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Estrutura etária de populações de Mauritia flexuosa L. F. (Arecaceae) de veredas da região central de Goiás, Brasil

Age structure of Mauritia flexuosa L. f. (Arecaceae) swamp populations in the central region of Goiás, Brazil

Resumos

A Mauritia flexuosa (buriti) é considerada espécie-chave no ambiente de veredas, sendo escassas as informações sobre sua estrutura populacional para subsidiar a elaboração de estratégias de manejo e conservação. Neste trabalho são avaliadas seis populações da espécie em áreas de veredas com diferentes graus de antropização nos municípios de Bela Vista de Goiás, Silvânia e São Miguel do Passa Quatro, GO, na região nuclear do Cerrado brasileiro. Foram coletados dados de altura de 584 indivíduos, desde plântulas até adultos, sendo amostrados 100 indivíduos por população, com exceção de uma, para a qual foram amostrados 84 indivíduos. A maioria das populações estudadas apresentou curvas de distribuição dos indivíduos em classes de altura em forma de J invertido, característica de populações autorregenerativas. A maior proporção de indivíduos mortos ocorreu no menor intervalo de classe de altura, com a maior expectativa de vida no intervalo de classe de altura entre 3,5 m e 7 m.

Mauritia flexuosa; Vereda e Estrutura de populações


Mauritia flexuosa (buriti palm) is considered a key species in the swampy environment and little is known about their population structure to support its management and conservation strategies. This work investigated six populations of this species, from swampy areas with different degrees of human disturbance in the municipality of Bela Vista de Goiás, Silvânia and São Miguel do Passa Quatro, GO, in the nuclear region of the Brazilian Cerrado, a savannah-like vegetation. Plant height data were collected from 584 individuals, from seedlings to adults, with 100 sampled individuals per population, excluding one, in which 84 individuals were sampled. Most of the studied populations showed distribution of individuals in plant height classes according to expected inverted-J shaped curve, a self-regenerating population characteristic. The highest proportion of dead individuals occurred in the first height class and the highest life expectancy occurred in the height class with interval from 3.5 m to 7.0 m.

Mauritia flexuosa; Swamp and Population structure


Estrutura etária de populações de Mauritia flexuosa L. F. (Arecaceae) de veredas da região central de Goiás, Brasil

Age structure of Mauritia flexuosa L. f. (Arecaceae) swamp populations in the central region of Goiás, Brazil

Isa Lucia de Morais ResendeI; Flavio Pereira dos SantosII; Lázaro José ChavesII; Jorge Luiz do NascimentoII

IUniversidade Estadual de Goiás, UEG,Unidade de Quirinópolis, Brasil. E-mail: <isamorais1@gmail.com>

IIUniversidade Federal de Goiás, UFG, Agronomia, Brasil. E-mail: <lazaro.chaves@pq.cnpq.br>

RESUMO

A Mauritia flexuosa (buriti) é considerada espécie-chave no ambiente de veredas, sendo escassas as informações sobre sua estrutura populacional para subsidiar a elaboração de estratégias de manejo e conservação. Neste trabalho são avaliadas seis populações da espécie em áreas de veredas com diferentes graus de antropização nos municípios de Bela Vista de Goiás, Silvânia e São Miguel do Passa Quatro, GO, na região nuclear do Cerrado brasileiro. Foram coletados dados de altura de 584 indivíduos, desde plântulas até adultos, sendo amostrados 100 indivíduos por população, com exceção de uma, para a qual foram amostrados 84 indivíduos. A maioria das populações estudadas apresentou curvas de distribuição dos indivíduos em classes de altura em forma de J invertido, característica de populações autorregenerativas. A maior proporção de indivíduos mortos ocorreu no menor intervalo de classe de altura, com a maior expectativa de vida no intervalo de classe de altura entre 3,5 m e 7 m.

Palavras-chave:Mauritia flexuosa, Vereda e Estrutura de populações.

ABSTRACT

Mauritia flexuosa (buriti palm) is considered a key species in the swampy environment and little is known about their population structure to support its management and conservation strategies. This work investigated six populations of this species, from swampy areas with different degrees of human disturbance in the municipality of Bela Vista de Goiás, Silvânia and São Miguel do Passa Quatro, GO, in the nuclear region of the Brazilian Cerrado, a savannah-like vegetation. Plant height data were collected from 584 individuals, from seedlings to adults, with 100 sampled individuals per population, excluding one, in which 84 individuals were sampled. Most of the studied populations showed distribution of individuals in plant height classes according to expected inverted-J shaped curve, a self-regenerating population characteristic. The highest proportion of dead individuals occurred in the first height class and the highest life expectancy occurred in the height class with interval from 3.5 m to 7.0 m.

Keywords:Mauritia flexuosa, Swamp and Population structure

1. INTRODUÇÃO

Na região do Cerrado, embora predominem as fitofisionomias de solos bem drenados, ocorrem também áreas úmidas, entre elas as veredas. Estas são comunidades hidrófilas formadas por dois estratos: um herbáceo-graminoso contínuo, que ocupava a maior parte da área; e outro arbóreo-arbustivo, com predominância de indivíduos da palmeira Mauritia flexuosa L. f., popularmente conhecida como buriti, com dossel entre 5% e 10% (RIBEIRO; WALTER, 2008).

M. flexuosa (Arecaceae) é uma palmeira definidora dos ambientes de veredas, tanto pela importância ecológica quanto pela alta densidade em comparação com as poucas espécies arbóreas que ali ocorrem. Ela serve como fonte de alimento e local de abrigo e de reprodução para diversos elementos da fauna, podendo ser considerada como uma espécie-chave nas veredas. Várias espécies de aves utilizam-na para nidificação, e os frutos são bastante apreciados por diversas espécies de psitacídeos, entre elas a Ara ararauna (KUNIY et al., 2001). Quando esses frutos caem no solo são comidos por mamíferos, incluindo desde pequenos roedores, queixadas, catitus até o maior mamífero terrestre, a anta (Tapirus terrestris) (VILLALOBOS, 1994). As flores contêm néctar, que é utilizado por himenópteros como as abelhas Trigona sp. e Apis mellifera L., as vespas Polistes sp. e Polybia sp. e as formigas Camponotus sp. e por dípteros como a mosca Ornidia obesa. Os coleópteros das famílias Nitidulidae, Mycetophagidae e Curculionidae usam as flores para reprodução, e suas larvas são grandes devoradoras de grãos de pólen (ABREU, 2001).

Alguns autores têm salientado a importância de palmeiras, entre elas M. flexuosa, como ecótopos naturais de triatomíneos, principalmente espécies do gênero Rhodnius (GURGEL-GONÇALVES, 2004). A espécie é fitotelmata, ou seja, o pecíolo pode armazenar grande volume de água, suportando uma abundante e relativamente rica fauna de macroinvertebrados aquáticos (NEISS, 2007).

Além da importância ecológica, M. flexuosa possui grande potencial de uso como fonte alternativa de renda para comunidades rurais, sendo já explorada de forma extrativista em algumas regiões. A polpa dos frutos pode ser empregada nas indústrias alimentícias, farmacêuticas e de cosméticos (ALMEIDA et al., 2008). As sementes são utilizadas no artesanato e produção de álcool combustível, o óleo é usado para fritar peixe, fabricar sabão e cosméticos e como combustível para lamparina, o pecíolo fornece material leve e macio utilizado em artesanato para confecção de brinquedos e rolha de garrafa, além de outras utilidades. Já as folhas novas ainda fechadas, conhecidas como "olhos", são transformadas em corda, cestas, cintos, bolsas, esteiras, chapéus, sandálias, capas de agendas e redes (CYMERYS et al., 2005). Também podem ser empregadas na indústria de celulose e papel (PEREIRA et al., 2003) e na construção civil (LIMA, 2005).

Diante da importância ecológica e como alternativa econômica, nos últimos anos tem crescido o número de pesquisas envolvendo M. flexuosa. Entretanto, existem poucos estudos sobre a estrutura de populações dessa palmeira (CARDOSO et al., 2002; SOUZA, 2005; JARDIM et al., 2007; SAMPAIO et al., 2008; MACHADO; SILVEIRA, 2009). O estudo da estrutura etária de populações permite avaliar a capacidade autorregenerativa, abundância, distribuição de tamanho, distribuição espacial e grupos ecológicos, entre outros processos que ocorrem em nível populacional. Essas informações podem subsidiar ações de conservação e programas de recuperação de áreas degradadas (AQUINO et al., 2007).

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a estrutura etária de populações de M. flexuosa em veredas da região central de Goiás, visando subsidiar programas de manejo e de conservação.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Depois da realização de estudos prévios com o uso de imagens de satélite e viagens de reconhecimento, foram escolhidas seis veredas situadas em ambientes conservados e antropizados. Foram consideradas conservadas as veredas que apresentavam vegetação nativa no entorno superior a 50 m de largura, conforme determina a Lei nº. 7.803, de 18 de julho de 1983 (BRASIL, 1992). As veredas com vegetação nativa ausente ou inferior a 50 m no entorno foram denominadas antropizadas.

O estudo foi realizado em seis veredas (Tabela 1), as quais fazem parte da vegetação ripária de afluentes do rio do Peixe, o qual é afluente do rio Corumbá, da bacia do rio Paranaíba (Figura 1), e estão localizadas em propriedades particulares.


A vereda conservada de Bela Vista de Goiás faz transição com o Cerradão e apresenta represas abaixo da área de estudo para dessedentação do gado, sendo observados sinais de perturbação como marcas de fogo no estipe dos buritis e, raras vezes, pisoteio da vegetação pelo gado. A vereda conservada de Silvânia fazia transição com o Cerrado sentido restrito e se encontrava cercada, não sendo observados vestígios de animais domésticos no local.

Entre as veredas antropizadas, considerando o período de amostragem, duas apresentavam seu entorno ocupado por pastagens cultivadas, com predominância de Brachiaria sp., enquanto as outras duas tinham o entorno submetido à atividade agrícola de cultivo de grãos (especialmente as culturas de milho e soja). Entre as veredas estudadas, as únicas que não apresentavam cerca em uma das margens ou em seu entorno foram a circundada por pastagem em Silvânia e a circundada por lavoura em Bela Vista de Goiás. Na vereda circundada por pastagem em Silvânia foram observadas plantas jovens de buritis com sinais de que as folhas tinham sido comidas pelo gado.

O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo Aw, megatérmico, com chuvas de verão e estação relativamente seca no inverno. Os valores da temperatura média variam entre 19 e 28 ºC, e a pluviosidade média é inferior a 2.000 mm/ano (INMET, 2009). Os locais de amostragem apresentam relevo plano a suave ondulado, com altitudes variando de 910 a 1.040 m.

Normalmente, em espécies arbóreas dicotiledôneas estudos de estrutura etária de populações são realizados utilizando-se medidas de altura e de diâmetro, uma vez que o diâmetro aumenta com a idade das árvores. Entretanto, neste estudo foram utilizados somente dados de altura pelo fato de a espécie ser uma palmeira que define o diâmetro muito jovem, não apresentando variação considerável com o passar do tempo.

As coletas foram realizadas em três dias, sendo realizadas em maio de 2008, fevereiro de 2009 e janeiro de 2010. Foram coletados dados de altura de 584 indivíduos de M. flexuosa, desde plântulas até adultos, sendo em cada vereda amostrados 100 indivíduos, com exceção da vereda circundada por lavoura em São Miguel de Passa Quatro, onde só foi possível amostrar 84 indivíduos, porque a vereda abrigava uma população com menor número de indivíduos. Estes foram amostrados aleatoriamente, medindo-se todas as plantas de determinada faixa da vereda até atingir o número estabelecido. A altura das plantas adultas foi obtida por projeção de triângulo retângulo, medindo-se as distâncias da árvore até uma haste de referência e desta até o observador, com o auxílio de uma trena de 50 m. Os indivíduos jovens foram medidos diretamente com o uso de uma trena.

Os intervalos de classes para a confecção dos histogramas de altura foram obtidos utilizando-se a fórmula: A/K, em que A representa a amplitude dos valores de altura e K indica uma constante definida pelo algoritmo de Sturges, que consiste em 1 + 3,3 × log10n, em que n é o número total de indivíduos amostrados (BONINI; BONINI, 1972). O resultado dessa razão (A/K) representa o valor do incremento empregado para definir os intervalos de classes.

Os dados foram analisados utilizando-se a distribuição em classes de altura e o cálculo do Quociente de De Liocourt (MEYER, 1952). O Quociente "q" de De Liocourt, no limite entre duas classes, é obtido pela divisão do número de indivíduos da classe de altura pelo número de indivíduos da classe anterior. Algebricamente, pode ser estimado pela linearização da função Yi=ke-aXi , ou seja, In Yi=k-aXi , sendo Yi a frequência de indivíduos na classe i e Xi o valor central da classe. O Quociente de De Liocourt é obtido por e-aw, sendo w o valor da amplitude de classe (MURPHY; FARRAR, 1981).

A significância dos valores do coeficiente de regressão foi verificada pelo teste F por meio de análise de regressão, comparando o quadrado médio da regressão com o quadrado médio dos desvios da regressão (STEEL; TORRIE, 1980). A comparação entre os valores dos coeficientes de determinação (R2) de cada população foi feita usando-se a transformação R para Z e verificando a significância diretamente na distribuição normal padronizada.

Para estimar as taxas de mortalidade e a esperança de vida, foram utilizadas tabelas de vida baseadas nas classes de altura das populações de M. flexuosa. Para a elaboração das tabelas de vida, determinaram-se os valores de número de sobreviventes (lx), número de indivíduos mortos (dx) durante o intervalo etário, estrutura etária (Ex), número de indivíduos vivos entre um intervalo de classe de altura e outro e esperança de vida (ex), em que x é a classe etária, Ex = [lx + (lx+1)]/2 e ex = tx/lx, baseando-se em Silveira Neto et al. (1976).

3. RESULTADOS

Nas veredas estudadas, a maioria dos indivíduos adultos de M. flexuosa encontrava-se distribuída na região mais úmida, denominada região de fundo, formando um alinhamento em que o canal de drenagem estava se definindo.

Os indivíduos foram separados em oito classes de altura, por intervalos de classe igual a 3,5 m. Aproximadamente 40% dos indivíduos apresentaram alturas inferiores a 3,5 m, e cerca de 1,5% já havia atingido alturas entre 17,5 m e 28,0 m. Apenas a população da vereda circundada por lavoura, em Bela Vista de Goiás (Figura 2L1), apresentou indivíduos nas duas classes maiores de altura.






Embora tenha ocorrido variação nos valores encontrados nas razões "q", há uma tendência para o padrão "J – invertido" para a estrutura das alturas das populações (Figura 2), com exceção das populações das veredas circundadas por pastagem, de Bela Vista de Goiás (Figura 2P1), e a conservada, de Silvânia (Figura 2C2), com os valores de coeficiente de determinação (R2) na ordem de 0,1079 e 0,2186, respectivamente.

Todas as populações apresentaram coeficiente q1, da primeira para a segunda classe, variando em torno de 0,5 ou com valores mais baixos e grande número de indivíduos na menor classe de altura.

Houve maior proporção de indivíduos mortos de M. flexuosa no menor intervalo de classe de altura, com a maior expectativa de vida no intervalo de classe de altura entre 3,5 m e 7 m (Tabela 2).

As populações das veredas circundadas por lavoura em Bela Vista de Goiás (Figura 2L1) e por pastagem em Silvânia (Figura 2P2) apresentaram baixo número de indivíduos na menor classe de tamanho, em comparação com as outras populações. Essas populações exibiram maior número de indivíduos nas classes intermediárias de altura. Embora a primeira classe de altura tenha o maior (L1) ou o segundo maior número de indivíduos (P2), a diferença no valor é pequena para o número de indivíduos encontrados nas classes intermediárias. Essas populações são mais maduras, com a maioria dos indivíduos em estádio avançado de reprodução, diferindo da situação encontrada nas outras veredas, as quais apresentavam populações predominantemente jovens.

Observou-se que as razões q2 e q3 foram altas em todas as populações.

Estatisticamente, houve diferença significativa apenas entre as populações da vereda conservada e a circundada por pastagem (p = 0,0276), ambas de Bela Vista de Goiás, indicando que a população da vereda conservada se ajustou melhor ao padrão esperado.

4. DISCUSSÃO

Em estudo realizado por Cardoso et al. (2002), 95% dos indivíduos de buritis (jovens e adultos) foram encontrados no fundo da vereda. Acredita-se que o predomínio de adultos nessa região, além da preferência por um solo hidromórfico para a germinação das sementes (CYMERYS et al., 2005), seja devido à incidência de fogo nas veredas ao longo dos tempos, eliminando o desenvolvimento de adultos nas regiões de borda e meio. Observou-se que nessas últimas regiões havia apenas plântulas e, ou, jovens dessa palmeira, os quais se estabeleceram depois da passagem do fogo, sendo verificados sinais de incêndio em alguns buritizeiros. Mesmo sendo as veredas ambientes úmidos, em anos com estação seca mais intensa o fogo pode se alastrar devido ao predomínio de espécies de Poaceae e Cyperaceae, que compõem a maior parte do estrato herbáceo.

A carência ou ausência de indivíduos nas classes maiores de tamanho pode indicar grande perturbação antrópica no passado (CARVALHO et al., 2007). Embora a distribuição de altura não corresponda ao padrão esperado para populações equilibradas, essas duas populações apresentam boa possibilidade de recuperação devido à grande quantidade de indivíduos na primeira classe de altura e pelo bom estado de conservação das veredas. Uma distribuição de altura de indivíduos de M. flexuosa, fora do padrão "J invertido", foi obtida no levantamento realizado em uma floresta de várzea, na Ilha do Combu, em Belém, Pará, por Jardim et al. (2007). Nessa floresta de várzea, a maior parte das alturas encontradas foi intermediária: 43,33% (n = 13) dos indivíduos distribuídos no intervalo de classe de 5,1 m a 10,0 m e 36,67% (n = 11) no intervalo de 10,1 m a 20,0 m, num total de 30 indivíduos amostrados. Já nos estudos de Sampaio et al. (2008) e Machado e Silveira (2009) as populações dessa espécie apresentaram estrutura em formato de J invertido.

Houve bastante discrepância na relação entre as primeiras classes de altura e as subsequentes, o que indica que poderá haver acréscimo de indivíduos nas populações estudadas. A maior concentração de indivíduos nas primeiras classes de altura pode caracterizar um banco de plântulas-estoque, o que é um padrão em florestas tropicais estáveis com idade e composição de espécies variadas (SCOLFORO et al., 1998). Cada classe de altura representa uma etapa da regeneração da fração do povoamento de uma mesma espécie ou de uma comunidade com a altura superior à dessa classe (ROLLET, 1978). À medida que aumenta o tamanho da classe, a frequência diminui até atingir o menor valor na maior classe de diâmetro, ou seja, a frequência decresce segundo uma progressão geométrica constante (MEYER et al., 1961), caracterizando uma curva do tipo exponencial ou denominada "J" invertido (SCOLFORO, 1998).

Para que uma população esteja em equilíbrio, é necessária grande produção de sementes, germinação satisfatória e taxa de mortalidade decrescente nas idades mais avançadas (DAUBERNMIRE, 1968). A elevada produção de frutos por M. flexuosa garante a manutenção de um banco de plântulas e o consequente recrutamento delas em estágio adulto, sendo o grande número de indivíduos jovens uma estratégia adaptativa importante para a continuidade temporal da espécie no local.

Segundo Paula-Fernandes (2001), uma palmeira feminina de buriti produz de um a nove cachos, e cada cacho contém de 600 a 1.200 frutos. De acordo com Martins (2010), a qual avaliou a produção das populações de buritis nas três veredas de Bela Vista de Goiás, as médias do número de frutos por cacho e de massa foram, respectivamente, de 595,33 e 55,44 g na vereda circundada por lavoura, 436 e 60,02 g na vereda circundada por pastagem e 397,33 e 49,79 g na vereda conservada. Embora tenha ocorrido elevada produção de frutos, verificou-se maior número de indivíduos mortos nos estádios mais jovens (CARDOSO et al. , 2002), o que é corroborado pela grande queda no número de indivíduos da primeira classe de altura para a segunda nas populações estudadas (Figura 2). A maioria das populações de espécies tropicais tem a mortalidade concentrada nas classes menores (SOLBRIG, 1981), e as causas podem ser a herbivoria ou a incidência de doenças e a competição entre plântulas ou entre plântulas e indivíduos adultos (HOWE, 1990). No caso de M. flexuosa, além desses fatores, existe outro bastante específico, que é provocado pelo impacto mecânico da queda de folhas de indivíduos adultos, as quais apresentam grandes bainhas e podem causar a mortalidade de plântulas sob a planta-mãe (REIS et al. , 1996; CARDOSO et al. , 2002).

Pode-se inferir que o baixo valor de indivíduos jovens das populações das veredas circundadas por lavoura em Bela Vista de Goiás e por pastagem em Silvânia, em comparação com o encontrado nas outras populações, seja devido ao intenso pastejo e pisoteio de animais domésticos. As duas veredas não se encontravam cercadas, observando-se a entrada constante de animais domésticos. A vereda de Bela Vista de Goiás, embora circundada por lavoura, sofria interferência do gado, que era colocado na época da palhada. Também, foram observados sinais de porcos, que eram soltos regularmente no local para se alimentarem. Além disso, havia a irregularidade no relevo ocasionada pela construção de pequenas represas, que acumulavam água, principalmente na época chuvosa, permitindo o estabelecimento apenas de plantas aquáticas. O buriti cresce em condições edáficas e de umidade especiais, apresentando raízes do tipo pneumatóforo, que suprem a falta de oxigênio nos brejos, mas elas podem ser sufocadas por assoreamento (POTT; POTT, 2004) ou inundação, como a ocasionada pela construção de barragens, o que causa a morte da planta. O reduzido número de indivíduos na faixa etária mais jovem das populações das veredas circundadas por lavoura em Bela Vista de Goiás e por pastagem em Silvânia pode indicar impacto recente e o comprometimento da sobrevivência dessas populações.

As causas das diferenças na composição etária das populações podem estar relacionadas com a variação do uso e ocupação do solo no entorno dos ecossistemas estudados. Nas veredas, o solo e a água interagem de forma dinâmica, influenciando reciprocamente em suas propriedades e na ocorrência e distribuição da flora (OLIVEIRA et al., 2009). Para Ramos et al. (2006), as diferenças observadas em certas propriedades do solo nos ambientes de vereda são condicionadas por fatores como: origem e intensidade de deposição dos sedimentos nas veredas, influência do nível de estabilidade do lençol freático e a própria ação antrópica. As condições de drenagem, bem como as variações dos teores e os estoques de nutrientes do solo, podem ser impactadas pelas práticas adotadas na utilização das terras adjacentes, com potencial alteração da estrutura e funções desses ecossistemas (LIMA; GUILHERME, 2002; SOUSA, 2009).

O fato de as razões q2 e q3 terem sido altas indica que as populações amostradas, em um passado próximo, sofreram perturbação que interferiu no recrutamento de indivíduos para essas classes. Essa perturbação pode ter sido na polinização e, ou, fecundação, produção de frutos, germinabilidade das sementes e, ou, estabelecimento das plântulas.

A diferença significativa apenas entre as populações da vereda conservada e a circundada por pastagem, ambas em Bela Vista de Goiás, indica que a população da vereda conservada se ajustou melhor ao padrão esperado.

A maioria das populações estudadas apresentou curvas de distribuição dos indivíduos em classes de altura em forma de J invertido, característica de populações autorregenerativas. A maior proporção de indivíduos mortos ocorreu no menor intervalo de classe de altura, com a maior expectativa de vida no intervalo de classe de altura entre 3,5 m e 7 m.

Devido à importância ecológica da M. flexuosa, sugere-se que estudos acerca da estrutura de populações dessa palmeira sejam incentivados, visando ampliar o conhecimento sobre seu comportamento ecológico e subsidiar o manejo e conservação do ambiente de veredas.

5. AGRADECIMENTOS

À CAPES, pela concessão da bolsa de doutorado à primeira autora; ao CNPq, pela concessão da bolsa de iniciação científica ao segundo autor e de produtividade em pesquisa ao terceiro; aos revisores anônimos, pela leitura crítica do manuscrito; e ao CNPq/CTHidro, Edital 044/2006, pelo apoio financeiro.

6. REFERÊNCIAS

Recebido em 07.07.2010 e aceito para publicação em 15.11.2011.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Fev 2012

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2010
  • Aceito
    15 Nov 2011
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