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Implantação curricular para curso de Medicina: superando desafios

Curriculum implementation for Medicine course: overcoming challenges

Resumo:

Introdução:

A Lei nº 12.871/2013, também conhecida como Lei do Mais Médicos, buscou, entre outras ações, reordenar a oferta de cursos de Medicina, priorizando regiões de saúde com menor relação de vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde, além de estabelecer novos parâmetros para a formação médica no país. Por sua vez, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em Medicina foram criadas para a organização, o desenvolvimento e a avaliação desses cursos no âmbito dos sistemas de ensino superior do país. As DCN decorrem de um longo processo de diagnóstico e propostas de intervenção nos cursos de Medicina desde os anos 1990, iniciado com o Projeto da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem), mediante a observação de muitas experiências, nacionais e internacionais, que implementaram mudanças curriculares.

Relato de experiência:

Este trabalho tem como objetivo apresentar o processo de construção e implementação de um currículo orientado por competências, correlacionando, nesse processo, as metodologias de ensino aprendizagem e o modelo curricular.

Discussão:

Foram ofertadas oficinas de desenvolvimento docente com foco nas metodologias ativas de ensino-aprendizagem por meio de um movimento organizado entre os docentes, contemplando o aprendizado baseado em problemas, o aprendizado baseado em equipes, a preleção dialogada, a simulação realística e a problematização. Também se abordou, em módulos específicos, a avaliação do processo, do desempenho do estudante e da instituição.

Conclusão:

A implantação desse modelo curricular tornou-se um marco de mudanças na instituição, pois envolveu gestão educacional, infraestrutura e implementação no curso de Medicina, de modo a beneficiar a escola como um todo. A possibilidade de criação de cenários de ensino para além dos espaços das IES proporcionou maior conhecimento da realidade, abriu espaço para novos projetos destinados à comunidade e estimulou o intercâmbio entre o ensino, o serviço e a comunidade.

Palavras-chave:
Currículo; Metodologias Ativas; Problematização

Abstract:

Introduction:

One of the aims of Law 12.871/2013, also known as the Mais Médicos (More Doctors) Law, was the implementation of actions to reorganize the provision of Medicine courses. These actions would prioritize health regions with a lower ratio of vacancies and doctors per inhabitant and with a health service structure, and establish new parameters for medical training in Brazil. In turn, the National Curriculum Guidelines (DCNs) for Undergraduate Medicine Courses were created for the organization, development, and evaluation of these courses within the scope of the country’s higher education systems. The DCNs are the result of a long process of diagnosis and proposals for intervention in Medicine courses since the 1990s, which began with the CINAEM Project (National Interinstitutional Commission for the Evaluation of Medical Education), through the observation of many domestic and international experiences of curricular change implementations.

Experience report:

This work aims to present the process of construction and implementation of a competency-oriented curriculum, correlating, in this process, the teaching-learning methodologies and the curriculum model.

Discussion:

Teacher Development Workshops were offered with a focus on active learning methodologies through an organized movement among teachers, covering problem-based learning, team-based learning, dialogued lecture, realistic simulation and problematization. In specific modules, the evaluation of the process, the performance of the student and the institution were also addressed.

Final Considerations:

The implementation of this curriculum model became a landmark change in the institution, involving educational management, infrastructure, and implementation in the medical course, benefiting the whole school. The possibility of creating teaching scenarios beyond the HEI spaces provided greater knowledge of reality, opening space for new projects with the community, stimulating the exchange between teaching, service and the community.

Keywords:
Curriculum; Active methodologies; Problematization

INTRODUÇÃO

A Lei nº 12.871/201311. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília: Senado Federal; 2013 [acesso em]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, também conhecida como Lei do Mais Médicos, buscou formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo os seguintes objetivos:

I - diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde. II - fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no País; III - aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação [...].

Além disso, esse ato legal visava ao aperfeiçoamento dos profissionais médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do país, de modo a envolver a organização e o funcionamento do SUS, e estimular a realização de pesquisas aplicadas ao próprio sistema de saúde11. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília: Senado Federal; 2013 [acesso em]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
.

Antes dessa lei, muitas discussões haviam sido travadas na busca de modelos, metodologias e diretrizes potencialmente aplicáveis. As discussões foram norteadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em Medicina, que, por sua vez, foram criadas visando à organização, ao desenvolvimento e à avaliação do curso de Medicina no âmbito dos sistemas de ensino superior do país. Esse documento estabelece princípios, fundamentos e finalidades da formação em Medicina, buscando articular as competências, habilidades e atitudes necessárias no sentido da eficaz atuação do egresso nos âmbitos da atenção à saúde, da gestão em saúde e da educação em saúde22. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília: MEC; 2014.),(33. Rocha VXM. Reformas na educação médica no Brasil: estudo comparativo entre as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Medicina de 2001 e 2014 [dissertação]. Santos: Universidade Católica de Santos; 2018 [acesso em]. Disponível em: https://tede.unisantos.br/handle/tede/4441.
https://tede.unisantos.br/handle/tede/44...
.

As DCN decorrem de um longo processo de diagnóstico e propostas de intervenção voltado aos cursos de Medicina desde os anos 1990 e iniciado com o Projeto da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem), mediante a observação de muitas experiências, nacionais e internacionais, que implementaram mudanças curriculares. São exemplos, fora do Brasil, os casos da Holanda, do Canadá e do Novo México nos Estados Unidos; aqui, as escolas médicas que aderiram à proposta foram a Faculdade de Medicina de Marília (Famema) e a Universidade Estadual de Londrina (UEL). As bases legais dessa transição estão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, que assegurou uma maior flexibilidade na organização de cursos e carreiras profissionais44. Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Senado Federal ; 1996 [acesso em]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
),(55. Prado WA. Desenvolvimento e implantação da nova estrutura curricular na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto: dificuldades e avanços. Medicina (Ribeirão Preto). 1996;29(4):373-82. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v29i4p373-382.
https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262....
. Na prática, os currículos tradicionais não conseguem manter o foco nos temas transversais que sabemos ser a base da formação ética, crítica e reflexiva dos estudantes66. Campos GWS. Paidéia e modelo de atenção: um ensaio sobre a reformulação do modo de produzir saúde. Olho Mágico. 2003;10(2):7-14.),(77. Delors J, organizador. Educação um tesouro a descobrir: relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 7a ed. São Paulo: Cortez; 2012..

A construção de um currículo orientado por competências exige tais responsabilidades e muitas outras que não foram contempladas nos modelos curriculares tradicionais, embora possam, eventualmente, estar presentes na formação oculta ou paralela de uma ou outra instituição. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é relatar o processo de construção de um projeto pedagógico pautado nas DCN de 2014.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Desenvolvimento docente

Diante dessa realidade, foi necessário compor um corpo docente capacitado, de modo que a instituição de ensino superior (IES) analisada buscou inserir em seus quadros professores das áreas básicas das ciências médicas e biológicas dispostos a se comprometer com o novo modelo de ensino-aprendizagem proposto. Mais do que isso, exigiu-se experiência a fim de que tal equipe pudesse atuar na

[...] identificação das necessidades de aprendizagem próprias, das pessoas sob seus cuidados e responsáveis, dos cuidadores, dos familiares, da equipe multiprofissional de trabalho, de grupos sociais ou da comunidade, a partir de uma situação significativa e respeitando o conhecimento prévio e o contexto sociocultural de cada um 2 2. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília: MEC; 2014. ) .

A apresentação da proposta de um projeto pedagógico inovador, voltado ao aprimoramento coletivo, causou, inicialmente, certo desconforto no grupo de docentes. Todavia, entendendo sua real necessidade e a respectiva solicitação por parte do MEC, os professores aceitaram o desafio e iniciaram um processo de capacitação e desenvolvimento docente estruturado pela instituição (Quadro 1).

Quadro 1
Oficinas implementadas e seus objetivos.

Após um minucioso período de planejamento, oficinas foram realizadas, cumprindo o calendário regular e proporcionando atividades práticas ao grupo de professores interessados, que exercitavam, assim, aspectos das metodologias propostas, conforme mostra o Quadro 1. Dessa forma, diferentes metodologias ativas passaram a ser comuns nas salas de aulas da IES, preparando a instituição para o futuro curso de Medicina. O corpo técnico, então, era composto por aproximadamente 35 professores com formação em Biologia, Enfermagem, Bioquímica, Psicologia, Filosofia, Farmácia, Filosofia, Odontologia, Medicina, Medicina Veterinária e Biomedicina.

Curso de desenvolvimento docente

A partir de então, criou-se um curso específico para os professores interessados em se aproximar dessas metodologias e dessa concepção curricular, e, assim, trabalhar no curso de Medicina da Universidade Paranaense (Unipar). O objetivo do curso, portanto, foi promover o aperfeiçoamento docente para desenvolvimento de competências pedagógicas na área da saúde, conforme definidas na DCN, o que pode ser verificado na Figura 1.

Figura 1.
Desenvolvimento das atividades das oficinas.

Metodologias ativas e modelo curricular

Cientes de que os modelos “conteudistas” implementados nos vários cursos da área da saúde não representavam uma opção para o curso proposto e com o projeto pedagógico do curso (PPC) aprovado pelo MEC, as oficinas centralizaram suas atividades no sentido de apresentar o melhor entendimento do desenho curricular e das metodologias a serem utilizadas.

De forma geral, considera-se que os currículos sejam construídos com base na epidemiologia regional, integrando atividades práticas e teóricas, com mediação do professor e metodologias que estimulem a autonomia do estudante.

Em contraposição aos modelos que concentram grandes quantidades de conteúdo/informação, buscou-se um modelo baseado em competências, de modo que estas fossem apresentadas a fim de propiciar um aprendizado progressivo mediante experiências vividas em cada período. Em outras palavras, as metodologias definidas deveriam promover aproximações gradativas e, consequentemente, com complexidade progressiva quanto aos conteúdos curriculares.

Como definir conteúdos

Um dos grandes desafios atuais é contemplar o extraordinário número de informações disponível e distribuí-las adequadamente no curso de Medicina. A questão inicial, nesse sentido, é identificar de que forma a informação será transformada em conhecimento:

  • O que deve fazer parte obrigatória da matriz curricular e onde deve ser colocada?

Realizaram-se oficinas em que os professores de áreas específicas, sob orientação da coordenação do curso, listaram os possíveis conteúdos do curso de Medicina, que, depois, foram categorizados e divididos em séries, construindo uma matriz curricular que seria a base para a definição de objetivos de aprendizagem nos vários módulos. Nesse momento, reconheceu-se, por exemplo, a superposição de conteúdos nos cursos tradicionais; aqui, diferentemente, eles foram alojados de forma criteriosa em seus respectivos módulos, otimizando a carga horária do curso.

Uma pergunta interessante, nesse sentido, seria:

  • E de onde vem a lista de conteúdos inicial de um curso de Medicina?

Uma das respostas está na orientação oferecida pelas DCN e na observação dos PPC de outras universidades que permitiu verificar a diversidade de matrizes pelo país afora. A matriz de competências criada para o Revalida 201088. Brasil. Matriz de correspondência curricular para fins de revalidação de diplomas de médico obtidos no exterior. Brasília: MEC, MS; 2009 [acesso em]. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_superior/revalida/matriz/2009/matriz_correspondencia_curricular_revalida_sem_logo.pdf.
https://download.inep.gov.br/educacao_su...
) era naquele momento a listagem de conteúdos mais consistente e completa disponível em nosso meio.

Definindo a estrutura curricular: dimensão-eixos-módulos

O formato de construção matricial do curso exigia uma organização curricular com: integração do conteúdo, aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes. Na prática, a solução encontrada foi organizar o currículo em uma espiral de complexidade das dimensões gerais do curso, sendo a matriz curricular baseada em três eixos norteadores da proposta curricular, os quais são articulados entre si de forma contextualizada e interdependente, formando um modelo de intercâmbio. Os eixos trabalham com metodologias ativas, responsáveis pela integração de conteúdo, visando à construção de competências, definidas no perfil do egresso.

Os eixos devem estimular a prática integrada e de reciprocidade entre as diferentes áreas do saber, tanto para a produção de conhecimento como para a aquisição de competências no âmbito da resolução de problemas da prática médica diária. Devem, assim, ser pensados de forma abrangente e no sentido de estimular a clínica ampliada, sempre dialogando com a realidade (Quadro 2).

Quadro 2
Eixos norteadores da proposta curricular

Durante a construção da matriz curricular, considerou-se um grande momento de integração a oficina realizada para a seleção e divisão de conteúdos entre os eixos, realizada com professores do Núcleo Docente Estruturante e outros das áreas clínicas e das ciências básicas. Nessa etapa, os docentes “apropriaram-se”, de fato, do modelo proposto, tendo positivas repercussões, as quais não se resumem àquele momento, estendendo-se até hoje quando são necessários ajustes ou orientações aos novos integrantes da equipe.

DISCUSSÃO

A pergunta mais frequente quando apresentado o projeto do curso é: “Por que Problem Based Learning (PBL)?”. Em si ela contém dois equívocos. O primeiro é que não foi uma opção a utilização de metodologias centradas no estudante (não apenas PBL), afinal são orientações a partir das DCN. Esse projeto curricular foi aprovado respeitando essas regras definidas pelos marcos legais anteriormente descritos neste texto. A segunda questão é que é praticamente impossível que o modelo tradicional consiga, dentro das DCN, alcançar uma formação por competências e com inserção de atividades práticas desde o início do curso se não forem utilizadas metodologias que tenham o estudante no centro do processo. Com metodologias ativas de ensino-aprendizagem, apresentam-se ao estudante situações-problema ou casos disparadores de discussões, com enfoque biopsicossocial-ambiental.

Essa metodologia induz o aluno a buscar, desde o início do curso, as informações relevantes para, em seguida, construir o conhecimento sobre o assunto ou objetivo de aprendizagem. Para o pleno alcance desses objetivos, a escola deve investir na formação docente. Este texto tenta, pois, demonstrar também o processo de formação docente em metodologias ativas a partir da aprovação do curso pelo edital do MEC.

Aprendizado Baseado em Problemas (ABP)/Problem Based Learning (PBL)

A proposta pedagógica do projeto estipulou como ferramenta principal o trabalho em grupo, especialmente aquele fundamentado na dinâmica de pequenos grupos para a utilização de metodologias ativas. Para tanto, faz-se necessário apontar alguns aspectos que justificam tal escolha. Inicialmente, destaca-se a própria diretriz do SUS sobre desenvolver, por meio de estratégias de grupos, práticas efetivas para promover saúde, estimular mudanças e melhorar a qualidade de vida das pessoas. O segundo aspecto é sua ampla aplicação no âmbito da saúde, no qual as práticas grupais têm como potencial o encontro de pessoas que se ajudam mutuamente, possibilitando o acolhimento, as trocas vivenciais, o ato de compartilhar problemas ou situações semelhantes. Também há o fato de ser uma dinâmica de aprendizagem de si mesmo e do outro, por meio de situações de vivência e convivência em que há mobilizações e ressignificaçãoes das relações interpessoais, aspectos essenciais para o trabalho em equipe multi/interdisciplinar. E, por último, mas não menos importante, observa-se que o setting grupal se torna um espaço de desenvolvimento da competência de comunicação em suas mais diversas manifestações99. Dent JA, Harden RM, Hunt D, organizers. A practical guide for medical teachers: new horizons in medical education. 5th ed. New York: Elsevier; 2017 [acesso em]. Disponível em: https://kmc.edu.pk/new/wp-content/uploads/2020/09/A-Practical-Guide-for-Medical-Teachers-5e.pdf.
https://kmc.edu.pk/new/wp-content/upload...
,1010. Berbel NAN, organizador. Metodologia da problematização: fundamentos e aplicações. Londrina: UEL; 1999.. Essas atividades ocorreram duas vezes na semana, com abertura e fechamento de situações-problema mediante prévio planejamento e definição de objetivos de aprendizagem de cada sessão.

Team Based Learning (TBL)

O TBL ou Ensino Baseado em Equipes (EBE) tem como característica a aquisição de competências fundamentadas nas ciências e nos conhecimentos técnicos. Integrado aos demais, organiza as experiências educacionais em ambiente protegido, garantindo a formação clínica necessária para a prática profissional. Esses conhecimentos, porém, quando integrados aos outros, não se encontram fora de conjuntura e, assim, trabalham com as necessidades de saúde da população por meio da promoção em saúde e da prevenção de agravos e letalidades de afecções específicas de cada fase do ciclo vital. A experiência de utilização do TBL foi complementar à utilização de outros métodos, em especial o TBL/ABP, prenchendo lacunas de aprendizagem reconhecidas pelos tutores a cada semana do curso, conforme mostra a Figura 2.

Figura 2
Sala de aula.

O desenvolvimento dessa metodologia oferece ao estudante as oportunidades de adquirir e aplicar conhecimentos por meio de uma sequência de atividades que incluem etapas prévias ao encontro com o professor. Inclui, assim, o estudo pré-classe e na classe (teste individual, teste em equipe, apelação e debriefing imediato do professor), e a aplicação dos conceitos com casos clínicos, questões de verdadeiro ou falso e testes de múltipla escolha. Tais atividades ocorrem, na maioria dos casos, em ambientes de prática clínica ou cirúrgica, ambulatorial ou hospitalar([1111. Bordenave JD, Pereira AM. Estratégias de ensino-aprendizagem. 28a ed. Petrópolis: Vozes; 2008.).

Preleção dialogada

A preleção dialogada é uma exposição do conteúdo com a participação ativa dos estudantes, cujo conhecimento prévio deve ser considerado e pode ser tomado como ponto de partida. Por meio dessa ferramenta, o professor leva os discentes a questionar, interpretar e discutir o objeto de estudo a partir do reconhecimento e do confronto com a realidade1212. Girondi JBR, Bolella VR, Tourinho FSV, Amante LN, Nascimento KC, Knihs NS, et al. Team-based Learning in the teaching of perioperative care in undergraduate Nursing. International Journal of Nursing Didactics. 2017;7(4):76-80.. Durante as atividades presenciais, buscou-se priorizar as atividades centradas no estudante. Nesse sentido, as preleções foram utilizadas sob uma perspectiva freiriana, por meio de um que modelo que respeita as fases para uma discussão mais apronfundada e que possibilita a troca de informações.

Simulação realística

O uso de simuladores permite desenvolver técnicas e ampliar conhecimentos. O ensino na área médica vem sendo alterado com o decorrer dos anos, de modo que a inclusão de novos métodos e o surgimento de novas perspectivas sobre a relação ensino-aprendizagem permitem a melhoria da capacitação dos profissionais da área.

A simulação apresenta-se, assim, como uma nova ferramenta de ensino que compreende não apenas as habilidades técnicas, mas também o gerenciamento de crises, aspectos de liderança, trabalho em equipe, raciocínio clínico em situações críticas ou que possam provocar prejuízos ao paciente real. Desde o início do curso, a utilização do centro de simulação realística cumpriu esse papel, modernizando as relações com as atividades práticas institucionais.

Dessa forma, a utilização da simulação no ensino médico, atualmente, é vista como uma forma de aprendizagem moderna que permite a retenção do conhecimento por um tempo mais prolongado, além de ser uma estratégia mais agradável e prazerosa do que o ensino tradicional, possibilitando o compartilhamento de conhecimentos entre os profissionais das mais diversas áreas da medicina1313. Leal EA, Miranda G, Casa Nova S. Revolucionando a sala de aula: como envolver o estudante aplicando as técnicas de metodologias ativas de aprendizagem. São Paulo: Atlas; 2017..

Problematização

A problematização é um método de ensino-aprendizagem que tem como princípio a atividade prática real ou simulada que exige um contato experiencial. Essa atividade consiste na observação da realidade, seguida de um momento de reflexão que culmina em uma prática ou ação. Os grupos do eixo relacionado à saúde coletiva tiveram prioritariamente essa orientação pedagógica após um processo específico de capacitação docente. Tal metodologia tem se mostrado importante na abordagem de temas que extrapolam o conjunto de assuntos teóricos e exigem uma interface social tanto da academia quanto dos serviços de saúde, construindo o conhecimento científico com aplicações sociais cotidianas1010. Berbel NAN, organizador. Metodologia da problematização: fundamentos e aplicações. Londrina: UEL; 1999.),(1414. Yamane MT, Machado VK, Osternack KT, Mello RG. Simulação realística como ferramenta de ensino na saúde: uma revisão integrativa. Espaç Saúde. 2019;20(1):87-107.),(1515. Batista N, Batista SH. Docência em saúde. 2a ed. São Paulo: Senac; 2014., o que pode ser compreendido a partir do Arco de Maguerez (Figura 3).

Figura 3
Arco de Maguerez.

Avaliação em metodologias ativas

Sob a perspectiva das metodologias ativas, é fundamental a implementação de estratégias de avaliação adequadas que possam refletir as reais mudanças desse processo1616. Dewey J. Experiência e educação. 3a ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional; 1979.. Foram propostas para o PPC modalidades de avaliação de ensino, inicialmente relacionadas aos eixos do curso, que devem contemplar os espectros cognitivo, de habilidades e atitudinais. Desse modo, cada eixo possui formas específicas de avaliação. O portfólio reflexivo, por exemplo, tem como objetivo a avaliação da aquisição de habilidades indispensáveis à formação médica e que, portanto, deverão ser parte de uma aprendizagem efetiva e ética1717. Troncon LEA. Estruturação de sistemas para avaliação programática do estudante de medicina. Rev Bras Educ Med. 2016;40(1):30-42. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40n1e01392015.
https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40...
,1818. Cotta RMM, Costa GD. Instrumento de avaliação e autoavaliação do portfólio reflexivo: uma construção teórico-conceitual. Interface (Botucatu). 2016;20(56):171-83. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1303.
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.13...
.

Os parâmetros de planejamento e elaboração do portfólio serão as competências exigidas para uma boa formação do futuro para o egresso. Considerando-se as dimensões cognitivas e psicomotoras do aprendizado, propõe-se um longo período para o treinamento de cada habilidade, definindo-se intervalos mínimos e máximos entre as repetições dos exercícios e a avaliação formativa antes da avaliação final somativa, o que possibilita a adequação ao ritmo do aluno e a sedimentação do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A apresentação desse modelo curricular tornou-se um marco importante que fez avançar políticas institucionais específicas que reverberam nos demais cursos da área de saúde. Nesse sentido, a experiência adquirida na formação do corpo docente trouxe a possibilidade da criação de uma massa crítica institucional para além da docência, envolvendo gestão educacional, estruturação e implementação do curso de Medicina, o que beneficiou a instituição como um todo.

Os aspectos de logística e infraestrutura sofreram mudanças radicais, uma vez que ainda estavam sob o formato do ensino tradicional em saúde, com salas para grandes grupos, laboratórios individualizados por disciplina e isolamento por cursos, com laboratórios unidisciplinares. A adaptação das áreas físicas para aplicar metodologias centradas no estudante transformou essa realidade, e hoje estão disponíveis salas para pequenos grupos, laboratórios multidisciplinares, entre outros espaços adequados ao novo modelo implementado para todos os cursos da área da saúde.

Finalmente, a possibilidade de criação de cenários de ensino para além dos espaços internos proporcionou maior conhecimento da realidade, abriu espaço para novos projetos destinados à comunidade e estimulou o intercâmbio entre o ensino, o serviço e a comunidade.

REFERÊNCIAS

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    » https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1303
  • 2
    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Antonio Menezes Junior.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2022
  • Aceito
    09 Mar 2023
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