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Composição florística e espectro biológico na Estação Ecológica de Santa Bárbara, estado de São Paulo, Brasil

Floristic composition and biological spectra in Santa Barbara Ecological Station, Brazil

Resumos

O conhecimento da flora herbáceo-subarbustiva, juntamente com o da flora lenhosa, auxilia a determinação dos padrões florísticos e permite descrever o espectro biológico com conseqüentes inferências sobre a atuação de fatores ambientais e históricos na vegetação. Considerando que poucos trabalhos se aprofundaram no estudo da flora herbáceo-subarbustiva de Cerrado, embora esta seja mais rica que a lenhosa, objetivou-se estudar a composição e os padrões florísticos das floras herbáceo-subarbustiva e lenhosa da Estação Ecológica de Santa Bárbara (EESB) (22º 46' 30'' a 22º 50' 30''S e 49º 10' 30'' a 49º15'30'' W , 600 a 680 m de altitude), Município de Águas de Santa Bárbara, Estado de São Paulo. Visou-se, ainda, determinar o espectro biológico para efetuar análises comparativas das diferentes fitofisionomias de Cerrado dessa Unidade de Conservação. Foram encontradas 314 espécies na EESB, sendo 285 em Cerrado sensu lato. As famílias mais ricas em número de espécies foram Asteraceae, Leguminosae, Myrtaceae e Poaceae. Há uma constante ocorrência de Asteraceae, Leguminosae e Poaceae entre as famílias mais ricas, concordando com o observado nos estudos florísticos de Cerrado que incluíram os estratos lenhoso e herbáceo-subarbustivo. O espectro biológico corroborou os padrões anteriormente descritos para o Cerrado sensu lato, exceto pela maior expressão de caméfitas em relação às hemicriptófitas nas fisionomias campestres da EESB, o que pode ser efeito da proteção ao fogo nessa Unidade de Conservação.

Cerrado; formas de vida; padrões florísticos


Only few surveys were carried out on woody and ground layer floras of the Brazilian Cerrado. The objective of this survey was to investigate richness, floristic patterns and biological spectra of different phytophysiognomies on both strata at Santa Bárbara Ecological Station (EESB). EESB is located in the Municipality of Águas de Santa Bárbara, São Paulo State, Brazil (22º 46' 30'' to 22º 50' 30''S and 49º 10' 30'' to 49º15'30'' W, 600 to 680m high). A total of 14 angiospermic species were found, 285 of these in Cerrado sensu lato physiognomies. The richest families in species number were Asteraceae, Fabaceae, Myrtaceae and Poaceae. Asteraceae, Fabaceae and Poaceae were the richest families similar to other Cerrado's sites. The EESB biological spectra have patterns similar to other Cerrados, but with one change: chamaephytes were richer than hemycryptophytes in the open savannic physiognomies of EESB. Fire protection may be the reason of this alteration.

Cerrado vegetation; Brazilian savanna; Raunkiaer's life forms


Composição florística e espectro biológico na Estação Ecológica de Santa Bárbara, estado de São Paulo, Brasil

Floristic composition and biological spectra in Santa Barbara Ecological Station, Brazil

João Augusto Alves Meira NetoI; Fernando Roberto MartinsII; Gilmar Edilberto ValenteIII

IDepartamento de Biologia Vegetal da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: <meiraneto@ufv.br>

IIDepartamento de Botânica da Universidade Estadual de Campinas. E-mail: <fmartins@unicamp.br>

IIIHerbário da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: <gvalente@ufv.br>

RESUMO

O conhecimento da flora herbáceo-subarbustiva, juntamente com o da flora lenhosa, auxilia a determinação dos padrões florísticos e permite descrever o espectro biológico com conseqüentes inferências sobre a atuação de fatores ambientais e históricos na vegetação. Considerando que poucos trabalhos se aprofundaram no estudo da flora herbáceo-subarbustiva de Cerrado, embora esta seja mais rica que a lenhosa, objetivou-se estudar a composição e os padrões florísticos das floras herbáceo-subarbustiva e lenhosa da Estação Ecológica de Santa Bárbara (EESB) (22º 46' 30'' a 22º 50' 30''S e 49º 10' 30'' a 49º15'30'' W , 600 a 680 m de altitude), Município de Águas de Santa Bárbara, Estado de São Paulo. Visou-se, ainda, determinar o espectro biológico para efetuar análises comparativas das diferentes fitofisionomias de Cerrado dessa Unidade de Conservação. Foram encontradas 314 espécies na EESB, sendo 285 em Cerrado sensu lato. As famílias mais ricas em número de espécies foram Asteraceae, Leguminosae, Myrtaceae e Poaceae. Há uma constante ocorrência de Asteraceae, Leguminosae e Poaceae entre as famílias mais ricas, concordando com o observado nos estudos florísticos de Cerrado que incluíram os estratos lenhoso e herbáceo-subarbustivo. O espectro biológico corroborou os padrões anteriormente descritos para o Cerrado sensu lato, exceto pela maior expressão de caméfitas em relação às hemicriptófitas nas fisionomias campestres da EESB, o que pode ser efeito da proteção ao fogo nessa Unidade de Conservação.

Palavras-chave: Cerrado, formas de vida e padrões florísticos.

ABSTRACT

Only few surveys were carried out on woody and ground layer floras of the Brazilian Cerrado. The objective of this survey was to investigate richness, floristic patterns and biological spectra of different phytophysiognomies on both strata at Santa Bárbara Ecological Station (EESB). EESB is located in the Municipality of Águas de Santa Bárbara, São Paulo State, Brazil (22º 46' 30'' to 22º 50' 30''S and 49º 10' 30'' to 49º15'30'' W, 600 to 680m high). A total of 14 angiospermic species were found, 285 of these in Cerrado sensu lato physiognomies. The richest families in species number were Asteraceae, Fabaceae, Myrtaceae and Poaceae. Asteraceae, Fabaceae and Poaceae were the richest families similar to other Cerrado's sites. The EESB biological spectra have patterns similar to other Cerrados, but with one change: chamaephytes were richer than hemycryptophytes in the open savannic physiognomies of EESB. Fire protection may be the reason of this alteration.

Keywords: Cerrado vegetation, Brazilian savanna and Raunkiaer's life forms.

1. INTRODUÇÃO

Os estudos florísticos e fitossociológicos em florestas de todo o mundo geralmente enfatizam o componente arbóreo, que é o principal detentor da biomassa florestal e se destaca pela importância econômica (MEIRA NETO e MARTINS, 2003). Pelos mesmos motivos, o componente lenhoso da vegetação de Cerrado foi mais estudado, e são poucos os trabalhos que deram atenção tanto ao componente lenhoso quanto ao herbáceo-subarbustivo. Os estudos de Mantovani (1987), Mantovani e Martins (1993), Mendonça et al. (1998), Batalha e Mantovani (2000, 2001) e Batalha e Martins (2002, 2004) foram importantes contribuições para um conhecimento florístico de ambos os componentes da flora do Cerrado.

Trabalhos clássicos sobre o Cerrado apontam a existência de duas floras independentes e concorrentes, a herbáceo-subarbustiva e a arbustivo-arbórea, ou lenhosa (RIZZINI, 1963; COUTINHO, 1978, 2002). A flora herbáceo-subarbustiva é de especial importância para a compreensão da riqueza da flora do Cerrado, por possuir um número de espécies que pode ser de três a mais de quatro vezes maior que o de espécies lenhosas (FILGUEIRAS, 2002).

Warming (1973) realizou um dos trabalhos pioneiros de Ecologia Vegetal e o primeiro estudo em Cerrado na segunda metade do século 19. Neste trabalho, Warming considerou a família Compositae (Asteraceae) a mais rica nos Cerrados de Lagoa Santa, MG. Os levantamentos florísticos que estudaram as duas floras em conjunto indicaram a existência de um possível padrão, em que as famílias Asteraceae, Leguminosae e Poaceae aparecem como as mais ricas no Cerrado. Além da confirmação dos padrões na categoria taxonômica de famílias, a grande riqueza do Cerrado é uma forte justificativa para estudos florísticos que considerem todos os estratos e não apenas o arbustivo-arbóreo (MENDONÇA et al., 1998; CASTRO et al., 1999; BATALHA e MANTOVANI, 2001). É pela gande riqueza, e por ser uma das maiores fronteiras agrícolas do mundo, que o Cerrado é considerado uma das 25 prioridades de conservação de biodiversidade do planeta (MYERS et al., 2000).

O conhecimento sobre a composição florística permite o estudo das formas de vida das espécies presentes em determinado ambiente. As formas de vida de Raunkiaer de uma fitocenose constituem seu espectro biológico. Os estudos sobre espectro biológico no Domínio do Cerrado evidenciaram padrões nas distribuições das formas de vida em diferentes fitofisionomias (MANTOVANI, 1983; MANTOVANI e MARTINS, 1993; BATALHA et al.. , 1997; BATALHA e MANTOVANI, 2001; BATALHA e MARTINS, 2002, 2004). Os espectros biológicos têm mostrado predominância de fanerófitas em Cerrado sensu stricto e Cerradão e predominância de hemicriptófitas em campo cerrado, campo sujo e campo limpo. Os padrões encontrados possibilitaram inferências sobre fatores ambientais e históricos que influenciam essas comunidades, como clima, gradientes pedológicos, fogo ou pastejo.

Este trabalho teve como objetivo contribuir com o conhecimento das floras lenhosa e herbáceo-subarbustiva do Cerrado da Estação Ecológica de Santa Bárbara (EESB), Município de Águas de Santa Bárbara, SP, para (i) avaliar sua riqueza, (ii) estabelecer comparações florísticas diretas em nível de famílias para a flora de Cerrado e (iii) estabelecer comparações do espectro biológico entre as diferentes fitofisionomias estudadas e entre diferentes áreas de Cerrado, inferindo sobre fatores ambientais e históricos da EESB.

2. MATERIAL E MÉTODOS

A Estação Ecológica de Santa Bárbara (EESB), criada através do Decreto Estadual 22.337, de 07/06/1984, possui uma área de 2.715,5 há, no Município de Águas de Santa Bárbara, Estado de São Paulo (BARRETO, 1985). A Estação Ecológica (Figura 1) pertence ao Instituto Florestal do Estado de São Paulo e situa-se entre as coordenadas 22º 46' 30'' a 22º 50' 30''S e 49º 10' 30'' a 49º15'30'' W, próximo do limite sul de distribuição de Cerrado, com altitudes variando entre 600 e 680 m.


O clima é do tipo Cwa de Koeppen, com as temperaturas médias do mês mais quente (janeiro) entre 23 e 24 C e as temperaturas médias do mês mais frio (julho) em torno dos 16 C. A precipitação média anual fica entre 1.100 e 1.300 mm, com invernos secos e verões chuvosos (SETZER, 1966).

Os solos, classificados segundo a Embrapa (1999), determinam diferentes fitofisionomias do Cerrado. Latossolo Vermelho e Latossolo Vermelho-Amarelo ocorrem nos locais com Cerradão e Cerrado sensu stricto. Neossolo Quartzarênico aparecem nos locais com campo cerrado e campo sujo. Alissolo ocorre onde se distribui o campo limpo úmido (VENTURA et al.,1965/1966).

Para o levantamento florístico foram feitas coletas de material em fase reprodutiva durante 24 meses, de Janeiro de 1989 a Janeiro de 1990. As coletas foram feitas mediante caminhadas na vegetação e por meio da aplicação de 30 parcelas de 10 x 20 m, alocadas sistematicamente no Cerrado sensu stricto, na extremidade sul da EESB, ao sul da rodovia SP 280 (Figura 1). As exsicatas foram identificadas no nível mais exclusivo possível, através de literatura taxonômica, consultas a herbários e a especialistas. Em seguida, foram incorporadas aos herbários da UNICAMP (UEC), Bento Pickel, do Instituto Florestal do Estado de São Paulo (SPSF) e da Universidade Federal de Viçosa (VIC). A lista de espécies foi organizada pelo sistema APG II (APG, 2003).

Para a identificação dos tipos fisionômicos da vegetação da EESB foram utilizados os trabalhos de Goodland (1971) e Eiten (1990).

O espectro biológico das formas de vida de Raunkiaer foi elaborado de acordo com a chave de identificação de Mueller-Dombois e Ellenberg (1974).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram relacionadas 314 espécies pertencentes a 84 famílias de angiospermas que ocorrem na Estação Ecológica de Santa Bárbara (EESB). Dessas espécies, 285 predominam nas fitofisionomias de Cerrado sensu lato (Quadro 1). Embora expressivo, o número de espécies encontradas no Cerrado sensu lato da EESB é menor que o encontrado em outras Unidades de Conservação em Cerrado, como o Parque Nacional das Emas (GO), com 601 espécies; a Reserva Biológica de Moji-Guaçu (SP), com 532 espécies; e a Reserva Biológica de Moji-Guaçu (SP), com 360 espécies (MANTOVANI e MARTINS 1993; BATALHA e MANTOVANI, 2001; BATALHA e MARTINS 2002, 2004;). Uma efetiva conservação dos 2.715 ha da EESB protege o Cerrado sensu lato local, que ainda apresenta grande parte de sua riqueza original, com expressivo número de espécies que representam 47% do total encontrado no Parque Nacional das Emas, uma Unidade de Conservação com uma área 49 vezes maior (133.000 ha).

Se considerar as estimativas de riqueza feita por Castro et al. (1999), admite-se um número entre 3.000 e 7.000 espécies nos 200 milhões de hectares da distribuição original do Cerrado. Ocupando uma área correspondente a 0,0014% da área original de Cerrado, a EESB possuiria de 4 a 9,5% da totalidade de espécies de Cerrado.

As famílias com maior número de espécies coletadas na EESB, incluindo as Matas de Galeria, foram Asteraceae (33 espécies), Fabaceae (31, sendo 11 Caesalpinioideae, 12 Faboideae e 8 Mimosoideae), Myrtaceae (20), Melastomataceae (15), Poaceae (14), Rubiaceae (14), Malpighiaceae (13) e Bignoniaceae (12). Os gêneros mais ricos foram Miconia (Melastomataceae), Eupatorium (Asteraceae) e Eugenia (Myrtaceae), com sete espécies; Myrcia (Myrtaceae) e Cassia (Caesalpiniaceae), com seis espécies.

No Cerrado sensu lato, que na EESB foi o conjunto formado por campo limpo úmido, campo sujo, campo cerrado, Cerrado sensu stricto e Cerradão, as famílias mais ricas foram Asteraceae (32 espécies), Fabaceae (28, sendo 10 Caesalpinioideae, 11 Faboideae e 7 Mimosoideae), Myrtaceae (19), Poaceae (14), Malpighiaceae (13), Bignoniaceae (12) e Rubiaceae (11).

Houve diferenças no número de espécies entre as diferentes fitofisionomias de Cerrado. Foi encontrado maior número de espécies nas fitofisionomias de Cerrado sensu stricto e no Cerradão, diferindo do observado na Reserva Biológica de Moji-Guaçu e na Reserva Pé-de-Gigante, em Santa Rita do Passa Quatro, ambas situadas no Estado de São Paulo, onde foram encontradas mais espécies nas fitofisionomias campestres que no Cerrado sensu stricto e no Cerradão (MANTOVANI e MARTINS, 1993; BATALHA e MANTOVANI, 2001).

Portanto, é possível que mais espécies sejam encontradas nas fitofisionomias de campo cerrado, campo sujo e campo limpo da EESB, além das relacionadas neste estudo.

Mantovani e Martins (1993) e Batalha e Mantovani (2001), ao considerarem a distribuição das espécies nos componentes arbustivo-arbóreo e herbáceo-subarbustivo da vegetação de Cerrado da Reserva Biológica de Moji-Guaçu e na Reserva Pé-de-Gigante, respectivamente, encontraram números de espécies aproximados aos obtidos na EESB de Asteraceae (Compositae) e Leguminosae, as duas famílias mais ricas nesses três estudos. A família Asteraceae foi a mais rica tanto em Águas de Santa Bárbara quanto em Moji-Guaçu, ficando as leguminosas como a segunda família mais diversa, o inverso sendo observado na Reserva Pé-de-Gigante. Mendonça et al. (1998), numa compilação de vários trabalhos florísticos desenvolvidos em diferentes vegetações no Domínio de Cerrado, concluíram que Leguminosae, Compositae (Asteraceae), Orchidaceae e Gramineae (Poaceae), em ordem decrescente, são as famílias mais ricas. Batalha e Martins (2002, 2004) encontraram riqueza equivalente entre Asteraceae e Leguminosae nas espécies levantadas no Cerrado do Parque Nacional das Emas, em Goiás, seguidas de Poaceae, Myrtaceae e Lamiaceae. Os resultados encontrados na EESB corroboram um padrão florístico que vem sendo evidenciado na vegetação de Cerrado sensu lato como um todo. Assim, as famílias mais ricas do Cerrado sensu lato nos levantamentos completos realizados são Asteraceae e Leguminosae. Essas duas famílias são as mais ricas do Cerrado em todos os levantamentos que estudaram as floras lenhosa e herbáceo-subarbustiva e estão bem-representadas nessas duas floras. Figueiras (2002) citou a família Poaceae como a predominante no estrato herbáceo do Cerrado, sendo incluída entre as mais ricas em número de espécies, e sua riqueza aumenta quando existem maiores proporções de áreas campestres, pois são representadas exclusivamente na flora herbáceo-subarbustiva. Talvez por isso as gramíneas não sejam tão ricas quanto as compostas e leguminosas no Cerrado, que têm numerosas espécies lenhosas e herbáceo-subarbustivas. As compostas se apresentam com maior número de espécies de menor porte, ocorrendo o inverso com as leguminosas. Em termos de riqueza, famílias como Myrtaceae, Malpighiaceae, Orchidaceae, Lamiaceae e Rubiaceae também estão incluídas entre as mais diversas, mas não têm a constância de compostas, leguminosas e gramíneas, sempre apontadas entre as mais ricas em todos os estudos. Futuros levantamentos conjuntos de flora lenhosa e de flora herbáceo-subarbustiva mostrarão quanto esse padrão é generalizado no domínio de Cerrado.

O espectro biológico de espécies para o Cerrado sensu lato foi de 149 fanerófitas (51,20%), 61 caméfitas (20,96%), 41 hemicriptófitas (14,09%), seis geófitas (2,06%), 10 terófitas (3,44%), 23 lianas (7,90%) e uma semi-parasita (0,34%) (Tabela 1 e Figura 2). No Cerradão, o espectro biológico apresentou 64 fanerófitas (85,33%), uma caméfita (1,33%), três hemicriptófitas (4,00%) e sete lianas (9,33%). No Cerrado sensu stricto foram encontradas 120 fanerófitas (67,41%), 17 caméfitas (9,55%), 19 hemicriptófitas (10,67%), cinco geófitas (2,81%), 16 lianas (8,99%) e uma semiparasita (0,56%). No campo Cerrado, o espectro biológico mostrou 47 fanerófitas (60,26%), 11 caméfitas (14,10%), 15 hemicriptófitas (19,23%) e cinco geófitas (6,41%). No campo sujo foram encontradas 11 fanerófitas (17,46%), 26 caméfitas (41,27%), 20 hemicriptófitas (31,75%), cinco geófitas (7,94%) e uma liana (1,59%). O espectro biológico do campo limpo apresentou sete fanerófitas (14%), 17 caméfitas (34%), 16 hemicriptófitas (32%) e 10 terófitas (5%) (Tabela 1 e Figura 2).


Os espectros biológicos (Figura 2) mostraram tendência de aumento na proporção de espécies das formas de vida fanerofítica e das lianas quando se analisou a seqüência fitofisionômica no sentido do campo limpo para o Cerradão e Mata de Galeria. No mesmo sentido fitofisionômico, observou-se o decréscimo da proporção de espécies das formas de vida camefítica, hemicriptofítica e terofítica. Conforme foi verificado, é esperado que haja aumento na proporção de espécies fanerófitas ao longo do gradiente fisionômico, no sentido das formas savânicas mais abertas para as mais fechadas no Cerrado (COUTINHO, 1978; BATALHA e MARTINS, 2004). Embora fosse esperado que as hemicriptófitas prevalecessem nas formas savânicas mais abertas de Cerrado (BATALHA e MARTINS, 2002), na EESB prevaleceram as caméfitas no campo limpo e no campo sujo. Essa diferença pode ter sido causada por fatores ambientais que não foram investigados. Entre uma infinidade de fatores ambientais, o fogo é sempre importante em ecologia de savanas. A passagem do fogo foi constatada como fator ambiental beneficiador da forma de vida hemicriptofítica em detrimento da camefítica e fanerofítica em espectros biológicos específicos, conforme demonstrado por Meira Neto et al. (2005) em vegetação de fitofisionomia savânica de Muçunungas. Como efeito da ocorrência de incêndios na riqueza, Moreira (2000) relatou a ausência de cinco entre 10 das mais importantes espécies lenhosas de Cerradão em locais não-protegidos do fogo no Jardim Botânico de Brasília. O longo histórico de proteção contra incêndios da EESB pode ter influenciado, positivamente, as caméfitas e fanerófitas, o que se evidencia nas fisionomias do campo limpo e campo sujo. No entanto, exceto pela inversão na prevalência de hemicriptófitas e de caméfitas nessas fitofisionomias, os padrões encontrados na EESB são semelhantes aos observados na Estação Ecologia e Experimental de Itirapina, SP, e em outras áreas de Cerrado (BATALHA e MARTINS, 2004).

A forma de vida geofítica ocorreu apenas nas fisionomias intermediárias do Cerrado da EESB, o Cerrado sensu stricto, o campo cerrado e o campo sujo. A ausência das geófitas no Cerradão, como também em Mata de Galeria, deve-se, possivelmente, à exigência de níveis elevados de luminosidade por essas espécies. No campo limpo da EESB, que é intermitentemente alagado, as geófitas também não ocorreram, pois as condições pedológicas de encharcamento na maior parte do ano são muito diferentes daquelas encontradas nas formas fisionômicas intermediárias de Cerrado, em que os horizontes superficiais do solo são bem-drenados. Assim, as geófitas dificilmente serão encontradas nos campos limpos úmidos do domínio de Cerrado, pela pouca adaptabilidade dessa forma de vida aos alagamentos intermitentes.

4. CONCLUSÕES

O número de espécies encontradas nas fisionomias de Cerrado sensu lato na Estação Ecológica de Santa Bárbara constitui expressiva riqueza da vegetação de Cerrado.

As famílias mais ricas do Cerrado sensu lato nos levantamentos conjuntos de flora lenhosa e flora herbáceo-subarbustiva realizados na EESB são Asteraceae e Fabaceae. As duas famílias, juntamente com Poaceae, constituem um padrão florístico encontrado no Cerrado como um todo, conforme indicam este estudo e outros. Futuros levantamentos das duas floras são necessários para corroborações e verificação da extensão desse padrão.

Os espectros biológicos das diferentes fisionomias de Cerrado na EESB mostraram tendência de aumento no número de espécies das formas de vida fanerofítica e das lianas, e o decréscimo no número de espécies das formas de vida camefítica, hemicriptofítica e terofítica, quando se analisou a seqüência fitofisionômica no sentido do campo limpo para o cerradão e Mata de Galeria, corroborando estudos anteriores.

A predominância das caméfitas no campo limpo e o campo sujo pode ser efeito da proteção da EESB contra incêndios. Exceto por essa inversão na prevalência de hemicriptófitas e de caméfitas, os padrões encontrados na EESB são semelhantes aos verificados em outras áreas de Cerrado.

A forma de vida geofítica ocorreu apenas nas fisionomias savânicas intermediárias, não sendo encontrada no campo limpo da EESB, que é intermitentemente úmido.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às seguintes intituições e pessoas: Instituto Florestal do Estado de São Paulo, pelo apoio logístico e permissão para o estudo; FAPESP, pelo financiamento; funcionários da EESB, pelo apoio nos trabalhos de campo e colaboração; professores Hermógenes de Freitas Leitão Filho, João Semir Jorge e Jorge Yoshio Tamashiro, pela colaboração na identificação do material botânico; aos demais professores, aos funcionários do Departamento de Botânica da UNICAMP e aos colegas da Pós-Graduação em Biologia Vegetal da UNICAMP pelo apoio e amizade. Agradecem, ainda, aos revisores do artigo pela revisão atenta que em muito melhorou a qualidade do texto.

6. REFERÊNCIAS

Recebido em 12.05.2006 e aceito para publicação em 01.12.2006.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2006
  • Aceito
    01 Dez 2006
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