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Competências comuns para a prática interprofissional no cuidado às pessoas em situação de violência sexual

Common skills for the interprofessional practice in care for people in sexual violence

Resumo

Introdução:

A violência sexual é um grave problema na sociedade brasileira cujas repercussões no âmbito da saúde pública tornam imperativa a abordagem dessa questão no contexto da formação das suas profissões. Igualmente, a integralidade do cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual requer a atuação conjunta de diversas profissões, além da integração em rede e articulação de diferentes equipamentos sociais.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo reconhecer quais competências - entendidas como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes - são necessárias para o desenvolvimento do cuidado integral destinado às pessoas em situação de violência sexual, segundo os melhores padrões de qualidade e segurança para a saúde delas.

Método:

Realizou-se um estudo qualitativo de caráter exploratório e descritivo que envolveu a aplicação de um formulário prévio sobre os conhecimentos acerca das competências, seguido da dinâmica da construção da figura humana, que consiste na confecção de um boneco no qual os conhecimentos estariam representados pela cabeça, as habilidades pelos membros e as atitudes pelo corpo, na realização de uma oficina com 76 participantes de diferentes profissões. Adicionalmente, aplicou-se um questionário a 32 profissionais com reconhecida expertise na área de violência sexual e com experiência prática no atendimento às pessoas nessa situação. Foi empregada a análise temática categorial.

Resultado:

Identificaram-se desafios a serem superados nas três dimensões constituintes das competências, com nítida deficiência de conhecimentos para a atuação em rede visando à efetividade e à integralidade do cuidado. Reconheceram-se 15 competências comuns aos profissionais que lidam com a violência, e o produto final foi representado num infográfico de disposição radial com a organização dos conhecimentos, das habilidades e das atitudes identificados como necessários para o desenvolvimento de tais competências.

Conclusão:

Reconhecer competências comuns e identificar, separadamente, quais conhecimentos, habilidades e atitudes as constituem representa estratégias promotoras da abordagem transversal desses conteúdos na formação das profissões, sobretudo da saúde. A proposição de uma matriz de competências comuns para prática interprofissional no cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual pode orientar a qualificação desse cuidado e alicerçar a interprofissionalidade em cenários cruciais de atuação coletiva para o enfrentamento da flagrante injustiça social que a violência sexual significa.

Palavras-chave:
Violência Sexual; Relações Interprofissionais; Determinação de Necessidades de Cuidados de Saúde; Educação Superior

Abstract

Introduction:

Sexual violence is a serious problem in Brazilian society whose repercussions on public health make it imperative to address this issue in the context of training in professions. Likewise, comprehensive care for people in situations of sexual violence requires the joint action of different professions, in addition to network integration and articulation of different social facilities.

Objective:

This study aimed to reflect which competencies - understood as the set of knowledge, skills and attitudes - are permitted for the development of comprehensive care for people in situations of sexual violence, according to the best standards of quality and health safety they.

Method:

A qualitative study of an exploratory and descriptive nature was carried out, which involved the application of a preliminary form on knowledge about skills, followed by the dynamics of the construction of the human figure, which consists of manufacturing a doll in which the knowledge would be represented by the head, by the skills of the members and by the attitudes of the body, in the creation of an office with 76 participants from different professions. Furthermore, a questionnaire was administered to 32 professionals with experience in the area of sexual violence and with practical experience in caring for people in this situation. Categorical thematic analysis was used.

Result:

Result: Challenges were identified to be overcome in the three dimensions that constitute competencies, with a clear lack of knowledge for working in a network aiming at the effectiveness and comprehensiveness of care. 15 competencies common to professionals who deal with violence were recognized, and the final product was represented in a radially arranged infographic with the organization of knowledge, skills and attitudes identified as necessary for the development of such competencies.

Conclusion:

Recognizing common competencies and identifying, separately, which knowledge, skills and attitudes constitute them represent strategies that promote a transversal approach to these contents in the training of professions, especially in health. Proposing a matrix of common competencies for interprofessional practice in care for people in situations of sexual violence can guide the qualification of this care and support interprofessionality in crucial scenarios of collective action to combat the blatant social injustice that sexual violence means.

Keywords:
Sexual Violence; Interprofessional Relations; Needs Assessment; Higher Education

INTRODUÇÃO

A temática da violência é desafiadora em diversos aspectos, que vão desde a criação e a pactuação de medidas de prevenção e combate até as formas de atendimento e acompanhamento às pessoas atingidas pelas suas diferentes modalidades. Dentre os tipos de violência, a sexual é entendida como uma questão de saúde e de segurança públicas, que exige do Estado políticas e ações integradas11. Brasil. Norma técnica: para a atenção humanizada às pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Brasília: Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, Secretaria de Políticas para as Mulheres; 2015 [acesso em 21 nov 2023]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_pessoas_violencia_sexual_norma_tecnica.pdf .
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) que possam fazer frente às consequências causadas por esse tipo de violência, uma vez que estas ultrapassam os limites da vítima e atingem toda a sociedade. Segundo Moreira et al.22. Moreira GA, Freitas KM, Cavalcanti LF, Vieira LJ, Silva RM. Qualificação de profissionais da saúde para a atenção às mulheres em situação de violência sexual. Trab Educ Saúde. 2018;16(3):1039-1055. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00156.
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, a violência sexual é uma das formas mais graves de violência e de violação de direitos humanos, sexuais e reprodutivos.

Há um importante arcabouço teórico, inclusive legal, que também deve ser conhecido pelos profissionais da saúde e das demais áreas, como estratégia promotora da integralidade do cuidado e da segurança dessas pessoas. Assim, o cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual não pode ser pensado como uma ação isolada e seu enfrentamento depende de iniciativas intersetoriais que possibilitem o atendimento, a proteção e a prevenção de novas ocorrências11. Brasil. Norma técnica: para a atenção humanizada às pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Brasília: Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, Secretaria de Políticas para as Mulheres; 2015 [acesso em 21 nov 2023]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_pessoas_violencia_sexual_norma_tecnica.pdf .
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, premissas que estão entre as garantias legais para a atenção às pessoas em situação de violência sexual no território brasileiro.

Nesse sentido, o Brasil tem sido signatário de convenções internacionais que discutem e deliberam sobre os direitos humanos das pessoas em situação de violência, criando dispositivos legais que auxiliam a regulamentação e orientam sobre como lidar com essas pessoas, especialmente as que estão expostas à violência sexual33. Brasil. Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Brasília, 1º ago, 1996 [acesso em 15 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1973.htm .
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),(44. Brasil. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto nº 89.460, de 20 de março de 1984. Diário Oficial da União; 16 set 2002.

Trata-se de diretrizes, protocolos e normas técnicas que visam garantir o atendimento humanizado por profissionais das áreas de saúde e segurança pública55. Brasil. Decreto nº 7.958, de 13 de março de 2013. Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil; 14 mar 2013, Seção 1, p. 1, por exemplo, além da previsão de atendimento obrigatório, emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, com encaminhamentos de qualidade aos serviços da assistência social55. Brasil. Decreto nº 7.958, de 13 de março de 2013. Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil; 14 mar 2013, Seção 1, p. 1, quando isso couber.

Considerando o público composto por pessoas em situação de violência sexual, torna-se oportuno frisar que o atendimento em equipe requer uma postura na qual, somadas à especialização técnica, devem estar presentes outras competências que propiciem o cuidado e o zelo que a condição da pessoa necessita. Entre os muitos desafios no combate às práticas que ferem os direitos dessas pessoas, estão a formação e a capacitação adequadas de profissionais, uma vez que demandam competências voltadas à especificidade da problemática. Há a necessidade de preparação específica para aqueles que atuarão nessas frentes, pois o lidar com as sequelas deixadas pela violência sexual exige saberes que transcendem a formação essencialmente técnica.

Acerca do conceito adotado neste trabalho, competência diz respeito ao conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA), interdependentes e necessários à consecução de determinado propósito, dentro de um contexto organizacional específico66. Brasil. Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Diário Oficial da República Federativa do Brasil ; 2 ago 2013. Seção 1, p. 1.

Diante disso, pode-se inferir que ser competente é articular os conhecimentos adquiridos ao longo de um processo formativo, com as habilidades em aplicá-los, bem como ter a disponibilidade em fazê-lo em favor de alguém ou diante de alguma situação com a finalidade de sanar uma situação problema.

Considerando as competências necessárias para a formação dos profissionais de saúde, o Conselho Nacional de Saúde (CNS)77. Ruthes RM, Cunha ICKO. Entendendo as competências para aplicação na enfermagem. Rev Bras Enferm. 2008;61(1). expressa pressupostos, princípios e diretrizes comuns que devem ser contemplados nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação na área da saúde e que são resultado de uma construção coletiva e democrática.

Com vistas à melhor atuação profissional, as instituições de ensino devem investir em uma formação qualitativa dos atores envolvidos no cuidado destinado às pessoas em situação de violência. E isso deve ocorrer não apenas na graduação dos discentes da área da saúde. Como se trata de um importante processo desde o momento da formação básica, essa formação deve se estender também à pós-graduação, em que os profissionais se especializam para aperfeiçoar seu fazer cotidiano de atuação. Em que pesem as atualizações nas estruturas curriculares no Brasil, ainda há um caminho longo a ser trilhado até que sejam uniformes no que concerne à formação para o trabalho nas situações de violência sexual.

Para Branco et al.88. Brasil. Resolução nº 569, de 8 de dezembro de 2017. Conselho Nacional de Saúde; 2017 [acesso em 29 jun 2020]. Disponível em: Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2017/Reso569.pdf .
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, as lacunas na formação acadêmica, que deveriam ser supridas por treinamentos e capacitações em serviço, são preenchidas nos atendimentos prestados diariamente, percorrendo fluxos por vezes inadequados e não resolutivos. Nesse âmbito, Batista et al.99. Branco JG de O, Vieira LJE de S, Brilhante AVM, Batista MH. Fragilidades no processo de trabalho na atenção à saúde à mulher em situação de violência sexual. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(5):1877-86. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020255.34732019.
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) afirmam que ''a vivência de aprendizagens interativas na educação interprofissional, por exemplo, é reconhecida como promotora do desenvolvimento de competências para a prática colaborativa''.

Nesse sentido, Reeves1010. Batista NA, Batista SH. Educação interprofissional na formação em saúde: tecendo redes de práticas e saberes. Interface. 2016;20:202-4. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0388.
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diz que a educação interprofissional (EIP) é uma atividade que envolve dois ou mais profissionais que aprendem juntos de modo interativo para melhorar a colaboração e a qualidade da atenção à saúde. Esse conceito retrata de modo singular a ideia de que o trabalho desenvolvido em equipe, com a finalidade de melhoria na qualidade do atendimento para e com o paciente, sua família e comunidade, tende a resultar mais positivamente do que aquela prática desenvolvida individualmente sem considerar a importância da integração com outras profissões, especialmente na saúde.

Ressalta-se, ainda, que, acerca das competências comuns, estas representam as ações que todos os profissionais podem realizar sem que firam a individualidade da sua atuação específica. Fragelli et al.1111. Reeves S. Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface . 2016;20(56):185-97. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0092.
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aduzem que as competências comuns possuem características que se destacam, como o

[...] compartilhamento de termos comuns, o desenvolvimento de programas, projetos e currículos nos processos de capacitação de pessoal, a contribuição para a definição e consolidação da área, o desenvolvimento profissional contínuo e a promoção de responsabilidade perante o público para as normas de prática.

Esses conceitos fortalecem a ideia de o trabalho em equipe ter instrumentos orientadores para que os profissionais possam construir suas práticas com vistas ao alcance do objetivo precípuo, qual seja, o melhor cuidado destinado às pessoas que demandam suas atuações. Sobre a premissa da busca pela melhoria da prática profissional por meio da colaboração e da integração de duas ou mais profissões, faz-se importante a discussão dessa abordagem na construção de uma proposta de matriz de competências comuns no que tange ao cuidado integral destinado às pessoas em situação de violência sexual, tomando por orientação o questionamento inicial acerca do impacto causado por um instrumento que considere as competências comuns a todos os profissionais que atuam na atenção às pessoas em situação de violência sexual.

Partindo dessa indagação, apresenta-se uma proposta de matriz de competências comuns às profissões envolvidas na atenção às pessoas em situação de violência sexual, com vistas a identificar quais são as competências, considerando-as como o conjunto formado por conhecimentos, habilidades e atitudes, que todas devem possuir para que o cuidado aconteça de forma a promover o máximo benefício à saúde dessas pessoas, segundo os melhores padrões de qualidade e de segurança.

O produto oriundo deste trabalho se propõe a servir como uma ferramenta capaz de fundamentar a formação de profissionais e estudantes nos diversos espaços de atuação profissional e de aprendizagem. Assim, apresenta potencialidade para melhorar a qualidade da atenção prestada por profissionais de várias áreas às pessoas em situação de violência sexual, sobretudo nos cenários de atuação no Sistema Único de Saúde (SUS).

MÉTODO

O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório e descritivo. A ação deflagradora da fase de coleta de informações ocorreu com a organização de um Fórum sobre Violência Sexual1212. Fragelli TBO, Shimizu HE. Competências profissionais em saúde pública: conceitos, origens, abordagens e aplicações. Rev Bras Enferm . 2012 ;65(4):667-74. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-71672012000400017.
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, que articulou serviços de referência estaduais e municipais no atendimento às pessoas em situação de violência sexual, instituições de educação de nível superior e da área de justiça e de garantia de direitos.

Disponibilizou-se aos convidados a opção para o preenchimento de um formulário eletrônico prévio, no qual constavam perguntas de identificação das áreas de formação e locais de atuação, bem como a seguinte pergunta aberta: ''Em sua opinião, quais competências os profissionais devem ter no atendimento às vítimas de violência sexual?''. Essa fase contou com 28 respondentes, e as respostas foram agrupadas em uma planilha.

No dia de realização do fórum, compareceram 76 participantes, sendo profissionais de diferentes áreas e estudantes de graduação e pós-graduação da área da saúde e das ciências sociais.

Uma oficina formativa buscou congregar diversos setores e atores sociais para discutir e encontrar formas de melhorar os serviços de acolhimento às pessoas em situação de violência sexual. Antes da etapa de coleta de dados, os participantes receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Autorização de Imagem.

Em seguida, uma exposição dialogada abordou o conceito de competência e seus elementos constitutivos, quais sejam: os conhecimentos, as habilidades e as atitudes, sua relação com os espaços de ensino e aprendizagem e com os processos de trabalho na atenção às pessoas em situação de violência sexual.

Da mesma forma, a ideia da matriz de competências foi apresentada como instrumento orientador, um conjunto articulado de conhecimentos, habilidades e atitudes para determinada profissão ou grupo de profissões que atuam num mesmo segmento, buscando atingir os mesmos objetivos.

Os participantes compuseram seis grupos de trabalho, os quais foram compostos, intencionalmente, por profissionais e estudantes das diferentes áreas, com o fito de promover uma discussão interdisciplinar e interprofissional sobre o tema.

Oportunamente, estavam presentes profissionais das áreas de educação, saúde, assistência social, segurança pública, defesa de direitos e sistema de justiça, que atuam na rede estadual de atendimento, e também estudantes de graduação e de pós-graduação dos cursos de Medicina, Fisioterapia, Psicologia, Enfermagem, Fonoaudiologia, Farmácia, Serviço Social e Direito.

A partir daí os grupos receberam instruções para representar os elementos constitutivos das competências, por meio da dinâmica da figura humana1313. Instituto Santos Dumont. Fórum aborda formas de combate à violência sexual infanto-juvenil. Instituto Santos Dumont; 20 nov 2019 [acesso em 10 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.institutosantosdumont.org.br/2019/11/20/forum-violencia-sexual-infanto-juvenil/?fbclid=IwAR1ReGIhWcjpUXnkqA- O0ujxKKJDGB54Qpdue4oj7e4UIzS8w0x_x_D2N1U .
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, que consiste na confecção de um boneco, no qual os conhecimentos estariam representados pela cabeça, as habilidades pelos membros e as atitudes pelo corpo. Esta Essa atividade teve como objetivo o levantamento de dados referentes à percepção dos participantes acerca das competências profissionais comuns necessárias a todas as profissões envolvidas com o cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual.

Dentre os participantes, três grupos foram demandados a construir a figura humana1313. Instituto Santos Dumont. Fórum aborda formas de combate à violência sexual infanto-juvenil. Instituto Santos Dumont; 20 nov 2019 [acesso em 10 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.institutosantosdumont.org.br/2019/11/20/forum-violencia-sexual-infanto-juvenil/?fbclid=IwAR1ReGIhWcjpUXnkqA- O0ujxKKJDGB54Qpdue4oj7e4UIzS8w0x_x_D2N1U .
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na perspectiva profissional de quem cuida das pessoas em situação de violência sexual, e os outros três o fizeram sob o ponto de vista de quem demandaria o cuidado desses profissionais.

Ao fim, os grupos participantes representaram gráfica e figurativamente os resultados alcançados, sistematizados na sequência de cabeça (conhecimentos), membros (habilidades) e corpo (atitudes). Uma discussão coletiva consensuou a construção de uma figura humana1313. Instituto Santos Dumont. Fórum aborda formas de combate à violência sexual infanto-juvenil. Instituto Santos Dumont; 20 nov 2019 [acesso em 10 mar 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.institutosantosdumont.org.br/2019/11/20/forum-violencia-sexual-infanto-juvenil/?fbclid=IwAR1ReGIhWcjpUXnkqA- O0ujxKKJDGB54Qpdue4oj7e4UIzS8w0x_x_D2N1U .
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única, resultado da fusão das duas perspectivas iniciais demandadas: a do profissional e a da pessoa em situação de violência. A dinâmica da figura humana foi finalizada com a união dos seus componentes e a síntese acerca de quais competências devem ser comuns a todas as categorias profissionais atuantes na atenção às pessoas em situação de violência sexual. Esse momento foi registrado em fotos e vídeos.

A avaliação da reação dos participantes sobre a atividade, realizada por meio de depoimentos verbais, foi positiva, sobretudo por dar visibilidade à temática na sociedade e provocar discussões enriquecedoras de construção e de conhecimento coletivos.

A opção pela pesquisa qualitativa de caráter exploratório se mostrou apropriada ao permitir o acesso aos dados de forma qualitativa e, ao mesmo tempo, promover a valorização do conhecimento e a participação dos indivíduos nas ações educativas.

O percurso metodológico proposto nessa etapa, além da identificação dos dados almejados, permitiu que os participantes contribuíssem ativamente para a construção da proposta da matriz de competências, descrevendo aquelas que são comuns às diversas profissões para o atendimento ao público nos serviços onde atuam ou possam atuar futuramente.

A etapa seguinte subsidiou a elaboração da proposta da matriz de competências comuns por meio da contribuição de profissionais com reconhecida expertise em diferentes áreas do conhecimento em violência sexual e com experiência prática no atendimento às pessoas nessa situação. Com o auxílio de uma ferramenta eletrônica, um questionário foi enviado por meio dos endereços eletrônicos dos participantes, com questões, objetivas e abertas, dirigidas à identificação dos conhecimentos, das habilidades e das atitudes comuns aos profissionais no atendimento às pessoas em situação de violência sexual.

A escolha dos participantes também ocorreu de forma intencional, considerando sua representatividade na área temática deste trabalho. Da mesma forma, a diversidade de áreas de atuação dos participantes também concorreu para que compusessem o rol de pessoas com potencial colaborativo e qualitativo na construção da proposta da matriz de competências.

No grupo de 32 respondentes dessa etapa, estão representantes da gestão dos serviços estaduais de referência no atendimento às pessoas em situação de violência sexual, somados a profissionais que atuam em áreas-chave, como saúde, educação superior, assistência social, Poder Legislativo municipal, sistemas de justiça e de garantia de direitos, entre os quais promotorias, defensorias públicas estaduais, delegacias, instituições do terceiro setor e advocacia privada.

De acordo com a distribuição dos participantes, há uma variedade nas formações acadêmicas, bem como para as áreas de atuação, com destaque para medicina, direito, serviço social e psicologia, seguidas das formações em farmácia e bioquímica, enfermagem, nutrição e publicidade e propaganda, cuja diversidade dos cenários de atuação enriqueceu o processo de construção da proposta deste trabalho.

Para o exame das respostas obtidas, foi utilizada a categorização temática. A técnica consiste em descobrir os núcleos de sentido cuja frequência ou presença faça sentido para o objetivo de análise escolhido. Para Moraes et al.1414. Associação Brasileira de Educação Médica. Caderno de ensinagem do tutor. Brasília: Abem; 2016., a análise textual parte de um conjunto de pressupostos em relação à leitura dos textos que examinamos. Os materiais analisados constituem um conjunto de significantes. Os pesquisadores atribuíram a eles significados sobre seus conhecimentos e teorias. A emergência e a comunicação desses novos sentidos e significados são os objetivos da análise.

Segundo Moraes et al.1414. Associação Brasileira de Educação Médica. Caderno de ensinagem do tutor. Brasília: Abem; 2016., as categorias são processos analíticos que agrupam as unidades de um corpus de análise, isto é, dos dados coletados numa pesquisa. Para este trabalho, os vários discursos individuais emitidos como resposta às questões de pesquisa que compuseram o corpus foram agrupados considerando a categorização prévia nas dimensões de conhecimentos, habilidades e atitudes, e, a partir dessa organização, puderam-se identificar e ratificar as frases que se referiam a cada categoria estabelecida para a construção da proposta da matriz de competências comuns para o cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual.

A análise por categorias temáticas busca encontrar uma série de significações que o codificador detecta por meio de indicadores que estão ligados a elas. Para Caregnato et al.1515. Moraes R, Galiazzi M do C. Análise textual discursiva: processo reconstrutivo de múltiplas faces. Ciênc educ (Bauru). 2006Jan;12(1):117-28. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516-73132006000100009
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, ''codificar ou caracterizar um segmento é colocá-lo em uma das classes de equivalências definidas, a partir das significações, em função do julgamento do codificador''. Nesse sentido, as autoras aduzem que ''o texto é um meio de expressão do sujeito, onde o analista busca categorizar as unidades de texto, palavras ou frases, que se repetem, inferindo uma expressão que as representem''.

Para auxiliar a apresentação dos dados, foi empregada a técnica nuvem de palavras que, de acordo com Dias et al.1616. Caregnato RCA, Mutti R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto Contexto Enferm. 2006;15(4):679-84., é uma

[...] forma de visualização de dados linguísticos que mostra a frequência com que as palavras aparecem em um dado contexto [...] e consiste em usar tamanhos de fontes de letras diferentes de acordo com as ocorrências das palavras no texto analisado, mostrando a que mais frequente aparece no centro da imagem e as demais em seu entorno, de modo decrescente.

As nuvens foram formadas a partir das respostas obtidas em todas as fases de coleta. As três perguntas abertas sobre quais conhecimentos, habilidades e atitudes, separadamente, eram considerados essenciais para que todos os profissionais, independentemente da área na qual atuassem, fossem competentes para atender as pessoas em situação de violência sexual com qualidade e segurança.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN): Parecer nº 3.684.012 e CAAE nº 23936819.8.0000.5292. Para todos os participantes, proporcionou-se a leitura do TCLE, e obtiveram-se a autorização e a assinatura deles.

RESULTADOS

Os resultados obtidos nas três oportunidades de levantamento de informações concernentes à percepção dos participantes sobre as competências para a realização do cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual contribuíram para a construção final das sentenças constitutivas da matriz. Reafirma-se, na concepção deste trabalho, que as competências são compostas por três dimensões: os conhecimentos, as habilidades e as atitudes que orientam a atuação profissional. Com o objetivo de apresentar as percepções sobre cada uma das dimensões, os resultados estão expostos separadamente para otimizar a compreensão.

Ao serem relacionadas e comparadas, as respostas indicaram um alinhamento nas falas dos participantes, tornando possível a elaboração das competências comuns dispostas no quadro adiante, bem como a sua disposição na figura radial exposta posteriormente.

Dentre as respostas coletadas por meio da pergunta ''Na sua opinião, quais as competências que os profissionais devem ter no atendimento às pessoas em situação de violência sexual?'', realizada na inscrição prévia ao fórum, considerando os respondentes de 1 a 28, podem ser citadas algumas com maior grau de alinhamento com as demais coletadas nas fases posteriores, a saber:

Qualificação e conhecimento sobre abordagem adequada à vitima de violência sexual; saber acolher; conhecer os protocolos de atenção para esses casos; conhecer os trâmites legais pós-atenção à saúde para oportunizar tomada de decisão (Respondente 8, psicóloga).

Conhecimento da rede de assistência para que os devidos encaminhamentos sejam realizados da melhor forma possível, com vistas a agilizar a investigação e proporcionar ações mais efetivas. Empatia e simpatia para deixar aquele que foi violentado o mais confortável possível em expor sua situação de fragilidade (Respondente 10, graduanda em Medicina).

Acolhimento, em especial sem julgamento de valores, conhecimento técnico sobre os protocolos de atuação, estratégias junto à equipe interdisciplinar e à rede para direcionamentos assertivos, bem como encaminhamentos que sejam necessários, entre outras competências (Respondente 15, assistente social).

O profissional dever agir de maneira ética frente aos atendimentos de vítimas de violência sexual, sem julgamentos, agindo de forma sigilosa e confidencial. No acolhimento é necessário o conhecimento do tempo da violência até a procura do atendimento, para que os devidos encaminhamentos sejam feitos. O profissional precisa compreender a dinâmica em que a pessoa vítima de violência se encontra e evitar que o relato seja repetido várias vezes, dessa forma registrando o atendimento (Respondente 23, residente multiprofissional).

Esses profissionais devem saber acolhê-las, respeitar as individualidades dessas pessoas que estão procurando sua ajuda e fornecer o cuidado que elas precisam (Respondente 26, fisioterapeuta).

As respostas alcançadas nas oportunidades de coleta dos dados foram dispostas nas figuras de nuvens de palavras, sendo classificadas segundo as dimensões que formam as competências. As palavras que mais se destacaram na dimensão conhecimentos estão ilustradas na Figura 1 e remetem ao cuidado em caráter de urgência. A partir dessas conexões, foi possível subsidiar a elaboração de sentenças, como: “Reconhecer que o prazo ideal para instituição de profilaxia pós-exposição para IST é de 72 horas”.

Figura 1
Nuvem de palavras da dimensão conhecimentos elaborada com base na coleta de dados da pesquisa - Natal, maio-julho de 2020.

Na dimensão habilidades, conforme apresenta a Figura 2, os termos mais relevantes evocaram as conexões entre o cuidado ágil e a habilidade de comunicação. Considerando o contexto pesquisado, foi possível realizar conexões para a elaboração de sentenças, como: “Atender com agilidade e presteza as pessoas em situação de violência sexual'' e ''Realizar acolhimento e escuta qualificada evitando que a pessoa repita o relato várias vezes''.

Figura 2
Nuvem de palavras da dimensão habilidades elaborada com base na coleta de dados da pesquisa - Natal, maio-julho de 2020.

A Figura 3 demonstra que, nas respostas para a dimensão atitudes, houve prevalência das palavras que aludiam ao cuidado humanizado, respeitoso e empático. A construção da sentença “Realizar atendimento humanizado, sempre respeitando a privacidade da pessoa” é uma amostra de tal conexão. Nessa dimensão, identificou-se uma maior facilidade entre os participantes ao formularem suas respostas, possivelmente por considerarem a subjetividade, os valores e os aspectos mais pessoais que o tema carrega.

Figura 3
Nuvem de palavras da dimensão atitudes elaborada com base na coleta de dados da pesquisa - Natal, maio-julho de 2020.

As significações detectadas por meio da análise por categorias temáticas possibilitaram a construção de sentenças que expressaram aquilo que os participantes apontaram como mais importante e permitiram a proposição de uma matriz com 15 competências comuns de referência para a prática interprofissional no cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual. O Quadro 1 apresenta essas competências.

Quadro 1
Competências comuns de referência.

Complementarmente, foi construído um infográfico de disposição radial, expresso na Figura 4, no qual as dimensões que formam as competências, quais sejam, os conhecimentos, as habilidades e as atitudes estão relacionadas à totalidade das 15 competências comuns e foram apresentados no centro (core) da representação gráfica, com distribuição centrífuga daqueles que se relacionam com número decrescente de competências comuns, com os respectivos números das competências comuns abaixo de cada um deles.

Figura 4
Infográfico da proposta de matriz de competências comuns para a prática interprofissional no cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual.

DISCUSSÃO

Com os resultados obtidos nesse percurso foram identificadas questões que perpassam desde a formação para as profissões da saúde até os desafios para atuar diante de um contexto tão específico como o da violência sexual. Para Rojas et al.1717. Dias MS, Parente JRF, Vasconcelos MIO, Dias FAC. Intersetorialidade e Estratégia Saúde da Família: tudo ou quase nada a ver? Ciênc. Saúde Colet. 2014; 19(11):43-71-82 [acesso em 29 set 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014001104371&lng=pt .
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, a violência sexual é um tema frequentemente mal compreendido pelo público em geral e pelos profissionais de saúde. A inclusão rotineira desse tópico nos currículos de graduação deve melhorar a apreensão do tema pelos profissionais e, por consequência, o cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual.

Na obtenção das informações que subsidiaram a construção das competências, considerando o conjunto formado pelas dimensões do conhecimento, das habilidades e das atitudes, foi possível apreender que a dimensão dos conhecimentos relacionados ao cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual foi reconhecida como a maior necessidade para prática profissional. Na representação do infográfico (Figura 4), essa dimensão ocupa praticamente a metade da figura radial e faz relação com todas as competências comuns de referência.

O desconhecimento sobre informações importantes para a efetividade do cuidado e para a segurança das pessoas emergiu como um grande desafio a ser superado pela formação e pela educação continuada das diferentes profissões implicadas com esse cuidado. Para Menezes et al.1818. Rojas P, Rain C, Cuadra V, Castañón C. Docencia en violencia y abuso sexual en estudiantes de pregrado de medicina: percepción de los docentes sobre barreras y facilitadores. Rev Méd. Chile. 2018;146(8):927-32. doi: http://dx.doi.org/10.4067/s0034-98872018000800927.
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, o processo de interação entre os vários setores que integram a rede só se concretizará por meio da obtenção do conhecimento mútuo, o que envolve informações sobre competências, atribuições, localização, tramitações interna e externa, bem como horários de funcionamento.

Identificou-se que ações que se baseiam nos fluxos de atendimento e nos procedimentos para acolher e garantir seguimento qualificado para redução de danos, como profilaxia de infecções sexualmente transmissíveis e possibilidade de interrupção de uma gravidez indesejada, ainda representam grandes lacunas de conhecimento para um importante contingente de profissionais que integram a rede de cuidado.

Há um nítido desconhecimento do papel das diferentes profissões que integram a rede de cuidado, o que pode acarretar dificuldade para a execução do cuidado integral. O profissional de saúde desconhece informações básicas sobre rotinas procedimentais legais ou da autoridade policial, o que, sabidamente, pode comprometer a integralidade do cuidado. A ideia de rede constitui uma imagem emergente para a representação do conhecimento, inspirada, em grande parte, nas tecnologias informacionais. Nessa perspectiva, conhecer é enredar, tecer significações, partilhar significados1919. Menezes PR de M, Lima I de S, Correia CM, Souza SS, Erdmann AL, Gomes NP. Enfrentamento da violência contra a mulher: articulação intersetorial e atenção integral. Saúde Soc. 2014;23(3):778-86. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000300004.
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Aqueles que não são profissionais da saúde desconhecem o caráter urgente que as medidas profiláticas devem assumir para a segurança das pessoas violentadas. Compreender o que é específico de cada profissão também permite reconhecer e diferenciar o que deve ser comum a todas elas e como as práticas de uma podem interferir na efetividade do cuidado prestado por outra, com todos aprimorando a qualidade da atenção.

Entender a importância do trabalho em equipe com profissionais de várias áreas para a rede de cuidado, atender com agilidade e presteza às pessoas em situação de violência sexual e ser disponível para a prática do trabalho em equipe referem-se, respectivamente, ao conhecimento, à habilidade e à atitude relacionados com todas as competências comuns para a prática interprofissional no cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual.

Nessa seara, a formação para as profissões da saúde deve atentar para estratégias educacionais especificamente voltadas para oportunizar o desenvolvimento dessas competências comuns. Menezes et al.1818. Rojas P, Rain C, Cuadra V, Castañón C. Docencia en violencia y abuso sexual en estudiantes de pregrado de medicina: percepción de los docentes sobre barreras y facilitadores. Rev Méd. Chile. 2018;146(8):927-32. doi: http://dx.doi.org/10.4067/s0034-98872018000800927.
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aduzem que o trabalho em equipe multidisciplinar é um dos requisitos descritos nos documentos internacionais e nacionais, qualificando e proporcionando o cuidado integral destinado à mulher e às pessoas em situação de violência sexual. Para tanto, faz-se necessária a articulação dos diferentes saberes para trabalhar de forma conjunta e centrada.

Hasse et al.2020. Machado NJ. A universidade e a organização do conhecimento: a rede, o tácito, a dádiva. Estud Av. 2001;15(42):333-52.) afirmam que os currículos acadêmicos da área de saúde e mesmo os processos de formação no âmbito profissional parecem não ter se adequado ao que é proposto pelos documentos que regulamentam a questão. Sabe-se que ainda há hegemonia do modelo biologicista na formação do saber em saúde, demonstrando a necessidade de investimento numa formação que contemple, para além da técnica, as competências atitudinais, as colaborativas e as habilidades para o trabalho em equipe.

A interação com os saberes das ciências sociais e humanas pode potencializar a superação da perspectiva reducionista, incapaz de entender a complexidade do fenômeno da violência sexual desconectado de todo contexto social no qual agressor e vítima estão inseridos. Para Ferreira et al.2121. Hasse M, Vieira EM. Como os profissionais de saúde atendem mulheres em situação de violência? Uma análise triangulada de dados. Saúde Debate. 2014;38(102):482-93. doi: https://doi.org/10.5935/0103-1104.20140045.
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o/a estudante deve ser preparado/a para compor equipes multiprofissionais e participar de atividades de educação voltadas não apenas às mulheres, mas também a cônjuges, familiares e comunidades, envolvendo-os na rede de apoio.

Rodrigues2222. Ferreira VC, Silva MRF, Montovani EH, Colares LG, Ribeiro AA, Stofel NS. Saúde da mulher, gênero, políticas públicas e educação médica: agravos no contexto de pandemia. Rev Bras Educ Med. 2020;44(supl 1) [acesso em 26 fev 2021]. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbem/v44s1/1981-5271-rbem-44-s1-e147.pdf .
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aduz que essa prática precisa ser delineada e desenvolvida ao longo da formação continuada em serviço, a fim de aprimorar e contextualizar uma sólida formação teórica e de conteúdo pedagógico de modo autêntico às necessidades formativas. Esse aspecto foi um dos resultados identificados no trabalho, qual seja: a menção à contribuição da formação continuada para a prevenção de agravos, uma vez que o investimento em educação traz benefícios para os profissionais e para as pessoas por eles assistidas.

A estruturação gráfica da matriz buscou considerar a essência das contribuições dos participantes, bem como seus diversos perfis profissionais e níveis de compreensão dos elementos que compõem as competências, as quais devem ser comuns a todos os profissionais que lidam com as situações de violência sexual nos seus espaços ocupacionais.

As sentenças expressas separadamente pelos elementos que compõem as competências buscam responder a um dos principais resultados alcançados pelas etapas da pesquisa que se refere ao distanciamento dos profissionais de conhecimentos, que deveriam ser basilares para a qualificação do cuidado.

Observa-se que a representação utilizada nas nuvens de palavras retrata menções significativas e que remete à necessidade clara de investimentos na educação interprofissional visando a um trabalho realizado em equipe e, consequentemente, à qualificação da atuação com a população em situação de violência sexual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposição de uma matriz de competências comuns para a prática interprofissional no cuidado destinado às pessoas em situação de violência sexual pode contribuir para alicerçar a prática profissional e qualificar a formação de profissionais que integram a rede de serviços e instituições para atendimento e acompanhamento a essas pessoas, sobretudo na direção da efetividade e da integralidade do cuidado.

O processo constitutivo da proposta teve como premissas a participação ativa dos próprios sujeitos que integram a rede de atendimento e, assim, a valorização da sua práxis. Tais premissas legitimam a aplicação prática dessa matriz com características genuínas, por conter elementos atribuídos por aqueles que vivenciam em seus cotidianos profissionais a complexa realidade da temática retratada e, portanto, com propriedades únicas.

Essa dinâmica permitiu aos atores contribuir ativamente nas fases de recolha de dados e na construção de um instrumento em que lhes seja possível melhor apreensão e utilização nos diversos espaços de atuação profissional, nos espaços acadêmicos e nos demais cenários envolvidos com a temática da violência sexual. Da mesma forma, pode incentivar novas pesquisas e fomentar o aprimoramento das estratégias de atuação no cuidado a esse público.

Quando se considera que os espaços sócio-ocupacionais e de formação profissional contam com um instrumento que colabora para agregar diferentes saberes, infere-se que o público atendido tenha maior possibilidade de receber uma atenção com efetiva qualidade. Em outras palavras, a proposta representada na matriz de competências comuns é que ela seja um elemento que agrega e contribui para que as equipes profissionais possam desenvolver uma prática interdisciplinar, centrando sua atuação no usuário e na usuária, de modo a garantir-lhes a integralidade do cuidado.

Acredita-se que a construção de tal instrumento possa elevar a qualidade dos serviços, bem como aprimorar a execução dos preceitos da prática em saúde, sobretudo aquela desenvolvida nos cenários do SUS.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Ministério da Educação e ao Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont o suporte institucional, e a Fernando de Souza Silva, o design gráfico da ilustração sobre os resultados observados.

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Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Roberto Esteves.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2023
  • Aceito
    19 Out 2023
  • Corrigido
    22 Fev 2024
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