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Percepções sobre contribuições/desafios da integração ensino-serviço-comunidade a partir da experiência de uma disciplina cirúrgica

Resumo:

Introdução:

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) da graduação em Medicina enfatizam a formação no contexto da atenção básica de saúde e têm como eixos do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde da população e a integração ensino-serviço-comunidade (Iesc), preferencialmente nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, a rede básica de saúde é um cenário de aprendizagem singular, pois proporciona aos alunos a possibilidade de eles vivenciarem as políticas de saúde e o trabalho multiprofissional, além de permitir que lidem com problemas reais, vinculando a formação médico-acadêmica às necessidades sociais da saúde.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo analisar as características da integração ensino-serviço que contribuem para a universidade, os serviços de saúde e a comunidade, e as suas dificuldades e os seus desafios por meio da percepção dos discentes, usuários e profissionais de saúde envolvidos no ambulatório de cirurgia ambulatorial e no projeto de extensão da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) nas unidades de saúde em Tiradentes, em Minas Gerais.

Método:

Trata-se de estudo qualitativo que utilizou como instrumentos de coleta de dados entrevistas semiestruturadas com usuários, discentes e profissionais de saúde sobre a percepção da IESC. Para a análise dos dados, empreendeu-se a técnica de análise de conteúdo.

Resultado:

Os dados mostraram que a IESC permitiu melhorar a qualidade do trabalho no serviço de saúde, qualificar os profissionais ali presentes, além de ampliar a realização pessoal dos atores dessa interação. Também trouxe melhorias à atenção primária, possibilitando a compreensão da organização da prática no trabalho e maior resolubilidade da unidade básica de saúde. Ainda foi possível uma percepção dos desafios e impasses dessa integração a serem superados, como falta de estrutura e materiais, desconforto minoritário, mas, não menos importante, de pacientes a serem atendidos pelos estudantes e confronto da rotina dos profissionais de saúde locais com a universidade.

Conclusão:

A universidade inserida dentro da realidade social e dos serviços de atenção primária forma profissionais mais capacitados para problemas mais prevalentes ao mesmo tempo que beneficia a população e as equipes de saúde locais.

Palavras-chave:
Integração Ensino-serviço-comunidade; Avaliação Curricular das Faculdades de Medicina; Educação Médica

Abstract:

Introduction:

The National Curriculum Guidelines (DCN, Diretrizes Curriculares Nacionais) for the undergraduate medical course emphasize the educational training in the context of primary health care and have as axes of the curricular development, the health needs of the population and the teaching, service, and community integration (TSCI), preferably in services of the Brazilian Health System (SUS). Thus, the primary health network is a unique learning scenario, as it provides students the opportunity to experience health policies, as well as the multi-professional work, in addition to the possibility of dealing with real-life problems, associating medical-academic training to the social health needs.

Objectives:

This work aims to analyze the characteristics of the teaching-service integration, which contribute to the university, health services and the community. It also aims to analyze the difficulties and challenges through the perception of the students, the users and the health professionals involved in the outpatient Surgery Clinic and in the extension project of UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei) in the health units in Tiradentes-MG.

Methods:

This work is a qualitative study which used, as data collection instruments, semi-structured interviews with users, students and health professionals, about the perception of Teaching Service-Community Integration (TSCI). The Content Analysis technique was used for the data analysis.

Results and Discussion:

The data showed that the TSCI allowed improving the quality of work in the health service, qualifying the professionals who were working there, in addition to enhancing personal achievement of the actors in this interaction. It also brought improvements to primary care, allowing an understanding of the organization of the work practice and greater effectiveness of the Basic Health Unit. Furthermore, it was possible to perceive the challenges and impasses of this integration to be overcome, such as: lack of structure and materials, a minor discomfort, but no less important, of patients to be cared by students and confrontation of the routine of local health professionals with the University.

Conclusion:

The university inserted in the social reality and in the primary care services trains professionals who are more qualified for more prevalent problems while benefiting the population and the local health teams.

Keywords:
Teaching, service, and community integration; Curriculum Evaluation of Medical Schools; Medical Education

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de graduação em Medicina, instituídas em 2014, tiveram como objetivo promover uma formação médica generalista, crítica e humanizada com foco na saúde integral da população. Também trouxeram como avanço o detalhamento das três áreas de competências (atenção à saúde, gestão em saúde e educação em saúde), indicando que o futuro egresso deve ter compromisso em manter a escolha diagnóstica e terapêutica de acordo com as necessidades do paciente e dos recursos disponíveis, além do compartilhamento de saberes e do trabalho em equipe, imprescindível na atenção primária11. Vieira SP, Pierantoni CL, Magnago C, Ney MS, Miranda RG. A graduação em medicina no Brasil ante os desafios da formação para a atenção primária à saúde. Saúde Debate. 2018;42(1): 189-207 [acesso em 30 maio 2021]. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/RFjdxdhG74jgsGRHRK9VpmM/abstract/?lang=pt. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S113 .
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Segundo essas diretrizes, o eixo do desenvolvimento curricular deve ser o das necessidades de saúde da população, promovendo integração entre ensino, serviço e comunidade, preferencialmente nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). A integração ensino-serviço-comunidade (Iesc) visa promover a inserção dos estudantes nos cenários de práticas do SUS desde o início da graduação, de modo a integrar a educação e o trabalho em saúde, e articular as atividades de ensino, pesquisa e extensão com a prestação de serviços de saúde, com base nas necessidades locais22. Brasil. Resolução nº 569, de 8 de dezembro de 2017. Brasília: Conselho Nacional de Saúde; 2017..

Esse acordo entre universidade e serviço de saúde favorece o processo de ensino-aprendizagem dos acadêmicos, contrapondo-se ao modelo flexneriano, que dificulta a integração teórico-prática33. Marin MJS, Oliveira MAC, Otani MAP, Cardoso CP, Moravcik MYAD, Conterno LO, et al. School-service integration in the training of nurses and doctors: the experience of Famema. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(3):967-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232014193.09862012.
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. Diversas são as vantagens da inserção do estudante na atenção primária à saúde (APS), como maior empatia, humanização e vínculo com o usuário e a comunidades durante o estágio. A valorização profissional sentida pelos agentes comunitários de saúde na contribuição para o aprendizado e a formação dos acadêmicos também é relatada na visão dos profissionais44. Caldeira ES, Leite MTS, Rodrigues-Neto JF. Estudantes de Medicina nos serviços de atenção primária: percepção dos profissionais. Rev Bras Educ Med. 2011;35(4):477-85. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022011000400006.
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Em relação à visão do usuário, a contribuição da inserção dos acadêmicos na atenção prestada nas unidades básicas de saúde (UBS) é positiva55. Almeida FCM, Maciel APP, Bastos AR, Barros FC, Ibiapina JR, Souza SMF, et al. Avaliação da inserção do estudante na unidade básica de saúde: visão do usuário. Rev Bras Educ Med . 2012;36(1):33-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022012000200005.
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. A formação dos estudantes em cenário real propicia que os pacientes se tornem agentes participativos nesse processo66. Sousa-Muñoz RL, Ronconi DE, Ramalho CO, Andrade MR, Silva APF, Pereira GCB, et al. Opinión de los pacientes sobre su participación en la enseñanza práctica de medicina en un hospital universitario de Brasil. Educ Méd. 2011;14(1):35-7 [acesso em 30 maio 2021]. Disponível em: Disponível em: https://scielo.isciii.es/pdf/edu/v14n1/original2.pdf .
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. Essas evidências indicam o potencial de a Iesc ser um caminho para a implementação das DNC e consequentemente para a melhoria da formação médica no país.

No entanto, a literatura sobre o tema evidencia dificuldades na Iesc, destacando-se: as diferentes percepções dos atores envolvidos, indefinição de papéis e tendência de dominação de um grupo sobre outro77. Morita MC, Haddad AE. A concepção pedagógica e as Diretrizes Curriculares Nacionais: interface da área de educação e da saúde na perspectiva da formação e do trabalho das equipes da saúde da família. In: Moysés ST, Kryger L, Moyses SJ. Saúde bucal das famílias: trabalhando com evidências. São Paulo: Artes Médicas; 2008. p. 268-76.. Isso reflete a falta de esclarecimento dos profissionais sobre os objetivos educacionais dos estudantes das diversas áreas de saúde inseridos nas equipes. Com a melhor elucidação pelos preceptores do papel dos acadêmicos, os receios nessa interação poderiam diminuir consideravelmente. Ademais, existem dificuldades metodológicas e integração embasada em negociações particulares88. Albuquerque VS, Gomes PG, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarino RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med . 2008;32(3):356-62. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022008000300010.
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Enfatizam-se ainda dificuldades em deslocar professores para cenário de prática, a forma de receptividade das equipes e o modelo de gestão vigente99. Kuabara CTM, Sales PRS, Marins MJS Tonhom SFR. Integração ensino e serviços de saúde: uma revisão integrativa da literatura. REME Rev Min Enferm. 2014;18(1):195-201. doi: http://www.dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20140015.
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. Outro desafio é a capacitação de docentes qualificados para incentivar o saber, abdicando do ideal de “senhor absoluto da razão”, com o qual muitos são familiarizados por causa da educação médica pautada na proposta flexneriana.

As limitações para maior integração entre a universidade e os serviços dizem respeito, principalmente, ao fato de que nessas organizações são desenvolvidos processos de trabalhos distintos. A universidade se volta mais para a produção do conhecimento, “saber”, enquanto os serviços se ocupam mais com a produção de assistência em saúde, “fazer”1010. Carvalho SOB, Duarte LR, Guerrero LR. Parceria ensino e serviço em unidade básica de saúde como cenário de ensino-aprendizagem. Trab Educ Saúde. 2015;13(1):123-44. doi: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00026.
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. Isso causa uma distorção da prática clínica em relação aos protocolos ensinados.

Ainda existem muitos desafios a serem superados na Iesc, e torna-se essencial o aprofundamento do entendimento do contexto dos processos de mudança na formação dos profissionais de saúde e nas práticas de saúde na APS, levando-se em conta a escassez de trabalhos referentes ao tema33. Marin MJS, Oliveira MAC, Otani MAP, Cardoso CP, Moravcik MYAD, Conterno LO, et al. School-service integration in the training of nurses and doctors: the experience of Famema. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(3):967-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232014193.09862012.
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. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar os aspectos da Iesc que contribuem para os serviços de saúde e a comunidade, e para a formação dos estudantes, bem como as dificuldades e os desafios, por meio da percepção dos profissionais de saúde, usuários e discentes de uma disciplina de cirurgia ambulatorial, cujo cenário de práticas é a APS de um município brasileiro.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo de caráter exploratório que utilizou como técnica de coleta de dados a entrevista individual do tipo semiestruturada e como análise de dados a análise de conteúdo temática.

O estudo foi realizado na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e procurou analisar duas estratégias da Iesc inseridas em Tiradentes, município mineiro próximo de São João del-Rei (16,1 km), com área de 83,209 km² e população total de 7.002 habitantes. O atendimento primário desse município é realizado por três equipes de saúde da família compostas por médicos residentes de saúde da família que permanecem, em média, na cidade de 18 a 24 meses. Além disso, há uma equipe composta por um médico, duas enfermeiras e cinco técnicas de enfermagem que trabalham somente na unidade mista de saúde e não atuam na Estratégia Saúde da Família (ESF).

A primeira estratégia da universidade inserida no município foi o ambulatório semanal de pequenas cirurgias da disciplina Cirurgia Ambulatorial, que ocorre na unidade mista de saúde de Tiradentes. A segunda se refere ao projeto de extensão intitulado “Prevenção, rastreio, diagnóstico e tratamento do câncer de pele” da UFSJ, desenvolvido em todas as unidades básicas do município e na unidade mista de saúde durante o período de março de 2018 a março de 2019, com a realização de consultas, rastreios, palestras, capacitações e cirurgias.

Participaram deste estudo profissionais de saúde das UBS do município, incluindo gestores de saúde, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes de saúde, e discentes de Medicina que cursaram a unidade curricular Cirurgia Ambulatorial na unidade mista de saúde de Tiradentes, além de pacientes que tiveram indicação cirúrgica e foram operados na unidade mista de saúde, provenientes do ambulatório de pequena cirurgia e do projeto de extensão.

A seleção dos entrevistados envolveu uma série de decisões que não se limitavam ao número de sujeitos a serem ouvidos. Procurou-se assegurar que a escolha contemplasse uma abrangência de características, experiências e vivências, de modo a alcançar o objetivo do estudo. Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: profissionais de saúde que já tiveram contato com o ambulatório de pequenas cirurgias; usuários operados nesse ambulatório ou provenientes do projeto de extensão; e alunos que cursaram a unidade curricular Cirurgia Ambulatorial no período de agosto de 2016 a dezembro de 2018. Excluíram-se os profissionais, usuários ou estudantes que, apesar de se encaixarem nos critérios de inclusão, não quiseram participar ou não assinaram o termo de consentimento.

Tratou-se de amostragem por conveniência, que contou com 19 participantes, contemplando seis discentes, sete profissionais de saúde e seis usuários, e o processo de amostragem por saturação teórica foi o critério utilizado para a definição desse número final amostral.

Os profissionais de saúde foram convidados individualmente durante as atividades ou por telefone. De um total de 38 profissionais de saúde pertencentes ao grupo das ESF, dos profissionais da unidade mista e da Secretaria de Saúde, sete foram selecionados: um membro da Secretaria de Saúde, dois agentes de saúde, um técnico de enfermagem e três enfermeiros.

Participaram, também, seis discentes de Cirurgia Ambulatorial do primeiro e do segundo semestre de 2018, de um total de 13 alunos. A facilidade de contato e a disponibilidade foram preditivas para a seleção do número de participantes. Por último, o recrutamento dos usuários se deu aleatoriamente a partir do registro dos pacientes no livro de registro da sala de pequenas cirurgias. Do projeto de extensão, desenvolvido no período de março de 2018 a março de 2019, foram operados nove pacientes selecionados pelo mutirão do câncer de pele. Procurou-se contato com todos, e, à medida que alguns não atendiam ao telefone ou explicavam que não poderiam comparecer no dia e horário programados para a entrevista, eram convidados, na sequência, os pacientes do livro de registro. Do total de nove, foram entrevistados seis pacientes.

A coleta dos dados abrangeu dados primários. As entrevistas aconteceram entre os meses de março e abril de 2019, foram individuais e conduzidas a partir de um roteiro. Para cada segmento dos entrevistados, elaborou-se um roteiro semiestruturado com número diferenciado de questões: 12 questões para os profissionais de saúde, seis para os discentes e oito para os usuários. Os roteiros procuraram contemplar as percepções dos sujeitos sobre a Iesc no serviço de atenção primária nos postos de saúde do município, apresentando indagações que abordaram aspectos, dependendo do segmento entrevistado, sobre: satisfação, motivação dos profissionais para trabalho em equipe, ampliação do conceito de saúde e conhecimento do SUS, resolubilidade da atenção básica, estímulo ao aperfeiçoamento profissional, vínculos e relações estabelecidas, segurança para as equipes de saúde, melhorias nos recursos locais em termos de material, organização e infraestrutura, funcionamento da unidade de saúde e conhecimento do currículo de graduação médica.

As entrevistas foram conduzidas pela pesquisadora principal, docente responsável pelo projeto e pelo ambulatório de pequena cirurgia, e realizadas em dias de aula habitual dos alunos, na própria universidade, no horário de serviço dos profissionais e durante o retorno dos usuários à unidade de saúde. As entrevistas foram transcritas e, posteriormente, analisadas por meio da técnica de análise de conteúdo temática em três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, tendo como referência a proposta por Bardin (2009) (2323. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2009.. A pré-análise foi a fase da organização do material analisado, a partir da leitura e da escolha dos documentos e das informações relevantes. Na segunda fase, exploração do material, analisou-se o material que foi codificado, por meio de recortes do texto, em unidades de análise. Em seguida, essas unidades foram agrupadas tematicamente em categorias iniciais e reagrupadas em intermediárias e finais, segundo seu grau de intimidade ou proximidade, revelando significados e elaborações, de modo a possibilitar a interpretação e as inferências. Por último, a fase de tratamento dos resultados teve como objetivo tornar significativos e válidos os resultados encontrados.

Neste artigo, apresentam-se os trechos das entrevistas a partir do segmento que o participante representava. Para tanto, utilizam-se as letras U para usuário, A para aluno e PS para profissional de saúde, seguidas de um número arábico (de 1 a 19) de identificação escolhido aleatoriamente.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas): Parecer nº 3066082. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

A formulação de categorias de análise e agrupamento progressivo das unidades de registro resultou em 16 categorias iniciais, sete intermediárias e três finais (Quadro 1).

Quadro 1
Categorias de análise dos dados.

As inferências e a interpretação dos resultados são apresentadas a partir das três categorias finais - qualidade do trabalho e qualificação profissional, qualidade da APS e impasses e desafios da Iesc -, procurando ressaltar a percepção dos representantes dos diferentes segmentos entrevistados, com base nos aspectos que lhes competem, sobre o tema em questão.

Qualidade do trabalho e qualificação profissional

Os relatos evidenciam as mudanças promovidas a partir da presença da Iesc, com melhorias na qualidade do trabalho. Foi possível observar, nos depoimentos dos profissionais da saúde, a importância do trabalho em equipe

Relataram que o trabalho em equipe possibilitou um maior interesse pelas lesões de pele, um desejo de maior participação e um aumento da vontade de trabalhar no projeto de extensão e no ambulatório, de modo a ampliar satisfação profissional: “A gente tem um apoio a mais. A gente tem um respaldo a mais. Coisas que a gente não conseguia diagnosticar, agora a gente consegue... Isso dá mais vontade de trabalhar, mais segurança... Um ânimo a mais! […]” (PS3).

Ainda na visão dos profissionais, a presença da universidade no cenário de práticas lhes possibilitou a troca de experiências e o crescimento profissional por causa do contato frequente com o professor, o que trouxe segurança para médicos e profissionais da rede pública. Em relação à experiência profissional, relataram que foram estimulados ao estudo e ao saber, e apontaram maior eficácia no rastreamento de lesões de pele e olhar crítico para a definição de prioridades quanto à gravidade das lesões e ao diagnóstico precoce. Também apontaram melhorias na qualidade do atendimento à comunidade e um maior acesso da população aos procedimentos e rapidez no atendimento e diminuição da demanda reprimida: “só de ter esse serviço disponível no município já traz uma comodidade muito grande a uma demanda que talvez demoraria muito mais tempo pra ser atendida, e, aqui no nosso município, a gente consegue com mais rapidez […]” (PS7).

Os usuários também relataram que, após a inserção da universidade, no posto de saúde houve melhorias na qualidade do trabalho com maior rapidez no atendimento, diagnóstico precoce de câncer de pele e atendimento mais eficaz, com maior acolhimento e empatia por parte dos profissionais de saúde. Destacaram ainda a oportunidade de terem na unidade a realização de procedimentos cirúrgicos gratuitos que antes não tinham, de poderem tirar dúvidas com o professor e sentirem a universidade mais próxima.

Eles atendem a gente com mais atenção... Eles tratam a gente com mais carinho... às vezes demorava mais em atender a gente, a gente chegava aqui com um problemazinho e eles não faziam conta não. Agora eles fazem mais, são mais prestativos (U3).

Apontaram aumento de autoestima e realização pessoal, além do autocuidado com os procedimentos cirúrgicos e o projeto, demonstrando como os objetivos das diretrizes na formação médica em relação ao cuidado a saúde estão sendo alcançados por meio da integração do serviço-ensino: “Ah, eu acho que foi interessante e até mesmo um exemplo, minha autoestima, que eu fiz a cirurgia e eu tô me sentindo linda e maravilhosa. Eu às vezes nem colocava brinco, nem olhava no espelho” (U6).

Para os discentes, a integração favoreceu uma compreensão da importância do trabalho em equipe, além de uma visão holística do paciente com cuidado integral a saúde, adaptação à realidade socioeconômica e cultural e uma boa relação médico-paciente com comunicação efetiva, empatia, respeito e olhar crítico.

Quando a gente é acadêmico, a gente tem a mania de separar clínica de cirurgia, né? Então, assim, você fica sempre pensando: “Ah, será que eu vou levar jeito para cirurgia? Será que eu não vou passar mal?” [...] e a cirurgia ambulatorial é um meio-termo entre essas duas áreas, né? [...] Depois, não, a gente já ficou seguro que a gente é capaz de fazer sim, um clínico é capaz de fazer uma cirurgia [...]. (A1).

A percepção de um dos alunos sobre a importância da cirurgia ambulatorial na clínica do médico se torna relevante, pois, embora o currículo preconize a formação de médico generalista com habilidades básicas em cirurgia ambulatorial, esse é um aspecto pouco explorado nas pesquisas sobre a Iesc. Ainda mais interessante é o fato de comparar o clínico com o cirurgião e ressaltar que o clínico também pode fazer cirurgia ambulatorial.

Os estudantes relataram ainda maior contato, desenvolvimento de laços afetivos e empatia pelos pacientes, com compreensão de seus medos e angústias, além do entendimento do que é ser médico.

A gente estuda alguma doença, alguma lesão, alguma lesão da forma mais pura e isolada do indivíduo, mas a gente acaba esquecendo que o indivíduo é complexo. A gente estuda, por exemplo, uma lesão de pele, aí vc chega lá e vê uma figurinha de livro e acaba que não é isso que acontece, a pessoa, o paciente tem outras comorbidades ou tem medos, angústias de entrar em uma sala de operação, e esse contato é diferente do que a gente aprende na prática (A6).

Foi possível perceber que a experiência proporcionada pela disciplina possibilitou aos alunos aprender a lidar com as diferentes realidades sociais e diversidade dos pacientes, adequando a linguagem usada para comunicação, além do desenvolvimento da empatia.

Então a gente tem que procurar as palavras certas, a gente tem que fazer com que seja acessível para ele a informação e que ele entenda o verdadeiro significado daquilo... a gente tem que encontrar palavras certas para ele entender o que a gente está querendo... (A2).

Empatia é o que a gente mais aprende atuando nessas áreas do Sistema Único, principalmente com essa população que a gente vê que não tem instrução e que está perdida, desamparada, e a gente aprende a criar esse laço e essa vontade de ajudar (A6).

Destacamos a possibilidade, segundo os discentes, de aplicarem na prática o que foi ensinado na teoria. Citou-se o aperfeiçoamento do conhecimento sobre as doenças prevalentes, bem como os seus diagnóstico e tratamentos. Nos relatos foi ainda possível observar a percepção de realização pessoal, principalmente no que tange ao sentimento de confiança na realização dos procedimentos: “A gente sempre tinha paciente, a gente tinha muito paciente. E eles confiavam plenamente em nós. Eles sabiam que iam ser alunos e mesmo assim eles iam e confiavam na gente […]” (A1).

Qualidade da APS

Entre as intervenções que promovem uma maior resolubilidade na atenção primária, encontra-se a inclusão de pequenos procedimentos de cirurgia ambulatorial no cenário da rede básica como um elemento no desenvolvimento de uma APS abrangente e qualificada. Para os três segmentos de entrevistados, o benefício de ter um serviço especializado dentro de uma UBS foi um aspecto destacado.

No relato dos discentes, foi possível observar a compreensão do diagnóstico precoce da doença como um aspecto importante na resolubilidade da APS e na economia de recursos. Também se notou que compreenderam a importância em deixar a rede primária mais resolutiva, assim como a diminuição da demanda reprimida e do diagnóstico precoce.

Porque nós pegávamos casos de pessoas idosas, que às vezes já tinham câncer de pele e que nunca iriam descobrir, se a gente não tivesse estado lá com eles, não tivesse essa consulta […] (A4).

[...] porque aqui estamos sendo formados para ser generalista, né? E a gente ter uma cirurgia ambulatorial lá no posto mostra que a gente consegue sim fazer este procedimento, que a gente não precisa encaminhar e sobrecarregar o sistema... então eu acredito que essa experiência da cirurgia ambulatorial foi muito importante... (A1).

Os discentes também apontaram compreender o serviço de atenção primária por meio do entendimento dos princípios do SUS e do funcionamento deste, como a dinâmica de solicitação de exames, de encaminhamentos fora do domicílio, além de poderem se familiarizar com o perfil de seus usuários: “A gente tá abrangendo o princípio do SUS que é a universalidade, né?, que é de todas as pessoas... independente da condição financeira ou não está tendo acesso ao nosso atendimento, ao nosso serviço […]” (A5).

Os profissionais de saúde relataram melhorias no atendimento, como aumento do número de atendimentos, diminuição dos encaminhamentos e resolução dos problemas na comunidade, assim como diminuição da demanda reprimida, busca ativa dos casos de câncer de pele e discernimento das prioridades:

Pois incentivar a gente a fazer uma busca ativa das pessoas com câncer de pele, então, a gente acaba assim até dando mais atenção tanto para equipe quanto para os pacientes (PS2).

Uma coisa muito boa foram as pequenas cirurgias, né?... que, às vezes, o paciente demorava, porque o município não tinha cota e, com a universidade, aumentou essa oportunidade da população […] (PS3).

Os usuários destacaram um maior acesso ao atendimento pela comunidade com o aumento do número de atendimentos na unidade, aumento do acesso à saúde na zona rural e maior conforto para os pacientes da comunidade local por não precisarem buscar atendimento fora da cidade. Mencionaram ainda o aumento da procura pelo atendimento, maior conscientização da população e maior acesso dos pacientes à saúde, sobretudo daqueles mais humildes que não gostavam de sair, de ir a outro posto a não ser o local: “Muita gente tem vergonha de vir no hospital. Às vezes, não gosta de sair, e vocês foram até eles, e isso foi muito legal... Podia se assim em todos os setores. Maomé vai a montanha. Ainda mais cidade de interior, é difícil. Muito legal isso” (U6).

Impasses e desafios

Os discentes entrevistados destacaram como problemas a infraestrutura insuficiente e a falta de materiais. Desafios também foram encontrados no trabalho em equipe, no sentido de saber lidar com as diferenças entre os profissionais, com os conflitos internos (saber deixar os problemas de lado) para otimização e melhoria do trabalho.

[...] os funcionários públicos da UBS já tinham rotina de trabalho, já tinham a rotina de funcionamento daquela unidade, e, quando a gente chega, eles estranham um pouco assim, por exemplo, na questão de orientação… ou até mesmo a estruturação do atendimento, né? (A6).

Os profissionais de saúde também relataram alguns impasses com a Iesc e problemas na rotina do trabalho, como a dificuldade de participação efetiva nas ações da universidade por causa da sobrecarga de trabalho e de conciliar trabalho local com a universidade, além de referirem número insuficiente dos profissionais na unidade para atender a equipe da universidade e a dificuldade, a cada início do semestre, com a nova subturma, até esta se familiarizar com o serviço: “É um lugar movimentado. São poucos funcionários. A gente não consegue auxílio. Isso estressa a gente. Já é uma equipe estressada. Faz dezoito horas de plantão e ainda está sendo chamado... Mas nós não temos esse tempo todo” (PS4).

Já os usuários citaram a falta de divulgação pelas unidades dos atendimentos prestados à comunidade. Um dos discentes também destacou o incômodo de alguns pacientes em serem atendidos por alunos.

[...] porque muitas vezes os próprios servidores daquela região não sabem explicar para a população usuária da UBS que eles vão ser atendidos ou que o suporte vai ser dado por alunos e por acadêmico. Muitas vezes eles chegam lá mal informados, vão ser atendidos por um médico, por exemplo, o caso o nosso professor era uma cirurgiã plástica, e eles eram orientados que eles seriam atendidos por uma cirurgiã plástica, e isso acabava levando a um mal-estar entre os pacientes, alguns não queriam ser operados pelos acadêmicos, e ficava uma situação desconfortável (A6).

DISCUSSÃO

O trabalho multidisciplinar desenvolvido na Iesc, segundo os discentes, possibilitou que fossem capazes de trabalhar com outros profissionais, manejar os conflitos internos e externos, compreender a importância de respeitar todos com as suas diferenças e valorizar o trabalho em equipe para otimização e melhoria do trabalho. De acordo com Francischini et al.1111. Francischini AC, Moura SDRP, Chinellato M. A importância do trabalho em equipe no programa saúde da família. Investigação. 2008; 8(1-3):25-32. doi: https://publicacoes.unifran.br/index.php/investigacao/article/view/62.
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, é necessário que as pessoas compreendam as vantagens do trabalho colaborativo, como alcançar um resultado de ordem superior ao do trabalho individual, sinergia positiva, crescimento individual e coletivo. As relações são dinâmicas e conflitantes, pois as pessoas são ímpares e necessitam aprender a trabalhar em equipe.

É possível apreender ainda que a interação do estudante com a comunidade propicia a formação de um profissional mais envolvido com a sociedade. A inserção do estudante nos serviços de saúde desde os primeiros períodos do curso tem o potencial de estimular a reflexão dos alunos sobre os conflitos vivenciados por eles, favorecendo a empatia e familiarizando-os com as necessidades da população1212. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 2004.. A Iesc causa impacto nas instituições e nos serviços de saúde. O funcionamento do serviço melhora em qualidade à medida que a presença dos estudantes leva à prática reflexiva, reorientando e aumentando a acessibilidade com diversificação das práticas1313. Mendes TMC, Bezerra HS, Carvalho YM, Silva LG, Souza CMCL, Andrade FB. Integração ensino-serviço-comunidade no Brasil e o que dizem os atores dos cenários de prática: uma revisão integrativa. Rev Ciênc Plural. 2018;4(1): 98-116 [acesso em 31 maio 2021]. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/14283 .
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Percebe-se que a Iesc foi uma estratégia adequada para promover a “humanização” da saúde, ajudando o aluno a desenvolver competências que vão agregar na relação médico-paciente. O objetivo fundamental dessa ação seria melhorar as relações entre profissionais, gestores e usuários para promover uma mudança na cultura de atendimento em saúde no Brasil1414. Brasil. HumanizaSUS: política nacional da humanização. Ministério da Saúde; 2003 [acesso em 31 maio 2021]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizaSus.pdf .
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A revisão bibliográfica realizada por Amore Filho et al. (1515. Amore Filho ED, Dias RB, Toledo Junior ACC. Ações para a retomada do ensino da humanização nas escolas de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2018;42(4):14-28. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v42n4RB20180056.
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demonstrou que o atributo mais associado ao favorecimento do humanismo é a empatia, abrangendo uma boa comunicação, respeito, atenção e compreensão do outro em sua diversidade. O fato de o profissional se colocar no lugar do paciente o aproxima da realidade, pois isso provê conforto e acolhimento, e melhora inclusive a relação médico-paciente, que é a base para um atendimento mais humanizado.

Percebe-se ainda que a proximidade com os pacientes facilita a internalização e aplicação de vínculo e responsabilização1616. Massote AW, Belisário SA Gontijo ED. Atenção primária como cenário de prática na percepção de estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2011;35(4):445-53. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022011000400002.
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. As DCN1717. Brasil. Resolução CNE/CES nº 3/2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União; 21 jun 2014. enfatizam que a interação ativa do aluno com usuários e profissionais de saúde deve ocorrer desde o início de sua formação, de modo a proporcionar-lhe a oportunidade de lidar com problemas reais e assumir responsabilidades crescentes como agente prestador de cuidados e atenção, compatíveis com seu grau de autonomia.

Nota-se, assim, pela percepção dos alunos, que a experiência vivenciada por eles contempla o que orientam as DCN e ressalta a grande importância da Iesc e da prática em cenário real para se fazer cumprir os seus objetivos, uma vez que possibilita que os discentes, nos cenários dos serviços de saúde, desenvolvam vivências únicas, impossíveis de ser desenvolvidas nos limites de uma sala de aula. A realidade torna-se o objeto da aprendizagem1818. Brehmer L, Ramos FR. Experiências de integração ensino-serviço no processo de formação profissional em saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enferm. 2014;16(1):228-37. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132.
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A aproximação dos discentes dos serviços de saúde permite a compreensão das necessidades de saúde da população e possibilita o conhecimento da rede de saúde e do SUS1414. Brasil. HumanizaSUS: política nacional da humanização. Ministério da Saúde; 2003 [acesso em 31 maio 2021]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizaSus.pdf .
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. Essa é uma recomendação das DCN e é um dos princípios do SUS para uma medicina voltada para as reais necessidades da população1010. Carvalho SOB, Duarte LR, Guerrero LR. Parceria ensino e serviço em unidade básica de saúde como cenário de ensino-aprendizagem. Trab Educ Saúde. 2015;13(1):123-44. doi: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00026.
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A presença da universidade pode atuar como fator de motivação para os profissionais de saúde e propiciar melhorias na qualidade do atendimento, possibilitando-lhes perceber a Iesc como uma oportunidade de educação permanente, além de proporcionar-lhes mais segurança. Segundo Caldeira et al.44. Caldeira ES, Leite MTS, Rodrigues-Neto JF. Estudantes de Medicina nos serviços de atenção primária: percepção dos profissionais. Rev Bras Educ Med. 2011;35(4):477-85. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022011000400006.
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, a melhora da qualidade do serviço com a presença dos estudantes leva os profissionais à prática reflexiva, reorienta o serviço e aumenta a acessibilidade deste. A prática reflexiva é entendida com a habilidade de refletir criticamente sobre seu próprio raciocínio e decisões, e a presença do aluno de Medicina motiva o profissional a executar bem suas atividades, assim como suscita dúvidas, fazendo com que ele estude mais e reveja seus conhecimentos. Assim, diminui-se o automatismo da prática, e impulsionam-se o raciocínio e a capacitação permanente, com consequente melhoria do cuidado prestado à saúde44. Caldeira ES, Leite MTS, Rodrigues-Neto JF. Estudantes de Medicina nos serviços de atenção primária: percepção dos profissionais. Rev Bras Educ Med. 2011;35(4):477-85. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022011000400006.
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A presença do estudante pode auxiliar a interação da comunidade com o serviço44. Caldeira ES, Leite MTS, Rodrigues-Neto JF. Estudantes de Medicina nos serviços de atenção primária: percepção dos profissionais. Rev Bras Educ Med. 2011;35(4):477-85. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022011000400006.
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. Como fatores que facilitam a integração, os profissionais percebem uma grande dedicação dos estudantes ao serviço. A qualidade do atendimento dos estudantes fortalece essa integração e é evidenciada pela satisfação dos usuários, conforme pôde ser percebido nos relatos desta pesquisa.

A atenção primária resolutiva, integral como elemento central de uma Rede de Atenção à Saúde, pode ser capaz de ampliar a resolubilidade da atenção prestada pela rede, aumentar sua efetividade, racionalizar seus custos e ser capaz de promover uma atenção mais integral à saúde da população1919. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.. Essa maior resolubilidade reduz a utilização em demasiado da atenção secundária, evita a formação de grandes filas de espera e diminui os custos para os pacientes e o sistema2020. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Ministério da Saúde; 2004..

A grande contribuição da incorporação das pequenas cirurgias nas unidades básicas seria diminuir a pressão de demanda por encaminhamentos para serviços de cirurgia e dermatologia e, assim, otimizar os recursos especializados na rede de atenção do município, visto que os pacientes encontram dificuldades de acesso a esse tipo de intervenção e são encaminhados a serviços especializados de nível secundário, ou mesmo serviços hospitalares, causando deslocamento dos usuários para áreas distantes de suas moradias e diferença de fluxos assistenciais entre os serviços, além de dificuldades de acesso com longas filas de espera2121. Oliveira PR, Favoreto CA. O. análise da realização da cirurgia ambulatorial na perspectiva da qualificação e resolubilidade do cuidado prestado pelo médico de família e comunidade na atenção primária à saúde na cidade do Rio de Janeiro. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2019;14(41):1864 [acesso em 31 maio 2021]. Disponível em: Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1864 .
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Ainda, a cirurgia ambulatorial na atenção primária oferece vantagens como individualização do cuidado, redução do risco de infecção hospitalar e da incapacidade física com retorno mais rápido ao trabalho, morbidade e mortalidade menores; e para o sistema de saúde, com redução dos custos e maior disponibilidade de leitos hospitalares.

Por último, a grande rotatividade dos profissionais das unidades foi citada como barreira para estabelecimento de vínculos e boas relações entre universidade e serviços de saúde. Essa barreira, o grande número de estudantes e a alta rotatividade destes atuam como dificultadores da comunicação e do estabelecimento de confiança entre equipe e discentes1313. Mendes TMC, Bezerra HS, Carvalho YM, Silva LG, Souza CMCL, Andrade FB. Integração ensino-serviço-comunidade no Brasil e o que dizem os atores dos cenários de prática: uma revisão integrativa. Rev Ciênc Plural. 2018;4(1): 98-116 [acesso em 31 maio 2021]. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/14283 .
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Apesar de ter sido apontada apenas por um entrevistado, também no estudo de Gerken et al.2222. Gerken IB, Andrade CS, Lopes FB, Ribeiro MMF. Conhecimento e opinião dos pacientes sobre prática docente-assistencial. Rev Bras Educ Med . 2013;37(1):66-71. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-55022013000100010.
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foi observada a insatisfação do paciente, ao qual não se tem dado o direito prévio de escolher se quer participar desse tipo de atendimento aluno-professor, o que está em desacordo com o Código de Ética Médica. Em respeito ao direito do paciente, torna-se necessário criar formas para que as informações sobre esse tipo de atividade docente assistencial sejam disponibilizadas em material informativo e informação presencial.

A pesquisa buscou contribuir para discussões em relação à integração ensino-serviço dentro dos cursos de Medicina, por meio da percepção de discentes, usuários e profissionais de saúde. No entanto, não permite generalizações dos resultados, uma vez que os resultados dizem respeito somente à percepção dos estudantes de Medicina do quinto período do curso de Medicina da UFSJ, dos profissionais de saúde da UBS e da comunidade do município de Tiradentes.

Ademais, vislumbra-se como uma limitação deste estudo o fato de as entrevistas terem sido conduzidas pela docente responsável pelo projeto e ambulatório de pequenas cirurgias, embora fosse ressaltado ao entrevistado, no início de cada entrevista, a importância da sua contribuição para melhorias do serviço, na tentativa de amenizar possíveis constrangimentos ou inibições no momento das respostas.

Contudo, o fato de a responsável por conduzir as entrevistas conhecer o serviço, os profissionais, os alunos e os pacientes que passaram pela disciplina facilitou o processo de análise de conteúdo das entrevistas, permitindo uma maior compreensão da fala e dos sentimentos de cada um.

CONCLUSÃO

A experiência em cenário real foi imprescindível para o aperfeiçoamento da formação dos discentes, indo ao encontro das DCN. Eles puderam conhecer os problemas mais prevalentes e as necessidades de saúde da população, e agir de forma técnica, mas também humanizada.

A Iesc foi entendida como fonte de realização pessoal pelos três segmentos entrevistados. Os estudantes expressaram que a aprendizagem em cenário real propiciou ampliação da compreensão do funcionamento do SUS e da APS. Houve ainda o reconhecimento de impacto na resolubilidade da atenção básica, bem como uma maior adesão aos serviços ofertados.

Para que as UBS possam realizar de forma adequada os procedimentos descritos e garantir a resolubilidade dos serviços, é imprescindível que, além de profissionais adequados, tenham estrutura física adequada e sejam equipadas com materiais e insumos, bem como apoio do governo com recursos e estímulo à equipe multiprofissional. A percepção de cada setor nesse serviço possibilita o conhecimento das dificuldades e dos avanços para que surjam novas ideias e propostas, e que a cirurgia ambulatorial ganhe importância nesse setor e se torne cada vez mais presente nos serviços de saúde e no currículo para formação médica.

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  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Rosiane Viana Zuza Diniz.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2021
  • Aceito
    24 Jun 2023
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