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Uma estratégia para avaliação da percepção de docentes e discentes acerca dos métodos de ensino

A strategy to assess the perception of teachers and students about teaching methods

Resumo:

Introdução:

As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em Medicina visam atualizar e transformar a escola médica brasileira incentivando currículos interdisciplinares e o uso de métodos ativos de ensino. O desafio de reduzir a adoção de aulas expositivas tende a impactar tanto discentes quanto docentes, que podem ser resistentes às mudanças quando estas não são apoiadas em pesquisas com a devida reflexão crítica.

Desenvolvimento:

Neste artigo, apresentamos um protocolo desenvolvido pela equipe do Núcleo de Apoio Pedagógico e Experiência Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília em que se utilizam dois questionários para a realização de estudos quali-quantitativos que visem avaliar a motivação e a percepção de docentes e discentes em relação aos distintos métodos de ensino e aprendizagem. O protocolo foi criado para auxiliar a compreensão da dinâmica, dos desafios e das expectativas acerca do processo de ensino e aprendizagem.

Conclusão:

Coletar, analisar, descrever, interpretar e divulgar dados sobre a motivação e a percepção de docentes e discentes relacionadas aos distintos métodos é importante para fundamentar ações que visem promover a melhoria do ensino. O protocolo apresentado neste artigo pode ser aplicado em cenários diversos e poderá contribuir para o processo de desenvolvimento de um ensino médico mais alinhado às DCN.

Palavras-chave:
Educação Médica; Métodos de Ensino; Método de Pesquisa

Abstract:

Introduction:

The latest Brazilian National Curriculum Guidelines (DCN) for the undergraduate medicine course aim to update and transform the country’s medical training by encouraging interdisciplinary curricula and the use of active teaching methods. Reducing the focus on lectures and expanding learning through investigation is a challenge that can impact both students and teachers, who may be resistant to changes that are not supported by research and due critical analysis.

Development:

This study reflects on the importance of assessing how teachers and students view diverse teaching and learning methods. Furthermore, we share a protocol developed by the Pedagogical Support and Teaching Experience Team at the University of Brasília Medical School, which comprises the use of two questionnaires for conducting qualitative and quantitative studies. The protocol aims at understanding the dynamics, challenges and expectations regarding the teaching and learning process.

Conclusion:

Collecting, analyzing, describing, interpreting, and disseminating data on teacher and student views of the use of different methods is paramount to support teaching quality improvement actions. The protocol published in this article can be used in different settings and can contribute to the development of a medical education system that is more aligned with the DCN.

Keywords:
Medical Education; Teaching Methods; Research Method

INTRODUÇÃO

De acordo com a resolução que instituiu as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em Medicina, espera-se que, no Brasil, os profissionais médicos sejam formados a partir da articulação entre conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para que exerçam as funções de atenção, gestão e educação em saúde11. Brasil. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014..

Em seu artigo 3º, a resolução explicita o seguinte:

O graduado em Medicina terá formação geral, humanista, crítica, reflexiva e ética, com capacidade para atuar nos diferentes níveis de atenção à saúde, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, nos âmbitos individual e coletivo, com responsabilidade social e compromisso com a defesa da cidadania, da dignidade humana, da saúde integral do ser humano e tendo como transversalidade em sua prática, sempre, a determinação social do processo de saúde e doença 1 1. Brasil. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014. .

Nesse mesmo documento, ao abordar o que se espera do perfil do docente de Medicina e da relação deste com as políticas institucionais, o artigo 34 ressalta o seguinte:

O Curso de Graduação em Medicina deverá manter permanente Programa de Formação e Desenvolvimento da Docência em Saúde, com vistas à valorização do trabalho docente na graduação, ao maior envolvimento dos professores com o Projeto Pedagógico do Curso e a seu aprimoramento em relação à proposta formativa contida no documento, por meio do domínio conceitual e pedagógico, que englobe estratégias de ensino ativas, pautadas em práticas interdisciplinares, de modo a assumirem maior compromisso com a transformação da escola médica, a ser integrada à vida cotidiana dos docentes, estudantes, trabalhadores e usuários dos serviços de saúde 1 1. Brasil. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014. .

No sentido de atender a tais diretrizes, algumas instituições têm estimulado seus professores a adotar estratégias de ensino alternativas às aulas expositivas, incluindo métodos ativos de ensino e aprendizagem, tais como a aprendizagem por problemas, por times e por pares, o design thinking e a aula invertida, além de momentos lúdicos em que possam ser exploradas a gamificação e a confecção artística de modelos didáticos22. Côrtes Júnior JCS, Souza MCAD, Vilagra MM, Cortês PPDR, Vilagra SMBW, Tempski PZ. Design thinking na reestruturação do sistema de avaliação de disciplina em um curso de Medicina. Rev Brasil Educ Med. 2020;44(4):e118-e121.)- (55. Oliveira BLCA, Lima SF, Rodrigues LS, Pereira Júnior GAP. Team-based learning como forma de aprendizagem colaborativa e sala de aula invertida com centralidade nos estudantes no processo ensino-aprendizagem. Rev Bras Educ Med . 2018;42(4):86-95.. Além disso, muitos currículos têm sido reavaliados com o intuito de valorizar as ações de extensão na comunidade, a ampliação dos cenários de prática e a inclusão de disciplinas, eixos ou módulos que discutam ética e humanidades66. Gomes AP, Rego S. Paulo Freire: contribuindo para pensar mudanças de estratégias no ensino de medicina. Rev Bras Educ Med . 2014;38(3):299-307., em contraposição ao modelo curricular flexneriano ainda adotado na maioria dos cursos de Medicina do país, pautado em disciplinas isoladas e na consequente fragmentação do processo de ensino77. Machado CDB, Wuo A, Heinzle M. Educação médica no Brasil: uma análise histórica sobre a formação acadêmica e pedagógica. Rev Bras Educ Med . 2018;42(4):66-73..

Apesar do movimento em prol da implementação de novos cenários de ensino e aprendizagem, muitos docentes são resistentes a refletir acerca do método de ensino que utilizam em suas aulas88. Ertmer PA. Teacher pedagogical beliefs: the final frontier in our quest for technology integration? Educ Technol Res Dev. 2005;53(4):25-39., tampouco se interessam em compreender e discutir o projeto pedagógico dos cursos em que têm atuado99. Garcia MAA, da Silva ALB. Um perfil do docente de medicina e sua participação na reestruturação curricular. Rev Bras Educ Med . 2011;35(1):58-68.. Para estimular a reflexão pedagógica, Englund et al.1010. Englund C, Olofsson AD, Price L. Teaching with technology in higher education: understanding conceptual change and development in practice. Higuer Educ Res & Dev 2016;36(1):73-87. incentivam que as instituições possuam programas de desenvolvimento docente que possibilitem a formação didática e as trocas de experiências. Entretanto, momentos isolados de capacitação terão efeito limitado caso a instituição de ensino não estimule a formação continuada e não prepare os ambientes de aprendizagem para a execução dos métodos ativos de ensino1111. Kozanitis A, Ménard L, Boucher S. Capacitación y acompañamiento pedagógico de profesores universitarios noveles: efectos sobre el uso de estrategias de enseñanza. Práxis Educ. 2018;13(2):294-311., uma vez que o modelo de sala de aulas projetadas para o ensino expositivo de conteúdos não é o mais adequado para a adoção dos métodos ativos1212. Beichner RJ. History and evolution of active learning spaces. New Dir Teach Learn. 2014; (137):9-16..

Em trabalho que discute o perfil de docentes de Medicina e sua participação na reestruturação dos currículos, Garcia et al. (99. Garcia MAA, da Silva ALB. Um perfil do docente de medicina e sua participação na reestruturação curricular. Rev Bras Educ Med . 2011;35(1):58-68. destacam que é recorrente a dificuldade destes em aderir a novos cenários e atribuem esse fato à não profissionalização da função docente. No mesmo sentido, Baroneza et al.1313. Baroneza JE, da Silva SO. Uma reflexão sobre a formação de professores para o ensino superior no Brasil. Acta Sci Hum Soc Sci. 2007;29(2):163-8. lamentam a ausência da abordagem de temas relacionados à psicologia da aprendizagem e aos métodos de ensino na graduação e pós-graduação. Segundo os autores1313. Baroneza JE, da Silva SO. Uma reflexão sobre a formação de professores para o ensino superior no Brasil. Acta Sci Hum Soc Sci. 2007;29(2):163-8.:

[...] a inserção de conteúdos da área psicopedagógica, não só em cursos voltados especificamente para a formação de professores, mas em todos aqueles que oportunizam o exercício da docência no nível superior a seus bacharéis, auxiliaria para que houvesse uma mudança dessa realidade e melhoraria de maneira significativa o desempenho dos futuros docentes de ensino superior no Brasil (p. 167).

Além da deficiente formação em educação, as pressões para a realização de atividades de pesquisa, às quais os docentes estão submetidos para a obtenção de promoção acadêmica, costumam limitar seu investimento em tempo e motivação para o desenvolvimento pedagógico1414. Postareff L, Lindblom-Ylänne S, Nevgi A. The effect of pedagogical training on teaching in higher education. Teach Educ. 2007;23(5):557-71.. De acordo com Cyrino et al. (1515. Cyrino EG, Pinto HA, de Oliveira FP, de Figueiredo AM, Domingues SM, Parreira CMSF. Há pesquisa sobre ensino na saúde no Brasil? ABCS Heal Sci. 2015;40(3):146-55., “o processo de promoção docente concentra-se em pesquisas, publicações e obtenção de recursos das agências financiadoras. É esperado do professor que seja, em primeiro lugar, um bom investigador e, depois, um professor” (p.148). Entretanto, para que o ensino de medicina atenda às necessidades estabelecidas pelas DCN, é imprescindível valorizar iniciativas que apoiem a reflexão pedagógica e reposicionem as atividades e o engajamento do docente.

Entre essas iniciativas, estimular a realização de pesquisas em ensino é fundamental para conhecer os problemas associados ao processo de ensino e aprendizagem, compreender a eficácia das dinâmicas adotadas e sensibilizar a comunidade acadêmica em relação aos tipos, às vantagens e às desvantagens dos distintos métodos empregados. Além de potencializar a resolução dos problemas oriundos dos modos como se ensina e se aprende, a pesquisa em ensino tem o poder de identificá-los, dando origem ao debate público sobre as formas de saná-los1616. Biesta G, Filippakou O, Wainwright E, Aldridge D. Why educational research should not just solve problems, but should cause them as well. Br Educ Res J. 2019;45(1):1-4.. Apoiados em relatos de experiências, resultados de pesquisas e reflexões sobre as práticas pedagógicas, os docentes podem ser influenciados a mudar atitudes e percepções, tornando a tomada de decisão educacional mais inteligente1717. Cain T, Allan D. The invisible impact of educational research. Oxf Rev Educ. 2017;43(6):718-32..

Ademais, para que a formação médica contemple o eixo educação em saúde, preconizado pelas DCN, é necessário que os currículos estejam alinhados à utilização de métodos e estratégias de ensino que estimulem a motivação para uma aprendizagem discente ativa, com autonomia e com a percepção da necessidade de formação continuada, de modo a favorecer a construção e socialização do conhecimento em concordância com o dinamismo das mudanças sociais e científicas11. Brasil. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2014.. Estudantes mais motivados tornam-se mais propícios ao desenvolvimento e/ou aprimoramento de competências e atitudes que devem ser adquiridas durante a graduação em Medicina, como a capacidade de comunicação, liderança e tomada de decisões em diferentes cenários de aprendizagem, favorecendo, por conseguinte, a formação de habilidades inerentes à prática médica.

Considerando o exposto, propomos um protocolo de pesquisa composto por dois instrumentos originais para a coleta de dados que visa explorar as seguintes perguntas de pesquisa:

  • A motivação e a percepção da aprendizagem de alunos de Medicina podem ser afetadas em razão dos métodos de ensino adotados?

  • Quais são as impressões dos docentes acerca dos diferentes métodos de ensino?

Os instrumentos foram desenvolvidos pelos integrantes do Núcleo de Apoio Pedagógico e Experiência Docente (NAPED) do curso de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) e poderão ser utilizados em pesquisas futuras, uma vez que foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UNB: Parecer nº 4.824.666.

AFERINDO A MOTIVAÇÃO E PERCEPÇÃO DA APRENDIZAGEM DE ALUNOS DE MEDICINA ACERCA DOS MÉTODOS DE ENSINO

A aprendizagem pode ser definida como “qualquer processo que, em organismos vivos, leve a uma mudança permanente em capacidades e que não se deva unicamente ao amadurecimento biológico ou ao envelhecimento” (p. 3)1818. Illeris K. How we learn: learning and non-learning in school and beyond. London: Routledge; 2007.. A motivação, entretanto, não possui definição universalmente aceita1919. Todorov JC, Moreira MB. O conceito de motivação na psicologia. Rev Bras Ter Comport Cognt. 2005;7(1):119-32., embora esse termo seja frequentemente utilizado para explicar comportamentos associados a ações que orientam a atividade das pessoas em direção a uma meta. As causas de uma ação e da ausência desta, porém, não podem ser associadas exclusivamente à motivação, e seu estudo depende de análise complexa, uma vez que determinantes sociais, afetivos e cognitivos precisam ser considerados na avaliação do comportamento humano2020. Schwartz S. Motivação para ensinar e aprender. Petrópolis: Vozes; 2014..

No processo educacional, considera-se que a motivação para a aprendizagem possa ocorrer de forma intrínseca ou extrínseca. É intrínseca quando parte do próprio aprendiz, que visa ao próprio desenvolvimento como pessoa e de suas capacidades, cuja própria realização é em si mesmo estimulante. De acordo com Berbel2121. Berbel NAN. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas. 2011;32(1):25-40., a motivação intrínseca para a aprendizagem pode ser estimulada pela ação docente. Segundo a autora2121. Berbel NAN. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas. 2011;32(1):25-40., as estratégias de ensino utilizadas pelo professor podem favorecer a motivação intrínseca quando incluem:

[...] o fortalecimento da percepção do aluno de ser origem da própria ação, ao serem apresentadas oportunidades de problematização de situações envolvidas na programação escolar, de escolha de aspectos dos conteúdos de estudo, de caminhos possíveis para o desenvolvimento de respostas ou soluções para os problemas que se apresentam alternativas criativas para a conclusão do estudo ou da pesquisa, entre outras possibilidades (p. 28).

A motivação extrínseca, por sua vez, não parte de um desejo natural de aprender, mas é apoiada nas consequências da aprendizagem quando, por exemplo, o aluno realiza atividades para receber recompensas ou evitar sanções2222. Guimarães SER. Avaliação do estilo motivacional do professor: adaptação e validação de um instrumento. Campinas: Unicamp; 2003., as quais, para Pozo2323. Pozo JI. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas; 2002., embora por vezes sejam necessárias, quando adotadas de forma isolada sem o devido estímulo à motivação intrínseca, podem ter consequências negativas e eficácia limitada. Tapia et al. (2424. Tapia JA, Saez EA. Expectativas de control e motivación - El Cuestionário Eco. In: Tapia JA, organizador. Motivar em la adolescência: teoria, evaluación e intervención. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid, 1992. p. 135-175. afirmam que o desejo de aprender intrinsecamente resulta em aprendizagens mais consistentes e transformadoras do que quando o processo é movido apenas por motivos extrínsecos.

Ao escrever sobre motivação intrínseca para a aprendizagem, Schwartz2020. Schwartz S. Motivação para ensinar e aprender. Petrópolis: Vozes; 2014. cita indicadores que podem ser utilizados para aferi-la, tais como interesse, envolvimento, esforço, concentração e satisfação. Tais indicadores podem ser utilizados na elaboração de questões de pesquisa educacionais para avaliar estratégias isoladas de ensino ou para comparar diferentes métodos.

Em pesquisas pedagógicas, além da motivação, a aprendizagem tem sido objeto de análise direta, por meio, por exemplo, da análise do rendimento dos alunos nas provas, ou de forma indireta, em que se avalia a percepção deles sobre a própria aprendizagem2525. Weldy TG, Turnipseed DL. Assessing and improving learning in business schools: direct and indirect measures of learning. J Educ Bus. 2010;85(5):268-73.. Para avaliar a percepção da aprendizagem, é comum a utilização de instrumentos de pesquisas dirigidos aos alunos, com questões acerca do quão confiantes ou confortáveis estes estão em relação ao conhecimento adquirido em uma área. Para resultados mais confiáveis é aconselhado o uso de medidas tanto indiretas quanto diretas da aprendizagem2626. DiPiro JT. Student learning: perception versus reality. Am J Pharm Educ. 2010;74(4):63..

Para construir um instrumento que possa ser utilizado em pesquisas que visem avaliar a motivação e a percepção da aprendizagem de alunos expostos a distintos métodos de ensino, elaboramos questões relacionadas aos indicadores sugeridos em estudos quali-quantitativos educacionais. Dessa forma, propomos a utilização do questionário apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Questionário de avaliação do método de ensino quanto à motivação e percepção da aprendizagem

Das questões objetivas propostas no Quadro 1, a primeira visa à avaliação geral dos alunos sobre a metodologia utilizada. As questões de 2 a 6 estão relacionadas aos indicadores de motivação intrínseca: interesse, envolvimento, esforço, concentração e satisfação. As questões de 8 a 10 visam explorar indicadores de percepção da aprendizagem: confiança, interrelações e aplicabilidade do conhecimento. A questão 11 pede para o aluno escrever, de forma resumida, sobre os pontos negativos e positivos do método utilizado. As respostas a esta questão poderão ser utilizadas em análises quali-quantitativas, uma vez que a frequência de repetição de palavras nos diferentes pontos e contextos pode gerar conclusões sobre diferenças que devem ser consideradas ou não na discussão dos resultados.

O questionário pode ser utilizado para coletar informações sobre um método de ensino isoladamente ou ainda para comparar a motivação e a percepção da aprendizagem dos discentes entre dois métodos de ensino distintos. Para o segundo objetivo, sugerimos o protocolo ilustrado na Figura 1. Destacamos que “estratégias alternativas de ensino” são tanto aquelas considerados ativas, tais como aprendizagem por problemas, por projetos e por pares, ensino híbrido, aula invertida, design thinking, quanto aqueles de natureza lúdica, a exemplo de gamificação e modelagem artística2727. Bacich L, Moran J. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso; 2018.. Recursos tecnológicos, tais como produção e consulta de videoaulas, aplicativos virtuais de ensino, realidade virtual e modelos realísticos, poderão ser utilizados como suporte a qualquer dos métodos.

Figura 1
Delineamento experimental proposto para comparar a motivação e percepção da aprendizagem de discentes submetidos a aulas conduzidas na modalidade expositiva e por meio de método alternativo

Os passos indicados são:

  1. Na primeira etapa, um tema deverá ser abordado por meio de um dos métodos de ensino, como a aula expositiva dialogada.

  2. Na sequência, 50% do total de alunos (grupo A), escolhidos aleatoriamente, deverá responder ao questionário 1 (Quadro 1).

  3. Na segunda etapa, um assunto subsequente deverá ser abordado por meio de método alternativo.

  4. Os alunos que não foram escolhidos para responder ao questionário após a primeira etapa (grupo B) serão convidados a responder ao mesmo questionário 1, contudo, em relação à metodologia alternativa, após a segunda etapa.

  5. Por fim, os dados coletados nas etapas 2 e 3 deverão ser tabulados e submetidos a uma análise estatística apropriada.

Todos os alunos deverão participar das atividades de ensino previstas para as etapas 1 e 3. Os questionários a respeito de motivação e percepção da aprendizagem deverão ser respondidos voluntariamente e de forma anônima, e não devem ser considerados no processo avaliativo do discente. Para a interpretação dos dados obtidos por meio dos questionários de motivação e percepção da aprendizagem, as taxas de respostas deverão ser tabuladas e comparadas. Sugerimos utilizar os testes qui-quadrado ou exato de Fisher para analisar as taxas de respostas das questões de múltipla escolha e o software gratuito e com fonte aberta de análise textual IRAMUTEQ2828. de Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. O uso do software IRAMUTEQ na análise de dados em pesquisas qualitativas. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353. para as questões abertas.

AFERINDO A PERCEPÇÃO DE DOCENTES DE MEDICINA ACERCA DOS MÉTODOS DE ENSINO

Em contextos educativos nos quais há oportunidades para o livre debate de ideias e incentivo à autonomia, os estudantes internalizam com mais facilidade os objetivos das atividades propostas. Contudo, em ambientes excessivamente controlados e centrados na figura do professor, há prejuízo para a motivação. Como ressaltado anteriormente, a motivação intrínseca do aluno não resulta de treino ou instrução, mas pode ser influenciada principalmente pelas ações e pelo estilo motivacional do professor2929. Guimarães SER, Boruchovitch E. O estilo motivacional do professor e a motivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da autodeterminação. Psicol Reflex Crít. 2001;16:143-50..

Além disso, o estilo motivacional do docente deve ser considerado como uma característica vinculada à personalidade e influenciado por fatores sociocontextuais e questões acadêmicas, como o número de alunos em sala de aula, o tempo de experiência no magistério, o gênero, a idade, as interações com os gestores, as concepções ideológicas, entre outros2929. Guimarães SER, Boruchovitch E. O estilo motivacional do professor e a motivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da autodeterminação. Psicol Reflex Crít. 2001;16:143-50..

Considerando que no ambiente acadêmico os fatores condicionantes da motivação e percepção da aprendizagem estão inter-relacionados, faz-se necessário que esse binômio seja considerado por gestores e professores durante o planejamento das atividades acadêmicas, incluindo a estruturação dos currículos3030. Cadête Filho AA, Peixoto JM, Mora EP. Motivação acadêmica de estudantes de Medicina: uma análise na perspectiva da Teoria da Autodeterminação. Rev Brasil Educ Med . 2021;45(2):e086.. Entre as dificuldades para a utilização de metodologias de ensino motivadoras que possibilitem a participação ativa dos discentes, deve-se mencionar a carência de instrumentos de autoavaliação da prática docente.

Os instrumentos de avaliação são as ferramentas que fornecem informações sobre a aprendizagem dos alunos e devem ser capazes de promover uma continuidade ou adaptação das ações a partir de uma autorreflexão acerca da prática docente e tomada de decisões com base nos resultados obtidos. Ademais, segundo Dias Sobrinho3131. Dias Sobrinho J. Avaliação e transformações da educação superior brasileira (1995-2009): do provão ao Sinaes. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior. 2010;15(1):195-224., a avaliação e as transformações educacionais interatuam, ou seja, a avaliação é um dos motores importantes de qualquer reforma ou modelação de ações, e, reciprocamente, toda mudança contextual produz alterações nos processos avaliativos e autoavaliativos.

Nessa perspectiva, de forma complementar à aferição da percepção discente, propomos também um instrumento para a avaliação da prática e aferição da percepção docente de maneira a responder à seguinte pergunta:

  • Quais são as impressões dos docentes acerca dos diferentes métodos de ensino?

Essa necessidade surge principalmente em relação à autoavaliação, que se torna indispensável na profissão docente, em especial quando se recorre à utilização de métodos alternativos de ensino. Para tal, sugerimos a utilização do questionário 2 (Quadro 2), que deve ser respondido pelos docentes.

Quadro
2. Questionário para a avaliação de aplicação de métodos de ensino e aferição da motivação docente

Destacamos que a aplicação desse questionário pode ser realizada de forma individual ou institucional. No caso da aplicação individual, os docentes podem comparar de forma livre os questionários respondidos após a realização de aulas tradicionais e aulas em que foram utilizadas metodologias alternativas. Já no caso da utilização institucional, pode-se optar por selecionar professores que se voluntariem a responder aos questionários e, em seguida, separar os questionários respondidos em dois grupos, um contendo apenas os questionários respondidos após a realização de aulas expositivas e um outro grupo contendo apenas os questionários respondidos após a realização de aulas em que foram utilizados métodos alternativos de ensino. Para a interpretação dos dados obtidos, sugerimos utilizar os testes qui-quadrado ou exato de Fisher para analisar as taxas de respostas das questões de múltipla escolha e o software gratuito e com fonte aberta de análise textual IRAMUTEQ2828. de Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. O uso do software IRAMUTEQ na análise de dados em pesquisas qualitativas. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353. para as questões abertas. É importante ressaltar que o objetivo da investigação sobre motivação docente é a reflexão acerca da prática docente, possibilitando a identificação de potencialidades, fragilidades e sugestões de melhorias.

Por fim, ressaltamos que os projetos de pesquisa em ensino devem estar de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde no 466, de 12 de dezembro de 20123232. Brasil. Resolução nº 466/2012, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União ; 2013., e só devem ser iniciados após submissão, apreciação e aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os objetivos e os desafios contidos nas atuais DCN dos cursos de Medicina, sobretudo no que se refere à necessidade da adoção de métodos ativos de ensino pautados em práticas interdisciplinares, acreditamos que a realização e a divulgação de pesquisas que relatem e comparem distintas estratégias de ensino possam contribuir para a formação pedagógica tanto de docentes quanto de discentes que, uma vez sensibilizados, tendem a atuar como multiplicadores de experiências bem-sucedidas.

Neste trabalho, apresentamos um protocolo para realização de estudos quali-quantitativos que visem avaliar a motivação e a percepção de docentes e discentes em relação aos distintos métodos de ensino e aprendizagem. Além da divulgação científica, a utilização dos instrumentos compartilhados pode beneficiar as instituições em avaliações internas e externas, uma vez que permitem uma visão crítica sobre a qualidade do processo formativo de seus discentes e o aprimoramento do corpo docente.

As autoavaliações institucionais constituem importantes aspectos a serem considerados nas avaliações externas dos cursos de Medicina no Brasil. O Sistema de Acreditação de Escolas Médicas (SAEME) do Conselho Federal de Medicina e o Ministério da Educação consideram, entre os indicadores de qualidade do curso, a coleta sistemática de dados acerca das percepções dos dirigentes, docentes, discentes e dos demais membros do corpo social.

Ressaltamos, porém, que os diagnósticos suscitados a partir dos resultados obtidos não devem ser compreendidos como um fim neles mesmo, uma vez que as discussões e conclusões devem levar em consideração a avaliação dos contextos histórico, social, cultural, econômico e acadêmico associados aos docentes e aos discentes envolvidos nos diversos cenários de ensino e aprendizagem.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à Profa. Dra. Kátia Crestine Poças, da Área de Medicina Social da Faculdade de Medicina da UnB, as críticas e a colaboração referentes à definição dos questionários 1 e 2.

REFERÊNCIAS

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    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Kristopherson Lustosa Augusto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2022
  • Aceito
    19 Maio 2022
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