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Tradução e adaptação transcultural de instrumento para avaliação do profissionalismo entre médicos

Translation and transcultural adaptation of instrument for professionalism assessment among physicians

Resumo:

Introdução:

A discussão sobre profissionalismo médico é relativamente recente e o tema tem se tornado cada vez mais frequente em publicações sobre educação médica. Trata-se de conceito complexo, pois, como uma competência, envolve um conjunto de atributos, conhecimentos, habilidades e comportamentos que são influenciados pelos contextos político e sociocultural. Várias estratégias foram propostas para sua avaliação, mas não se identificou na literatura nenhum instrumento específico validado para o Brasil.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo realizar a tradução e adaptação transcultural de um questionário para avaliação de profissionalismo médico.

Método:

Realizaram-se a tradução e a adaptação transcultural do The Penn State College of Medicine Professionalism Questionnaire. A confiabilidade e a consistência interna foram avaliadas pelo alfa de Cronbach.

Resultado:

A tradução e a adaptação transcultural resultaram em questionário com 37 itens com boa validade semântica, idiomática, experiencial e conceitual. O alfa de Cronbach (0,886) mostrou alta confiabilidade.

Conclusão:

A versão final do instrumento mostrou boa validade, consistência interna e confiabilidade. Ele pode ser utilizado tanto na educação continuada de profissionais já formados como na educação médica, como ferramenta de reflexão e avaliação.

Palavras-chave:
Educação Médica; Medicina; Profissionalismo; Tradução

Abstract:

Introduction:

The discussion about medical professionalism is relatively recent and the topic has become increasingly frequent in publications on medical education. It is a complex concept, since it is a competence that involves a set of attributes, knowledge, skills, and behaviors that are influenced by the political and socio-cultural context. Several strategies have been proposed for its assessment, but no specific instrument validated for Brazilian Portuguese was identified in the literature.

Objective:

To translate and do the transcultural adaptation of a questionnaire for assessing medical professionalism.

Methods:

The Penn State College of Medicine Professionalism Questionnaire was translated and cross-culturally adapted according to recommendations found in the literature. Reliability and internal consistency were assessed by Cronbach’s alpha.

Results:

The translation and cultural adaptation resulted in a questionnaire with 37 items with good semantic, idiomatic, experiential, and conceptual validity. Cronbach’s alpha (0.886) showed good reliability.

Conclusions:

The final instrument showed good validity, internal consistency, and reliability. It can be used both in the continuing education of physicians and in medical education, as a tool for reflection and assessment.

Keywords:
Medical Education; Medicine; Professionalism; Translation

INTRODUÇÃO

A prática da medicina e as formas de ensiná-la eram muito mais simples do que são hoje em dia. Era muito comum que os valores e comportamentos desejados fossem passados de uma geração de médicos para outra por meio de modelos médicos respeitados. No entanto, por conta do aumento da complexidade social, política, cultural e do sistema de saúde, esse modelo não é mais suficiente. A politização da saúde, o interesse financeiro e o aumento dos litígios levam à deterioração do humanismo e ao distanciamento emocional na prática clínica, o que torna o ensino do profissionalismo um desafio11. Altirkawi K. Teaching professionalism in medicine: what, why and how? Sudan J Paediatr. 2014;14(1):31-8 [acesso em 3 maio 2022]. Disponível em: Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27493387 .
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.

Do ponto de vista histórico, o profissionalismo médico moderno possui origens antigas e evoluiu ao longo de inúmeras fases da história. A medicina é, em parte, a moderna personificação da arte de curar, presente desde o início da civilização. Com a emergência da civilização grega, as raízes da medicina ocidental foram traçadas. Hipócrates (460 a.C - 377d.C.) lançou as bases da medicina atual, distinguindo-a de outras formas antigas de cura por se fundamentar na filosofia natural e não em poderes sobrenaturais, de modo a separar medicina de religião. Médicos hipocráticos defendiam a prática ética − primum non nocere − e o altruísmo, ambos incorporados no juramento de Hipócrates que é recitado ainda nos dias de hoje pelos formandos22. Hilton S, Southgate L. Professionalism in medical education. Teach Teach Educ. 2007 Apr;23(3):265-79..

O profissionalismo é uma competência essencial do médico. Conhecimento, habilidades clínicas e de comunicação e ética são as bases do profissionalismo33. Royal College of Physicians and Surgeons of Canada. CanMEDS Role: Professional [acesso em 28 ago 2022]. Disponível em: Disponível em: http://www.royalcollege.ca/rcsite/canmeds/about/history-canmeds-e .
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. A partir dessas bases, podem-se apontar comportamentos e atributos de profissionalismo: responsabilidade, altruísmo, excelência e humanismo. Pacientes e toda sociedade esperam que o médico seja profissional, independentemente de sua especialidade. O profissionalismo está associado ao aumento da satisfação dos pacientes, da confiança e da aderência ao tratamento, a menores índices de complicação e à redução do risco de litígio44. Mueller PS. Teaching and assessing professionalism in medical learners and practicing physicians. Rambam Maimonides Med J. 2015 Apr 29;6(2):e0011..

O conceito de profissionalismo varia através da história e de contextos culturais, intrinsecamente relacionado à responsabilidade social do médico55. Hodges BD, Ginsburg S, Cruess R, Cruess S, Delport R, Hafferty F, et al. Assessment of professionalism: recommendations from the Ottawa 2010 Conference. Med Teach. 2011 Apr 25;33(5):354-63.. A dificuldade em conceituar decorre da noção de que o profissionalismo se estende ao longo de um continuum do indivíduo (atributos, capacidades e comportamentos) por meio do domínio interpessoal (interações com outras pessoas e com contextos) para o nível macrossocial, em que noções como responsabilidade social e moralidade, além de agendas políticas e imperativos econômicos. Ademais, existem interações entre esses domínios. Por exemplo, o comportamento profissional de um indivíduo pode ser influenciado pelo contexto; similarmente, os indivíduos dentro de uma instituição podem influenciar valores profissionais coletivos55. Hodges BD, Ginsburg S, Cruess R, Cruess S, Delport R, Hafferty F, et al. Assessment of professionalism: recommendations from the Ottawa 2010 Conference. Med Teach. 2011 Apr 25;33(5):354-63.),(66. Goldie J. Assessment of professionalism: a consolidation of current thinking. Med Teach . 2012 Sept 3;35(2):e952-6..

Na década de 1990, o American Board of Internal Medicine (ABIM) iniciou o Project Professionalism com o objetivo de examinar como as mudanças no contexto de saúde afetaram negativamente o comportamento profissional dos médicos. A Abim estabeleceu uma lista de atributos que deveriam compor o comportamento ideal do médico (altruísmo, responsabilidade, excelência, dever, honra, integridade e respeito pelos outros), cujo objetivo foi desenvolver uma definição direta dessas qualidades para melhor assistência ao paciente, de modo a permitir que elas pudessem ser apreciadas e documentadas no ambiente de treinamento, como programa de residência e especialidade, além de possibilitar o uso de sistema de avaliação eficaz77. Medical professionalism in the new millennium: a physician charter. Ann Intern Med. 2002 Feb 5;136(3):243.),(88. Blackall GF, Melnick SA, Shoop GH, George J, Lerner SM, Wilson PK, et al. Professionalism in medical education: the development and validation of a survey instrument to assess attitudes toward professionalism. Med Teach . 2007 Jan;29(2-3):e58-62..

No ano de 2002, um projeto conjunto do Abim com o American College of Physicians (ACP) e a European Federation of Internal Medicine (EFIM) publicou a “Carta do médico − uma declaração sobre os requisitos de profissionalismo médico para o novo milênio”, que, posteriormente, foi endossada por mais de 120 organizações e traduzida em dez idiomas77. Medical professionalism in the new millennium: a physician charter. Ann Intern Med. 2002 Feb 5;136(3):243.),(99. Blank L, Kimball H, McDonald W, Merino J. Medical professionalism in the new millennium: a physician charter 15 months later. Ann Intern Med . 2003 May 20;138(10):839.. Essa carta definiu três princípios fundamentais do profissionalismo médico: a primazia do bem-estar do paciente, a autonomia do paciente e a justiça social.

A carta definiu também o conjunto de compromissos essenciais ao profissionalismo médico: competência profissional e conhecimento científico, honestidade e confidencialidade para com os pacientes, melhoria do acesso e da qualidade do cuidado, distribuição justa de recursos limitados, manutenção da confiança ao lidar com conflitos de interesse e responsabilidade profissional77. Medical professionalism in the new millennium: a physician charter. Ann Intern Med. 2002 Feb 5;136(3):243.),(99. Blank L, Kimball H, McDonald W, Merino J. Medical professionalism in the new millennium: a physician charter 15 months later. Ann Intern Med . 2003 May 20;138(10):839..

Em 2013, o Conselho Federal de Medicina afirmou, em “Uma introdução à medicina”, que as opiniões dos médicos sobre profissionalismo são semelhantes em diferentes sistemas de saúde e que o profissionalismo é a base do contrato do médico com a sociedade, em concordância com publicações do ABIM, da EFIM, do ACP e da American Medical Association. Isso exige que os médicos coloquem os interesses dos pacientes acima de quaisquer outros, estabeleçam e mantenham padrões de competência e integridade, e ofereçam à sociedade informações especializadas sobre questões de saúde1010. Miranda-Sá Júnior LS de. Uma introdução à medicina. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 2013. v. 1 [acesso em 3 maio 2022]. Disponível em: Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/introduo%20e%20medicina_livro.pdf .
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O profissionalismo é complexo e multidimensional, o que torna difícil estabelecer uma forma simples e generalizada de avaliá-lo. A sua avaliação requer a consideração dos interesses individuais e interpessoais, e das dimensões sociais44. Mueller PS. Teaching and assessing professionalism in medical learners and practicing physicians. Rambam Maimonides Med J. 2015 Apr 29;6(2):e0011.),(55. Hodges BD, Ginsburg S, Cruess R, Cruess S, Delport R, Hafferty F, et al. Assessment of professionalism: recommendations from the Ottawa 2010 Conference. Med Teach. 2011 Apr 25;33(5):354-63.. Aumentar a profundidade, a confiabilidade e a validade de instrumentos existentes em diferentes contextos pode ser mais apropriado do que concentrar-se no desenvolvimento de novos instrumentos. Aumentar o número de testes e o número de contextos culturais relevantes elevará a confiabilidade. Da mesma forma, aumentar o número de observadores amplia a confiabilidade55. Hodges BD, Ginsburg S, Cruess R, Cruess S, Delport R, Hafferty F, et al. Assessment of professionalism: recommendations from the Ottawa 2010 Conference. Med Teach. 2011 Apr 25;33(5):354-63.),(66. Goldie J. Assessment of professionalism: a consolidation of current thinking. Med Teach . 2012 Sept 3;35(2):e952-6..

A revisão bibliográfica desta pesquisa não identificou nenhum instrumento em português do Brasil que avaliasse especificamente o profissionalismo entre médicos em geral. Foram identificados dois instrumentos que avaliam o profissionalismo em estudantes de Medicina desenvolvidos por autores brasileiros. No entanto, são constructos mais amplos que avaliam as atitudes do estudante de forma geral, e não apenas o profissionalismo, e, como foram desenvolvidos exclusivamente para estudantes de Medicina, não devem ser utilizados em outras populações, como médicos. O instrumento desenvolvido por Colares et al.1111. Colares MFA, Troncon LEA, Figueiredo JFC, Cianflone ARL, Rodrigues MLV, Piccinato CE, et al. Construção de um instrumento para avaliação das atitudes de estudantes de medicina frente a aspectos relevantes da prática médica. Rev Bras Educ Med. 2002;26(3):194-203. avalia fatores que influenciam a formação do estudante, como doença mental, morte e pesquisa clínica, além do profissionalismo. Já o instrumento de Miranda et al.1212. Miranda SM, Pires MMS, Nassar SM, Silva CAJ. Construção de uma escala para avaliar estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2009;33 (supl 1):104-10. aborda as atitudes relacionadas aos aspectos sociais da profissão médica e as Diretrizes Curriculares Nacionais. É importante que existam outras opções de instrumentos de avaliação específica do profissionalismo que permitam, além da comparação entre diferentes regiões do país, a comparação com outros países. O objetivo deste estudo foi adaptar e validar um instrumento de avaliação de profissionalismo médico do inglês para português do Brasil a fim de avaliar profissionalismo entre médicos.

MÉTODO

Realizou-se revisão da literatura no PubMed com os termos medical education, professionalism e assessment que resultou na identificação de 28 artigos que tratavam sobre instrumentos de avaliação de profissionalismo1313. Li H, Ding N, Zhang Y, Liu Y, Wen D. Assessing medical professionalism: a systematic review of instruments and their measurement properties. PLoS One. 2020 May 12;12(5):e0177321 [acesso em 28 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5428933/ .
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),(1414. Wilkinson TJ, Wade WB, Knock LD. A blueprint to assess professionalism: results of a systematic review. Academic Medicine. 2009 May;84(5):551-8 [acesso em 3 jan 2020]. Disponível em: Disponível em: https://journals.lww.com/academicmedicine/pages/articleviewer.aspx?year=2009&issue=05000&article=00008&type=Fulltext .
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. Identificou-se 13 questionários autoaplicados, dos quais sete eram específicos para estudantes de medicina e quatro apresentavam validade estrutural ou consistência interna ruins. Entre os dois restantes, selecionou-se o questionário The Penn State College of Medicine Professionalism Questionnaire (PSCOMPQ)88. Blackall GF, Melnick SA, Shoop GH, George J, Lerner SM, Wilson PK, et al. Professionalism in medical education: the development and validation of a survey instrument to assess attitudes toward professionalism. Med Teach . 2007 Jan;29(2-3):e58-62., pelos seguintes motivos: possuir validação psicométrica, ser curto e de aplicação rápida, ser autoaplicado, possuir versão validada em outros idiomas e a utilização em português ter sido autorizada pelo autor.

O PSCOMPQ foi desenvolvido na Pennsylvania State University College of Medicine, nos Estados Unidos, com o objetivo de avaliar as opiniões relacionadas ao profissionalismo médico pela comunidade acadêmica, incluindo estudantes, professores médicos e médicos. O instrumento proposto foi validado de acordo com critérios de confiabilidade e validade. Trata-se do primeiro questionário validado e confiável sobre o tema na educação médica norte-americana88. Blackall GF, Melnick SA, Shoop GH, George J, Lerner SM, Wilson PK, et al. Professionalism in medical education: the development and validation of a survey instrument to assess attitudes toward professionalism. Med Teach . 2007 Jan;29(2-3):e58-62.. Já se realizaram a adaptação transcultural e a validação do instrumento na Colômbia1515. Bustamante E, Sanabria Á. Spanish adaptation of The Penn State College of Medicine Scale to assess professionalism in medical students. Biomedica. 2017 Apr 1º;34(2):291-9 [acesso em 3 maio 2022]. Disponível em: Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24967934 .
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, e a validação no Paquistão1616. Akhund S, Shaikh Z, Ali S. Attitudes of Pakistani and Pakistani heritage medical students regarding professionalism at a medical college in Karachi, Pakistan. BMC Res Notes. 2017;7(1):150. e na Malásia1717. Govindaraja C, Ramachandran G, Min AKK. The ecology of medical professionalism: perceived and emulated, what matters? MedEdPublish. 2016;5(3):97..

Ele contempla os seis atributos do profissionalismo descritos pelo Abim. Possui 36 afirmativas, divididas igualmente entre os seis atributos. Para cada afirmativa, o respondente deve assinalar o seu nível de concordância com ela numa escala de Likert de cinco pontos (nunca = 1, pouco = 2, às vezes = 3, muito = 4 e sempre = 5). O escore de profissionalismo corresponde ao somatório do valor assinalado em cada resposta. Números mais altos indicam maiores níveis de profissionalismo88. Blackall GF, Melnick SA, Shoop GH, George J, Lerner SM, Wilson PK, et al. Professionalism in medical education: the development and validation of a survey instrument to assess attitudes toward professionalism. Med Teach . 2007 Jan;29(2-3):e58-62..

A tradução e a adaptação transcultural foram realizadas de acordo com as recomendações de Beaton et al.1818. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91 [acesso em 20 set 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11124735 .
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e Sousa et al.1919. Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2010 Sept 28;20(2):268-74.. O processo compreendeu seis fases (Figura 1): tradução; síntese; tradução reversa; revisão por comitê de especialistas; pré-teste; confecção da versão final.

Figura 1
Fluxograma de adaptação transcultural

O instrumento foi traduzido do inglês para o português por dois tradutores independentes nativos de língua portuguesa e com experiência com traduções do inglês para o português, um médico e um tradutor juramentado. A seguir, compararam-se as duas versões de tradução (T1 e T2), que foram sintetizadas em uma versão consenso (T1/T2), contemplando o esclarecimento de expressões ou termos que continham forma ou sentido semântico e idiomático diferente nas duas versões. Na sequência, realizaram-se duas traduções reversas (RT1 e RT2) do português para o idioma original, por outros dois tradutores independentes que não conheciam a versão original, nativos de língua inglesa e sem conhecimento médico ou da temática. Essa etapa permitiu identificar incoerências ou erros conceituais cometidos durante a tradução, buscando a equivalência conceitual e cultural.

O comitê de revisão foi formado pelos pesquisadores, pelos tradutores e por nove convidados, que representavam a Associação Médica de Minas Gerais, o Sindicato dos Médicos, a Sociedade de Acadêmicos de Medicina de Minas Gerais, médicos e professores de Medicina. Foi feita a análise do questionário original, T1/T2 e RT1 e RT2 para a confecção da versão pré-teste. O objetivo desse grupo foi identificar e resolver discrepâncias considerando os quatro tipos de equivalência: semântica, idiomática, experiencial e conceitual1818. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91 [acesso em 20 set 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11124735 .
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.

Os profissionais convidados receberam um formulário on-line com o questionário para avaliar as afirmativas e fazer sugestões. O comitê consolidou a versão produzida confeccionando a versão pré-final. Como o autor do questionário original permitiu livre tradução para português, ele não foi consultado.

Após a definição da versão pré-final do questionário pelo comitê de revisão, realizou-se a etapa do pré-teste em amostra de conveniência de 30 pessoas, já que a literatura recomenda a participação de dez a 40 voluntários1818. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91 [acesso em 20 set 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11124735 .
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1112...
),(1919. Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2010 Sept 28;20(2):268-74.. Além de responderem ao questionário em entrevista presencial, os participantes dessa fase reescreveram as afirmativas com suas próprias palavras, para a conferência do entendimento do conteúdo da afirmativa (análise de validade de conteúdo). As respostas escritas foram analisadas uma a uma pelos pesquisadores, e separaram-se para reanálise aquelas cujo significado diferia do entendimento original. Após essa análise qualitativa e novas adequações, obteve-se a versão final do questionário para utilização na segunda etapa do estudo. Uma versão on-line no Google Formulários foi desenvolvida. Coletaram-se as seguintes informações: idade, sexo, ano de formatura, formação profissional, especialidade, pós-graduação, cidade e estado da atividade profissional, se exerce atividade de ensino e qual atividade de ensino. A aplicação do questionário ocorreu exclusivamente por via eletrônica e sua divulgação ocorreu por meio de abordagens individuais com o encaminhamento do respectivo link da pesquisa, além da divulgação em grupos de redes sociais e por contatos telefônicos. Estratégias utilizadas: QR Code, envio de e-mails, Instagram, Facebook, LinkedIn, WhatsApp, Telegram, Workplace e criação de memes motivacionais. Para a divulgação, criaram-se também um e-mail para a pesquisa, um site e uma conta no Instagram.

Verificou-se a consistência interna pelo teste alfa de Cronbach para o questionário como um todo e retirou-se cada um dos itens individualmente. Valores entre 0,70 e 0,80 foram considerados aceitáveis; entre 0,80 e 0,90, bons; e > 0,90, muito bons.

Este estudo encontra-se em concordância com a versão atual da Declaração de Helsinque e a Resolução nº 466/2012 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e suas atualizações, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas), de Minas Gerais (Parecer nº 3.544.742). Todos os voluntários assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua inclusão no estudo.

RESULTADOS

Tradução e adaptação transcultural

A fase de tradução do instrumento ocorreu sem dificuldade. Na síntese (T1/T2), os pesquisadores consideraram que houve equivalência em 88,9% (32/36) dos itens. Observaram-se discrepâncias semântica nas afirmativas 2, 14, 29 e idiomática no item 33. Na tradução reversa, observou-se discrepância de equivalência semântica no item 29. Essa discrepância foi discutida e elucidada com os tradutores antes da confecção de versão pré-teste e solucionada (Tabela 1).

Tabela 1
Discrepâncias observadas nas fases I, II e III do processo de tradução e adaptação transcultural

Após as retrotraduções, elaborou-se nova versão do questionário que foi avaliado pelo comitê de especialistas, composto por nove participantes, sendo três professores de Medicina, um médico gestor, um médico assistencial e um estudante de Medicina. Na fase IV, os pesquisadores consideraram que seria necessário utilizar as afirmativas na primeira pessoa do singular, e não na terceira pessoa do singular, uma vez que o objetivo do projeto era avaliar a atitude do entrevistado em relação ao profissionalismo e não a sua opinião sobre ele. A versão pré-teste foi consolidada pelo comitê. Com bases nessas sugestões, acrescentou-se uma nova afirmativa sobre pontualidade (item 37), considerando que se trata de uma questão cultural relevante no Brasil e que não era abordada na versão norte-americana do instrumento. Realizaram-se pequenos ajustes no texto dos itens 18 e 33 para alcançar 100% de equivalência semântica. Na fase V, de pré-teste, a versão pré-final do questionário foi aplicada em 30 médicos. Na análise qualitativa, houve discrepâncias mínimas entre pergunta e transcrição, e poucos foram os ajustes necessários para elaboração do questionário final, como correção ortográfica, gramatical e erros de digitação. Frases negativas foram substituídas por verbos de sentido negativo. A Tabela 2 apresenta a versão final do questionário. Os itens são divididos em seus domínios: responsabilidade (1, 12, 13, 24, 25 e 36), altruísmo (2, 7, 14, 19, 30 e 31), dever (3, 11, 15, 20, 29 e 35), excelência (4, 8, 18, 23, 26 e 34), honra e integridade (5, 9, 16, 21, 27 e 32) e respeito (6, 10, 17, 22, 28, 33 e 37).

Tabela 2
Versão final questionário de avaliação de profissionalismo médico

O alfa de Cronbach do questionário total foi 0,886, e os valores referentes à retirada individual de cada questão variaram de 0,856 a 0,870, indicando boa consistência interna e confiabilidade (Tabela 3).

Tabela 3
Análise da consistência interna e confiabilidade do questionário de avaliação de profissionalismo médico após a retirada de cada item (n = 30)

DISCUSSÃO

A adaptação ocorreu dentro do prazo proposto e cumprindo todas as fases planejadas1818. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91 [acesso em 20 set 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11124735 .
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1112...
),(1919. Sousa VD, Rojjanasrirat W. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. J Eval Clin Pract. 2010 Sept 28;20(2):268-74.. O questionário original tratava sobre a opinião das pessoas sobre o profissionalismo, não sobre a atitude delas. No questionário original, os respondentes foram solicitados a avaliar até que ponto cada afirmação refletia a definição deles de profissionalismo. As afirmativas foram modificadas da terceira pessoa para primeira pessoa, a fim avaliar a atitude do respondente em relação ao profissionalismo, o que inviabiliza a comparação dessa versão adaptada com o estudo original e os estudos realizados em outros países. No entanto, a mudança na flexão verbal torna a resposta mais pessoal e direta, motivando maior reflexão do indivíduo sobre o próprio comportamento. Algumas afirmativas foram mais difíceis de adaptar. A exploração do significado de cada questão permitiu que a versão adaptada permanecesse com equivalência na sua aplicação. O tópico sobre voluntariado, apesar de não fazer parte da cultura brasileira, foi mantido por avaliar altruísmo. A pontualidade foi incluída entre as afirmativas por ser um tópico relevante no Brasil, apesar de não estar no questionário original, uma vez que não é uma dificuldade nos Estados Unidos.

O alfa de Cronbach indicou boa consistência interna na versão pré-final, mesmo com pequeno número de respondedores.

Uma das limitações deste estudo é inerente ao instrumento utilizado para a avaliação dos níveis de profissionalismo. Os instrumentos autoaplicáveis que avaliam atitude apresentam tendência a superestimar os escores, uma vez que os respondentes podem indicar a resposta que consideram socialmente aceitável e não necessariamente a avaliação sincera de sua atitude, um viés cognitivo descrito como da desejabilidade social2020. Edwards AL. The social desirability variable in personality assessment and resesarch. New York: Dryden Press; 1957.. O próprio sujeito da pesquisa pode determinar um fator de erro quando apresenta o desejo de uma imagem socialmente aceitável ou uma tendência a concordar ou não com afirmações independentemente do seu conteúdo. Há incapacidade de determinar em que medida as respostas refletem com precisão as experiências e expectativas dos entrevistados. Para minimizar esses possíveis fatores de erro, os voluntários foram informados que suas respostas eram confidenciais, utilizadas exclusivamente para fins de pesquisa e devidamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Essa garantia pode reduzir a tendência de respostas socialmente desejáveis, mas pode não ser suficiente2121. Hojat M, Veloski JJ, Gonnella JS. Measurement and correlates of physicians’ lifelong learning. Academic Medicine . 2009 Aug;84(8):1066-74.),(2222. Moreto G. Avaliação da empatia de estudantes de medicina em uma universidade na cidade de São Paulo utilizando dois instrumentos [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2015 [acesso em 3 maio 2022]. Disponível em: Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5169/tde-19062015-154448/pt-br.php .
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
. Quando se utiliza um questionário autoaplicado, não é analisado o comportamento real do respondente e sim sua atitude. Embora existam vínculos entre atitudes e comportamentos, é preciso ter cautela, pois esse instrumento retrata as atitudes em relação ao profissionalismo em um determinado momento. Não identifica se os entrevistados realmente se comportam de maneira consistente com as atitudes relatadas. Além disso, a avaliação do profissionalismo não deve ser reduzida apenas à dimensão da autoavaliação, sendo necessário considerar também a avaliação por pares, por outros profissionais de saúde e, ainda, por pacientes e familiares.

Apesar dessas limitações, a versão desenvolvida com base no PSCOMPQ é ferramenta de autorreflexão que pode ajudar a educação médica a avançar nos esforços para aprimorar o profissionalismo, e, até onde se sabe, trata-se de estudo inédito no Brasil.

CONCLUSÕES

O PSCOMPQ adaptado para o português brasileiro apresentou alta equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual. Trata-se de um marco importante para o estudo do profissionalismo médico no Brasil, podendo ser utilizado tanto na educação continuada de profissionais já formados como na educação médica, como ferramenta de reflexão e avaliação.

REFERÊNCIAS

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  • 2
    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Pedro Hamamoto Filho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2022
  • Aceito
    10 Nov 2022
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