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Atitude de estudantes e professores de medicina: centrada no médico ou no paciente?

Resumo:

Introdução:

O cuidado centrado no paciente tem sido associado a resultados positivos.

Objetivo:

o objetivo deste estudo foi avaliar atitudes de estudantes e professores de uma faculdade de medicina brasileira quanto à relação médico-paciente e verificar fatores associados. Métodos: Trata-se de um estudo transversal analítico realizado em uma universidade pública, utilizando a PPOS - “Patient-Practitioner Orientation Scale” e um questionário sociodemográfico. Os sujeitos eram estudantes do curso de medicina e professores da instituição em questão no segundo semestre de 2015. Os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis foram utilizados para examinar o efeito das variáveis sociodemográficas e a interação com os escores encontrados para estudantes e professores.

Resultados:

Foram pesquisados 212 estudantes, correspondendo a 57,1% dos acadêmicos matriculados no curso de medicina. O valor do escore total da PPOS encontrado para os estudantes foi de 4,35 (± 0,5 DP), e o escore total médio da PPOS entre estudantes do sexo feminino (4,43) foi significativamente maior do que o masculino (4,23) (p <0,001), indicando mais atitudes centradas no paciente naquele grupo. No que se refere aos professores de medicina, 77 (56%) participaram. O escore total do PPOS foi de 4,52 (± 0,5 DP), com atitude mais focada no paciente entre os professores do que entre estudantes (4,35) (p = 0,001), mas há uma clara necessidade de progresso para ambos os grupos.

Conclusão:

A análise das atitudes de estudantes e professores sobre a relação médico-paciente permitiu desvendar um cenário desconhecido com atitudes mais centradas no paciente observadas entre os professores, apesar da necessidade de melhorias em ambos os grupos. Mais pesquisas são necessárias para avaliar não apenas a atitude, mas o comportamento desses sujeitos.

Palavras-chave:
Cuidado Centrado no Paciente; Relações Médico-Paciente; Educação Médica

Abstract:

Introduction:

Patient-centered care has been associated with positive results in medical practice.

Objective:

The aim of this study was to evaluate the attitudes of students and teachers from a Brazilian medical school regarding the physician-patient relationship and verify associated factors.

Methods:

This was an analytical cross-sectional study carried out in a public university, using the PPOS “Patient-Practitioner Orientation Scale” as well as a sociodemographic questionnaire. The subjects were regularly enrolled students attending the second semester of 2015 and their teachers. Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests were used to examine the effect of sociodemographic variables and the interaction with the scores found for students and teachers.

Results:

A total of 212 students were surveyed, corresponding to 57.1% of the enrolled students in the medical course. The value of the total PPOS score found for the students was 4.35 (± 0.5 SD), and the mean total score of PPOS among female students (4.43) was significantly higher than that in males (4.23) (p < 0.001), indicating more patient-centered attitudes in that group. Regarding medical teachers, 77 (56%) participated. The total score of PPOS was 4.52 (± 0.5 SD), with a more patient-centered attitude among teachers in comparison to students (4.35) (p = 0.001). However, there is a clear need for progress in both groups.

Conclusion:

The analysis of the students’ and teachers’ attitudes about the physician-patient relationship disclosed an unknown scenario, with more patient-centered attitudes verified among teachers despite the need for improvements by both. Further research is needed to evaluate not only the attitude but the behavior of these subjects.

Keywords:
Patient-Centered Care; Physician-Patient Relations; Medical Education

INTRODUÇÃO

Desde a sua concepção, a medicina centrada no paciente ganhou progressivamente grande importância e, conforme preconizado por alguns autores como Tsimtsiou et al.11. Tsimtsiou Z, Kerasidou O, Efstathiou N, Papaharitou S, Hatzimouratidis K, Hatzichristou D. Medical students` attitudes towards patient-centered care: a longitudinal survey. Med Educ. 2007;41:146-53., deve estar no cerne da educação médica. O cuidado centrado no paciente está ancorado na consideração do paciente como um indivíduo e prioriza suas expectativas, participação e autonomia em consonância com o profissionalismo médico. Esse tipo de atendimento impacta positivamente nos resultados, na satisfação dos pacientes e também dos profissionais22. Stewart M1, Brown JB, Donner A, McWhinney IR, Oates J, Weston WW, et al. The impact of patient-centered care on outcomes. J FamPrac. 2000;49(9):796-804.. Observou-se também que ele pode reduzir a gravidade dos sintomas, o uso de recursos de saúde e os custos com o cuidado33. Little P, Everitt H, Williamson I, Warner G, Moore M, Gould C, et al. Observational study of effect of patient centredness and positive approach on outcomes of general practice consultations. BMJ. 2001;323(7318):908-11..

Enfatizar o profissionalismo médico e incorporar o cuidado centrado no paciente na prática de nossas escolas de medicina, portanto, torna-se um desafio para todos os participantes no processo de educação médica. A aplicação de um instrumento que avalia atitudes de estudantes e professores quanto à relação médico-paciente (seja mais centrado no médico ou no paciente) foi uma iniciativa inédita nacional e internacionalmente, além de ser um parâmetro para futuros estudos comparativos. Pode também subsidiar outras pesquisas que busquem interferir diretamente na assistência à saúde oferecida por futuros médicos e seus professores. Em outras palavras, significa melhorar a atenção à saúde da população em geral e os resultados da própria Medicina. Neste estudo, objetivou-se avaliar as atitudes de estudantes e professores de uma faculdade de medicina brasileira no que se refere à relação médico-paciente e verificar os fatores associados.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, transversal e não probabilístico. Os sujeitos desta pesquisa eram estudantes de medicina da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, cursando o segundo semestre de graduação em 2015, bem como os professores de medicina dessa instituição, em atividade durante o mesmo período. Todos os estudantes e todos os professores médicos presentes na sala de aula e reuniões de departamento foram abordados no momento da aplicação do instrumento de coleta de dados e o critério de exclusão foi a recusa em participar. O Curso de Medicina da Unimontes em Montes Claros, criado em 1969, adotou a Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL, do inglês Problem-Based Learning) em 2002 e é a única universidade pública localizada na vasta região do Norte de Minas Gerais44. Machado MMBC, Batista SHSS. Interdisciplinarity in construction of the contents of medical curriculum. Rev Bras Educ Med. 2012;36(4):456-62.. Estudantes de todos os semestres da graduação foram elegíveis, porque objetivamos comparar se o contato com a prática faria diferença, mesmo em uma abordagem transversal observacional. Também objetivamos fazer comparações longitudinais futuras.

O instrumento de coleta de dados consistiu em um questionário sociodemográfico com variáveis ​​como idade, sexo, período de graduação, entrada na universidade através do sistema de cotas55. Brazil. Law No. 12,711 of August 29, 2012. Information for admission into federal universities and federal institutions of technical secondary education and provides other measures. Official Journal of the Union. Brasília: National Press, year 149, nº 169, section 1, p. 1, 30 Aug. 2012., nível socioeconômico66. Brazilian Association of Research Companies. Brazil’s economic evaluation criterion 2013. São Paulo: ABEP; 2013., especialidade pretendida após a graduação, escolaridade dos pais e participação em atividades de iniciação científica e em trabalhos extracurriculares. Também buscamos informações sobre os professores com um questionário adaptado (Anexos A e B). A escala Patient-Practitioner Orientation Scale (PPOS)77. Krupat E, Putnam SM, Yeager C. The fit between physicians and patients: can it bemeasured? J General Intern Med. 1996;11(Suppl.):134.),(88. Krupat E, Hiam CM, Fleming MZ, Freeman P. Patient-centeredness and its correlatesamong first-year medical students. Int. J. Psychiatry. 1999;29(3):347-56. foi utilizada para avaliar a atitude de alunos e professores relacionada à relação médico-paciente (Anexo A). Utilizamos uma versão validada em português99. Pereira CM, Amaral CF, Ribeiro MM, Paro HB, Pinto RM, Reis LE, et al. Cross-cultural validation of the Patient-Practitioner Orientation Scale (PPOS). Patient Educ Couns. 2013;91(1):37-43. (Anexo B) para avaliar o que os indivíduos pensam sobre os papéis dos médicos, dos pacientes e de sua relação. Mantivemos o nome do questionário em inglês por ser mais difundido na literatura. A escala é composta por 18 itens referentes à relação médico-paciente, sendo nove relacionados ao compartilhamento e nove relacionados ao cuidado, sendo cada item avaliado de 1 (concordo totalmente) a 6 (discordo totalmente) pontos na escala Likert. Itens relacionados ao compartilhamento (considerados como característicos de “compartilhamento”) refletem como os respondentes acreditam que o paciente deseja receber informações e deveria participar do processo de tomada de decisão, enquanto os itens relacionados ao cuidado (considerados como uma subescala de “cuidado”) refletem o quanto acredita-se que as expectativas, sentimentos e circunstâncias de vida do paciente interferem no processo de tratamento88. Krupat E, Hiam CM, Fleming MZ, Freeman P. Patient-centeredness and its correlatesamong first-year medical students. Int. J. Psychiatry. 1999;29(3):347-56.),(1010. Krupat E, Rosenkranz SL, Yeager CM, Barnard K, Putnam SM, Inui TS. The practice orientations of physicians and patients: the effect of physician-patitent congruence on satisfation. Patient EducCousel. 2000;39(1):49-59.),(1111. Krupat E, Bell RA, Kravitz RL, Thom D, Azari R. When physicians and patients think alike: patient-centered beliefs and their impact on satisfaction and trust. J FamPract. 2001;50(12):1057-62.. A escala PPOS foi utilizada após permissão oficial dos autores.

O tamanho da amostra foi calculado considerando-se o número total de estudantes regularmente matriculados na escola (n = 376), prevalência de 50% para atitudes centradas no paciente (como uma prevalência conservadora para oferecer o maior número de amostra), 5% como uma margem aceitável de erro e nível de confiança de 95%. Um método de amostragem aleatória de conveniência, mas não intencional, foi utilizado.

O questionário sociodemográfico e a escala PPOS traduzida foram respondidos pelos estudantes e professores de medicina da instituição no final do segundo semestre de 2015, após leitura, concordância e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo C). O questionário foi aplicado no início das aulas e durante as reuniões de departamento. As informações coletadas foram inseridas em um banco de dados desenvolvido no programa SPSS. Foram utilizadas frequências e porcentagens para análise descritiva e os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis foram utilizados para comparação dos escores médios12, uma vez que os dados não apresentaram distribuição normal, de acordo com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Foram utilizados pontos de corte para a interpretação dos valores encontrados na escala PPOS, definindo uma atitude centrada no médico para valores abaixo de 4,57, moderadamente centrada no paciente para valores entre 4,57 e 5,00 e centrada no paciente para valores acima de 5,001010. Krupat E, Rosenkranz SL, Yeager CM, Barnard K, Putnam SM, Inui TS. The practice orientations of physicians and patients: the effect of physician-patitent congruence on satisfation. Patient EducCousel. 2000;39(1):49-59.),(1111. Krupat E, Bell RA, Kravitz RL, Thom D, Azari R. When physicians and patients think alike: patient-centered beliefs and their impact on satisfaction and trust. J FamPract. 2001;50(12):1057-62..

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) sob parecer nº 1293.661.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 212 estudantes do curso de medicina (57,1%) respondendo ao instrumento de coleta de dados, sendo 60,4% do sexo feminino. Em relação aos professores, 77 participaram do estudo, correspondendo a 56% do total. Os alunos e professores de medicina da Unimontes que participaram deste estudo estão caracterizados na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos alunos e professores de medicina da Unimontes.

As médias (± DP) dos escores da PPOS observados entre os estudantes foram: 4,35 (± 0,5) para o escore geral; 4,19 (± 0,7) para o subescore de compartilhamento e 4,53 (± 0,5) para o subescore de cuidado. As médias (± DP) dos escores do PPOS observados entre os professores foram: 4,52 (± 0,5) para o escore geral; 4,29 (± 0,6) para o subescore de compartilhamento e 4,75 (± 0,6) para o subescore de cuidado. Os escores médios para a escala PPOS geral, os subescores de compartilhamento e cuidado para alunos e professores e sua associação com variáveis sociodemográficas são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Escores médios para pontuação geral da escala PPOS, subescores de compartilhamento e cuidado para as amostras de alunos e professores e associação com variáveis sociodemográficas.

Tanto o valor do escore geral quanto os valores dos subescores de cuidado e compartilhamento foram maiores entre estudantes do sexo feminino, de forma estatisticamente significativa. Em relação à especialidade exigida após o término do curso, também houve diferença com significância estatística, ou seja, os graduandos que manifestaram a intenção de seguir especialidades cirúrgicas apresentaram atitudes menos centradas no paciente. Especificamente para esta análise, consideramos as seguintes como “especialidades cirúrgicas”: cirurgia geral, cirurgia plástica, ortopedia, urologia, neurocirurgia, otorrinolaringologia, oftalmologia, mastologia e obstetrícia. Não houve diferença estatisticamente significativa para os outros fatores.

Em relação aos resultados entre os professores, não houve diferença estatisticamente significativa na correlação dos escores com os valores encontrados, exceto pelo subescore de compartilhamento na análise da variável “Especialidade básica”. Diferente dos estudantes, não houve diferença estatisticamente significativa entre os professores quanto ao sexo e especialidades cirúrgicas. A partir desse achado, foi feito um novo agrupamento de professores, assim como Ribeiro13 e estes foram alocados entre professores que exerciam especialidades básicas (clínica médica, pediatria e medicina de família e comunitária) e professores que exerciam outras especialidades. Desta forma, houve uma diferença estatisticamente significativa no subescore de compartilhamento, conforme mencionado acima.

Na análise dos escores da PPOS, também foi feita uma comparação entre as médias dos escores gerais e os subescores de cuidado e compartilhamento entre estudantes e professores. É importante destacar que para os escores geral e de cuidado houve diferença estatisticamente significativa, como mostrado na Tabela 3.

Tabela 3
Comparação do escore total, subescores de compartilhamento e cuidado entre alunos e professores do curso de medicina da Unimontes, bem como comparação de dois grupos de alunos de medicina.

Também foi feita uma comparação entre professores e estudantes, mas agora utilizando a subdivisão “estudantes do primeiro ao oitavo semestres” e “estudantes do internato” (correspondendo do oitavo ao décimo segundo semestres). Observou-se que a diferença estatística permaneceu significante, exceto para o subescore compartilhamento, em ambos os grupos. Os valores dos escores dos estudantes desses diferentes semestres também foram comparados entre si (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Neste estudo, a média (± DP) do escore total da PPOS entre os estudantes foi maior do que a observada por Haidet et al.1414. Haidet P, Dains JE, Paterniti DA, Hechet L, Chang T, Tseng E, et al. Medicalstudents attitudes towards the physician-patient relationship. Med Educ. 2002;36(6):568-74. para estudantes de origem hispânica, asiática e africana em conjunto, embora fosse menor do que a encontrada para os norte-americanos. Também foi inferior ao valor encontrado em outras escolas médicas mineiras com currículo estruturado, respectivamente, com metodologia tradicional e em outra utilizando a Aprendizagem Baseada em Problemas1515. Peixoto JM, Ribeiro MMF, Amaral CFS. Attitude of the medical student regarding the doctor-patient relationship x pedagogical model. Rev Bras Educ Med . 2011;35(2):229-36..

Assim como em outras pesquisas da literatura1313. Ribeiro MMF. A evaluation of the attitude of the medical student of the Federal University of Minas Gerais regarding the doctor-patient relationship during the medical course. 2006. Thesis [Doctorate in Clinical Medicine] - Federal University of Minas Gerais.)-(1818. Hojat M, Gonnella JS, Mangione S, Nasca TJ, Velosky JJ, Erdmann JB, et al. Empathy in medical students related to academic performance, clinical competence and gender. Med Educ. 2001;36:522-7., houve diferença estatisticamente significativa em relação ao sexo, com atitudes mais centradas no paciente entre as estudantes. As explicações para esses achados podem ser complexas e relacionadas a fatores culturais, uma vez que em muitas culturas o papel do cuidado é predominantemente feminino. Ao contrário de Ribeiro1313. Ribeiro MMF. A evaluation of the attitude of the medical student of the Federal University of Minas Gerais regarding the doctor-patient relationship during the medical course. 2006. Thesis [Doctorate in Clinical Medicine] - Federal University of Minas Gerais., que encontrou um aumento nos escores ao final do curso, não foi encontrada variação do escore geral da PPOS entre os semestres de graduação e neste estudo, a atitude dos alunos do primeiro ao oitavo semestres foi semelhante àquela no período de internato (nono ao décimo segundo semestres). Esse achado também diverge do encontrado em estudantes americanos e gregos, onde houve redução do escore da PPOS do início ao fim do curso11. Tsimtsiou Z, Kerasidou O, Efstathiou N, Papaharitou S, Hatzimouratidis K, Hatzichristou D. Medical students` attitudes towards patient-centered care: a longitudinal survey. Med Educ. 2007;41:146-53.),(1414. Haidet P, Dains JE, Paterniti DA, Hechet L, Chang T, Tseng E, et al. Medicalstudents attitudes towards the physician-patient relationship. Med Educ. 2002;36(6):568-74..

Entre os professores houve uma diferença estatisticamente significativa no exercício das especialidades básicas e os professores das áreas de Clínica Geral, Pediatria e Medicina de Família. Esses apresentaram maiores valores no subescore de compartilhamento, o que pode indicar que dão mais autonomia aos seus pacientes e, possivelmente, podem influenciar graduandos nesta direção. Em relação à análise por sexo, diferente da encontrada para os estudantes, percebeu-se que não houve diferença entre os escores. Esse fato pode ocorrer porque a preferência do próprio médico em realizar ações docentes já pode denotar um perfil diferenciado em relação à atitudes e comportamentos.

Ao comparar a atitude dos estudantes com a dos professores, uma diferença estatisticamente significativa foi observada no escore geral. Os professores neste estudo eram mais centrados no paciente do que os próprios graduandos. Essa comparação pode suscitar reflexões importantes, uma vez que considerando o valor de referência de Krupat1010. Krupat E, Rosenkranz SL, Yeager CM, Barnard K, Putnam SM, Inui TS. The practice orientations of physicians and patients: the effect of physician-patitent congruence on satisfation. Patient EducCousel. 2000;39(1):49-59. de 4,57, ambos não alcançaram uma atitude que era pelo menos moderadamente centrada no paciente. Um fato interessante é que os estudantes do primeiro ao oitavo semestres, ou seja, que não estavam no período de internato, apresentaram escores com uma maior diferença em relação aos professores (p = 0,09). Quando comparamos o escore de compartilhamento dos professores com o dos estudantes no período do internato (p = 0,43), não há diferença estatisticamente significativa, o que pode denotar uma maior proximidade de atitudes. Esse achado é um tanto esperado, uma vez que o maior contato dos graduandos com os pacientes nos diferentes estágios do internato pode colocá-los em situações em que aspectos do tratamento e da conduta podem ser negociados, e não apenas impostos. Porém, como o escore geral da PPOS e o escore de cuidado são menores entre os estudantes e, tanto para professores quanto para estudantes, seus valores correspondem a atitudes mais centradas no médico, é necessário refletir sobre o que poderia estar atrapalhando o ensino da medicina centrada no paciente durante o curso, e o que pode ser feito para reverter a situação atual, inclusive melhorando a atitude do professor. Uma questão a ser levantada é se os graduandos não absorvem exemplos de uma prática essencialmente biomédica e centrada na doença em muitos outros ambientes de graduação, apesar das mudanças curriculares em direção à aprendizagem baseada em problemas com ênfase na prática ambulatorial na Atenção Básica à Saúde e métodos ativos de ensino-aprendizagem. Assim, Ribeiro1919. Ribeiro MMF, Amaral CFS. Patient-centered medicine and medical teaching: the importance of caring for the person and medical power. Rev Bras Educ Med . 2008;32(1):90-7. enfatiza que o interesse dos alunos é frequentemente maior em relação ao “caso interessante” do que pelo doente. Além disso, o próprio currículo ainda é predominantemente concentrado na doença, e pouco se discute durante a graduação sobre a importância da consulta médica em si e sobre a comunicação adequada com os pacientes. De acordo com o autor1919. Ribeiro MMF, Amaral CFS. Patient-centered medicine and medical teaching: the importance of caring for the person and medical power. Rev Bras Educ Med . 2008;32(1):90-7., “para obter uma mudança do modelo puramente biomédico para o modelo centrado no paciente”, as escolas médicas deveriam incorporar o conhecimento das ciências humanas em seus currículos, e a semiologia médica deveria priorizar o cuidado do paciente em vez da doença1919. Ribeiro MMF, Amaral CFS. Patient-centered medicine and medical teaching: the importance of caring for the person and medical power. Rev Bras Educ Med . 2008;32(1):90-7.. É interessante notar também que a maioria dos professores da área médica não recebe formação pedagógica e intuitivamente aprende a ensinar absorvendo exemplos de ex-educadores considerados “bons professores”2020. Coast NMSC. Pedagogical training of medical teachers. Rev Latino-Am Enferm. 2010;18(1):102-8.. As intervenções pedagógicas que abordam a prática centrada no paciente para eles poderiam ser incluídas no rol de ações a serem desenvolvidas.

Um estudo realizado na Suécia constatou que o “bom professor” deve ser um modelo para o aluno, demonstrando a importância da prática clínica para a validação do que ele pretende ensinar2121. Stenfors-Hayes T, Hult H, Dahlgren LO. What does it mean to be a good teacher and clinical supervisor in medical education? Adv Health SciEduc Theory Pract. 2011;16(2):197-210.. Assim, o exemplo do professor, seu comportamento e atitude influenciam sobremaneira a atitude dos estudantes. Isso impõe a necessidade de uma mudança na atitude de nossos professores, uma vez que sua atitude ainda não é moderadamente centrada na pessoa.

CONCLUSÃO

Este estudo apresenta limitações, pois, como os demais estudos que utilizaram a PPOS no Brasil1313. Ribeiro MMF. A evaluation of the attitude of the medical student of the Federal University of Minas Gerais regarding the doctor-patient relationship during the medical course. 2006. Thesis [Doctorate in Clinical Medicine] - Federal University of Minas Gerais.),(1515. Peixoto JM, Ribeiro MMF, Amaral CFS. Attitude of the medical student regarding the doctor-patient relationship x pedagogical model. Rev Bras Educ Med . 2011;35(2):229-36., foi realizado por abordagem transversal e por amostra de conveniência, ou seja, um método não-probabilístico. Como tivemos cerca de 50% dos questionários respondidos pelos professores, isso pode ser apontado como uma limitação importante. Seria necessário um estudo longitudinal para avaliar a evolução da atitude dos graduandos durante o curso de medicina e dos professores durante o período de prática. A análise das atitudes de estudantes e professores do curso de medicina da Unimontes quanto à relação médico-paciente possibilitou desvendar um cenário local desconhecido e também ampliar horizontes globais de investigação, já que na literatura internacional até então, a atitude do professor de Medicina a esse respeito nunca havia sido estudada.

É necessária a realização de novas pesquisas que avaliem não somente a atitude, mas também o comportamento desses sujeitos. Abordagens qualitativas também seriam cruciais para esse tema. Mais importante ainda, é necessário implementar mudanças estruturais e/ou curriculares que possam impactar positivamente na atitude de estudantes e professores de medicina em relação a quem deve estar no centro do processo, ou seja, o paciente.

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  • FONTES DE FINANCIAMENTO

    Os autores declaram não haver fontes de financiamento.
Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor Associado: Roberto Zonato Esteves.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2020
  • Aceito
    23 Ago 2021
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