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Purificação e caracterização de alfa-galactosidases de sementes de Platymiscium pubescens Micheli

Purification and characterization of alpha-galactosidases from Platymiscium pubescens Micheli seeds

Resumos

Este trabalho objetivou foi determinar a composição bioquímica de sementes de espécies florestais e caracterizar a enzima alfa-galactosidase de sementes germinadas de Platymiscium pubescens. Os maiores teores de lipídios foram determinados em sementes de Chorisia speciosa, Caesalpinia peltophoroides, Tabebuia serratifolia e Tabebuia velanedae, enquanto sementes de Enterolobium contortisiliquum, Schizolobium parahyba e Cassia grandis apresentaram os maiores teores protéicos. A alfa-galactosidase catalisa a hidrólise dos oligossacarídeos de rafinose, em sementes de leguminosas, durante a germinação. A maior atividade da alfa-galactosidase foi detectada em sementes de Platymiscium pubescens após 72 h de embebição. Duas formas de alfa-galactosidases, C1 e C2, foram purificadas de sementes germinadas de P. pubescens, usando-se fracionamento com sulfato de amônio e cromatografias de filtração em gel e de afinidade. Essas enzimas apresentaram atividade máxima em pH 5,5 e a 50-55 ºC. Os valores de Km ap das formas C1 e C2, para o substrato ro-nitrofenil-alfa-D-galactopiranosídeo, foram de 0,54 mM e 0,78 mM, e para a rafinose, de 4,64 mM e 5,09 mM, respectivamente. Essas enzimas exibiram estabilidade térmica moderada, mantendo 70% da atividade original após 3 h de incubação a 45 ºC. A atividade enzimática da C1 e C2 foi totalmente perdida na presença de CuSO4 e dodecil sulfato de sódio (SDS). Tais enzimas também hidrolisaram melibiose, rafinose e estaquiose, indicando potencial para aplicações biotecnológicas.

Platymiscium pubescens; alfa-galactosidase; sementes; germinação; purificação


The objective of this work was to determine seed biochemical composition of forest species and to characterize alpha-galactosidase enzyme of germinated seeds of Platymiscium pubescens. The highest lipid levels were found in seeds of Chorisia speciosa, Caesalpinia peltophoroides, Tabebuia serratifolia and Tabebuia velanedae, whereas seeds of Enterolobium contortisiliquum, Schizolobium parahyba and Cassia grandis showed the highest protein levels. alpha-galactosidase catalyzes the hydrolyzis of raffinose oligossacarides in legume seeds during germination. The highest activity of alpha-galactosidase was found in seeds of Platymiscium pubescens after 72 h of soaking in the water. Two forms of alpha-galactosidases, C1 and C2, were purified from germinated seeds of P. pubescens, using partition with ammonium sulfate, and gel filtration and affinity chromatographies. These enzymes presented maximum activity at pH 5.5, 50-55ºC. Km ap values in the C1 and C2 forms forrho-nitrophenyl-alpha-D-galactopyranoside substrate were 0.54 mM and 0.78 mM, and 4.64 mM and 5.09 mM for raffinose, respectively. These enzymes showed moderate thermal stability, maintaining 70% of the original activity after 3 h incubation at 45ºC. The C1 and C2 enzymatic activity was totally lost in the presence of CuSO4 and sodium dodecyl sulfate (SDS). These enzymes also hydrolyzed melibiose, raffinose and stachyose, indicating a potential for biotechnological applications.

Platymiscium pubescens; alpha-galactosidase; seeds; germination; purification


Purificação e caracterização de a-galactosidases de sementes de Platymiscium pubescens Micheli

Purification and characterization of a-galactosidases from Platymiscium pubescens Micheli seeds

Giordani de OliveiraI; Valéria Monteze GuimarãesI; Eduardo Euclydes de Lima e BorgesII; Lilian da Silva FialhoI; Maria Goreti de Almeida e OliveiraI; Sebastião Tavares de RezendeI

IBIOAGRO/DBB da Universidade Federal de Viçosa, 36570-000, Viçosa-MG, Brasil

IIDepartamento Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa

RESUMO

Este trabalho objetivou foi determinar a composição bioquímica de sementes de espécies florestais e caracterizar a enzima a-galactosidase de sementes germinadas de Platymiscium pubescens. Os maiores teores de lipídios foram determinados em sementes de Chorisia speciosa, Caesalpinia peltophoroides, Tabebuia serratifolia e Tabebuia velanedae, enquanto sementes de Enterolobium contortisiliquum, Schizolobium parahyba e Cassia grandis apresentaram os maiores teores protéicos. A a-galactosidase catalisa a hidrólise dos oligossacarídeos de rafinose, em sementes de leguminosas, durante a germinação. A maior atividade da a-galactosidase foi detectada em sementes de Platymiscium pubescens após 72 h de embebição. Duas formas de a-galactosidases, C1 e C2, foram purificadas de sementes germinadas de P. pubescens, usando-se fracionamento com sulfato de amônio e cromatografias de filtração em gel e de afinidade. Essas enzimas apresentaram atividade máxima em pH 5,5 e a 50-55 ºC. Os valores de Km ap das formas C1 e C2, para o substrato r-nitrofenil-a-D-galactopiranosídeo, foram de 0,54 mM e 0,78 mM, e para a rafinose, de 4,64 mM e 5,09 mM, respectivamente. Essas enzimas exibiram estabilidade térmica moderada, mantendo 70% da atividade original após 3 h de incubação a 45 ºC. A atividade enzimática da C1 e C2 foi totalmente perdida na presença de CuSO4 e dodecil sulfato de sódio (SDS). Tais enzimas também hidrolisaram melibiose, rafinose e estaquiose, indicando potencial para aplicações biotecnológicas.

Palavras-chave:Platymiscium pubescens, a-galactosidase, sementes, germinação e purificação.

ABSTRACT

The objective of this work was to determine seed biochemical composition of forest species and to characterize a-galactosidase enzyme of germinated seeds of Platymiscium pubescens. The highest lipid levels were found in seeds of Chorisia speciosa, Caesalpinia peltophoroides, Tabebuia serratifolia and Tabebuia velanedae, whereas seeds of Enterolobium contortisiliquum, Schizolobium parahyba and Cassia grandis showed the highest protein levels. a-galactosidase catalyzes the hydrolyzis of raffinose oligossacarides in legume seeds during germination. The highest activity of a-galactosidase was found in seeds of Platymiscium pubescens after 72 h of soaking in the water. Two forms of a-galactosidases, C1 and C2, were purified from germinated seeds of P. pubescens, using partition with ammonium sulfate, and gel filtration and affinity chromatographies. These enzymes presented maximum activity at pH 5.5, 50-55ºC. Km ap values in the C1 and C2 forms for r-nitrophenyl-a-D-galactopyranoside substrate were 0.54 mM and 0.78 mM, and 4.64 mM and 5.09 mM for raffinose, respectively. These enzymes showed moderate thermal stability, maintaining 70% of the original activity after 3 h incubation at 45ºC. The C1 and C2 enzymatic activity was totally lost in the presence of CuSO4 and sodium dodecyl sulfate (SDS). These enzymes also hydrolyzed melibiose, raffinose and stachyose, indicating a potential for biotechnological applications.

Keywords: Platymiscium pubescens, a-galactosidase, seeds, germination, purification.

1. INTRODUÇÃO

Além da importância das espécies florestais para o reflorestamento de áreas degradadas e conservação da biodiversidade (CARNEIRO et al., 1998), o estudo das suas sementes tem merecido destaque em razão das reservas de nutrientes e das enzimas hidrolíticas ativas durante a germinação.

As espécies florestais Cassia grandis, Schizolobium parahyba, Tachigali multijuga, Tabebuia serratifolia, Tabebuia velanedae, Enterolobium contortisiliquum, Platymiscium pubescens, Chorisia speciosa, Caesalpinia peltophoroides, Senna macranthera e Cedrela fissil apresentam diversas aplicações. Em razão das características de cada espécie, elas são mais apropriadamente indicadas para a produção de madeira usada na construção civil e na geração de energia, indústria de papel e celulose, extração de componentes químicos, alimentação animal e humana, apicultura, medicina, paisagismo e reflorestamento (CARVALHO, 1994). Platymiscium pubescens var. pubescens é uma espécie arbórea identificada pelos nomes de tamboril- da-mata, timburi, timburil ou jacarandá-branco. De acordo com Klitgaard (1995), o "habitat" da espécie é o Cerrado, embora Marangon (1999) a identifique como de Floresta Estacional Semidecidual, ocorrendo em altitudes de 300 a 750 m. Predomina na Bahia, Espírito Santo, Distrito Federal e Minas Gerais. A espécie é de vegetação secundária, sendo a sua madeira usada para construção de moirão de cerca, além de ser utilizada como planta ornamental e de reflorestamento (KLITGAARD, 1995).

A enzima a-galactosidase (E.C.3.2.1.22, a-D-galactosídeo galacto-hidrolase) é uma exoglicosidase que hidrolisa ligações a-1,6 de resíduos de galactosil em galacto-oligossacarídeos e galactomananas (FUJIMOTO et al., 2003). Em plantas, essa enzima vem sendo especialmente investigada em sementes durante a germinação (CORCHETE e GUERRA, 1987; BHASKAR et al., 1990; GUIMARÃES et al., 2001), mas também está presente em folhas (SMART e PHARR, 1980), raiz (BOM et al., 1988) e frutos (GAO e SCHAFFER, 1999). Múltiplas formas de a-galactosidases ocorrem em plantas, apresentando diferenças em suas propriedades bioquímicas e cinéticas e em suas massas moleculares e exibindo especificidades diferentes por substratos naturais e sintéticos (DEY e PRIDHAM, 1972; KIM et al., 2002).

Dois tipos de carboidratos são armazenados no endosperma de leguminosas: oligossacarídeos de rafinose (RO) nos vacúolos e galactomananas nas células de parede (DEY, 1980). Os RO são formados de uma molécula de sacarose cujo resíduo glicosil está ligado com um a nove resíduos de galactose por ligação a-(1,6). Galactomananas são polissacarídeos compostos de uma cadeia principal formada de resíduos de D-manose unidos por ligação b-1,4 e ramificada em variadas extensões com unidades de D-galactose em ligações a-1,6 (REID, 1985).

Durante a germinação e crescimento da plântula, reservas do cotilédone são degradadas e seus produtos, translocados para os pontos de crescimento do embrião e da plântula em desenvolvimento, em que são usados como fonte de carbono e energia para vários processos metabólicos (KANDLER e HOPF, 1980). A maioria das atividades enzimáticas, especialmente a da a-galactosidase, aumenta com a embebição e germinação das sementes (CORCHETE e GUERRA, 1987; KONTOS e SPYROPOULOS, 1996; GUIMARÃES et al., 2001). Além do envolvimento fisiológico na germinação de sementes, as a-galactosidases apresentam potencial para diversas aplicações biotecnológicas, como no branqueamento da polpa na indústria de papel, na mudança de propriedades gélicas de galactomananas (BULPIN et al., 1990) e na hidrólise de oligossacarídeos não-digeríveis presentes em produtos de soja (GUIMARÃES et al., 2001).

Diversas a-galactosidases já foram purificadas e caracterizadas a partir de sementes, durante a germinação, como em Cassia sericea (BHASKAR et al., 1990) e Sesbania marginata (FALCO et al., 2000), mas a maioria dos estudos de atividade enzimática e da composição bioquímica das sementes se refere a espécies já utilizadas na alimentação, como soja (GUIMARÃES et al., 2001), lentilha (CORCHETE e GUERRA, 1987), ervilha (DEY e PRIDHAM, 1972) e feijões (DHAR et al., 1994). De acordo com Borges et al. (2002), há uma grande carência de informações fisiológicas e bioquímicas concernentes à composição e germinação das sementes de espécies florestais arbóreas nativas.

O objetivo do presente trabalho foi ampliar o conhecimento sobre a composição bioquímica de algumas sementes de espécies florestais, bem como identificar, entre as estudadas, uma espécie florestal que apresentasse a enzima a-galactosidase com potencial para aplicação biotecnológica.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Sementes das espécies florestais Cassia grandis, Schizolobium parahyba,, Tachigali multijuga, Tabebuia serratifolia, Tabebuia velanedae, Enterolobium contortisiliquum, Platymiscium pubescens, Chorisia speciosa, Caesalpinia peltophoroides, Cedrela fissilis e Senna macranthera foram fornecidas pelo Laboratório de Silvicultura do Departamento de Engenharia Florestal da UFV, enquanto as sementes das espécies Vigna umbellata, Pisum sativum e Glycine max, pela EPAMIG/Viçosa.

Para avaliar a atividade de a-galactosidase durante a germinação, amostras contendo 20 sementes foram colocadas em papel Germitest umedecido e incubadas por 24, 48, 72 e 96 h, a 27 ºC. As sementes germinadas foram trituradas em tampão acetato de sódio a 100 mM e pH 5,0 (uma semente para cada 1 mL de tampão). O extrato foi centrifugado a 17.200 x g, por 30 min, a 4 ºC, e o sobrenadante, utilizado para a determinação da atividade enzimática e da concentração de proteínas solúveis.

O ensaio-padrão da atividade de a-galactosidase foi realizado usando-se uma mistura de reação contendo 650-750 mL de tampão acetato de sódio 100 mM, pH 5,0, adicionando de 0 a 100 mL da preparação enzimática e 250 mL de r-nitrofenil-a-D-galactopiranosídeo (rNPaGal), ou outros substratos sintéticos. A reação foi incubada por 15 a 30 min, a 37 ºC, e paralisada pela adição de 1 mL de carbonato de sódio a 0,5 M. Uma unidade (U) de enzima foi definida como a quantidade de proteína necessária para produzir 1 mmol de r-nitrofenol por minuto. Os efeitos do pH e da temperatura na atividade das frações enzimáticas foram determinados em pH de 3,0 a 7,5 e em temperaturas variando de 20 a 70 ºC. Para a determinação da estabilidade térmica, as frações enzimáticas foram pré-incubadas por vários períodos de tempo, a 45 e 50 ºC, e a atividade residual foi determinada pelo ensaio-padrão. Para a determinação das atividades com os substratos rafinose, estaquiose e sacarose, usou-se uma mistura de reação contendo 650 µL de tampão acetato de sódio a 100 mM, pH 5,0, adicionando 100 µL de extrato enzimático e 250 µL de solução de substrato a 20 mM. O açúcar redutor produzido foi quantificado pela reação com 1 mL de 3,5 dinitrossalicilato (MILLER, 1956). Os ensaios com os substratos melibiose, lactose e maltose foram feitos usando-se as mesmas condições de reação anteriormente descritas, e a quantidade de glicose formada foi determinada pelo método da glicose-oxidase (BERGMEYER e BERNT, 1974). As determinações da atividade de a-galactosidase são os valores médios de ensaios em triplicata, nos quais os desvios-padrão foram menores que 10%.

As a-galactosidases de tamboril-da-mata foram purificadas por fracionamento com sulfato de amônio (30-50%), e o precipitado obtido foi ressuspendido e submetido à filtração em gel, em coluna Sephacryl S-200 (80 x 3 cm), equilibrada com tampão acetato de sódio a 25 mM, pH 5,0. As proteínas foram eluídas com o mesmo tampão, com fluxo de 24 mL.h-1. A fração enzimática proveniente da coluna Sephacryl S-200 foi submetida à cromatografia de afinidade em coluna (17 x 1 cm) de Concanavalina A Sepharose 4B, equilibrada com tampão acetato de sódio a 100 mM e pH 5,0, contendo MnCl2, MgCl2 e CaCl2 a 1,0 mM e 0,9% de NaCl. As proteínas foram eluídas com o mesmo tampão, acrescido de 0,1 M de metil-a-D-manosídeo, com fluxo de 24 mL.h-1.

Experimentos cinéticos foram feitos a 37 ºC e pH 5,0. Para a determinação dos valores de KM ap e Vmax ap das a-galactosidases, as concentrações finais de rNPaGal foram de 0,1; 0,2; 0,4; 0,75; 1,0; 1,5; e 2,0 mM e as concentrações finais de melibiose e rafinose, de 5, 10, 20, 30 e 40 mM. Os valores de KM ap e Vmax ap foram determinados pela curva de Michaelis-Menten, utilizando-se o programa Curve Expert, versão 1.3, para Windows (HYAMS, 1997). Os efeitos de íons, agentes redutores e açúcares na atividade enzimática, foram testados utilizando-se ensaios-padrão, cujas amostras das enzimas foram pré-incubadas com cada um dos compostos testados por 15 min a 40 ºC.

A concentração de proteínas foi determinada pelo método de Bradford (1976), utilizando-se curva-padrão construída com albumina sérica bovina (BSA). No processo de purificação das a-galactosidases, a concentração de proteínas foi determinada pelo método de Lowry, como o descrito em Petterson (1979). O teor protéico nas sementes foi determinado pelo método de Kjeldahl, empregando-se o fator 6,25 para a conversão de nitrogênio em proteína (AOAC, 1975). O teor de lipídeos foi determinado segundo o procedimento descrito em Normas Analíticas do Instituto Adolfo Lutz (1985). O teor de umidade das sementes foi determinado, pesando-se cerca de 5 g de amostras e colocando em estufa a 105 ºC até a estabilização do peso. Após esse tempo, as amostras foram novamente pesadas e a matéria seca, determinada por diferença.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os teores de umidade, lipídeos e proteína e a atividade de a-galactosidase em sementes maduras de 10 espécies florestais são mostrados na Tabela 1. A Soja da variedade Doko RC foi utilizada como referencial, uma vez que os parâmetros umidade, lipídeos e proteínas e atividade de a-galactosidase em suas sementes estão bem caracterizados (NIELSEN, 1996).

Dentre as espécies estudadas, as sementes de paina-rosa (Chorisia speciosa) apresentaram o maior teor de lipídeos e também alto teor de proteínas. Sibipiruna (Caesalpinia peltophoroides), ipê-amarelo (Tabebuia serratifolia) e ipê-roxo (Tabebuia velanedae) exibiram teores de lipídios maiores que de soja (Glycine max), entretanto os menores teores protéicos foram determinados nessas sementes. No entanto, a orelha-de-negro (Enterolobium contortisiliquum) apresentou o maior teor de proteínas, inclusive superior ao de soja, considerada uma semente com elevado teor protéico. Elevada atividade de a-galactosidase foi detectada no extrato de sementes de tamboril-da-mata (Platymiscium pubescens), o que levou essa espécie a ser selecionada como fonte produtora da a-galactosidase, para caracterizações bioquímica e cinética.

Uma vez que a germinação das sementes pode induzir o aumento da atividade de enzimas hidrolíticas (KONTOS e SPYROPOULOS, 1996; GUIMARÃES, 2001), a atividade de a-galactosidase foi determinada, durante a germinação, em extratos de sementes da espécie florestal tamboril da mata, bem como em sementes das leguminosas feijão-arroz (Vigna umbellata), ervilha (Pisum sativum) e soja (Glycine max) (Figura 1), utilizadas como controle, por se tratarem de espécies mais amplamente estudadas.


A atividade de a-galactosidase aumentou consideravelmente em sementes de tamboril-da-mata e fedegoso no período de 24 a 72 h após a embebição, em relação às sementes usadas como controle. Resultados similares foram obtidos por Reis et al. (2003), que, trabalhando com sementes da espécie florestal Pterogine nitens, observaram aumento da atividade da a-galactosidase durante a germinação. Atividades de a-galactosidase sobre os substratos naturais encontrados nas sementes, rafinose e estaquiose e atividade de invertase sobre o substrato sacarose foram avaliadas nos extratos das sementes, após 72 h de embebição em água (Tabela 2).

Sementes germinadas de tamboril-da-mata apresentaram as maiores atividades das enzimas hidrolíticas invertase e a-galactosidase, inclusive superiores às de soja e ervilha, espécies tidas como grandes produtoras de a-galactosidase. Segundo Dey e Pridham (1972) e Modi et al. (2000), várias leguminosas, como soja e ervilha, acumulam grande quantidade de oligossacarídeos de rafinose (RO) nos estádios finais de desenvolvimento do grão e são degradados por a-galactosidases e invertases no início da germinação, fornecendo a energia inicial para o desenvolvimento do embrião. Uma vez que maior atividade de a-galactosidase foi detectada em sementes de tamboril-da-mata após 72 h de embebição, tal resultado indicou que essa espécie tem grande potencial para produção da a-galactosidase. Assim, a enzima foi purificada e caracterizada a partir dessa fonte vegetal.

No processo de purificação da a-galactosidase, a fração protéica contendo atividade enzimática precipitada com 50% de sulfato de amônio (A50) foi ressuspendida e submetida à cromatografia em coluna Sephacryl S-200, resultando na separação de duas frações (F1 e F2) com atividade de a-galactosidase. A fração F1, por apresentar maior grau de purificação (26,21 vezes) e uma taxa de recuperação de 49%, foi utilizada na seqüência do processo, sendo submetida à cromatografia em coluna de Concanavalina-A (Figura 2). Foram obtidas duas formas enzimáticas (C1 e C2) altamente purificadas, como indicado por suas atividades específicas (Tabela 3).


As a-galactosidases C1 e C2 de P. pubescens foram purificadas 14,71 e 98,48 vezes, com rendimentos de 6 e 31%, respectivamente. Similarmente, duas formas de a-galactosidases foram purificadas de sementes de Cassia sericea germinadas (BHASKAR et al., 1990).

As a-galactosidases C1 e C2 apresentaram pH 5,5 como ótimo para sua atividade (Figura 3A) e atividades máximas a 50 e 55 ºC, respectivamente. Uma redução acentuada nessas atividades foi observada entre as temperaturas de 60-70 ºC, sendo a 70 ºC a atividade enzimática nula (Figura 3B). Os valores ótimos de pH e temperatura encontrados foram próximos daqueles determinados para a-galactosidases de sementes de soja em germinação (CRUZ e SILVA, 1986), de cotilédones de Vigna unguiculata (OLIVEIRA-NETO et al., 1998), de amendoim (BRYANT e RAO, 2001) e do fungo Aspergillus fumigatus (De REZENDE e FELIX, 1999).


Ambas as formas enzimáticas C1 e C2 foram moderadamente termoestáveis (Figura 4), mantendo aproximadamente 70% de suas atividades originais quando pré-incubadas a 45 ºC por 180 min. Entretanto, a 50 ºC, com 30 min de pré-incubação, a C1 perdeu completamente a atividade, enquanto a C2 manteve apenas 40% da atividade original, após 180 min de incubação. A 50 ºC, a meia-vida das a-galactosidases C1 e C2 foram de 66 e de 232 min, respectivamente. Puchart et al. (2000), trabalhando com a-galactosidase de Thermomyces lanuginosus, encontraram meia-vida de 3 h a 65 ºC, e Guimarães et al. (2001) constituíram, a 30 ºC, meia-vida de 254 e de 1.199 min, respectivamente, em duas a-galactosidases de sementes de soja.


Os valores de KM ap, tendo-se o rNPaGal como substrato (Tabela 4), foram comparáveis àqueles determinados para a-galactosidase de sementes de soja em germinação (CRUZ e SILVA, 1986; GUIMARÃES et al., 2001) e para a-galactosidase de Thermomyces lanuginosus (PUCHART et al., 2000). Os valores de KM ap para a rafinose (Tabela 4) foram próximos daqueles determinados para a-galactosidase purificada de sementes de soja madura (PORTER et al., 1990), mas menores do que aqueles descritos para a rafinose e as enzimas de Aspergillus fumigatus (De REZENDE e FELIX, 1999) e de amendoim (BRYANT e RAO, 2001).

As atividades de C1 e de C2 tiveram diminuição expressiva em presença de SDS e moderada em presença de melibiose e galactose, ressaltando-se que o cobre inibiu fortemente a atividade da C2 e totalmente a da C1 (Tabela 5). De forma semelhante, as atividades das a-galactosidases de Vicia sativa e de Prunus amygdalus foram diminuídas em presença de cobre (DEY e PRIDHAM, 1972). EDTA e iodoacetamida não influenciaram a atividade de C1 e C2, indicando que não há dependência de íons metálicos e de grupo SH (sulfidrila) livre, essenciais à catálise.

Tanto a C1 quanto a C2 não hidrolisaram substratos sintéticos contendo resíduos de açúcar diferentes de galactose ou contendo galactose na posição b (Tabela 6).

Altas atividades sobre rafinose e estaquiose sugerem que as duas formas de a-galactosidase de tamboril-da-mata podem atuar nas sementes em germinação, hidrolisando os RO. No entanto, a hidrólise da lactose, maltose e sacarose acreditam que essas enzimas não apresentam especificidade absoluta ou que, na preparação, existiam outras proteínas com atividade enzimática.

4. CONCLUSÕES

- Sementes das espécies florestais Chorisia speciosa, Caesalpinia peltophoroides, Tabebuia serratifolia e Tabebuia velanedae são muito ricas em lipídeos, enquanto sementes de Enterolobium contortisiliquum, Schizolobium parahyba e Cassia grandis o são em proteínas.

- Atividade específica de a-galactosidase de sementes de Platymiscium pubescens aumenta durante a germinação, tendo sido identificadas duas formas da enzima (C1 e C2), com atividade máxima em pH de 5,5 e em 50 e 55 ºC, respectivamente.

- As a-galactosidases de sementes germinadas de P. pubescens apresentam estabilidade térmica moderada, e a forma C2 exibe maior estabilidade em comparação com a forma C1.

- As a-galactosidases C1 e C2 de P. pubescens hidrolisam os substratos naturais melibiose, rafinose e estaquiose, indicando potencial para aplicações biotecnológicas.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPEMIG o suporte financeiro para a realização deste trabalho.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em 13.02.2004 e aceito para publicação em 20.04.2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2005

Histórico

  • Aceito
    20 Abr 2005
  • Recebido
    13 Fev 2004
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