 4,2, respectivamente). Constatou-se diferença significativa entre os grupos após estratificação no escore dos domínios de personalidade “abertura a novas experiências” e “socialização”, conforme ilustra a Tabela 1.

Tabela 2
Correlação entre empatia (JSE-S) e personalidade (NEO-FFI)

Fez-se a avaliação da correlação pela média global e pela estratificação por sexo. Encontraram-se correlações fracas, e nenhuma delas foi estatisticamente significativa (Tabela 2).

A regressão linear múltipla não apresentou resultados significativos entre os domínios de personalidade e empatia, conforme mostra a Tabela 3.

Tabela 3
Regressão linear múltipla hierarquizada de empatia e personalidade

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo abordar a relação entre a empatia e a personalidade entre estudantes de Medicina do primeiro ano da graduação. Os nossos resultados demonstraram que os alunos com maior tendência à extroversão têm uma propensão significativamente maior à empatia, reforçando a hipótese de que essas duas características se relacionam33. Abe K, Niwa M, Fujisaki K, Suzuki Y. Associations between emotional intelligence, empathy and personality in Japanese medical students. BMC Med Educ. 2018;18(1): 1-9 [acesso em 29 set 2019]. Disponível em: Disponível em: https://bmcmededuc.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12909-018-1165-7 .
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. Segundo Costa et at.1616. Costa P, Alves R, Neto I, Marvão P, Portela M, Costa MJ. Associations between medical student empathy and personality: a multi-institutional study. PLoS One . 2014;9(3):1-7 [acesso em 22 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0089254 .
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, que também avaliaram empatia e personalidade em estudantes de Medicina, a análise dos fatores de personalidade contribuiu para a identificação de alunos mais empáticos, sobretudo nas dimensões conscienciosidade e abertura a novas experiências.

Na nossa análise dos níveis de empatia, os maiores escores foram das mulheres, o que é reforçado pelos resultados da literatura sobre estudos realizados com grupos de estudantes de Medicina25. De acordo com o estudo de Duarte et al.2626. Duarte MIF, Raposo MLB, Rodrigue PJFSF, Branco MC. Measuring empathy in medical students, gender differences and level of medical education: an identification of a taxonomy of students. Investigación Educ Médica. 2016;5(20):253-60., as mulheres, no que concerne aos discentes de Medicina, são mais empáticas do que os homens, e essa diferença tente a crescer ao longo do curso26. Há outros aspectos que contribuem para a mudança dos níveis de empatia ao longo do curso de Medicina além da personalidade e do gênero. Piumatti et al.2727. Piumatti G, Abbiati M, Baroffio A, Gerbase MW. Empathy trajectories throughout medical school: relationships with personality and motives for studying medicine. Adv in Health Scie Educ. 2020. [acesso em 29 abr 2020]. Disponível em Disponível em https://link.springer.com/article/10.1007/s10459-020-09965-y .
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destacam, por exemplo, que a motivação para o estudo da Medicina centrada no paciente pode contribuir para manter a empatia ao longo da formação médica e, por isso, deve ser estimulada.

Uma revisão da literatura realizada por Fragkos2828. Fragkos KC, Crampton PES. The Effectiveness of Teaching Clinical Empathy to Medical Students: A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. Acad Med . 2019. [acesso 19 abril 2020]. Doi: 10.1097/ACM.0000000000003058. mostrou que as intervenções de empatia em estudantes de Medicina são eficazes e que diferentes medidas têm sido adotadas para o estímulo precoce dessa habilidade. Exemplo disso se observa no estudo realizado por Schweller, Costa et al.2929. Schweller M, Costa FO, Antônio MA, Amaral EM, Carvalho-Filho MA. The impact of simulated medical consultations on the empathy levels of students at one medical school. Acad Med . 2014;89(4):632-7., no qual a aprendizagem por meio de consultas com pacientes simulados favoreceu a empatia de estudantes em diferentes anos do curso de Medicina2929. Schweller M, Costa FO, Antônio MA, Amaral EM, Carvalho-Filho MA. The impact of simulated medical consultations on the empathy levels of students at one medical school. Acad Med . 2014;89(4):632-7.. Salientamos também a importância de estratégias de aprendizagem precoces para o desenvolvimento da empatia nos estudantes de Medicina, pois, como ressaltam Piumatti et al.2727. Piumatti G, Abbiati M, Baroffio A, Gerbase MW. Empathy trajectories throughout medical school: relationships with personality and motives for studying medicine. Adv in Health Scie Educ. 2020. [acesso em 29 abr 2020]. Disponível em Disponível em https://link.springer.com/article/10.1007/s10459-020-09965-y .
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, alunos com menores níveis de empatia tendem a reduzir ainda mais seu escore com o passar do tempo. Assim, é possível individualizar intervenções pedagógicas integradas ao currículo para mudar esse cenário.

Na análise da avaliação da personalidade, por sua vez, observamos que a conscienciosidade é o traço predominante entre os cinco domínios avaliados nos dois sexos. O mesmo achado foi descrito por Lievens et al.3030. Lievens F, Coetsier P, Fruyt FD, Maeseneer J. Medical students’ personality characteristics and academic performance: a five-factor model perspective. Med Educ. 2002;36(11):1050‐6., entre outros autores, que destacam a conscienciosidade como um fator positivo no desempenho durante o curso de Medicina, sugerindo que os alunos com essa qualidade são mais propensos à proatividade, à autodisciplina e à menor tendência à desistência do curso. Outro estudo, realizado por Laher3131. Laher S. Structural equivalence and the NEO-PI-R: implications for the applicability of the five-factor model of personality in an African context: theoretical research. J Ind Psychol. 2008;34:76-80., que avaliou a personalidade de acordo com o gênero, observou que os domínios relativos à abertura à experiência e à capacidade de socialização foram maiores nos homens, assim como descrito em nossos resultados. Esses atributos, como a abertura para experiência, demonstram uma maior flexibilidade, criatividade e também a capacidade de tomada de perspectiva diferente dos demais colegas, enquanto a socialização reflete uma maior capacidade de interação, tendo uma correlação positiva e significativa com a empatia33. Abe K, Niwa M, Fujisaki K, Suzuki Y. Associations between emotional intelligence, empathy and personality in Japanese medical students. BMC Med Educ. 2018;18(1): 1-9 [acesso em 29 set 2019]. Disponível em: Disponível em: https://bmcmededuc.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12909-018-1165-7 .
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. A extroversão, como apontado anteriormente, está relacionada a uma maior capacidade de empatia, e, nos nossos achados, o escore desse domínio foi maior nas mulheres. Por fim, o neuroticismo também foi maior nas mulheres, e há a evidência de que o aumento dessa característica da personalidade ao longo do curso está associado a um melhor desempenho acadêmico3232. Lourinho I, Ferreira MA, Severo M. Personality and achievement along medical training: Evidence from a cross-lagged analysis. PLoS One [online]. 2017;12(10):e0185860 [acesso em 12 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0185860 .
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.

O conhecimento acerca da personalidade do estudante de Medicina vai além da capacidade de predizer a empatia e sua trajetória ao longo da graduação. Segundo Mullola et al.3333. Mullola S, Hakulinen C, Presseau J, Porras DGR, Jokela M, Hintsa T, et al. Personality traits and career choices among physicians in Finland: employment sector, clinical patient contact, specialty and change of specialty. BMC Med Educ . 2018;18(1):52 [acesso em 21 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: https://bmcmededuc.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12909-018-1155-9 .
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, os traços de personalidade podem influenciar na carreira médica, desde a escolha da especialidade até a relação profissional com o paciente. Portanto, ao mesmo tempo que a formação para a prática médica com estratégias de ensino-aprendizagem adequadas pode favorecer o desenvolvimento da empatia, também poderá reforçar os traços de personalidade, permitindo aos alunos a escolha adequada da sua prática futura entre as diversas especialidades médicas.

Diante do exposto, destacamos dois pontos fortes do estudo: o primeiro foi a uniformidade da distribuição de sexo nas duas enquetes, sendo relevante para a análise dos resultados obtidos, já que a literatura demonstra haver uma diferença em aspectos da empatia no que se refere à comparação entre os sexos2525. Kataoka HU, Koide N, Ochi K, Hojat M, Gonnella JS. Measurement of empathy among Japanese medical students: psychometrics and score differences by gender and level of medical education. Acad Med. 2009;84(9):1192-7.. O segundo ponto foi a alta taxa de adesão, pois os discentes demonstraram, por meio da sua participação, o interesse no estudo do perfil do estudante de Medicina da instituição. Como limitação, temos um estudo transversal realizado por dois grupos em momentos distintos, em uma única instituição, e a utilização de escalas autorreferidas, que podem não refletir a empatia na relação médico-paciente. A amostra de 164 estudantes pode não ser representativa da população geral de estudantes de Medicina, necessitando de grupos multicêntricos.

Por fim, faz-se fundamental investigar como a relação entre personalidade e empatia se comporta no tempo, sobretudo se a capacidade de empatia se modifica ao longo dos anos de formação médica e qual a relação desta com a modulação nos traços de personalidade3434. Costa FD, Azevedo RCS. Empatia, relação médico-paciente e formação em medicina: um olhar qualitativo. Rev Bras Educ Med . 2010;34(2):261-9., assim como outras características que possam interferir na empatia, como ambiente de aprendizagem e qualidade de vida3535. Paro HBMS, Silveira PSP, Perotta B, Gannam S, Enns SC, Giaxa RRB, et al. Empathy among Medical Students: Is There a Relation with Quality of Life and Burnout? PLoS One . 2014;9(4):1-10 [acesso em 18 abr 2019]. Disponível em: Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0094133 .
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. Assim, a análise da evolução longitudinal desses grupos poderá avaliar potenciais preditores de empatia ao longo do curso de Medicina.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo demonstram que, entre os cinco domínios de personalidade analisados, a conscienciosidade predomina tanto nos alunos do sexo masculino como no feminino; esse traço de personalidade se relaciona à autodisciplina e à proatividade. Além do mais, observou-se diferença significativa nos domínios denominados socialização e abertura para experiência, os quais foram mais expressivos nos homens, comparativamente às mulheres. Já os domínios de neuroticismo e extroversão predominaram nas mulheres com relação aos homens, mas a diferença não alcançou significância estatística. Os escores de empatia, por sua vez, foram significativamente maiores em mulheres, condizente com os achados da literatura. Há evidências da relação entre personalidade e empatia, e medidas de intervenção que reforcem traços positivamente associados a empatia podem ser realizadas ao longo da formação médica. Estudos complementares com desenho longitudinal permitirão elucidar as inter-relações entre personalidade e empatia, assim como acompanhar a potencial modulação entre elas na prática clínica e também analisar outros fatores que afetem a empatia, além da personalidade.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2019
  • Aceito
    31 Ago 2020
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